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Direito Processual do Trabalho, Inicial, defesa e comparecimento das partes

André Jobim de Azevedo

 

I Introdução

É da maior relevância a pioneira iniciativa de publicação de obra coletiva acerca da recente Reforma Trabalhista. Com o risco inerente às primeiras interpretações acerca de tão complexo texto legal, a discussão promete ser bastante acalorada.  São muitos- e distintos – os entendimentos sobre as novas normativas e que ainda sequer foram postos em prática, o que contará, ainda posteriormente com a interpretação judicial, à qual se pretende alcançar elementos e argumentos capazes de melhor aplica-las.

A proposição articulada ora iniciada busca realizar abordagem relativa ao novel  mundo do trabalho, do direito processual do trabalho, seu espaço constitucional e sua efetiva incidência em foros de realidade contemporânea.

Por óbvio a base do direito laboral é já bastante antiga, podendo-se afirmar que a disciplina nasce e afirma-se a partir da Revolução Industrial, cujo momento da história se centra depois dos anos de 1750. É que com a substancial alteração na forma de produzir e trabalhar com o advento do maquinismo, alteram-se significativamente as relações de trabalho. Em tempos de afirmação do liberalismo, com a predominância das regras de direito civil, que prestigiava a autonomia plena da vontade, com a consequente liberdade contratual, impondo aos particulares agir em seu interesse e por esse zelar, o novel fato social trabalho a tanto não se afeiçoava. A despeito da enorme importância humanística da concepção que dava força ao indivíduo no sentido de construção de sua própria vida, em termos de relações do trabalho não foi esse o resultado.  É que o pressuposto da aplicação do direito civil e da liberdade contratual é justamente a capacidade das partes em decidir em condições de igualdade seus desideratos, sendo por suas decisões responsáveis. O Estado não deveria intervir na relação entre os particulares. Contudo, a condição de absoluta desigualdade entre os trabalhadores e os donos das máquinas, futuros industriais, evidenciou a incapacidade de boa regência da novel situação de trabalho pelo Direito então prevalente.

Por conta disso, surge a intervenção do Estado, Direito do Trabalho, com a necessária regência especializada própria de uma relação de direto material distinta daquela civil e que ensejou produção legislativa intensa, no sentido de limitar a liberdade contratual, impondo restrições ao livre manejo e desenvolvimento dessas relações.

 

II A Reforma Trabalhista e o novo mundo do Trabalho. Reforma do Processo.

Admirável mundo novo nos cerca nesta segunda década do século XXI. É surpreendente o que, por vezes não percebemos, mas é a atual realidade. A evolução dos meios de transporte e de comunicação parecem ter-nos levado a este estado de coisas. Vivemos a era da tecnologia e da velocidade. Para tudo. Comunicamo-nos com inimaginável velocidade e somos capazes de atingir a qualquer localidade do globo em questão de horas. Assistimos fatos onde quer que eles aconteçam segundos ou minutos após sua efetivação, em vivas reproduções filmadas e sonorizadas, muitas vezes ao vivo. O mundo parece pequeno. As redes sociais estão aí para comprovar.

Essa condição que nos cerca nos faz partícipes desse cenário contemporâneo não como meros expectadores ou testemunhas, mas verdadeiros atores e protagonistas.

Ao mesmo tempo perderam-se as referências antes vigentes relativas às grandes nações, aos grandes líderes, às instituições, às tradições, às profissões, aos partidos políticos e às agremiações. O centro do mundo passa a ser o indivíduo, como auto referência, convivendo com a enorme diversidade e pluralidade evidentes. As noções de destaque social efêmeras e calcadas nas mais diversas situações e diluição ou fragilidade de lideranças capazes de bem estimular visões mais próprias da corrente atribulada vida contemporânea.

A vida realmente está diferente e o mundo em constante mutação. Decorrem daí significativas alterações no mundo econômico e nele o mundo do trabalho.

As relações de trabalho que compõe estas observações por certo também são bastante distintas daquelas que historicamente manejamos. Por igual os sujeitos sociais e sujeitos econômicos desse processo produtivo igualmente distinguem-se.

Atribuo à essa novel condição produtiva e mercadológica alterações patentes na sociedade e necessariamente em seus sujeitos econômicos e não econômicos, onde causa e efeito se confundem.              

As relações econômicas até a bem pouco tempo atrás eram restritas, limitadas e envolviam números muitíssimo menores de sujeitos. O mundo cresceu e ao mesmo tempo tornou-se menor.  O mundo do trabalho tem direto reflexo da nova realidade.

Recentemente o mundo produtivo buscava atender às necessidades vizinhas de bens produtos e serviços e a preocupação dos negócios estabelecia-se   partir de noção tímida, acanhada, de competição com conhecidos concorrentes, da rua, da cidade, do estado, do país, este último apenas para os grande agentes da produção que conseguiam avançar para atuações nacionalmente  ocorrentes.

A percepção, contudo, de que as distâncias encurtaram e que os horizontes produtivos elasteceram tornou-se um fato. Deixa-se apenas de focar a atuação produtiva e comercial em seu redor geográfico para perceber um entorno ilimitadamente existente e capaz de ameaçar a qualquer um e a todos, por conta de disputas que vão para muito além dos limites históricos e geográficos referidos. 

Ao mesmo tempo, a perspectiva de livre circulação do trabalhador pelo mundo recrudesce, limitando-se a situação internamente aos grandes mercados comuns, mas que convive com inúmeras atividades que passaram a desnecessitar a presença física dos trabalhadores no antes local de trabalho, com pouco ou nenhum prejuízo de sua ausência, e até com vantagens significativas. Os meios telemáticos de contribuição insuperável para isto, estão envolvidos com a vida acentuadamente urbana. Convivência essa centralizada nas cidades, que não mais comportam   tanto atropelo, resultando em enormes dificuldades de mobilidade urbana.

A facilidade de comunicação e transporte de bens, mercadorias e pessoas ensejou mudanças significativas na vida econômica do planeta e na atuação empresarial. Descobriu-se no oriente global, região do planeta de abundante mão de obra e condições de produção infinitamente melhores e mais econômicas do que aquelas existentes nos próprios locais originários de produção e consumo desta. Para lá foram transferidas unidades empresarias completas que se justificavam por essa vantagem econômica que a distância, antes intransponível, ora se supera pelo moderno transporte global. É imperiosa a alteração e transferência do resultado do trabalho, de sua produção aos destinos de uso e consumo em volumes gigantescos e cuja escala barateia novas linhas de distribuição.

Pontuando esta situação, toma-se seu principal exemplo a China, mas não o único, que encharca o mundo com todo o tipo e produtos lá produzidos que são entregues mundo a fora com preços FOB (“Free on Board”), em condições capazes de arrasar qualquer produção local. Condições absolutamente impróprias de competição e que demandam medidas difíceis de contenção desta situação.

Várias são as razões para estes resultados. Inicialmente refira-se que um país que tem mais de 1.3 bilhões de habitantes tem indiscutivelmente massa de trabalhadores  disponíveis e capazes de compor  mão de obra abundante com consequente redução no custo do trabalho.  Junte-se a isso a obediência e disciplina impostas pela força dos regimes políticos e pouco também por questões culturais históricas. Características estas presentes nesta região do Globo e não apenas no país exemplificado.

A globalização da economia como norte competitivo impondo à produção cada vez maior especialização e qualificação, pena de quebra do negócio. Cinde-se o processo produtivo como forma dessa melhoria de atuação necessária. Entrega-se a terceiro partes não essências ou finalísticas do trabalho, àqueles que tenham estas atuações parciais como cerne da sua atividade, e, portanto, com  condições de melhor fabricar, prestar serviços, compondo  um todo de melhor resultado final. É a  participação coletiva e seriada de várias empresas , cada uma com seu mister para atender às exigências de consumo, cada vez mais intensas.

A inafastável necessidade de aprimoramento da gestão e administração empresariais é questão de sobrevivência, não só da pessoa jurídica, mas especialmente para aqueles que de seu trabalho dependem.  A própria empresa precisa readequar-se às novas exigências de seus clientes, da sociedade, do mercado, sem os quais não tem qualquer possibilidade futura ou mesmo presente.

Interessante trecho que bem avalia esta realidade pelo estudo crítico de Feliciano:

 

“Com efeito, a globalização econômica e a revolução tecnológica – ambos fenômenos contemporâneos à pós-modernidade, senão a ela inerente – sinalizam para a desterritorialização das relações de trabalho (POCHAMANN, 2006:65), obtendo-se trabalho mais ou menos subordinado nas distâncias mais abissais e nos mais diversos e inusitados pontos do planeta. O exemplo de THOMAS FRIEDMAN é emblemático: a Infosys Technologies Limited, pérola da indústria de TI indiana, pode convocar reuniões virtuais com os principais elos de toda a cadeia global de fornecimento de qualquer de seus projetos, estabelecendo diálogos em tempo real com seus designers estadunidenses, fabricantes asiáticos e programadores indianos; na verdade, a empresa “gira” 24 horas por dia nos 365 dias ao ano, considerando-se a atividade de seus colaboradores em vários pontos do mundo: nas costas oeste e leste dos Estados Unidos, no distrito de Greenwich (Londres), na própria Índia, em Cingapura, em Hong Kong, no Japão e até na Austrália (FRIEDMANN, T. L., 2005, 14-15)[1]   

                                                

É assim uma realidade desafiadora, que ao lado dessas observações, maneja por igual, assento constitucional que não só evidencia a necessidade de proteção do ser humano em sua condição individual e de dignidade, e entre estes o trabalhador, mas também o adequado exercício da atividade produtiva e econômica com liberdade capaz de manter possível e viável aqueles que concedem o trabalho.

É neste cenário que foi promulgada a na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, publicada no DOU de 14 de julho de 2017, cuja introdução prevê que ela entrará em vigor 120 dias após a data de sua publicação, e, portanto, entrará em vigor no dia 15.11.2017, superado este período de “vacatio legis”.

A extensão e amplitude das alterações mudam o cenário trabalhista e processual trabalhista significativamente. Um passo importante em favor das responsabilidade.  De todos os que atuam e interferem no processo judicial e nas relações de trabalho. Empregados, Empregadores, advogados, Sindicatos, testemunhas, juízes, têm agora novas imposições que exigem destes posturas e modos de agir mais responsável ainda, no sentido da seriedade de sua participação. Muito há a avaliar e abordar nas alterações havidas, pelo que fazermos, como no presente texto, conforme solicitação , de parte dela é adequado. A mim foram designados os temas constantes do título, notadamente os alterados artigos da CLT  793-A, D, 800, 840, 841, 843, 844 3 847.

                                               

III A Petição Inicial, A defesa e o Comparecimento das partes em audiência

 

A alteração do Título X, Capítulo II, Seção IV -A, Da Responsabilidade por Dano  Processual, no artigo 793-A, B e C são a comprovação do recém afirmado, acerca da mudança de parâmetro dos litígios que ora se impõe. A firme penalização do  litigante de má-fé aos titulares do litígio e  interveniente é fundamental. Confesso que em mais de 30 anos de advocacia, me ressinto de haver enfrentado inúmeras, quiçá centenas de situações que  como tal se configuram e que foram relativizadas, sem a devida punição correspondente.

A regência do artigo 793-A, B e C, espelham a norma processual civil dos artigos 79,80 e 81 no sentido de, com adaptação terminológica (reclamante e reclamado), trazer para o diploma que regra o Processo do Trabalho regra  Processual Civil. Já compreendia a mesma como plenamente aplicada ao Âmbito trabalhista, mas que  de maneira expressa se afirma. Resta  aguardar firmeza na aplicação das mesmas, por quem de direito.

No que toca à fixação do valor nas causas de valor irrisório ou inestimável, contudo, diferentemente do CPC, o limite  tem como parâmetro, duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social , e não em 10 salários mínimos como no processo civil, abrandada, portanto, a regra importada.

A extensão expressa dessas punições à testemunha que intencionalmente  alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento  da causa vem em boa hora. Absolutamente comum na tramitação dos feitos  a ocorrência de  testemunhos diametralmente opostos, o que , por óbvio evidencia que há falta de verdade nas declarações, pelo menos por das partes. Responderão  civil e , quem sabe criminalmente, por falso testemunho. Tudo ensejador de celeridade, por  execução nos mesmos autos (parágrafo único , do artigo  793, D.).

O alterado artigo 800 da CLT, acerca da  Exceção de Incompetência em razão do lugar ( territorial –“Racione loci”) traz importantíssima e simplificadora alteração nesta arguição. Em muitas vezes, irresponsavelmente distribuída a ação em foro impróprio, obrigava  o deslocamento do reclamado, com as  despesas correspondentes, ao foro da audiência inaugural,  sem  que a este devesse corresponder o processamento da ação. Funcionava como medida de  indevida pressão, para indução à uma conciliação.

A apresentação prévia à realização da audiência inaugural – ato de cartório, secretaria da vara – e a adequação do procedimento pelos parágrafos que o disciplinam vem em favor da simplificação e correção do direito de ajuizar. A suspensão do  processo e a garantia de  nova oportunidade para a apresentação de defesa de mérito é da maior importância e assegura  a aplicação da mesma.    

O artigo 840, traz alteração no mesmo sentido de responsabilização antes invocado. A alteração é da correção dos destinatários, não mais “Presidente de Junta”, nem explicitando o juiz de direito, mas agora ao juízo, ampliando ainda de reclamante e reclamado, para partes.

A significativa alteração, contudo, foi a  de adjetivar e  delimitar que o  pedido agora deve ser “certo, determinado e com indicação  de seu valor” . Obrigação inafastável que poderá determinar a extinção sem julgamento de mérito (parágrafo 3º), se descumprida. Faz mais séria e pontual a formulação da peça vestibular, imprimindo maior seriedade e segurança à peça vestibular. Deve ser apresentada em valor líquido. É sim fundamental  que quem vem a juízo assim proceda, bem avaliada a pretensão e dimensionada concretamente , de modo a possibilitar a adequada formulação de defesa e exercício do contraditório. A preocupação do legislador em deixar a petição inicial mais livre, por assim dizer, é de outro tempo em que se praticavam reclamações verbais, sem a participação dos profissionais do direito. Por conta do parágrafo segundo, mantida a reclamação  verbal, perdeu-se a oportunidade de afastamento dessa vetusta e quase extinta hipótese. E com razão. Os que eventualmente se aventuravam nesta auto iniciativa, eram resistidos avassaladoramente pelos adversários que invariavelmente se faziam acompanhar para atuação do profissional do direito, o advogado.

Impõe ainda avaliar  a alteração no que respeita ao procedimento sumaríssimo, mantido no artigo  852 e suas alíneas (de A a I)e parágrafos. A exigência no tocante ao  procedimento sumaríssimo tem como consequência a extinção sem julgamento de mérito e arquivamento do feito, com condenação ao pagamento de custas. No procedimento ordinário comum (sumário), extingue-se o/os pedido(s), também sem julgamento de mérito, prosseguindo o feito  relativamente aos demais pedidos . Crê-se que há aqui o espaço para determinação de  correção da inicial em despacho  de caráter saneador, oportunizando correção e assegurando o devido acesso ao Poder Judiciário, constitucionalmente assegurado. As determinações ora estabelecidas são sim de natureza cogente.

A novel introdução do parágrafo 3º ao artigo 841 consolidado é norma  de adequação e equilíbrio entre as partes, explicitando a limitação da desistência  da ação , quando ciente e conhecidos os argumentos da defesa. Tal se apresenta como óbvia adequação.

Outra importantíssima  mudança é a regra do  843,  que introduz o parágrafo 3º, em assimilação à demanda civil. Contrariando entendimento jurisprudencial  – a meu ver absolutamente  equivocado – bem afasta a obrigatoriedade de que o preposto seja empregado do réu. Além disso, equipara a liberdade de representação ao previsto pelo parágrafo anterior, em favor do reclamante.

Nesse sentido também, a alteração ao 844 da CLT, redisciplinando o comparecimento das partes a juízo. Segue protegendo o motivo relevante, antes no parágrafo único da regra. Agrava no seu novel  parágrafo 2º,no entanto, a ausência do reclamante que doravante poderá ser onerado com sua injustificada  ausência. Diz-se assim porque, cautelosamente, enseja a justificação legal à ausência que é capaz sim de afastar qualquer penalidade. O não cumprimento da mesma, expressamente prevista pelo parágrafo 3º, inviabiliza nova propositura, tratado como condição da ação.

Já o novo parágrafo 4º e seus incisos, maneja a decretação do estado de revelia de forma a aludir  quando não produz os efeitos da aplicação da penalidade de confissão ficta, invertendo a lógica do antes caput do 844. Os incisos I a IV explicitam as hipóteses em que há defesa por outro reclamado (I), aproveitando ao ausente, a impossibilidade dessa situação quando  o litígio versar sobre direitos indisponíveis (II), vício  insuperável da petição inicial (III) e incorreção de alegação inverossímil ou contrária à prova dos autos(IV) .

A alteração quanto à apresentação da defesa é  matéria que historicamente invoquei, no sentido de que a clara  evidência de interesse em se defender pela presença do advogado munido de defesa e seus documentos, haveriam de afastar a decretação da revelia. Agora é regra, como disposto no parágrafo 5º,  parágrafos antecedentes.

O artigo 847, explicita a possibilidade de apresentação da defesa escrita até a audiência, o que agora sim altera a, esta sim, regra legal, antes atropelada pela Resolução 136 do CSJT, artigo 29. Antes da alteração da CLT ora em comento, a contestação sempre foi ato de audiência, pelo que nela poderia  e deveria ser produzido o ato defesa , independentemente do processo eletrônico. Sem contar com a possibilidade de defesa oral ser produzida no ato da audiência, conforme artigos 844 e 847, de duvidosa remanescência.

A alteração faz com que a defesa possa ser apresentada a qualquer momento antes da audiência, podendo ainda ser mantida sob sigilo, até seu desbloqueio pelo julgador em audiência, caso presentes as partes e desenvolvimento regular do feito. 

        

CONCLUSÃO

 

No presente artigo estão comentários aos dispositivos solicitados acrescentados ou modificados da CLT que estão mais diretamente vinculados aos noveis requisitos da petição inicial, à defesa e ao comparecimento das partes em juízo.

É factível afirmar, portanto, que a parte processual da chamada Reforma Trabalhista, instituída pela Lei 13.467/2017 altera diversos dispositivos da CLT sem se despreocupar com a efetividade do direito fundamental de acesso à Justiça do Trabalho e os princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do valor social da livre iniciativa, o que nos autoriza concluir, nesses breves comentários, que a nova lei aponta no sentido da desconstitucionalização do direito processual do trabalho.

Nesse sentido, alertamos aos que manejam e aplicam o processo, juízes e tribunais trabalhistas para que estejam atentos para a adequada interpretação e aplicação dos novos dispositivos da CLT e não lhes pode faltar coragem e determinação para adotarem as técnicas da hermenêutica constitucional concretizadora dos direitos e garantias fundamentais, especialmente dos cidadãos trabalhadores mais vulneráveis e hipossuficientes econômicos que têm na Justiça do Trabalho a última trincheira para reivindicarem ou resgatarem os seus direitos lesados ou ameaçados de lesão.

 

VI  Referências Bibliograficas

 

  1. AZEVEDO, André Jobim de. Direito do Trabalho, Constituição e Efetividade. In: Direito Constitucional do Trabalho: Vinte Anos Depois. Constituição Federal de 1988.In: Coord. Marco Antonio Villatore. Curitiba,. Editora Juruá.2008.
  2. AZEVEDO, André Jobim de. Principio de la indistanciabilidad del control jurisdiccional, otros y Constituición Federal. Revista de Derecho Procesal (Madrid), v. 22, pp. 389-398, 2006.
  3. AZEVEDO, André Jobim de. Notas ao Processo de Reforma Trabalhista. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, Porto Alegre, v. 3, 2004.
  4. BARROS, Cássio Mesquita. A Constituição Federal de 1988 Interpretação. Rio Janeiro: Forense Universitária: Fundação Don Cabral : Academia Internacional de Direito e Economia, 1988.
  5. BOMFIM,Vólia. Direito do Trabalho. São Paulo. 13ªed. Método,2017
  6. CABANELLAS, Angel Gomez-Iglesias. La Influencia de Derecho Laboral. Buenos Aires: Bibliográfica Ameba, 1968.
  7. CUNHA, Maria inês Moura. Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1995.
  8. CUEVA, Mario de la. Derecho Mexicano Del Trabajo, Cidade do México: Porrúa, 1960.
  9. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito Processual do Trabalho.6ª Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2017.
  10. GOMES, Júlio Manuel Vieira Gomes. Direito do Trabalho. Coimbra: 2007.
  11. GOMES, Orlando Gottschalk Elson, Curso de Direito do Trabalho. 14ª. Ed, Rio de Janeiro: Editora Forense;
  12. Leite, Carlos Henrique Bezerra. Primeiras Linhas de Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 1996.
  13. KROTOSCHIN, Ernesto. Instituciones de Derecho Del Trabajo. Buenos Aires: Depalma.
  14. MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 4ª Ed. Lisboa: Almedina. 2007.
  15. MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
  16. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho – 33ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.
  17. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo – Saraiva: 13ª Ed. 1997.
  18. OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao Direito do Trabalho. Curitiba: Genesis, 1997.
  19. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Trad. De Wagner Giglio. São Paulo. Editora, Universidade de São Paulo: 1978.
  20. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 5aa Edição. Curitiba: Juruá. 1995.
  21. STURMER, Gilberto. Direito Constitucional do Trabalho no Brasil– São Paulo : Atlas 2014.
  22. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

[1] Feliciano, Guilherme Guimarães. Curso crítico de direito do trabalho: Teoria geral do direito do trabalho /São Paulo: Saraiva, 2013, pg. 74.

DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO REFORMADOS NO BRASIL

André Jobim de Azevedo

 

Introdução

É da maior relevância a possibilidade de discussão em Sevilla da recente Reforma Trabalhista. Com o risco inerente às primeiras interpretações acerca de tão complexo texto legal, a discussão promete ser bastante acalorada. São muitos- e distintos – os entendimentos sobre as novas normativas e que ainda sequer foram postos em prática, o que contará, ainda posteriormente com a interpretação judicial, à qual se pretende alcançar elementos e argumentos capazes de melhor aplicá-las.

A proposição articulada ora iniciada – sem, contudo, esgotar o tema – busca realizar abordagem relativa ao novel mundo do trabalho, do direito do trabalho e processual do trabalho, seu espaço constitucional e sua efetiva incidência em foros de realidade contemporânea.

Por óbvio a base do direito laboral é já bastante antiga, podendo-se afirmar que a disciplina nasce e afirma-se a partir da Revolução Industrial, cujo momento da história se centra depois dos anos de 1700. É que com a substancial alteração na forma de produzir e trabalhar com o advento do maquinismo, mudam
significativamente as relações de trabalho. Em tempos de afirmação do liberalismo, com a predominância das regras de direito civil, que prestigiava a autonomia plena da vontade, com a consequente liberdade contratual,
impondo aos particulares agir em seu interesse e por esse zelar, o novel fato social trabalho (subordinado, livre e assalariado) a tanto não se afeiçoava. A despeito da enorme importância humanística da concepção que dava força e autonomia ao indivíduo no sentido de construção de sua própria vida, em termos de relações do trabalho não foi esse o resultado. É que o pressuposto da aplicação do direito civil e da liberdade contratual é justamente a capacidade das partes em decidir seus desideratos em condições de igualdade, sendo por suas decisões responsáveis. O Estado não deveria intervir na relação entre os particulares. Contudo, a condição de absoluta desigualdade entre os trabalhadores e os donos das máquinas, empregadores, futuros industriais,
evidenciou a incapacidade de boa regência da novel situação de trabalho pelo Direito então prevalente.

Por conta disso, surge a intervenção do Estado, Direito do Trabalho, com a necessária regência especializada própria de uma relação de direto material distinta daquela civil e que ensejou produção legislativa intensa, no sentido de limitar a liberdade contratual, impondo restrições ao livre manejo e desenvolvimento dessas relações.

2. A Reforma Trabalhista e o novo mundo do Trabalho. Reforma do Processo

Admirável mundo novo nos cerca nesta segunda década do século XXI. É surpreendente o que, por vezes não percebemos, mas é a atual realidade. A evolução dos meios de transporte e de comunicação parecem ter-nos levado a este estado de coisas. Vivemos a era da tecnologia e da velocidade. Para tudo. Comunicamo-nos com inimaginável velocidade e somos capazes de atingir a qualquer localidade do globo em questão de
horas. Assistimos fatos onde quer que eles aconteçam segundos ou minutos após sua efetivação, em vivas reproduções filmadas e sonorizadas, muitas vezes ao vivo. O mundo parece pequeno. As redes sociais estão aí para comprovar.

Essa condição que nos cerca nos faz partícipes desse cenário contemporâneo não como meros expectadores ou testemunhas, mas verdadeiros atores e protagonistas.

Ao mesmo tempo perderam-se as referências antes vigentes relativas às grandes nações, aos grandes líderes, às instituições, às tradições, às profissões, aos partidos políticos e às agremiações. O centro do mundo passa a ser o indivíduo, como auto referência, convivendo com a enorme diversidade e pluralidade evidentes.

As noções de destaque social efêmeras e calcadas nas mais diversas situações e diluição ou fragilidade de lideranças capazes de bem estimular visões mais próprias da corrente atribulada vida contemporânea.

A vida realmente está diferente e o mundo em constante mutação. Decorrem daí significativas alterações no mundo econômico e nele o mundo do trabalho.

As relações de trabalho que compõe estas observações por certo também são bastante distintas daquelas que historicamente manejamos. Por igual os sujeitos sociais e sujeitos econômicos desse processo produtivo igualmente distinguem-se.

Atribuo à essa novel condição produtiva e mercadológica alterações patentes na sociedade e necessariamente em seus sujeitos econômicos e não econômicos, onde causa e efeito se confundem.

As relações econômicas até a bem pouco tempo atrás eram restritas, limitadas e envolviam números muitíssimo menores de sujeitos. O mundo cresceu e ao mesmo tempo tornou-se menor. O mundo do trabalho tem direto reflexo da nova realidade.

Recentemente o mundo produtivo buscava atender às necessidades vizinhas de bens produtos e serviços e a preocupação dos negócios estabelecia-se partir de noção tímida, acanhada, de competição com conhecidos concorrentes, da rua, da cidade, do estado, do país, este último apenas para os grande agentes da produção que conseguiam avançar para atuações nacionalmente ocorrentes.

A percepção, contudo, de que as distâncias encurtaram e que os horizontes produtivos elas teceram tornou-se um fato. Deixa-se apenas de focar a atuação produtiva e comercial em seu redor geográfico para perceber um entorno ilimitadamente existente e capaz de ameaçar a qualquer um e a todos, por conta de disputas que vão para muito além dos limites históricos e geográficos referidos.

Ao mesmo tempo, a perspectiva de livre circulação do trabalhador pelo mundo recrudesce, limitando-se a situação internamente aos grandes mercados comuns, mas que convive com inúmeras atividades que
passaram a desnecessitar a presença física dos trabalhadores no antes local de trabalho, com pouco ou nenhum prejuízo de sua ausência, e até com vantagens significativas. Os meios telemáticos de contribuição insuperável para isto, estão envolvidos com a vida acentuadamente urbana. Convivência essa centralizada nas cidades, que não mais comportam tanto atropelo, resultando em enormes dificuldades de mobilidade urbana.

A facilidade de comunicação e transporte de bens, mercadorias e pessoas ensejou mudanças significativas na vida econômica do planeta e na atuação empresarial. Descobriu-se no oriente global, região do planeta de abundante mão de obra e condições de produção infinitamente melhores e mais econômicas do que aquelas existentes nos próprios locais originários de produção e consumo desta. Para lá foram transferidas unidades
empresarias completas que se justificavam por essa vantagem econômica que a distância, antes intransponível, ora se supera pelo moderno transporte global. É imperiosa a alteração e transferência do resultado do trabalho,
de sua produção aos destinos de uso e consumo em volumes gigantescos e cuja escala barateia novas linhas de distribuição.

Pontuando esta situação, toma-se seu principal exemplo a China, mas não o único, que encharca o mundo com todo o tipo e produtos lá produzidos que são entregues mundo a fora com preços FOB (“Free on Board”), em condições capazes de arrasar qualquer produção local. Condições absolutamente impróprias de competição e que demandam medidas difíceis de contenção desta situação.

Várias são as razões para estes resultados. Inicialmente refira-se que um país que tem mais de 1.3 bilhões de habitantes tem indiscutivelmente massa de trabalhadores disponíveis e capazes de compor mão de obra abundante com consequente redução no custo do trabalho. Junte-se a isso a obediência e disciplina impostas pela força dos regimes políticos e pouco também por questões culturais históricas. Características estas presentes nesta região do globo e não apenas no país exemplificado.

A globalização da economia como norte competitivo impondo à produção cada vez maior especialização e qualificação, pena de quebra do negócio. Cinde-se o processo produtivo como forma dessa melhoria de
atuação necessária. Entrega-se a terceiro partes não essências ou finalísticas do trabalho, àqueles que tenham estas atuações parciais como cerne da sua atividade, e, portanto, com condições de melhor fabricar, prestar serviços, compondo um todo de melhor resultado final. É a participação coletiva e seriada de várias empresas, cada uma com seu mister para atender às exigências de consumo, cada vez mais intensas.

A inafastável necessidade de aprimoramento da gestão e administração empresariais é questão de sobrevivência, não só da pessoa jurídica, mas especialmente para aqueles que de seu trabalho dependem. A própria empresa precisa readequar-se às novas exigências de seus clientes, da sociedade, do mercado, sem os quais não tem qualquer possibilidade futura ou mesmo presente.

Interessante trecho que bem avalia esta realidade pelo estudo crítico de Feliciano (2013, p. 74):

“Com efeito, a globalização econômica e a revolução tecnológica – ambos fenômenos contemporâneos à pós-modernidade, senão a ela inerente – sinalizam para a desterritorialização das relações de trabalho (POCHAMANN, 2006:65), obtendo-se trabalho mais ou menos subordinado nas distâncias mais abissais e nos mais diversos e inusitados pontos do planeta. O exemplo de THOMAS FRIEDMAN é emblemático: a Infosys Technologies Limited, pérola da indústria de TI indiana, pode convocar reuniões virtuais com os principais elos de toda a cadeia global de fornecimento de qualquer de seus projetos, estabelecendo diálogos em tempo real com seus designers estadunidenses, fabricantes asiáticos e programadores indianos; na verdade, a empresa “gira” 24 horas por dia nos 365 dias ao ano, considerando-se a atividade de seus colaboradores em vários pontos do mundo: nas costas oeste e leste dos Estados Unidos, no distrito de Greenwich (Londres), na própria Índia, em Cingapura, em Hong Kong, no Japão e até na Austrália (FRIEDMANN, T. L., 2005, 14-15)”.

 

É assim uma realidade desafiadora, que ao lado dessas observações, maneja por igual, assento constitucional que não só evidencia a necessidade de proteção do ser humano em sua condição individual e de dignidade, e entre estes o trabalhador, mas também o adequado exercício da atividade produtiva e econômica com liberdade capaz de manter possível e viável aqueles que concedem o trabalho.

É neste cenário que foi promulgada a na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, publicada no DOU de 14 de julho de 2017, cuja introdução previa entrada em vigor em novembro, no dia 11.11.2017, superado este período de “vacatio legis”, passou a viger. Poucos dias após foi editada pelo Presidente da República a MP
808/17 que corrige uma séria de aspectos, esclarecendo alguns pontos importantes. A mesma, contudo, pode perder a vigência- e assim voltar ao texto original da Lei nº 13.467 – se não for votada no Congresso Nacional até meados de abril de 2018. Cenário ainda mais confuso, que parece provável, ante a ausência de qualquer movimento no sentido no Congresso.

A extensão e amplitude das alterações mudam o cenário trabalhista e processual trabalhista significativamente. Um passo importante em favor da responsabilidade. De todos os que atuam e interferem no processo judicial e nas relações de trabalho. Empregados, Empregadores, advogados, Sindicatos, testemunhas, juízes, têm agora novas imposições que exigem destes posturas e modos de agir mais responsável ainda, no sentido da seriedade de sua participação. Muito há a avaliar e abordar nas alterações havidas, pelo que
fazermos, como no presente texto, de parte dela é adequado. Trato de questões gerais das alterações e no capítulo seguinte sobre questões processuais relacionadas à inicial, defesa do réu e comparecimento das partes.


3. Alguns Aspectos Gerais


A alteração legislativa é significativamente extensa e complexa abordando questões de direito material do trabalho, processual do trabalho e administrativo do trabalho, sendo que nada se observará acerca deste último, em nosso sentir, de menor relevância.

Inafastável destacar o contexto em que tal se apresenta, no sentido de que se pode, sim, afirmar que se trata de verdadeira reação ao excessivo protecionismo praticado pelo Tribunais, notadamente pelo Tribunal Superior do Trabalho, deixando menor espaço adequado para partição de poderes do estado e agindo como verdadeiro legislador. Na área do direito do trabalho, percebe-se a criativa situação de uma nova “espécie” de sistema jurídico no mundo, híbrido, quem sabe, entre o sistema da Common Law e o da Civil Law (Romanogermânico). Teoricamente deveríamos no país ser conduzidos pela força normativa da lei e não pela casuística, jurisprudência ou direito costumeiro. Esta, contudo, não pode ser uma conclusão segura ou serena, uma vez que nossa CLT tem 922 artigos e no TST entre Súmulas, Enunciados, Precedentes, são mais de 1400 “normativas”!

Talvez o maior e mais evidente exemplo disto que se afirma seja o Enunciado 277, que trata da Ultratividade, quando se opõe à a regra legal expressa no sentido da vigência das normas coletivas o ser por prazo determinado! Outro exemplo impressionante é o da Súmula 244 do mesmo TST, que confere estabilidade à gestante, mesmo na típica hipótese de Contrato por Prazo Determinado, e após o vencimento do prazo neste previsto e contratado.

São apenas duas ululantes situações em que se extrapola a condição judiciária, para criar direitos afrontosamente “contra legem”, e que distorce e geram insegurança jurídica insuportável nas relações de trabalho.

Pois é neste ambiente que as históricas tentativas de atualização normativa, sempre denegadas por motivos diversos e que as regências vigentes identificavam-se dissociadas da realidade contemporânea, se apresenta a mudança.

Quando se apresenta o espaço político que enseja reformar, ela vem sim com força e extensão. São alterações no Direito Coletivo e Individual, quer material, quer processual. Todas, em princípio, protegendo o que chamamos de “núcleo duro” trabalhista da Constituição Federal, notadamente o artigo 7º.

Resguardadas que foram as garantias constitucionais, o âmbito infraconstitucional domina as alterações e
impõe significativas mudanças.

A dita prevalência do negociado sobre o legislado, o reforço da autonomia da vontade individual do trabalhador, questões importantes e delicadas que merecerão estudo profundo e adequada interpretação e aplicação, mas que, desde já, põe em revisão o tradicional Princípio da Aplicação da norma Mais Favorável. A regência das Convenções Coletivas de Trabalho e os Acordos coletivos de Trabalho, a possibilidade de anulação pelo Judiciário de cláusulas destes, a ultratividade e até a própria extinção da contribuição Sindical. Nesta,
particularmente alterando décadas de sistemática de custeio da importante atividade sindical e que já conta com articulação política para que outra alternativa de suporte institucional seja criada, quem sabe até por medida provisória de autoria do Presidente da República.

A “regulamentação” do Trabalho autônomo e assertiva de que sua condição é legítima e deve ser reconhecida, sem que, contudo, tenha deixado de existir o Princípio da Primazia da Realidade. Inserção civilista na CLT. Tal qual se afirmou no artigo 442, parágrafo único da CLT, no que respeita às cooperativas e ao Estagiário na lei própria, que não formam vínculo de emprego. Uma norma pouco eficiente, quiçá principiológica (?). Vem ainda embaçada pela referência à possibilidade de exclusividade na realização do trabalho.

A ampliação e regulamentação da terceirização, cujo temor de precarização, se supera em muito pela vantajosa e segura regência posta. São novos direitos aos terceirizados, subsidiariedade no cumprimento das obrigações, inviabilização da temida “pejotização”, a criação de quarentena para alterações, garantia de mesmas condições aos terceirizados quando à alimentação oferecida em refeitório da contratante, seus serviços de transporte, atendimento médico ou ambulatorial, treinamento, tudo em evidente melhor regramento. Neste sentido também a questão da contratação sucessiva, a responsabilização solidária, a exigência da comprovação mensal de cumprimento das obrigações. A regência da Sumula 331 do TST, pouco contribuiu no sentido.

Mais que isto, está na pauta do Supremo Tribunal Federal a definição acerca do tema, com a tramitação de uma “reclamação” e que gerou a suspensão de mais de 300.000 feitos por conta da aplicação do novel incidente processual civil da suspensão das demandas repetitivas. Aliás, importante registrar, que mal estamos interpretando a aplicação cruzada subsidiária do novo Código de Processo Civil (já nem tão novo assim), que ora conta com a novel norma de seu artigo 8º tratando da aplicação do mesmo ao processo do trabalho, e já
temos outras relevantes questões a avaliar.

As alterações das jornadas de trabalho, o antigo regime 12×36, integralmente praticado nos Hospitais, por exemplo, a questão dos intervalos reduzidos, questão do maior interesse do empregado de modos a escapar dos horários de “rush” e retornar mais cedo para casa. O intervalo antes das horas extras. Os bancos de horas anuais, semestrais e mensais. As horas extras habituais, os acordos de compensação.

A já tardia adequada normatização do “tele Trabalho” ou trabalho “à distância”, o Trabalho Intermitente, que traz à proteção trabalhista, os antes totalmente desprotegidos “Free lancers”, trabalhadores eventuais sem vínculo de emprego. A nova regência do Trabalho a Tempo Parcial, com evidente avanço de direitos, por exemplo nos períodos de concessão das férias.

A supressão das abusivas “horas in itinere” antes indevidamente generalizadas e a regulamentação do tempo à disposição.

Os temas relativos aos salários, prêmios bônus, gratificações, das concessões espontâneas, do salário utilidade, a equiparação salarial. As férias em nova partição que não geral qualquer prejuízo em tempos tão velozes. A questão dos uniformes, logomarcas, sua higienização e tempo de vestimenta, melhor regrados.

A dispensa da obrigatoriedade de homologação das rescisões, que, de fato, para nada serviam – com tantas ressalvas e ausência de efetiva quitação dos direitos – senão como forma de apresentação de profissional que pudesse eventualmente representar judicialmente o despedido.

A importante possibilidade de distrato entre as partes e a realização de acordo extrajudicial, além do manejo da jurisdição voluntária. As dispensas individuais e coletivas. A possibilidade de utilização do importante método adequado de solução de conflitos que é a arbitragem para alguns trabalhadores (os que percebam salários superiores ao dobro do teto de benefício previdenciário), a sucessão, os grupos econômicos. A Correção dos enormes abusos praticados contra sócios retirantes definindo claramente sua responsabilidade. A antes não regulamentada regra constitucional da representação dos empregados naquelas empresas com mais de 200 empregados, e que não se confunda com a atividade sindical, a quitação anual das obrigações.

No âmbito do processo a imposição de novas e importantes responsabilidades, ensejando maior seriedade ao litígio ao impor significativas mudanças nos requisitos da petição inicial. A regulação da sucumbência, da Assistência judiciária gratuita, momento da produção da defesa, as desistências, a Contagem de prazos conforme já o fez o NCPC. A representação da empresa na audiência que pode indicar quem queira, pois, afinal por atos deste responderá. A presença das partes e as consequências de suas ausências, a revelia.

Na audiência a questão da alteração do ônus de prova. A litigância de má fé e a penalização à testemunha mentirosa.

Em especial a simplificação da exceção de incompetência, afastando a ocorrência de malicioso ajuizamento longe da sede do local de trabalho impondo custos enormes e indevidos ao empregador que lá deveria defender-se, mas que acabava por forçar a realização de composição. A tormentosa questão do dano extrapatrimonial, sua fixação e dimensionamento teto.

No que respeita aos recursos, o depósito recursal, o poder do relator no recurso, a transcendência do Recurso de Revista, tornaram mais técnico e de mais difícil trâmite.

A mudança relevante no procedimento de criação e alteração dos Tribunais para a formulação de súmulas, afastando a criação de direitos e obrigações não previstas em lei, estas de competência do poder legislativo. A impossibilidade geral de execução de ofício pelo julgador, garantida, contudo, nas hipóteses em que o autor não é representado por advogado. A atribuição firme de consequência ao executado com cadastramento em órgãos como SERASA e SPC, além do já vigente Cadastro Nacional de Devedores Trabalhistas, sendo que a execução, passa a ser possível de garantia por meio de seguro. A prescrição intercorrente na execução.

Esta tentativa, por certo ineficiente e incompleta, de arrolamento da integralidade das mudanças é feita para que se tenha com clareza e certeza a nova dimensão das relações do trabalho e processo do trabalho.

Avaliando alguns aspectos processuais importantes como abaixo, se vê a dimensão da alteração em curso no País.

A alteração do Título X, Capítulo II, Seção IV -A, Da Responsabilidade por Dano Processual, no artigo 793-A, B e C são a comprovação do recém afirmado, acerca da mudança de parâmetro dos litígios que ora se impõe. A firme penalização do litigante de má-fé aos titulares do litígio e interveniente é fundamental. Confesso que em mais de 30 anos de advocacia, me ressinto de haver enfrentado inúmeras, quiçá centenas de situações que como tal se configuram e que foram relativizadas, sem a devida punição correspondente.

A regência do artigo 793-A, B e C, espelham a norma processual civil dos artigos 79,80 e 81 no sentido de, com adaptação terminológica (reclamante e reclamado), trazer para o diploma que regra o Processo do Trabalho regra Processual Civil. Já compreendia a mesma como plenamente aplicada ao Âmbito trabalhista, mas que de maneira expressa se afirma. Resta aguardar firmeza na aplicação das mesmas, por quem de direito.

No que toca à fixação do valor nas causas de valor irrisório ou inestimável, contudo, diferentemente do CPC, o limite tem como parâmetro, duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, e não em 10 salários mínimos como no processo civil, abrandada, portanto, a regra importada. A extensão expressa dessas punições à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa vem em boa hora. Absolutamente comum na tramitação dos feitos a ocorrência de testemunhos diametralmente opostos, o que, por óbvio evidencia que há falta de verdade nas declarações, pelo menos por das partes. Responderão civil e, quem sabe criminalmente, por falso testemunho.

Tudo ensejador de celeridade, por execução nos mesmos autos (parágrafo único, do artigo 793, D.).

O alterado artigo 800 da CLT, acerca da Exceção de Incompetência em razão do lugar (territorial –“Racione loci”) traz importantíssima e simplificadora alteração nesta arguição. Em muitas vezes, irresponsavelmente distribuída a ação em foro impróprio, obrigava o deslocamento do reclamado, com as despesas correspondentes, ao foro da audiência inaugural, sem que a este devesse corresponder o processamento da ação. Funcionava
como medida de indevida pressão, para indução à uma conciliação.

A apresentação prévia à realização da audiência inaugural – ato de cartório, secretaria da vara – e a adequação do procedimento pelos parágrafos que o disciplinam vem em favor da simplificação e correção do direito de ajuizar. A suspensão do processo e a garantia de nova oportunidade para a apresentação de defesa de mérito é da maior importância e assegura a aplicação da mesma.
O artigo 840, traz alteração no mesmo sentido de responsabilização antes invocado. A alteração é da correção dos destinatários, não mais “Presidente de Junta”, nem explicitando o juiz de direito, mas agora ao juízo, ampliando ainda de reclamante e reclamado, para partes.

A significativa alteração, contudo, foi a de adjetivar e delimitar que o pedido agora deve ser “certo, determinado e com indicação de seu valor”. Obrigação inafastável que poderá determinar a extinção sem julgamento de mérito (parágrafo 3º), se descumprida. Faz mais séria e pontual a formulação da peça vestibular, imprimindo maior seriedade e segurança à peça vestibular. Deve ser apresentada em valor líquido. É sim fundamental que quem vem a juízo assim proceda, bem avaliada a pretensão e dimensionada concretamente, de modo a possibilitar a adequada formulação de defesa e exercício do contraditório. A preocupação do legislador em deixar a petição inicial mais livre, por assim dizer, é de outro tempo em que se praticavam reclamações verbais, sem a participação dos profissionais do direito. Por conta do parágrafo segundo, mantida a reclamação verbal, perdeu-se a oportunidade de afastamento dessa vetusta e quase extinta hipótese. E com razão. Os que eventualmente se aventuravam nesta auto iniciativa, eram resistidos avassaladoramente pelos adversários que invariavelmente se faziam acompanhar para atuação do profissional do direito, o advogado.

Impõe ainda avaliar a alteração no que respeita ao procedimento sumaríssimo, mantido no artigo 852 e suas alíneas (de A a I) e parágrafos. A exigência no tocante ao procedimento sumaríssimo tem como consequência a extinção sem julgamento de mérito e arquivamento do feito, com condenação ao pagamento de custas. No procedimento ordinário comum (sumário), extingue-se o/os pedido(s), também sem julgamento de mérito, prosseguindo o feito relativamente aos demais pedidos . Crê-se que há aqui o espaço para determinação de correção da inicial em despacho de caráter saneador, oportunizando correção e assegurando o devido acesso ao Poder Judiciário, constitucionalmente assegurado. As determinações ora estabelecidas são sim de natureza cogente.

A novel introdução do parágrafo 3º ao artigo 841 consolidado é norma de adequação e equilíbrio entre as partes, explicitando a limitação da desistência da ação, quando ciente e conhecidos os argumentos da defesa.

Tal se apresenta como óbvia adequação.

Outra importantíssima mudança é a regra do 843, que introduz o parágrafo 3º, em assimilação à
demanda civil. Contrariando entendimento jurisprudencial – a meu ver absolutamente equivocado – bem afasta a obrigatoriedade de que o preposto seja empregado do réu. Além disso, equipara a liberdade de representação
ao previsto pelo parágrafo anterior, em favor do reclamante.

Nesse sentido também, a alteração ao 844 da CLT, redisciplinando o comparecimento das partes a juízo.

Segue protegendo o motivo relevante, antes no parágrafo único da regra. Agrava no seu novel parágrafo 2º, no entanto, a ausência do reclamante que doravante poderá ser onerado com sua injustificada ausência. Diz-se assim porque, cautelosamente, enseja a justificação legal à ausência que é capaz sim de afastar qualquer penalidade. O não cumprimento da mesma, expressamente prevista pelo parágrafo 3º, inviabiliza nova propositura, tratado como condição da ação.

Já o novo parágrafo 4º e seus incisos, maneja a decretação do estado de revelia de forma a aludir quando não produz os efeitos da aplicação da penalidade de confissão ficta, invertendo a lógica do antes caput do 844.

Os incisos I a IV explicitam as hipóteses em que há defesa por outro reclamado (I), aproveitando ao ausente, a impossibilidade dessa situação quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis (II), vício insuperável da petição inicial (III) e incorreção de alegação inverossímil ou contrária à prova dos autos (IV).

A alteração quanto à apresentação da defesa é matéria que historicamente invoquei, no sentido de que a clara evidência de interesse em se defender pela presença do advogado munido de defesa e seus documentos, haveriam de afastar a decretação da revelia. Agora é regra, como disposto no parágrafo 5º,
parágrafos antecedentes.

O artigo 847, explicita a possibilidade de apresentação da defesa escrita até a audiência, o que agora sim altera a, esta sim, regra legal, antes atropelada pela Resolução 136 do CSJT, artigo 29. Antes da alteração da CLT ora em comento, a contestação sempre foi ato de audiência, pelo que nela poderia e deveria ser produzido o ato defesa, independentemente do processo eletrônico. Sem contar com a possibilidade de defesa oral ser produzida no ato da audiência, conforme artigos 844 e 847, de duvidosa remanescência.

A alteração faz com que a defesa possa ser apresentada a qualquer momento antes da audiência, podendo ainda ser mantida sob sigilo, até seu desbloqueio pelo julgador em audiência, caso presentes as partes e desenvolvimento regular do feito.


CONCLUSÃO


No presente artigo estão comentários gerais da reforma – excetuados os de direito administrativo do trabalho- acrescentados ou modificados da CLT que estão mais diretamente vinculados ao processo como noveis requisitos da petição inicial, à defesa e ao comparecimento das partes em juízo.

É factível afirmar, portanto, que a parte processual da chamada Reforma Trabalhista, instituída pela Lei 13.467/2017 altera diversos dispositivos da CLT sem se despreocupar com a efetividade do direito fundamental de acesso à Justiça do Trabalho e os princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do valor social da livre iniciativa, o que nos autoriza concluir, nesses breves comentários, que a nova lei aponta no sentido da desconstitucionalização do direito processual do trabalho. A alteração trazida, mas sujeita à reversão, da MP 808/17 promete ainda mais turbulência , se até abril de 2018, não for votada no Congresso, ou ainda, como última possibilidade, nova edição da mesma Medida Provisória.

Nesse sentido, alertamos aos que manejam e aplicam o processo, juízes e tribunais trabalhistas para que estejam atentos para a adequada interpretação e aplicação dos novos dispositivos da CLT e não lhes pode faltar coragem e determinação para adotarem as técnicas da hermenêutica constitucional concretizadora dos direitos e garantias fundamentais, especialmente dos cidadãos trabalhadores hoje nem tão vulneráveis e hipossuficientes econômicos como no passado, mas ainda destinatários de proteção, os quais têm na Justiça do Trabalho a última trincheira para reivindicarem ou resgatarem os seus direitos lesados ou ameaçados de lesão.

É necessário que nos tomemos de espírito inovador de modo a corrigir incorreções e desvirtuamentos que se apresentaram ao longo das últimas décadas.

 

Referências


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Migração internacional forçada por perseguições, conflitos e desastres: em busca do destino “dignidade”

André Jobim de Azevedo
Vitor Kaiser Jahn

Nas últimas duas décadas, a população mundial forçada a abandonar seu domicílio por conta de perseguição, conflito, violência ou violação de direitos humanos cresceu substancialmente, passando de 33,9 milhões em 1997 para 65,6 milhões em 2016, segundo o relatório Global Trends publicado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em julho de 2017[1].

O estudo aponta que, em âmbito global, 20 pessoas foram forçadas a deixar suas casas a cada minuto de cada dia de 2016, sendo o conflito na Síria o maior propulsor desse deslocamento forçado, com mais de 12 milhões de sírios atingidos.

Nesse contexto, surge uma preocupação maior com a formação de identidades e padrões específicos de grupos migratórios que anteriormente eram desconhecidos ou ignorados na problemática da estrutura social mais ampla da sociedade destinatária dessas migrações.

Como ressalta Anthony Giddens, face à globalização e os atuais processos migratórios, muitas sociedades estão a tornar-se, pela primeira vez, etnicamente diversas; outras a descobrir que os padrões existentes de multietnicidade estão sendo intensificados. Todavia, em todas as sociedades, os indivíduos estão começando a conviver com pessoas que pensam de forma diferente, têm uma aparência diferente e vivem de uma forma diferente da sua[2].

Embora muitos perseguidos e sujeitos a conflitos armados optem por permanecer em localidades próximas a suas casas, a fim de manter os vínculos familiares e sociais, outros resolvem buscar proteção internacional em locais distantes, atravessando o Mar Mediterrâneo em busca de um abrigo seguro que lhes possa proporcionar uma vida digna.

Por via de consequência, muitos países europeus experimentaram considerável aumento de refugiados e solicitantes de asilo nos últimos anos, alcançando a Alemanha uma população de 1 milhão e 300 mil estrangeiros nessas condições até o final de 2016, enquanto que na Suécia foram 313 mil e 300 imigrantes.

O Brasil também foi afetado por este acréscimo, tendo sido divulgado pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE)[3] que, enquanto 2010 totalizou 966 pedidos de refúgio, em 2015 alcançou-se a marca de 28.670 solicitações recebidas pelo Ministério da Justiça.

No entanto, até o final de 2016, houve o reconhecimento histórico de apenas 9.552 refugiados no Brasil; ou seja, a concessão do refúgio não tem acompanhado nem de longe o número de solicitações apresentadas pelos imigrantes que aqui aportam em busca de abrigo.

Fato é que, no Brasil, os órgãos responsáveis por apreciar as solicitações de refúgio não estavam preparados para absorver tamanho acréscimo de pedidos de refúgio, o que acarretou um sistema decisório extremamente moroso e prejudicial aos imigrantes, havendo processos que aguardam anos e anos sem qualquer encaminhamento, permanecendo os solicitantes de refúgio em condição provisória por tempo indeterminado, notadamente precária.

Após conseguirem ingressar no Brasil, os imigrantes que não chegam no país com um visto previamente concedido, necessitam enfrentar um longo processo administrativo para a regularização da sua situação, sendo a solicitação de refúgio a única forma de amparar sua permanência, tornando-a imediata e automaticamente regular, até a conclusão do processo.

A abertura da solicitação de refúgio acarreta a emissão de um protocolo que vale como carteira provisória de estrangeiro, com validade de um ano, prorrogável por igual período de forma sucessiva até a decisão final (RN n. 18/2014, do CONARE), demonstrando a regularidade da condição migratória até que se decida o processo.

A Lei brasileira de implementação do Estatuto dos Refugiados assegura ao portador do referido documento que “em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política” (artigo 7º, § 1º, da Lei 9.474/1997).

Ademais, a partir do protocolo, o estrangeiro passa a contar com a possibilidade de obter Carteira de Trabalho e Previdência Social, conforme disposto no artigo 21, § 1º, da Lei 9.474/1997, iniciando-se, então, a possibilidade de buscar melhores condições de vida através de um emprego formal que lhe possa assegurar dignidade.

Os ideais de dignidade e liberdade da pessoa humana possuem íntima relação com o Estado Democrático de Direito, pois colocam o indivíduo no centro de todo o sistema jurídico-normativo.

Justamente por não haver esse enaltecimento em regimes ditatoriais e em áreas de conflito armado, muitos são forçados a abandonar seu país de origem em busca de um Estado que assegure a inviolabilidade de seus direitos fundamentais.

A esse respeito, fundamental é a lição de Ingo Sarlet[4], “onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças”.

Segundo Maurício Godinho Delgado, o princípio da dignidade da pessoa humana traduz a ideia de que o valor central das sociedades, do direito e do Estado é a pessoa humana, em sua singeleza, independentemente de seu status econômico, social ou intelectual. Complementa o autor que “o princípio defende a centralidade da ordem juspolítica e social em torno do ser humano, subordinante dos demais princípios, regras, medidas e condutas práticas[5].

De fato, como ressalta Dinaura Gomes, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana “supera qualquer outra elaboração legislativa, porque ocupa um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico como valor supremo da ordem constitucional e finalidade precípua da ordem econômica e social[6].

Contudo, conceituar a palavra “dignidade” não é uma tarefa fácil para o intérprete. Como bem vislumbrado por Pedro Augustin Adamy, a mera referência à “dignidade” é “demasiado ampla, demasiadamente vaga e abstrata, acriteriosa e, acima de tudo, manipulável[7]; afinal, sob o pretexto da dignidade, pode-se defender dois lados absolutamente opostos, valendo ela como verdadeira “tábua de salvação” argumentativa.

Quanto ao ponto, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado complementam que: “A formulação de conceito que seja atual sobre a dignidade da pessoa humana é uma das tarefas mais tortuosas apresentadas pelas doutrinas filosófica e constitucional[8].

Nessa conjuntura, adotar-se um referencial para alcançar o conceito de dignidade da pessoa humana se afigura imprescindível, a fim de que seja aclarado, afinal, o que está efetivamente elevado ao status de princípio que fundamenta toda a República Federativa do Brasil.

Para tanto, o referencial Kantiano apresenta-se como o mais expressivo no âmbito histórico-filosófico. Segundo Immanuel Kant, a dignidade da pessoa humana se conceitua a partir da percepção de que “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade[9], robustecendo a linha de pensamento contra qualquer tendência à coisificação ou instrumentalização do ser humano[10]. Miguel Reale complementa que o homem, portanto, deve ser compreendido como o “valor-fonte de todos os valores[11].

Ingo Sarlet ressalta que a dignidade da pessoa humana constitui o núcleo essencial dos direitos fundamentais, estabelecendo verdadeira limitação às restrições a eles impostas[12].

No âmbito jurídico-positivado, o dispositivo constitucional que eleva a dignidade da pessoa humana ao status de princípio regente da República assegura a garantia da liberdade individual e da possibilidade de autodeterminação, sendo o homem insuscetível de instrumentalização ou objetivação, segundo Pedro Adamy[13].

A par disso, a Carta Magna arrola a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como elementos fundamentais da República (artigo 1º, incisos III e IV, da CRFB), a respeito do que Arnaldo Süssekind[14] leciona que a prevalência da dignidade do trabalhador, enquanto ser humano, e dos valores sociais do trabalho, deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normas e das condições contratuais estabelecidas.

Assim, se alguém é forçado a abandonar seu domicílio e sua família por conta de perseguições e graves violações a direitos humanos, essa condição de migração imposta, porém, não pode se traduzir em nova afronta a sua dignidade, devendo ser assegurado ao imigrante um tratamento sem discriminação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente em seu artigo 7º, declara que a todos é devida proteção contra atos de discriminação, sendo o seu combate um objetivo irradiado do próprio princípio da igualdade, positivado na Constituição da República.

Outrossim, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1958, reforça a necessidade de eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego ou profissão.

Para além do princípio da igualdade, o artigo 5º da Carta Magna arrola um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, especialmente a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, os quais, por expressa previsão constitucional, estendem-se não só aos brasileiros, mas também aos estrangeiros residentes no país (artigo 5º, caput, da CRFB), sem distinções de qualquer natureza.

Esse é o espírito da Convenção nº 97 da OIT sobre Trabalhadores Migrantes, adotada em sessão realizada em Genebra em 1949, que determina o tratamento do estrangeiro de modo que não seja menos favorável que o concedido aos próprios nacionais.

A referida Convenção, cita como de necessária garantia aos imigrantes a proteção de seus direitos trabalhistas (remuneração, duração do trabalho, horas extraordinárias, feriados pagos, idade de admissão, aprendizagem, formação profissional e trabalho das mulheres e adolescentes); a filiação às organizações sindicais e gozo das vantagens oferecidas pelas convenções coletivas; o alojamento; a seguridade social (benefícios em caso de acidente do trabalho, doenças profissionais, maternidade, doença, velhice e morte, desemprego e encargos de família); e também o acesso às ações judiciais para implementação desses direitos.

A Lei Migração de 2017, em consonância com tal sistemática, assegura ao imigrante extenso rol de direitos, dentre os quais se destaca a “garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória” (artigo 4º, inciso XI, através da Lei nº 13.445/2017).

Vale dizer, esses direitos são assegurados ao imigrante em situação regular, dificilmente alcançando aqueles que se encontram irregularmente no território brasileiro.

As hipóteses de concessão de refúgio no Brasil são limitadas, de modo que um considerável número de imigrantes que aqui chega sem a concessão prévia de um visto acaba fadado à informalidade.

Conforme se infere da Lei 9.474/1997, o refúgio será concedido: “I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.

Citada lei, indubitavelmente, segue as diretrizes da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, celebrada em Genebra, a qual qualifica como refugiado aquele que se encontra afastado do país de sua nacionalidade em virtude do temor da perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas (artigo 1º, 2, da Convenção de Genebra de 1951).

Giza-se, refugiar-se é muito mais do que a condição de fugir de algum lugar, é procurar um abrigo, um refúgio por estar desamparado no princípio básico de sua existência: a própria vida[15]. Assim, o refugiado resta obrigado a viver fora de seu país devido ao perigo motivado por perseguições políticas, religiosas ou por outra causa em que sua presença represente um perigo real e iminente de morte.

Curioso foi o processo de regularização da migração de haitianos ao Brasil. Diante do terremoto de grave intensidade que devastou a capital Porto Príncipe em 2010, milhares de haitianos passaram a escolher o Brasil como destino para recomeçarem suas vidas em crescente movimento de imigração[16].

Ocorre que a devastação natural de um território não se encontra arrolada nas hipóteses de concessão de refúgio estabelecidas pela Convenção de Genebra e adotadas pelo ordenamento brasileiro, razão pela qual, como destacam Fernandes e Faria, o refúgio fora sistematicamente negado aos haitianos[17].

No entanto, por considerar que a permanência dos estrangeiros no país poderia se justificar por razões humanitárias diversas das ensejadoras do refúgio, com fundamento no artigo 12 da Resolução Normativa nº 18, o Plenário do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), suspendeu a tramitação dos processos solicitação do refúgio e encaminhou ao CNIg (Conselho Nacional de Imigração).

O CNIg, inicialmente, apresentando fundamentos individuais e excepcionais que não se aplicariam como regra ante a ausência de amparo jurídico para a concessão de refúgio por causas ambientais, deferiu autorização de permanência no território nacional a 199 haitianos em março de 2011, número este que cresceu para 632 autorizações de permanência até o final daquele ano.

A partir de então, o fluxo de entrada de haitianos começou a crescer constantemente, razão pela qual em janeiro de 2012 o CNIg anunciou a Resolução nº 97/2012, a qual dispôs sobre a concessão de visto permanente a nacionais do Haiti por razões humanitárias “resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010”.

Ou seja, com esse implemento, o haitiano não necessitaria mais ingressar de maneira irregular no país e solicitar refúgio, mas já viria amparado em uma autorização previamente concedida.

Com esse entendimento, através de Despacho Conjunto do CONARE, do CNIg e do Departamento de Migrações, 43.871 haitianos que já se encontravam no Brasil tiveram sua situação migratória regularizada mediante a concessão de visto humanitário, sendo suas solicitações de refúgio arquivadas.

Essa mesma medida foi tomada, posteriormente, para viabilizar a proteção de sírios forçosamente deslocados por conta do conflito armado que se instalou na Síria, sendo a estes também concedido visto humanitário, através da Resolução nº 17/2013 do CONARE.

Com fulcro nessas duas situações específicas, a Lei 13.445/2017 foi inovadora ao instituir o visto para acolhida humanitária com aplicação abrangente, ao indivíduo de qualquer nacionalidade que se encontre em “situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento”.

Veja-se, pois, que a partir da novel legislação há fundamento jurídico que assegure a recepção do imigrante ambiental que antes não se enquadrava nas hipóteses taxativas da concessão de refúgio.

Destaca-se que, até 2017, a política nacional de migração era regulada pela Lei nº 6.815/1980, conhecida como “Estatuto do Estrangeiro”, a qual fora promulgada durante a ditadura militar com mecanismos de salvaguardar a então enaltecida “segurança nacional” dos estrangeiros, muitas vezes taxados como capazes de oferecer riscos à soberania do regime[18].

Com o fim do Estado Autoritário, a partir da vigência da Constituição de 1988 e da busca de implementação de um Estado Social Democrático de Direito, a Carta Magna, em seu artigo 5º, caput, passou a assegurar direitos fundamentais a brasileiros e estrangeiros residentes no país, em iguais condições.

E, não obstante a atual conjuntura global de endurecimento das políticas migratórias, através da Lei nº 13.445/2017, o Brasil instituiu a Lei de Migração, a qual trata o imigrante com uma perspectiva humanitária (artigo 3º, inciso VI) e não mais como uma ameaça à soberania nacional, em reconhecível avanço.

Mesmo assim, ainda há estrangeiros que ingressam e permanecem no Brasil em situação irregular, impossibilitando a obtenção de documentos imprescindíveis como a Carteira de Trabalho e Previdência Social, restando sujeitos à informalidade.

Embora atualmente o trabalho escravo não se apresente com as mesmas características de outrora, estima-se que o Brasil tenha aproximadamente vinte e cinco mil pessoas em condições análogas as de escravo, dentre as quais uma considerável parcela é composta por estrangeiros em situação irregular.

Trabalhadores migrantes que normalmente vêm para o Brasil forçados a abandonar sua terra natal em busca de uma melhor condição de vida são reduzidos à condição análoga à de escravo, tendo desrespeitada a sua dignidade humana.

Ressalta José Claudio Monteiro de Brito Filho[19] que, via de regra, o trabalho em condições análogas as de escravo no Brasil inicia-se mediante um “ato voluntário” do trabalhador.

O obreiro é, na maioria dos casos, arregimentado sem coerção, salvo a decorrente da sua própria miséria, condição comum aos migrantes irregulares. Embora se possa caracterizar como voluntária a adesão ao trabalho, ele se torna forçado, durante a execução do contrato, a partir do momento em que há o cerceamento da liberdade de o trabalhador decidir acerca da permanência da prestação.

Complementa Brito Filho que tal cerceamento pode se dar em razão de a) coação moral, como a existência de uma dívida, produzida fraudulentamente ou não, cujo pagamento torna-se condição para a liberdade[20]; b) coação de ordem psicológica, como vigilância ostensiva -por vezes armada – no local de trabalho ou retenção de documentos e objetos pessoais do trabalhador; c) ou mesmo através de coação por violência física, quando o trabalhador é impedido de deixar o local de trabalho.

A realidade brasileira, nesse aspecto, configura uma verdadeira antítese do trabalho decente, a qual necessita ser intensamente combatida pelo Poder Público.

O setor têxtil tem apresentado impactos negativos nas condições de trabalho dos empregados inseridos na área, havendo inúmeros registros de exploração e sonegação de direitos trabalhistas. Esses casos se agravam ainda mais quando o trabalhador é imigrante em situação irregular no país.

Mundialmente, marcas de varejo populares e grifes internacionais têm contratado fornecedores para produzir suas coleções em vez de fabricá-las por conta própria. Ou seja, fato que abre portas para o trabalho em condições análogas à escravidão e outras infrações nas ilegais e clandestinas oficinas de costura.

Entre os anos 2003 e 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego fiscalizou 34 casos de trabalho escravo, dos quais foram libertados 452 costureiros de oficinas fornecedoras de marcas populares e de grife, cujos trabalhadores viviam sob condições degradantes em alojamentos, cumprindo jornadas exaustivas e parte estava submetida à servidão por dívida[21]. Curiosamente tal se dá muitas das vezes na capital econômica do País, em São Paulo.

Temendo ser denunciado e sem contar com recursos que lhe assegurem independência financeira, o estrangeiro irregular submete-se a condições degradantes de trabalho, que incluem jornadas exaustivas, alojamento precário, retenção de salário, cobrança de dívidas ilegais e até coerção física e psicológica. Tudo sob a ameaça da denúncia às autoridades e da deportação.

Destaca-se, reduzir alguém a condições análogas as de escravo, além de infração trabalhista, é um crime contra a dignidade humana, previsto no artigo 149 do Código Penal.

Esse quadro se caracteriza com: retenção de documentos e ameaças de deportação; jornada exaustiva, com trabalho prolongado por inúmeras horas seguidas e remuneração incompatível; condições degradantes, com trabalho e moradia em alojamentos precários e insalubres; servidão por dívida, sendo os migrantes obrigados a trabalharem para quitar dívidas com transporte, hospedagem e alimentação, cobradas ilegalmente pelo empregador; sendo usadas para vincular eternamente os trabalhadores ao serviço.

Além disso, no ano de 2017 foi divulgada força-tarefa que uniu órgãos fiscalizadores do trabalho em residências de alto padrão em São Paulo por denúncias de imigrantes em condições análogas a de escravos[22]. Agências especializadas são investigadas por trazerem domésticas filipinas ao Brasil com falsas promessas de emprego que não se confirmam na realidade.

As trabalhadoras pagaram taxas de mais de U$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos dólares) à agência para serem levadas ao Brasil após serem ludibriadas por anúncios de vagas com salários de U$ 700,00 (setecentos dólares) e benefícios como décimo terceiro, adicional de horas extras e vínculo trabalhista. Contudo, ao chegarem no país, eram conduzidas sem contrato formal de trabalho ou qualquer garantia a famílias dispostas a pagar mais de R$ 10 mil à agência em troca das trabalhadoras.

Conforme fora divulgado pelo Ministério Público do Trabalho, nas residências, as estrangeiras tinham retidos seus documentos, sofriam maus tratos, eram submetidas a jornadas que podem ir das 6h da manhã às 8h da noite, de domingo a domingo, bem como ameaçadas de deportação caso denunciassem o esquema.

Com relatos de jornadas extenuantes, maus tratos, falta de alimentação e longos períodos de restrição de saídas da casa, três mulheres conseguiram abandonar as residências e fazer as denúncias que deram origem às investigações[23].

Denota-se que os imigrantes estão mais expostos à sofrerem ofensas à sua dignidade nas relações de trabalho por temerem a sua deportação, por não dominarem a língua local, bem como por não terem familiares ou conhecidos na região em que possam encontrar amparo e segurança para se desvincularem de redes de exploração. Assim, muitas vezes atraídos por propostas de trabalho supostamente interessantes e sedutoras, ao chegarem no país de destino, no qual se encontram em situação de extrema vulnerabilidade, estrangeiros são surpreendidos por uma realidade inesperada e absolutamente degradante, muito distinta daquela anunciada e prometida.

Desse modo, deve haver uma preocupação com o tratamento oferecido aos migrantes, já que muitas vezes vêm refugiados, ilegais, sem trabalho, sem família, provindos de outro contexto social, sem falar o idioma do país de destino.

De fato, forçados a abandonar seu domicílio e suas famílias por conta de conflitos e perseguições, imigrantes acabam partindo em busca de um Estado que lhes assegure dignidade e respeito. Contudo, diante de sua fragilidade e situação de irregularidade, acabam por se sujeitar no país de destino a postos de trabalho informais, precários, e de extrema exploração.

No campo normativo, tanto a Constituição da República, no seu artigo 5º, caput, como a Convenção nº 97 da OIT sobre Trabalhadores Migrantes, como a Lei 13.445/2017, dispõem que ao estrangeiro devem ser assegurados direitos igualmente favoráveis, repudiando-se a sua discriminação por quaisquer motivos.

O desafio apresenta-se de ordem sociológica e cultural, ao passo que o povo do país de destino deve receber o imigrante não como um invasor, uma ameaça ou um concorrente em tempos de desemprego, mas sim como uma pessoa humana detentora de dignidade, que merece respeito e acesso a todos os direitos e garantias fundamentais decorrentes dessa condição.

Trata-se de um setor da sociedade que não se enquadra nos temas tradicionais, na medida em que imigrantes, em situação irregular, com medo de serem denunciados às autoridades locais e sem recursos financeiros, submetem-se a condições degradantes de trabalho, que incluem jornadas exaustivas, alojamento precário, retenção de salário, cobrança de dívidas ilegais e até coerção física e psicológica.

Com base nessas discussões, buscou-se desencadear reflexões sobre a aproximação do conceito de dignidade ao fenômeno migratório internacional.

À guisa de considerações finais, reconhece-se que a migração de trabalhadores está cada vez mais frequente, acompanhada de uma série de impactos sociais.

Faz-se necessário, portanto, discutir e implementar mecanismos capazes de assegurar postos de trabalho decente para os trabalhadores migrantes forçados a abandonar seu país por perseguições, conflitos e desastres, evocando diligências por parte da comunidade internacional que possibilitem que a migração chegue ao seu destino almejado: a merecida dignidade.

 

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[1]    UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES. Global trends: forced displacement in 2016. Geneva, 2017.  Disponível em: <http://www.unhcr.org/5943e8a34.pdf#_ga=2.216895505.643619181.1523116228-985632769.1523116228>. Acesso em 07 abr. 2018.

[2]    GIDDENS, Anthony. Sociologia. Tradução Sandra Regina Netz. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

[3]    BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Refúgio em números. Brasília, 2017. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/brasil-tem-aumento-de-12-no-numero-de-refugiados-em-2016/20062017_refugio-em-numeros-2010-2016.pdf. Acesso em 07 abr. 2018.

[4]    SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

[5]    DELGADO, Maurício Godinho DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho. v. 123. p. 143 – 165. Jul-Set 2006.

[6]    GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Dignidade da pessoa humana, no mundo do trabalho, à luz da Constituição Federal de 1988. In: VILATORE, Marco Antônio César (coord.). Direito Constitucional do trabalho: vinte anos depois. Constituição Federal de 1988. Curitiba: Juruá, 2008. p. 61.

[7]    ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 149.

[8]    DELGADO, Mauricio Goldinho; DELGADO, Gabriela Neves. O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito do trabalho. In: SARLET, Ingo Wolfgand (coord). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito constitucional: estudos em homenagem a Rosa Maria Weber.  São Paulo: Saraiva, 2014. p.205.

[9]    KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. In: Os pensadores – Kant (II), trad. Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 134.

[10] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 36.

[11]   REALE, Miguel. Introdução à filosofia. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 181.

[12] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 119.

[13]  ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 149.

[14]  SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 58.

[15] PEREIRA, Rosa Martins Costa; FILHO, Sylvio Fausto Gil. Uma leitura da mundanidade do luto de imigrantes, refugiados e apátridas. GeoTextos, v. 10, n. 2, dez. 2014, 191-214.

[16] Segundo dados do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, houve quase 50 mil pedidos de refúgio protocolados por parte de haitianos, sendo 442 novas solicitações em 2010, 2.549 novas solicitações em 2011, 3.310 novas solicitações em 2012, 11.690 novas solicitações em 2013, 16.779 novas solicitações em 2014, 14.465 novas solicitações em 2015 e 646 novas solicitações em 2016. (BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Comitê Nacional para os Refugiados. Refúgio em números. Brasília, 2017).

[17] FERNANDES, Durval; FARIA, Andressa Virgínia. O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos. In: R. Bras. Est. Pop., Belo Horizonte, v34, n.1, p.145-161, jan/abr. 2017.

[18] FERNANDES, Durval; FARIA, Andressa Virgínia. O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos. In: R. Bras. Est. Pop., Belo Horizonte, v34, n.1, p.145-161, jan/abr. 2017.

[19] BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004.

[20] Acrescenta José Cláudio Monteiro de Brito Filho que, ainda que uma dívida seja lícita, “não o é manter o trabalhador cerceado em seu direito de ir e vir por este motivo. O risco da atividade é, somente, do tomador e se há dívida a cobrar do trabalhador, ela se resolve em seus créditos, ou, para aqueles que assim entendem, pela cobrança, mas, jamais, pela manutenção compulsória do trabalho. (BRITO FILHO. Ob. cit. p. 78).

[21] BARROS, Carlos Juliano. Trabalho escravo nas oficinas de costura. São Paulo: Repórter Brasil, 2016. Acesso em 07 de abril de 2018. Disponível em: <http://escravonempensar.org.br/wp-content/uploads/2016/02/Fasc%C3%ADculo-Confec%C3%A7%C3%A3o-Textil_Final_Web_21.01.16.pdf>. Acesso em 08 abr. 2018.

[22] MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Famílias de classe alta mantêm imigrantes em condições análogas à escravos em São Paulo. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/a8fc7cae-6700-4b73-8c09-b25b878b5664>. Acesso em 08 abr. 2018.

[23] ESTADÃO. Ministério do Trabalho constata trabalho escravo entre domésticas trazidas das Filipinas. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ministerio-do-trabalho-constata-trabalho-escravo-entre-domesticas-trazidas-das-filipinas,70001917544>. Acesso em 08 abr. 2018.

O trabalho decente à luz das diretrizes emanadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a sua efetividade no plano nacional

André Jobim de Azevedo
Vitor Kaiser Jahn

 

  1. Introdução

Indubitavelmente, o direito ao trabalho é comum à toda a pessoa humana, pois é através dele que o indivíduo extrai o necessário sustento para a subsistência própria e de seu núcleo familiar. Na atual conjuntura social, não se afigura possível negar tal relação de dependência.

Não por outra razão, o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[1] reconhece que: “toda a pessoa tem direito ao trabalho” e, além disso, “tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social”.

Ocorre que, não obstante seja intrínseco à pessoa humana, esse direito não tem apresentado correspondentes índices de efetividade.

No segundo trimestre do ano de 2016, o Brasil alcançou a maior taxa de desemprego já registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja apuração teve início no ano de 2012. No total, são 11,4 milhões de brasileiros que estão desocupados, o que corresponde a 11,2% da população em condições de trabalhar[2].

Em abrangência mundial, a Organização Internacional do Trabalho estima que até o final de 2016 haverá 199,4 milhões de pessoas desempregadas[3], sendo a significativa desaceleração das economias emergentes uma das suas principais causas.

Tais dados são alarmantes, haja vista que, como sustenta José Claudio Monteiro de Brito Filho, “a falta de trabalho acaba gerando o discurso de que é necessário reduzir as condições de trabalho existentes para acolher os trabalhadores excluídos do mercado, em lógica que somente favorece a concentração de riqueza e o alargamento das desigualdades[4].

Aliás de, há muito, tal situação ser objeto de análise pela disciplina histórica do Direito do Trabalho. Durante a Revolução Industrial, a insuficiência de postos de trabalho, em detrimento do excesso de mão-de-obra disponível no mercado, acarretou aquilo que se convencionou chamar de “questão social”[5], cujos principais exponentes foram o aviltamento salarial, a imposição de jornadas extenuantes e péssimas condições de trabalho, muitas vezes caracterizado como degradante ao obreiro, com consequências igualmente nefastas à família pela utilização de meias forças (mulheres e crianças) no processo produtivo.

De fato, conforme sustentado pela Organização Internacional do Trabalho, “em um cenário em que o PIB cresce pouco, de maneira não-sustentada e baseado em setores com baixa capacidade de gerar postos de trabalho de qualidade, dificilmente pode se esperar avanços na redução do déficit de trabalho decente[6].

Dada a atual situação de crescente desemprego e as perniciosas consequências que ele pode acarretar aos direitos trabalhistas, afigura-se pertinente, à luz das diretrizes emanadas pela Organização Internacional do Trabalho, conceituar o trabalho decente, bem como analisar a sua efetividade no plano nacional, ao que se propõe o presente estudo.

 

  1. O trabalho decente conforme a OIT e sua efetividade no Brasil

 

Extrai-se do preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho o principal objetivo de promover a paz e a harmonia universal mediante a adoção de um regime de trabalho efetivamente humano pelos seus Estados membros.

A esse respeito, José António Pastor Ridruejo[7] ressalta que a justiça das relações laborais é um dos principais componentes da paz internacional, pois requer respeito aos postulados da justiça social.

Nesse espírito, a OIT caracteriza o trabalho decente como “uma condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável[8].

Isso porque a conceituação dada pela OIT ao trabalho decente está apoiada em quatro pilares estratégicos, os quais, uma vez atendidos, são capazes de proporcionar uma efetiva justiça social. São eles: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais no trabalho; b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; d) diálogo social.

Para melhor compreensão do instituto, a seguir, tais pilares serão singularmente apreciados.

 

2.1 Respeito aos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho

 

No ano de 1998, a Organização Internacional do Trabalho editou a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho[9], cujo artigo 2º determina que todos os Estados a ela filiados promovam e tornem realidade os direitos ali enaltecidos, quais sejam: a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

No que tange liberdade sindical, a Convenção nº 87 da OIT, de 1948, estende o direito de associação ou ingresso sindical a todos os trabalhadores, bem como assegura o livre funcionamento do sindicato, posto a salvo da interferência governamental.  Contudo, essa convenção não foi ratificada pelo Brasil.

Como bem vislumbra Amauri Mascaro Nascimento[10], a unicidade sindical, imposta pela legislação doméstica, vai de encontro à Convenção nº 87 da OIT, sendo com ela incompatível. Afinal, o ordenamento jurídico pátrio proíbe, expressamente, a existência de mais de um sindicato representativo da mesma categoria na mesma base territorial (artigo 8º, inciso II, da Constituição da República).

Não obstante, o Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho consolidou o entendimento de que “apesar de que os trabalhadores podem ter interesse em evitar que se multipliquem as organizações sindicais, a unidade do movimento sindical não deve ser imposta por intervenção do Estado, via legislativa, pois essa intervenção é contrária ao princípio enunciado nos arts. 2 e 11 da Convenção n. 87[11].

Outrossim, a Convenção nº 98 da OIT, editada em 1949, veda a discriminação dos empregados em virtude de sua filiação a um sindicato ou participação em atividades sindicais, bem como determina o implemento de ações governamentais que fomentem a utilização das negociações coletivas.

Já nesses aspectos, o ordenamento jurídico pátrio afigura-se congruente com as diretrizes internacionais, posto que concede garantia provisória no emprego aos dirigentes sindicais (artigo 8º, inciso VIII, da CRFB), bem como assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (artigo 7º, inciso XXVI, da CRFB).

Quanto à eliminação do trabalho forçado, a Convenção nº 29 da OIT, de 1930, exige a eliminação de qualquer forma de trabalho forçado ou compulsório, apenas excetuados o trabalho militar, o trabalho dos presos, desde que devidamente supervisionado, e o trabalho em casos de emergência como guerra ou grandes desastres.

A posterior Convenção nº 105 da OIT, editada no ano de 1957, proíbe a utilização do trabalho forçado ou compulsório como meio de coerção por razões políticas ou ideológicas; como método de mobilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; como medida de disciplina de trabalho; como punição por participação em greves; e como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

No plano jurídico nacional, tais diretrizes se mostram, prima facie, bem atendidos. Ora, o artigo 149 do Código Penal Brasileiro tipifica o crime da redução da pessoa humana à condição análoga à escravidão e a Constituição da República, no seu artigo 243, estabelece a desapropriação das propriedades em que houver a exploração de trabalho escravo, sem qualquer indenização ao proprietário.

Contudo, dentre a imensidão do território brasileiro, ainda há pessoas submetidas a condições análogas à escravidão em virtude da imposição de trabalho forçado.

Ressalta José Claudio Monteiro de Brito Filho que, via de regra, o trabalho forçado no Brasil inicia-se mediante um “ato voluntário” do trabalhador. O obreiro é, na maioria dos casos, arregimentado sem coerção, salvo a decorrente da sua própria miséria. Embora se possa caracterizar como voluntária a adesão ao trabalho, ele se torna forçado, durante a execução do contrato, a partir do momento em que há o cerceamento da liberdade de o trabalhador decidir acerca da permanência da prestação.

Segundo o autor, tal cerceamento pode se dar em razão de a) coação moral, como a existência de uma dívida, produzida fraudulentamente ou não, cujo pagamento torna-se condição para a liberdade[12]; b) coação de ordem psicológica, como vigilância ostensiva no local de trabalho ou retenção de documentos e objetos pessoais do trabalhador; c) ou mesmo através de coação por violência física, quando o trabalhador é impedido de deixar o local de trabalho.

A realidade brasileira, nesse aspecto, configura uma verdadeira antítese do trabalho decente, a qual necessita ser intensamente combatida pelo Poder Público.

No âmbito da abolição efetiva do trabalho infantil, a Convenção nº 138 da OIT, editada em 1973, estipula a idade de escolarização obrigatória como mínima para a admissão em emprego[13]. Quando, porém, a atividade puder acarretar prejuízos à saúde, à segurança e à moral do trabalhador, a prestação somente poderá se dar por pessoa maior de dezoito anos.

Essa diretriz se apresenta bem atendida pelo Estado brasileiro, que veda o “trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (artigo 7º, inciso XXXIII, da CRFB).

Outrossim, a Convenção nº 182 da OIT proíbe as piores formas de trabalho infantil, assim entendida a escravidão de crianças[14], a prostituição de crianças e sua utilização em produções pornográficas, bem como o recrutamento de crianças para a prática de ilícitos, em especial o tráfico de entorpecentes.

Por fim, para a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, a festejada Convenção nº 100 da OIT, de 1951, estabelece que o trabalho de igual valor deve ser remunerado com o mesmo salário, independente do sexo do trabalhador.

Já a Convenção nº 111 da OIT, de 1958, exige que o Estado membro tome providências legislativas internas para eliminar a discriminação no acesso a empregos e condições de trabalho que tenham por base a raça, a cor, o sexo, a religião, a opinião política, a nacionalidade ou a origem social do trabalhador.

Ambas Convenções foram ratificadas pelo Brasil e, inclusive, suas diretrizes compõem o texto constitucional, como se vislumbra dos incisos XXX[15] e XXXI[16] do artigo 7º da CRFB.

São essas as principais convenções editadas pela OIT para regulamentar os princípios e direitos fundamentais no trabalho, as quais integram o primeiro pilar para a promoção de um trabalho efetivamente decente.

 

  • Promoção do emprego de qualidade

 

Como segundo pilar do conceito de trabalho decente, a Organização Internacional do Trabalho apresenta a “promoção do emprego de qualidade”.

Inicialmente, ao adentrar neste tópico, há de ser ressaltado que, para a Organização Internacional do Trabalho, a terminologia “emprego” possui um significado muito mais abrangente do que aquele atribuído pela doutrina juslaboralista brasileira, não se limitando ao trabalho subordinado.

Aponta o escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho que “assegurar o desenvolvimento humano por meio da geração de emprego de qualidade, com respeito aos direitos do trabalho e garantia de proteção social, requer a adoção de um modelo de crescimento econômico que priorize tanto a absorção de mão-de-obra quanto a implementação de relações de trabalho adequadas[17].

De fato, para que se concretize o trabalho decente, com fundamento em um emprego de qualidade, não basta só a absorção da mão-de-obra, mas as relações de trabalho devem ser permeadas por forte conteúdo ético e humano, colocando-se a pessoa no centro do trabalho, da empresa e da economia[18].

A criação de postos de trabalho de qualidade, reclama a adoção de “políticas macroeconômicas que assegurem estabilidade de preços e fiscal e elevem as taxas de crescimento”, e também a implementação de “políticas no nível meso e microeconômico, a fim de estimular o investimento e elevar a produtividade[19].

Não se afigura possível dissociar a criação de postos de trabalho de qualidade do desenvolvimento empresarial. Em todos os países, a maior parte dos empregos é criada nas pequenas e médias empresas do setor privado[20], sendo certo que, quanto mais bem desenvolvida for a empresa, melhores serão as suas condições de estabelecer uma relação de qualidade com os seus empregados.

Por essa razão, ressalta o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Lélio Bentes que “o desafio que se nos coloca neste momento é o de demonstrar que é possível consagrar um novo modelo de crescimento econômico. Um crescimento que favoreça o empreendimento, porque quem investe tem direito ao lucro, ao seu retorno, mas que também promova justiça social[21].

Contudo, como ressalta a OIT, embora de grande relevância, o estímulo da produção não é suficiente para criar adequados postos de trabalho. É necessária uma vasta lista de medidas, que “compreende as políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial), as iniciativas de tipo horizontal (educação, facilidades para importar bens de produção incentivos fiscais etc.), o incentivo setorial e tecnológico, as políticas de desenvolvimento regional e as medidas para aumentar o emprego mediante programas específicos e incentivar contratação de mão-de-obra pelo setor privado[22].

Destarte, o segundo pilar que sustenta o trabalho decente para a Organização Internacional do Trabalho – criação de empregos de qualidade – está intimamente relacionado com a implementação de políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento empresarial, e, por via de consequência, a justiça social.

 

  • Extensão da proteção social

 

O terceiro pilar que sustenta o conceito de trabalho decente para a Organização Internacional do Trabalho é a extensa proteção social.

A proteção social, conforme o já citado artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, decorre do dever de o Estado complementar a remuneração do cidadão quando esta não se mostrar suficiente para lhe assegurar uma vida compatível com a dignidade humana.

Destarte, a proteção social é um pilar de essencial relevância ao trabalho decente. Afinal, não se cogita como digno um trabalho ao qual a pessoa humana tenha de se submeter até o final da vida para que possa subsistir, tampouco aquele do qual não se possa afastar em caso de incapacidade laboral.

Nessa senda, a Convenção nº 102 da OIT, aprovada na Conferência Internacional de Trabalho do ano de 1952, ratificada pelo Brasil em 2009, estabelece normas mínimas de seguridade social, regulando o oferecimento de serviços médicos, auxílio-doença, prestações de desemprego, aposentadoria por idade e invalidez, prestações em caso de acidentes de trabalho e doenças profissionais, auxílios pecuniários em favor da família, prestações de maternidade e pensão por morte.

Outrossim, no ano de 2012, a Conferência Internacional do Trabalho aprovou a Recomendação n° 202, que trata dos Pisos de Proteção Social. A recomendação arrola quatro garantias básicas que devem ser necessariamente asseguradas pelos Estados membros aos cidadãos: a) serviços essenciais de saúde a todos; b) benefícios para garantir uma renda mínima para famílias com crianças; c) programas que garantam uma renda mínima para trabalhadores desempregados; e d) programas que garantam uma proteção mínima para idosos.

Conforme aponta a OIT, o Estado brasileiro ostenta programas característicos do Piso de Proteção Social, dentre os quais ganham destaque o Sistema Único de Saúde (que fornece atendimento de saúde à toda a população), a conjugação Bolsa-Família e Salário-Família (que suplementam a renda de famílias com crianças), o seguro-desemprego e programas de formação profissional (para pessoas em idade ativa) e as aposentadorias e pensões previdenciárias, bem como o Benefício de Prestação Continuada (para idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais)[23].

Contudo, embora ofereça tais programas, a proteção social brasileira apresenta baixa cobertura, não se mostrando suficiente para atender as demandas sociais de maneira universal, ou mesmo satisfatória[24].

No que tange à previdência social, os efeitos dessa cobertura deficitária são preocupantes, mormente aos trabalhadores que não logram amealhar patrimônio ao longo do período de atividade, eis que se afigura incerta a sua cobertura já em futuro próximo, podendo restar prejudicada a eficácia dessa diretriz em plano nacional.

A OIT aponta como uma das causas dessa módica extensão o fato de que o mercado de trabalho brasileiro é deveras informal e oferece baixa remuneração. A Organização registrou que, em 2006, 49,8% do total de ocupados no Brasil não contribuíam para a Previdência Social. Ou seja, 43,3 milhões dos cerca de 86,8 milhões de trabalhadores ocupados[25].

A isso, some-se a questão demográfica de envelhecimento populacional. Atualmente, para cada 100 integrantes da população economicamente ativa, há 21 idosos em situação de aposentadoria. Segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, atualmente, 13% da população brasileira é idosa; porém, no ano de 2060, esse índice subirá para 33%. Isso significa dizer, conforme aponta a Revista Exame, que 100 trabalhadores ativos sustentarão 63 aposentados e mais 24 jovens dependentes no ano de 2060 [26].

Portanto, a despeito de serem muitos os programas estatais voltados à proteção social, o terceiro pilar do conceito de trabalho decente se mostra extremamente deficitário no Brasil, reclamando urgente reestruturação, sob penas de não subsistir no futuro.

 

  • Diálogo social

 

Por fim, o quarto pilar que sustenta o trabalho decente perante a Organização Internacional do Trabalho é o diálogo social, que é entendido como a interlocução democrática que se estabelece entre o Estado, o empregador e o empregado no processo de regulamentação das relações de trabalho.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho[27], a definição de diálogo social abrange a negociação, a consulta e mesmo a simples troca de informações entre representantes de governos, empregadores e empregados, a respeito de temas de interesse comum relacionados com a política econômica e social, seja em âmbito nacional, regional, ou mesmo restrito a uma só empresa.

O diálogo social propõe a inclusão dos trabalhadores nas discussões de seus direitos e deveres, para que estes não mais sejam meros sujeitos passivos das normas, mas possam atuar em prol de seus interesses, com arrimo em ideais de democracia.

Assim, devidamente representados pelos entes sindicais, são os trabalhadores legitimados a propor inovações políticas e jurídicas nas relações que estabelecem com as empresas, visando melhores condições de trabalho, o que, por fim, se traduz em implementação de um trabalho efetivamente decente.

Conforme ressalta a OIT: “muitas das boas práticas laborais foram alcançadas através do diálogo social, como as 8 horas de trabalho diário, a proteção da maternidade, as leis sobre o trabalho infantil e todo um conjunto de políticas destinadas a promover a segurança no local de trabalho e a harmonia nas relações laborais. O diálogo social tem como principal objetivo promover consensos e a participação democrática dos atores no mundo do trabalho: representantes dos governos, empregadores e sindicatos[28].

Sem dúvidas, o trabalho decente pressupõe um efetivo diálogo social, pois é somente com a aproximação do Estado às carências dos trabalhadores e às necessidades das empresas que a relação de trabalho, fundamental à economia geral e à digna existência da pessoa humana, será devidamente regulada.

 

  1. A Agenda Nacional de Trabalho Decente

 

A Organização Internacional do Trabalho, ciente da heterogeneidade das condições de trabalho nas diferentes nações que lhe compõem, promove programas de trabalho decente por país, visando atender as peculiaridades de cada localidade conforme as suas necessidades, recursos e condições.

Segundo o Guia do Programa de Trabalho Decente nos Países, editado pela Organização, as Agendas Nacionais devem analisar os problemas e as lições aprendidas pelo país em questão; identificar um limitado número de prioridades conforme os planos de desenvolvimento nacional; bem como definir resultados a serem alcançados e as estratégias que serão implementadas para tanto[29]

No caso do Brasil, o compromisso de cooperação técnica entre o Estado e a Organização para a promoção do trabalho decente se deu no ano de 2003, através de Memorando de Entendimento firmado pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho, Juan Somovia[30].

Em prosseguimento, no ano de 2006, foi editada a Agenda Nacional de Trabalho Decente[31], a qual se estrutura a partir de três prioridades: a) gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e tratamento; b) erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em suas piores formas; c) fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.

Com a geração de mais e melhores empregos, a Agenda espera ter como resultado desenvolver “metas de criação de emprego produtivo e de qualidade incorporadas nas estratégias nacionais de desenvolvimento econômico e social (incluídas as estratégias de redução da pobreza e da desigualdade social) e nas políticas setoriais (industrial, agrícola, agrária, de promoção do turismo e de promoção da economia criativa)”.[32]

Com a diretriz de erradicação do trabalho escravo e eliminação das piores formas de trabalho infantil, a Agenda visa como resultado implementar estratégias de reinserção social e de prevenção através de Planos Nacionais coerentes com as Convenções nº 138, 182, 29 e 105 da OIT[33].

Por fim, com o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social, pretende a Agenda que o Estado consolide mecanismos institucionalizados de dialogo social, com uma ativa participação dos representantes dos trabalhadores e das empresas na definição das políticas nacionais de fomento ao emprego e ao trabalho decente.

 

  1. Considerações Finais

 

Embora, prima facie, o termo “trabalho decente” afigure-se genérico e, portanto, de pouca ou quase nenhuma efetividade, debruçou-se o presente estudo na busca da compreensão dos quatro pilares que sustentam esse ideal perante a Organização Internacional do Trabalho.

Pela análise pontual dos fundamentos articulados pela OIT e das convenções correlatas, pôde-se verificar três pontos que reclamam urgente atuação do Estado brasileiro para a efetiva implementação do trabalho decente em âmbito nacional.

Por primeiro, não são poucos os casos de trabalho forçado no território nacional, o que há de ser combatido pelo Poder Público. O Estado Democrático de Direito não pode coadunar com a redução da pessoa humana a um nível tão degradante. É de se registrar que os focos onde tal exploração ocorre são conhecidos, sendo urgente a implementação de reais políticas de segurança pública nessas localidades por vezes esquecidas pelos governantes.

Por segundo, a fim de que a decência possa ser um traço efetivo do trabalho realizado no Brasil, os programas de proteção social devem ser reestruturados.

Ora, a cobertura oferecida pelo Estado brasileiro está longe de ser universal, mostrando-se deficitária em praticamente todas as suas áreas. Veja-se o Sistema Único de Saúde; embora abrangente, revela mazelas organizacionais que, não raras vezes, custam a vida dos pacientes em virtude da infindável espera pelo tratamento adequado. Igualmente, os prognósticos da Previdência Social são preocupantes, pois revelam que, se o sistema não sofrer grandes modificações, em um futuro próximo, não será capaz de atender nem o mínimo existencial necessário aos que dela dependerem.

Por fim, e não menos importante, diante do preocupante índice de desemprego que assola o Brasil neste ano de 2016, políticas nos níveis macro, meso e microeconômico haverão de ser tomadas pelo Governo Federal, a fim de que, estimulando a iniciativa privada, sejam criados postos de trabalho de qualidade no país.

Nos tempos atuais, não mais cabe a rasa leitura das relações de trabalho como uma luta entre polos antagônicos. Urge atentar que o desenvolvimento empresarial anda de mãos dadas com a qualidade dos empregos oferecidos, o que, indubitavelmente, promove o trabalho decente.

Por óbvio, se o mercado não for atrativo para as empresas, estas nele não ingressarão para torná-lo atrativo aos trabalhadores.  

Nessa conjuntura, verifica-se que, embora tenha se passado o longo período de dez anos desde a aprovação da Agenda Nacional de Trabalho Decente, a implementação de um trabalho efetivamente decente no país ainda se mostra um tanto quanto distante, até mesmo utópico. 

Porém, acredita-se que quando esses três aspectos forem atendidos de maneira satisfatória pelo Poder Público, o Brasil poderá ser caracterizado como um país que proporciona verdadeiras condições de trabalho decente aos empregados, com o respeito de sua dignidade humana.

Com o desenvolvimento do conceito de trabalho decente pela Organização Internacional do Trabalho, e a sua ativa participação para promove-lo, o direito do trabalho tem avançado a passos largos, evoluindo de acordo com a complexidade das atuais demandas sociais, visando melhor atendê-las, o que é digno de aplauso.

 

__________

 

[1] Adotada e proclamada pela resolução 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas em

10 de dezembro de 1948.

[2] IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, junho de 2016. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Comentarios/pnadc_201605_comentarios.pdf>. Acesso em: jul. 2016.

[3] International Labour Office. World Employment and Social Outlook: Trends 2016. International Labour Office – Geneva: ILO, 2016. Disponível em: < http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/—publ/documents/publication/wcms_443480.pdf>. Acesso em: jul 2016.

[4] BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004. p. 56

[5]  Diante dessa constatação, afigurou-se necessária uma maior intervenção estatal nas relações de trabalho, haja vista que os ideais de liberdade e igualdade até então sustentados não correspondiam à relação que, de fato, era estabelecida entre proletários e patrões.

[6] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira recente. Brasília: CEPAL/PNUD/OIT, 2008. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/pub/emprego_desenvolvimento_299.pdf>. Acesso em jul. 2016. p. 107-108.

[7] RIDRUEJO, José António Pastor. Curso de derecho internacional público y organizaciones internacionales. 7ª ed. Madri: Editorial Tecnos S.A., 1999, p. 765.

[8] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Agenda Nacional de Trabalho Decente, elaborada em maio de 2006, durante a XVI Reunião Regional Latino-Americana da OIT, realizada em Brasília. p. 5. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226229.pdf. Acesso em jul. 2016.

[9] Adotada durante a 86ª Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 18 de junho de 1998.

[10] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1112-1113.

[11] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Liberdade Sindical: Recopilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OlT. 19ª ed. Brasília: OIT, 1997. p. 63. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_231054.pdf. Acesso em: jul. 2016.

[12] Acrescenta José Cláudio Monteiro de Brito Filho que, ainda que uma dívida seja lícita, “não o é manter o trabalhador cerceado em seu direito de ir e vir por este motivo. O risco da atividade é, somente, do tomador e se há dívida a cobrar do trabalhador, ela se resolve em seus créditos, ou, para aqueles que assim entendem, pela cobrança, mas, jamais, pela manutenção compulsória do trabalho. (BRITO FILHO. Ob. cit. p. 78).

[13] A norma visa, claramente, assegurar o direito à infância e à educação básica, o que é louvável.

[14] Segundo o artigo 2º da Convenção 182: “o termo ‘criança’ designa toda pessoa menor de 18 anos”.

[15] Art. 7º, inc. XXX, da CRFB: “São direitos dos trabalhadores […] proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

[16] Art. 7º, inc. XXXI, da CRFB: “São direitos dos trabalhadores […]proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

[17] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira recente. Brasília: CEPAL/PNUD/OIT, 2008. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/pub/emprego_desenvolvimento_299.pdf>. Acesso em jul. 2016. p. 100.

[18] Nesse sentido, ver parágrafo 21 da Declaração Mar del Plata, aprovada pela Cúpula das Américas em novembro de 2005.

[19] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob. Cit. 2008. p. 108.

[20] OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. La promoción del empleo decente por medio de la iniciativa empresarial. 289ª – reunión  Comisión de Empleo y Política Social. Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2004. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/gb/docs/gb289/pdf/esp-1.pdf>. Acesso em: jul. 2016.

[21] Entrevista concedida pelo Ministro Lélio Bentes ao programa “TV TST”, sobre trabalho decente. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias-teste/-/asset_publisher/89Dk/content/id/3479604>. Acesso em jul. 2016.

[22] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob. cit. 2008. p. 117-118.

[23] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Panorama da Aplicação da Convenção 102 da OIT, que trata das normas mínimas de Seguridade Social. Brasília: OIT, 2012. p. 4. Disponível em < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/doc/livroboaspraticasrevis%C3%A3ofinal_996.pdf>. Acesso em jul. 2016.

[24] Para que essa situação se evidencie, basta verificar modicidade do valor alcançado a título de Bolsa-Família (R$ 85,00) – Dado disponível em: <http://calendariobolsafamilia2015.com.br/bolsa-familia-valor/>. Acesso em: jul. 2016. 

[25] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob. Cit., 2008. p. 115-116.

[26] REVISTA EXAME. 100 trabalhadores sustentarão 87 aposentados. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/em-2060-100-trabalhadores-sustentarao-87-aposentados>. Acesso em: jul. 2016.

[27] OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Definição do tema disponível em: < http://www.ilo.org/public/spanish/dialogue/themes/sd.htm>. Acesso em jul. 2016.

[28] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Diálogo social no trabalho: dar voz e liberdade de escolha a mulheres e homens. Genebra: OIT, 2009. Disponível em < http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/gender_fevereiro.pdf>. Acesso em jul. 2016.

[29] International Labour Office. Decent Work Country Programmes Guidebook. 3ª ed. Geneva: International Labour Office, 2011. p. 3. Disponível em: < http://www.ilo.org/public/english/bureau/program/dwcp/download/dwcpguidebookv3.pdf>. Acesso em jul. 2016.

[30] Memorando disponível em: < http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2003/b_24/>. Acesso em jul. 2016.

[31] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Agenda Nacional de Trabalho Decente, elaborada em maio de 2006, durante a XVI Reunião Regional Latino-Americana da OIT, realizada em Brasília. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226229.pdf. Acesso em jul. 2016.

 

[32] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob cit. 2006. p. 10.

[33] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob cit. 2006. p. 13.

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

 André Jobim de Azevedo

 

INTRODUÇÃO

A questão do assédio moral  é tema recente para a observação do direito. Data de pouco mais do que uma década a observação dos juristas, formação de Doutrina, ainda pouco consistente e ocorrência pretoriana, sem prejuízo de algumas pontuais abordagens atribuídas a  Brodski (1976), e, mais recentemente na  Suécia a estudos  liderados por Heinz Leymann. Além do direito, estudos multidisciplinares,  de outras áreas do conhecimento, tem contribuído para a discussão, como a  psicologia, a medicina, a medicina do trabalho, a sociologia, a administração de empresas.

Pesquisa do ano de 1996 da OIT apurou que  em torno de 12 milhões de trabalhadores na União Européia já viveram situações humilhantes no trabalho com consequências em sua saúde mental.

Alguns acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho e o correspondente site de notícias do TST referem ainda que  a médica do trabalho Margarida Barreto em seu trabalho de conclusão de mestrado, pesquisou e concluiu que 42% dos trabalhadores entrevistados foram vítimas de assédio moral no trabalho. Margarida Maria Silveira Barreto, médica do trabalho e ginecologista, in Violência, Saúde, Trabalho – Uma Jornada de Humilhações. São Paulo. EDIC – Editora da PUC, SP, 2000. Dados estes que evidenciam o relevo do tema e a necessidade de seu desenvolvimento.

Sem previsão  Constitucional específica nos países da Ibero América ou  Brasil, a matéria, como dito, em formação, encontra esteio em  parca doutrina e algumas importantes decisões, registrando a despeito, referência codificada em Portugal. Registra-se esparsas previsões legislativas com destinações e características específicas, que destinam-se à esta abordagem em atividade do setor público, com leis estaduais do Estado do Rio de Janeiro, dentre outros. Some-se a isso,  que no  âmbito municipal, várias são as cidades que se encontram com projetos de lei encaminhados.

A título de referência originária sobre o tema é de se  destacar a  Resolução  A5-0283-, 2001 do Parlamento Europeu , mas que ainda se encontra em fase de latência.

Muitas dessas análises  buscam  fundamento nas constituições, as quais além de garantirem Direito ao Trabalho – e este  que deva ter condições próprias e adequadas – protegem o ser humano e em especial o trabalhador em sua dignidade pessoal também protegida no trabalho. Avaliam conceitos de direitos fundamentais dos trabalhadores, de dignidade no trabalho, dos direitos de personalidade, do valor social do mesmo e que nesta seara interferem e estabelecem esta promoção basal.

Antecipando aos próprios conceitos que serão abordados, de pronto convém salientar que se trata de uma  impropriedade de tratamento no ambiente de trabalho, com a feição da violência psicológica,  e que  está a merecer a profunda apreciação e desenvolvimento  de estudos específicos, para o que essa manifestação  modestamente pretende contribuir, inclusive com uma observação comparativa nos referidos países, os quais encontram-se em estágios sentidamente  similares no seu trato, ainda em formação.

 

CONCEITO

 

Muitas podem ser a formas de conceituar o Assédio  Moral, que, ao nosso sentir, envolve necessariamente um núcleo central do tratamento adequado: noções de respeito à pessoa do trabalhador e à impropriedade do exercício do Poder de Comando do empregador.

É a ocorrência de violência moral no trabalho, em todas as suas variantes que encerram as definições.

A exposição no trabalho a situações de constrangimento gerando sentimento de ofensa, humilhação, rebaixamento, inferiorização,  vexação, constrangimento é nota inafastável da abordagem.

Mobbing em inglês  remete à observação  e comportamento de animais, notadamente pássaros, identificando postura anti predatória agressiva quando a espécie é ameaçada.

Essa expressão corrente em Portugal, também é utilizada nos países nórdicos, Itália, além de outras denominações que buscam a mesma temática, como acoso moral na Espanha, em França harcèlement moral, e, Bullying na Inglaterra. Não comparte-se, contudo, com o uso britânico, de vez que a mesma estaria a abordar questões correlatas, mas em ambientes distintos do ambiente laboral e das relações  lá praticadas. Outra parcial e também possível é  bossing, mas que identifica apenas uma espécie  do fenômeno, e portanto parcial ou incompleta.

Na expressão velada de revelação tem-se a violência estratégica para destruir psicologicamente a vítima e afastá-la do mundo do trabalho. Essa tem sido identificada como a principal finalidade, seu objetivo principal, mas que por ausência de aspectos objetivos que a evidencie, já se alerta para a enorme dificuldade de sua comprovação na prática, o que, em alguma medida  pode ser contornado pelo dsitribuição do ônus de prova, na hipótese de discussão judicial.

Em todos os países, o que se percebe também é a face sociológica do fenômeno, que se apresenta à análise jurídica, ao enfrentamento  pelo direito do trabalho.

O Tribunal da  Relação do Porto em sede de acórdão nº 0812216 , JTR P 00041552, do de 2008, em demanda de trabalhadora contra sua entidade patronal definiu assim  o assédio, o qual , em terras além mar, comumente se vale da expressão em inglês mobbing ( atacar, tratar mal alguém, maltratar), sumariza:

 

“I. Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com os factores indicados no nº1º do art.23 do Código do Trabalho (ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, patrimônio genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crônica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical).

  1. Preenche a previsão do assédio moral a atitude da  entidade patronal que, perante uma trabalhadora que não apresentava níveis de produção considerados satisfatórios, a retirou de sua posição habitual na linha de produção e a colocou numa máquina de costura, colocada propositalmente para este efeito para além do corredor de passagem e de frente para a sua linha de produção, em destaque perante todas as colegas da seção de costura.!”

 

Para pleno entendimento, veja-se o que reza o Artigo 23.º do Código do Trabalho Português:

 

Proibição de discriminação

 

1 – O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada,nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património  genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. 

2 – Não constitui discriminação o comportamento baseado  num dos factores  indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo  o objectivo  ser legítimo e o requisito proporcional. 

3 – Cabe a quem alegar a discriminação  fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera  discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças  de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1.

 

Já o artigo 24.º do mesmo código Lusitano  expressa  o que segue:

 

Assédio

1 – Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador.  

2 – Entende-se por assédio todo  o comportamento indesejado  relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar  a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante  ou desestabilizador. 

3 – Constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referidos no número anterior.

 

Ainda nesta breve observação comparativa relativamente a Portugal é de registrar que  é a Constituição Portuguesa em seu artigo 25º que reconhece o Direito à integridade pessoal protegendo a integridade física e moral da pessoa adjetivando-a de inviolável, e garantindo que ninguém  pode ser torturado nem  submetido à tortura , nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos. Fundamentos esses semelhantes àqueles dos Tribunais e da doutrina.

Aliás, nesta particular referência é de se observar que há autores que tratam o Assédio, como tortura moral e /ou psicológica  pelo que até a norma  da Constituição brasileira, do artigo 5º, inciso III, que garante que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” poderia, por igual, ser invocada como fundamento à devida proteção contra o Assédio.

Em se tratando de Acoso Moral, a definição de  Alfonso Fernàndez Querada se alinha às demais, ao definir como

situaciones de hostigamiento a um trabajador frente AL que se desarrollan actitudes psicológicas de forma prolongada y que conducen a su extrañamento social  em el marco laboral, Le causan alteraciones psicosomáticas  de ansiedad y em ocasiones consiguen el abandono del empleo AL  no poder soportar El stress AL que se encuentra sometido”

As conceituações, pois tem a ver com o tratamento indevido e injustificado que pode  ser identificado em ambiente de trabalho e que desestrutura o trabalhador no seu exercício  profissional, ou pelo menos, assim pretende.

 

CARACTERÍSTICAS:

 

Algumas características são abordadas e tidas por presentes nos estudos específicos são componentes da avaliação.

Uma das mais recorrentes nas interpretações é a que exige para a sua configuração que não se trate de ato isolado, ato único. Uma  singular ocorrência danosa, uma investida ímpar contra o trabalhador não se confunde  com o Assédio.

O agir há de ser continuado, reiterado, repetido, e em alguma medida por certo período prolongado de tempo. Dizem alguns que deva dar-se por pelo menos 6 meses e de freqüência no mínimo semanal para o assédio ser configurado.

Visa ou gera a desestabilização do trabalhador no ambiente laboral, levando-o à forçadamente desistir do trabalho, pedir demissão, aposentar-se, ou ainda a prestar trabalho que a tanto não  se encontra em condições de realizar.

Percebe-se a degradação deliberada das condições de trabalho – lembrando-se que incumbe ao empregador a obrigação de manter o ambiente de trabalho adequado, preservando hígida, física e mentalmente a saúde do trabalhador         – pelo que incompatível com condições devidas e de responsabilidade do empregador.

O poder de comando do empregador autoriza a condução das atividades, a organização na maneira que lhe parece oportuna, a direção de toda a atividade sob seu comando, contando ainda com  poder disciplinar  correspondente  ao asseverar de seu desiderato.

É o empregador que tem que zelar por ambiente saudável de trabalho, sem discriminação ou preconceito, dispondo dos meios coercitivos para realização desse fim, podendo punir os desvios e até  utilizar-se da pena máxima do direito do trabalho que é a despedida por justa causa, para aqueles que se opuserem às suas determinações.

O assédio constitui-se em omissões  ou ações  negativas em relação ao trabalhador, em sua maioria  provocada pelo chefe, ou “pela  estrutura do empregador” e com a conivência deste ( até por omissão), mas com ocorrência, por igual, de outras maneiras.

Várias são as formas que se leva a efeito o assédio. Passivamente é através de isolamento do trabalhador, o esvaziamento de suas atividades, o descaso, a ofensa pelo desconsiderar, pelo não relacionar-se, pela supressão dos aspectos próprios de  cada atividade.

Ativamente através de um agir do  empregador (próprio ou por meio das estruturas do  emprego)onde opera-se por meio de  ridicularizações, hostilizações, do deboche.

Constituem pequenos atos reiterados e que  – se individualmente considerados pouco significam – no conjunto são a demonstração de um agir mal intencionado, predisposto a atingir um resultado premeditado.

As pequenas agressões físicas, como encontrões, esbarrões, tapas, bofetadas e até os -chamados na infância – “cascudos” ou “limas”, que podem não chegar a machucar, mas são altamente danosos.

As agressões no trato verbal e de comunicação, com palavras impróprias, ameaças de despedida e  rebaixamentos, proferimento de insultos, ofensas,  gestos ruins, escrachos, xingamentos.

As agressões relacionais levam ao afastamento da vítima, seu isolamento do grupo e se apresentam por meio de – ativamente – cochichos, murmúrios, difamações, ou ainda passivamente evitando-se o  escolhido, não se dirigindo ao mesmo, não ouvindo suas indagações, nem suas opiniões, que são tratadas com desdém, desconsiderando suas respostas, muitas vezes impedidas de serem concluídas. São supostos chistes, gracinhas sobre a pessoa assediada que conduzem ao seu desprestígio perante o grupo, podendo ser relativas à sua  vida particular e pessoal ou ainda relativamente à sua atividade profissional, sua  capacidade de trabalho, que denigrem sua imagem  e causam  prejuízo ao mesmo.

São situações de ofensa, intimidação, insulto, abuso relacional e de abuso de poder sentidas pelo  empregado e que geram a perda da auto estima  com consequências sobre a saúde física e mental do trabalhador, que configuram situação lesiva inaceitável.

As faces aparentes do fenômeno decorrem de proposições relacionadas à competitividade, à metas de produção  de difícil alcance, aos afastamentos do trabalho por doença, atestados médicos. Nessas situações o  empregador age com conduta indevida por pretender resultados, no caso das metas, praticamente inatingíveis e nos demais inexigíveis.

Neste particular, ainda importante refletir-se sobre se os patamares exigidos pelas empresas, decorrentes de necessidade de competição e sobrevivência, se realmente podem, como tem feito a doutrina,  caracterizar-se com  inseridos no tema ou se são situações contemporâneas a que todos estamos  submetidos.

Mal comparando, não é pequena a pressão permanente sobre os  operadores do direito em geral, quer advogados , quer magistrados, quer promotores de justiça e que decorrem de  tentativa de condução competitiva das atividades profissionais e da exigência de serviços judiciários mais céleres e eficientes. Por óbvio que há a escancarada distinção na comparação  em face da subordinação a que se submete o empregado, o que não se ignora, mas que traz à lume a real  e geral situação de exigências contemporâneas sobre todo o mundo do trabalho e da produção.

Quanto à situação de afastamento ou de  ausência de condições médicas para a realização das atividades contratadas, ao invés de serem tratadas na devida seara médica própria, podem contar com  o forçar do empregador para que as obrigações laborais   sejam   cumpridas em qualquer situação. 

 

PRESSUPOSTOS

 

Sem que seja preciso o parâmetro antes referido e considerado por parte da parca doutrina, e que refere à repetição semanal por pelo menos seis meses, parece fundamental, no entanto, que a situação  indesejada não se constitua em ato único ou isolado. Tampouco é possível que para a configuração do assédio situações eventuais  com ele se confundam.

Ao contrário. Em se tratando de agir ou omitir ensejador de constrangimento no ambiente de trabalho capaz de produzir  moléstia  física ou mental, há que se  o evidenciar de maneira sistemática. É repetição insistente de posturas indevidas. Agregue-se aqui a menção ao que se pode chamar de temporalidade. Percebida a agressão durante a jornada de trabalho por vários dias e até eventualmente, mas em período maior de observação. Registre-se que a ausência de parâmetro legal objetivo impõe a condição de apreciação pontual e casuística, como forma de avaliação dessa circunstância,  perquirindo constituir-se ou não como circunscrito ao tema em avaliação.

Trata-se ainda como pressuposto a denominada  intencionalidade e que traz à discussão o aspecto subjetivo do assédio. O agir ou omitir direcionado a um objetivo específico. Aqui está-se diante da observação menos consistente,  pelo fato de que há dificuldade evidente na demonstração relativamente  à intencionalidade, a vontade dirigida a um fim específico. Por óbvio aquele que tem velado objetivo de uma prática, senão ilegal pelo menos injusta, não  o deixa comprovado ou escancarado, o pratica mascaradamente, sorrateiramente.

Assim é que – e desde já adverte-se  – que ao pretender-se extrair conseqüências reparatórias pela via judicial há dificuldade real na sua sustentação. O que talvez se possa buscar para esse estabelecimento é a inversão do ônus da prova, mas que esbarra na inviabilidade de determinação de  produção de  prova negativa.

Em face disso, tal possa e deva ser presumido, no sentido de que verificados seus  efeitos, a conclusão deva ser a de sua ocorrência. Isso porque se a finalidade é de forçar o afastamento ou ainda o retorno inviável ao trabalho, verdadeiramente impossível de exigir que o mesmo seja explícito por seu  agente.

Deve ter destinatário certo, seja ele individual ou coletivo. Dirigido a um ou a vários empregados, componentes ou não de um mesmo setor, seção ou departamento. A situação mais comum, no entanto, será a de uma determinada pessoa, a despeito da possibilidade de  serem vários os escolhidos para o desiderato. Aqueles de uma área ora de indesejada manutenção, ou que se unem no trabalho para uma apresentação de final de ano, para a realização de uma comemoração. O certo é que um agir a esmo, generalizado, não configurará o assédio, que tem como pressuposto de sua ocorrência a eleição de uma ou mais vítimas, às mesmas destinadas o agir reiterado.

Como pressuposto final, o efeito sobre o ambiente de trabalho que se degrada deliberadamente, com transformação em ambiente desagradável, pesado, desconfortável, características alheias inclusive àquele próprio de boa produtividade. Sem essa sombra sobre o ambiente de trabalho não se pode falar em assédio moral no trabalho.

Refira-se aqui que são os trabalhadores mais fragilizados, pessoal e profissionalmente, que são as vítimas mais comuns. Neste sentido, as mulheres, mais uma vez, sofrem mais do que os homens, como se consegue perceber. Essa constatação também  se estende aos trabalhadores que se encontram adoecidos. Por sua situação de não trabalho ficam expostos a uma ação do mau empregador    que força indevidamente a retomada da prestação e seu alinhamento à obrigação contratual.

De maneira inaceitável age com desprezo à doença do trabalhador e desconsideração de seu sofrimento, e com desrespeito à sua condição pessoal, nota característica das situações de assédio. Muito antes ao contrário, outro que seja o comportamento do empregador,  fortalece o vínculo e estimula o trabalhador à retomada das atividades.

 

SITUAÇÕES CAUSADORAS DE DANO

 

Os efeitos de tudo o que aqui se disse não são claros. Alguns referem a um chamado “risco invisível” justamente em decorrência de outra dificuldade que o tema apresenta.

As conseqüências ocorrentes sobre a saúde  são as mais tratadas, sejam elas físicas ou mentais, com maior dificuldade de sua identificação e  precisão quanto às últimas.

Em ambas, de qualquer sorte, sempre será possível a dúvida acerca do nexo de sua ocorrência  com o discutido assédio, de vez que as  situações de concausa de moléstias são recorrentes na medicina do trabalho e objeto permanente nas discussões. Seja o advento da idade, seja a ocorrência de moléstias com origens genéticas e  hereditárias, seja naquelas decorrentes de variadas situações da vida geradoras de enfermidades,  o aparecimento de uma moléstia  muitas vezes não  convive com a  certeza da identificação de sua causa, a dificultar a atribuição de sua causa  ao assédio moral. 

Muitas são as formas de identificação dos efeitos do Assédio sobre os empregados que o sofrem, todas elas em tese decorrentes de um ambiente de trabalho que apresenta características impróprias de pressão e/ou retaliação omissiva.

São crises de choro que eclodem decorrentes de uma sensibilidade posta à prova. Já se tem identificado como uma conseqüência  mais frequente a ocorrência de depressão em face da comum perda de auto estima nestas situações. A depressão é referência freqüente nos julgados regionais e em alguns dos Tribunais Superiores no país.

A hipertensão, talvez até em uma fase anterior à referida depressão,  também é denotador dos efeitos nefastos  e que geram por  igual outras evidências como dores generalizadas,  palpitações, distúrbios do sono, distúrbios da alimentação (digestivos), alteração da libido,  tremores. Consequências psicológicas (com efeitos físicos) que alteram a normalidade da vida profissional e pessoal a partir da  reiteração dos atos impróprios.  

Por igual, em situações mais agudas, não raro ensejam  pensamentos de   cometimento de suicídio e sua efetiva tentativa. Muito disto está ligado e ao mesmo tempo enseja, numa confusão entre causa e efeito, ao  abuso de drogas ou álcool,  fragilizadores das percepções, mas que não necessariamente guardam relação de causalidade com o assédio.

Dentre as situações reveladoras do problema é possível, aos efeitos de organizar a avaliação do estudo,  referir que são três as formas ou espécies, porque não dizer.

A primeira e mais comum delas é a que se vale da ascendência hierárquica para  sua efetivação, cuja melhor expressão parece ser a de bossing, numa referência direta a agir de chefe (boss) que titula  e  comanda o assédio. Vale-se inclusive da subordinação devida pelo trabalhador empregado para legitimar sua postura. Como antes referido uso inadequado do legítimo poder de comando do empregador. São referidos como assédios verticais em face da ascensão hierárquica envolvida.

É a postura imprópria firme em arrogância, em falta de ética, em  tratar desumano que vinda de quem é superior hierárquico tem um poder  devastador enorme, disseminando o medo  no ambiente do trabalho através da violência, muitas vezes mascarado  por programas de produtividade, de qualificação e competitividade, que são fundamentais para o bom desenvolvimento empresarial , mas que aqui funcionam como instrumentos impróprios e servem a senhor indesejado.

Discussão atinente à esta situação é a que questiona a responsabilidade do empregador por conta de empregado graduado que realiza o assédio. Se a iniciativa deste, sem o conhecimento do empregador  pode gerar a responsabilidade do mesmo?  Não deveria  o empregado responder  direta e exclusivamente por danos causados por ato de  iniciativa daquele ?

A resposta parece ser positiva à primeira dúvida e negativa quanto à segunda. Isto porque além de deter o Poder de Comando, o que lhe dá poderes legítimos suficientes para manter em condições o ambiente e as relações de trabalho de maneira saudável, o mesmo responde diretamente perante terceiros em face da titularidade da relação de emprego. Tudo sem excluir a possibilidade de responsabilização do causador

Mais do que isso são normas civis que melhor fundamentam essa responsabilidade, sem prejuízo do exercício do direito de regresso contra o real causador do dano, o empregado, se assim se  configurar.

Nunca é demais lembrar do legítimo jus variandi do empregador, que lhe autoriza  às alterações  das atividades , do conteúdo contratual sempre que assim se fizer necessário e dentro de padrões de razoabilidade. Quando  se estiver diante de algumas forma de assédio, percebe-se  claramente  que decorreu de indevido uso do  direito comandar e de alterar o contrato, muitas vezes inclusive  enquadrando-se na hipótese do artigo 468 da CLT que atribui  nulidade  ao ato que enseje prejuízo ao trabalhador.

Pois nesse sentido, o artigo 932, III, do CCB é expresso ao  atribuir responsabilidade por reparação  civil ao empregador por atos de  seus empregados no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele.

Responde pela má contratação e pelo não controle dos atos de seus empregados, as conhecidas culpas “in eligendo” e  “in vigilando”, as quais se lhe impõe o dever de acompanhamento, fiscalização relativamente aos atos daqueles .

Há também, por exceção, o assédio  inversamente realizado, que se dá quando  empregados de  grau hierárquico inferior agem contra seu superior, buscando seu afastamento, seu desprestígio junto às instâncias decisórias do empregador.

Da mesma forma, em atos  repetidos que tornam o ambiente de trabalho ruim, por atos de um empregado, ou de vários, de mesmo ou de diversos setores. Esse o chamado assédio ascendente, no qual, independentemente de inferioridade hierárquica no organograma da empresa, os empregados se mancomunam, se aliam contra um superior minando sua administração e atividade, com reflexos sobre sua saúde. São oposições sistemáticas, resistência à sua determinação de atuação, descumprimento de ordens,  morosidade proposital no exercício das funções, e tudo aquilo que possa significar oposição à atuação do chefe e que vise desqualificar sua condução  dos trabalhos

Finalmente refira-se o assédio  horizontal , que pode acontecer sem qualquer relação com hierarquia, por dar-se entre iguais , por assim dizer, entre empregados  que não tenham diferença de hierarquia entre si, senão que sejam  apenas colegas. 

Em geral quando esse se apresenta, vê-se evolvidas questões de melhoria de produtividade exigida pelo empregador e que faz os trabalhadores disputarem entre si o reconhecimento do chefe. São planos de metas que ao lado da observação  individual dos empregados, maneja, por igual, metas coletivas que impõe aos empregados um agir sintonizado e harmônico. Significam uma acirrada exigência de melhor resultado individual e coletivo no trabalho.

Assim aquele que possa parecer menos capaz ou menos dedicado sofre uma enorme pressão dos colegas para integrar um coletivo positivo que busca prestar o trabalho da melhor forma e assim assegurar resultados econômicos a cada um dos envolvidos individualmente, mas que precisa de todos para alcançar os resultados pretendidos. O medo justificado da perda do emprego e receio da não recolocação formal no mercado fazem dos colegas, testemunhas incapazes de qualquer reação ou apoio ao assediado, senão mesmo, sua estimulação aliando-se à estratégia de  rechaço aos improdutivos, aos mais lentos, aos menos interessados. É realmente séria a situação que acaba por colocar colaboradores em condição de disputa ferrenha entre si.

Arrolam-se algumas situações colhidas na prática e que são caminhos reais onde e como o assédio acontece. A divulgação de boatos sobre a saúde física e mental do trabalhador (problema nervoso), dentro ou fora do ambiente de trabalho, boatos sobre a moral do trabalhador atribuindo-lhe atos imorais.

Durante a realização de reuniões de trabalho, com equipes, setores ou todos, onde se façam ameaças de  desemprego e demissão, são denotativos. Nestas chamar a todos de incompetentes e promover a ameaça de despedida é uma  ocorrência freqüente, que torna o ambiente de trabalho aterrador.

Velada e sorrateiramente a atribuição ao empregado de repetição de tarefas mais simples.  A atribuição de tarefas inúteis, fazendo com que o designado sinta-se sem nenhuma importância. Supressão  de trabalhos  antes a ele atribuídos e substituindo por atividades menores em flagrante esvaziamento de sua função ou obrigações.

Também pelo agir contrário, determinando quantidade de trabalho invencível ou impondo sobrecarga insuportável de trabalho, desta feita fazendo com que o empregado sinta-se incapaz, muitas vezes impedindo a continuidade do trabalho ao encargo do assediado, por retirada da determinação, quer  por um exigir extraordinário e além das forças do empregado, quer por designar muito pouco ou quase nada de trabalho ao empregado.

Também por atribuir ao empregado tarefas e atividades fora da sua função, fora da sua atividade, fora da sua formação e para as quais não fora contratado.

Sem o envolvimento direto com o objeto do trabalho, opera-se quando o assediador  em qualquer das hipóteses acima arroladas ou fora delas, promovem risos dirigidos, cochichos que, sem explicação,  desestabilizam o destinatário. Da mesma forma, ignorando a presença da vítima, muitas vezes até excluídos dos mínimos atos cordiais como um simples bom dia, como se o mesmo não ali estivesse, como se não existisse.

Nunca se pode perder de vista o fato de que ao empregador se impõe a gestão de eventual conflito no ambiente de trabalho e de quem se exige essa capacidade de administração entre seus colaboradores. Se lhe impõe sancionar qualquer dos seus que aja de maneira indevida em detrimento e causando dano a outro empregado. Ao empregador não é dado o direito de tolerar agressões e comportamentos  como o em discussão. Não pode conviver com a ocorrência, nem  ser conivente, nem omisso cabendo-lhe afastar do ambiente de trabalho as ocorrências e posturas impróprias.

É importante contextualizar o assédio que se opera no trabalho. Há situação em que se envolvem apenas o assediador e o assediado, numa relação direta de confronto cuja discreção compõe parte do intento e torna verdadeira queda de braço entre ambos, mas que, via de regra, acovarda uma das partes por conta de superioridade hierárquica, e, portanto, em total desequilíbrio de forças e que conduz à derrota do subordinado.

Outras  oportunidades, bastante comuns, produzem  testemunhas e verdadeiros cúmplices. Isto quando  as ações e omissões, os  rechaços são realizados diante de colegas de trabalho que a tudo assistem sem qualquer oposição.

Fundamental lembrar que na maioria das vezes pouca é  sua capacidade de  resistência ou de indignação e mesmo de reação, uma vez que empregados que são temem por igual por seu sustento, por seu emprego, fazendo-os platéia silenciosa da ação indevida. Por tal razão fala-se em passividade de cúmplice, pois o não reagir tem o significado de endosso, de apoio ao ilícito.

Quando se trata de  assédio horizontal, são os colegas que o impõe e o asseveram de vez que a vítima se apresenta como de menor potencial realizador de trabalho, colocando em risco os resultados do grupo e a expectativa empresarial sobre  o grupo, com os riscos  e prejuízos econômicos daí resultantes.

 

BASES OBJETIVAS

 

Vários, mas  incompletos individualmente, são os pontos de positivação acerca do assédio, que podem embasar sua  apreciação no texto Constitucional ou em normas esparsas celetistas, além  das leis estaduais aplicadas ao trabalho público.

Buscando amparo, tudo isso se evidencia infringente à Carta Constitucional.

É que a mesma assevera direitos fundamentais das pessoas e dos trabalhadores à igualdade de tratamento, à não discriminação.

Quando protege a honra e imagem. As ocorrências assediantes podem transitar sim pela área de tão importantes princípios,  de vez que essa agressão  que contra  o empregado pode ser praticada quanto à suas atividades, o  segrega, distingue indevidamente, ferindo profunda e intimamente a sua honra e imagem.

Sobretudo é possível embasar esse novel direito quando o artigo 1º que constitui o Estado Democrático de Direito, elegendo como fundamentos a  dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, é expresso no sentido dessa proteção. A combinação destes dois valores constitucionais enseja o olhar  sobre a dignidade do trabalhador e sua proteção. O incomensurável valor social do trabalho garante ao seu executor condições humanas e dignas, próprias de quem busca o sustento a partir do seu suor.

Em  matéria especial publicada no site de notícias do TST datada de 01.02.2007, traz a observação  precisa da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi de que “é possível citar também  o direito à saúde, mais especificamente à saúde mental, abrangida na proteção conferida pelo artigo 6º, e o direito à honra, previsto no artigo 5º, inciso X, também da Constituição”.

Nesse sentido,  contextualize-se para invocar o artigo 196 da Constituição Federal que  garante a

saúde como direito de todos e dever do estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações  e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Sem a finalidade de aprofundar o tema, é, no entanto fundamental referir que o que se aborda com a proteção à esse direito de condição digna  no trabalho é um direito de personalidade, que se compõe de garantia à integridade física e psicológica, e porque não dizer mental. A dicção do inciso III do artigo 1º da Carta constitucional, como acima elencado, e do seu artigo 5º, III e X amparam a consideração e impõe trato e repressão ao comportamento indevido.

O assédio tem o efeito de violação desse direito de Personalidade  pois ensejador de  resultado  danoso e prejudicial quer físico , quer mental, psicológico, emocional, mormente quando dotado de  premeditação , de agir intencionado a um fim previamente posto.

A deterioração das  condições de trabalho, quer feito pelo empregador, quer ocorrente pela falta de sua correção de rumo não  se sustenta, senão, muito ao contrário, impõe mais uma vez ao Direito do Trabalho  o posicionamento firme e contrário ao atropelo de tão fundamental direito.

Estes são pilares fundamentais da cidadania que  impõe a evolução e aprofundamento da discussão da necessária proteção que deve o Estado dar contra  a indevida situação.       

Em âmbito de legislação infra-constitucional, pode-se encontrar apoio parcial na própria CLT. É que ao abordar a rescisão indireta no seu artigo 483, as alíneas “a”(forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato), “b”(for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo) e “e” (praticar o empregador  ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra  e boa fama) amparam diretamente o empregado na proteção contra esse agir indevido do empregador.

Indiretamente, ainda o mesmo artigo pode ser interpretado como de amparo em face de outras  alíneas. A alínea “c” ( correr perigo de mal considerável) ainda que normalmente se a veja como a possibilidade de mal físico – o qual até pode ocorrer –, o mal moral sério tem  adequação à hipótese legal  e põe em risco o trabalhador.

A alínea “d” (não cumprir o empregador as obrigações do contrato) por igual o faz remetendo às obrigações contratuais  gerais e atinentes ao empregador, como dever de boa fé, de lealdade, de transparência,  de adstrição  ao objeto contratual, de não discriminação e de igualdade, de não alteração indevida e injustificada do trabalho contratado. 

Até a alínea “g” (o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou  tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários) pode constituir hipótese em que o empregador espezinha o trabalhador por esse meio, conduzindo-o à conclusão de que não mais pode continuar, que precisa de outro trabalho mais rentável e capaz de retornar à estabilidade econômica, já que este não mais consegue prover…

Todas essas hipóteses revelam o mau agir do empregador e diretamente relacionados com o assédio.

O dano decorrente das más ações ou omissões pode dar-se em duas ordens. O dano moral e o material. O dano moral é o que mais comumente se relaciona ao evento em face de serem mais  sensíveis  todos os efeitos do assédio.

É o trabalhador que se vê inferiorizado pelas constantes micro acusações, das reiteradas reclamações  forçadas sobre seu agir e que o faz sentir-se mal e menor. Que gera efeitos nas relações do mesmo com seus colegas, com seus familiares e amigos.  A perda da auto estima é prejuízo no ser do trabalhador e em sua relação com o mundo.

De outra parte, a decorrência de danos materiais se apresenta com consequências sobre sua produtividade, capacidade de concluir negócios, capacidade de bem colaborar com a empresa. Pode redundar em não percebimento de gratificações, bonificações, promoções, perda de participação das vantagens de Planos de Participação em lucros ou resultados, perda de novos negócios, de crédito e até do próprio empregado, quando então o assédio  atinge sua conclusão plena.

Cabe ressaltar  a disposição presente na Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009 (ex MP nº 453/2008) que indiretamente contribui para ao cerceio do problema ao sancionar em seu artigo 4º os assediadores, pela via econômica  limitando capital público:

Fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes  sejam condenados por assédio  moral o sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente”.

Também importa referir a autoria do Deputado Vieira da Cunha ao propor o Projeto de Lei nº 5369 de 2009, que institui o Programa de Combate ao Bullying, a despeito da denominação já contrariada, por entender que a situação no ambiente de trabalho assim não deve ser denominada.

De fato, o conceito posto no parágrafo único do artigo  1º tem boa aplicação ao ambiente do trabalho ainda que não lhe seja específico, e que assim dispõe:

 

“no contexto da presente Lei, “bullying” é considerado todo o ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre  sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio  de poder entre as partes envolvidas.”

 

A iniciativa  do projeto acaba por incluir referências e conceitos  que se desenvolveram nos últimos  tempos ao caracterizar em seu artigo 2º situações típicas:

 

“Caracteriza-se o “bullying”  quando há violência  física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação e/ou discriminação, e ainda:

  1. ataques físicos
  2. insultos pessoais
  3. comentários sistemáticos e apelidos pejorativos
  4. ameaças por quaisquer meios
  5. grafitagem depreciativas
  6. expressões preconceituosas
  7. isolamento social consciente e premeditado
  8. pilhérias.

§ único: O “Cyberbullying”, uso de instrumentos da WEB, como Orkut e outros, para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais como intuito de crias meios de constrangimento psicossocial, caracteriza-se também como “bullying”.

 

A avaliação do projeto, como visto incluiu a utilização de  instrumentos modernos, de meios eletrônicos, e que, mesmo sem serem todas as referências a estas ocorrências por darem-se em ambiente laboral, a ele se aplicam. De igual aproveitamento a classificação proposta pelo artigo 3º:

 

O “bullying” pode ser classificado conforme as ações praticadas:

  1. verbal: insultos, xingamentos, e apelidos pejorativos
  2. moral: difamação calúnia , disseminação de rumores;
  3. sexual: assédio, indução e/ou abuso;
  4. social: ignorar, isolar e excluir;
  5. psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
  6. físico: socar, chutar , bater;
  7. material: furtar, roubar, destruir, pertences de outro;
  8. virtual: depreciar, enviar mensagens, intrusivas de intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem   em sofrimento,  ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.

 

Percebe-se, contudo, tímida e incompleta  em face de todo o universo que envolve o assédio moral no trabalho, mas sempre louvável iniciativa de proteção.

Outra iniciativa legislativa, essa de alteração de disposição consolidada, da CLT, propõe acréscimo de redação ao artigo 483, incluindo  mais uma alínea e alterando a redação do parágrafo 3º, bem como  alteração ao artigo 484-A, para assim dispor:

 

 “artigo 483…

 

  1. h) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele, coação moral, por meio de atos ou expressões que tenham por objetivo ou efeito atingir sua dignidade e/ou criar condições de trabalho humilhantes, degradantes, ou abusando da autoridade que lhes conferem suas funções.

.. § 3º:

Nas hipóteses das alíneas “d”,”g”, e “h” , poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato  e o pagamento das respectivas  indenizações, permanecendo ou não no serviço até decisão final do processo”

 

Artigo 484-A…

Se a rescisão do contrato de trabalho foi motivada  pela prática de coação moral do empregador ou de seus prepostos contra o trabalhador, o juiz aumentará, pelo dobro, a indenização devida em caso de culpa exclusiva do empregador”

 

Como ao início referido  há legislação Estadual especificamente voltada para o trabalho público, também  bastante escassa, dentre as quais se destaca a pioneira do Rio de Janeiro Lei n 3.921 de agosto de 2002, e que veda

 

 “ o exercício de qualquer  ato, atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado que  implique em violação da dignidade  desse sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes e degradantes”

                                     

Alguns outros estados caminham neste sentido com projetos de lei semelhantes tramitando no Rio Grande do sul,  Paraná, Pernambuco e Bahia. Em âmbito Municipal crê-se que mais de 100 projetos encontram-se postos em fases distintas de tramitação, alguns até já aprovados.

Em sede de jurisprudência, os Regionais já enfrentam há algum tempo  demandas que envolvem  o assédio moral , com pretensões basicamente indenizatórias e reintegratórias, sendo avaliadas e muitas acolhidas, sendo que no caso de pretensões que envolvam a reintegração ao emprego,  o pressuposto para ao acolhimento é o gozo de benefício previdenciário.

Ao Tribunal Superior do Trabalho têm chegado demandas em fase recursal e quando possível a discussão (em face das limitações das discussões na instância superior) tem indicado acolhimento e sensibilidade à essa novel ocorrência.

Exemplo disto é o aresto abaixo transcrito, de cujos fundamentos  muito se aproveita para o presente, do PROCESSO Nº TST-AIRR-10900-54.2010.5.15.0000 C/J PROC. Nº TST-RR-116100-05.2006.5.15.0028 , da lavra da Relatora Ministra Relatora Rosa Maria Weber Candiota, atualísssimo, tendo sido suprimidos na transcrição os objetos alheios ao tema, e realçadas as partes de aplciação:

 

A C Ó R D Ã O
3ª Turma
RMW/ws/ko


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. DANO MORAL. VALOR ARBITRADO. Não configurada violação direta e literal de preceito da lei federal ou da Constituição da República, nem divergência jurisprudencial válida e específica, nos moldes das alíneas -a- e -c- do artigo 896 da CLT, inviável o trânsito da revista e, consequentemente, o provimento do agravo de instrumento.
Agravo de instrumento conhecido e não-provido

…V O T O

-PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
DANO MORAL
Ao concluir que a reclamante faz-jus a indenização por danos morais decorrente de assedio moral, o v julgado fundamentou-se no livre convencimento preconizado no art. 131 do CPC e na analise de fatos ,e provas, cuja reapreciação encontra óbice na Súmula 126 do E TST, restando inviável o apelo.
Por outro lado, não ha que falar em ofensa aos arts.” 818 da CLT e 333, do CPC, pois as diretrizes acerca do ônus da prova, inseridas em tais dispositivos somente são aplicáveis quando a lide carecer de elementos probantes.
…Estes são os fundamentos da decisão colegiada:


   DO RECURSO DA RECLAMANTE
   DA DOENÇA OCUPACIONAL
     Sustenta a reclamante que em virtude do assédio moral sofrido, passou a ter problemas psicológicos que abalaram sua saúde, devendo sua doença ser reconhecida como ocupacional, com a declaração da nulidade da dispensa e determinação de sua reintegração ou a conversão em indenização.
   Sem razão a reclamante, uma vez que para ter direito à reintegração ou ao recebimento da indenização respectiva, é necessária a presença dos requisitos existentes no artigo 118 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
   Não há nos autos a comprovação de que a reclamante tivesse se ausentado do trabalho por motivo de doença ou que tivesse recebido o auxílio-doença enquanto vigente o contrato de trabalho.    Nego provimento.
   DOS DANOS MORAIS
     Aduz a reclamante ter direito ao recebimento da indenização por danos morais sofridos em conseqüência do assédio moral.
   Com razão a reclamante, uma vez que ficou devidamente comprovado nos autos o assédio moral causado por uma superiora. E esse assédio moral ocasionou-lhe humilhação e constrangimento, que aos poucos foi fragilizando-a ocasionando a depressão como conseqüência de sua baixa auto-estima,
   A depressão é a doença mais freqüentemente observada como oriunda do assédio moral, pois a pessoa sente-se humilhada, diminuída, passa a sentir-se um ninguém, sem valor, inútil.
   O laudo pericial de fls. 122/197, a fls. 189 há a conclusão de haver nexo causal entre as desavenças pessoas que a Autora teve com superiores hierárquicos dentro e fora do ambiente de trabalho e a doença constatada no Exame Pericial (depressão moderada).
   Tal conclusão nos leva aos danos morais e à necessária reparação.
   É de se ressaltar que a reclamante, efetivamente, sofreu assédio moral por parte de sua superiora que, na frente de outras pessoas, ridicularizou-a em uma festa de fim de ano, além de outros fatos que desencadearam os problemas psicológicos que vieram a abalar a sua saúde emocional.
   De acordo com a médica Margarida Maria Silveira Barreto, médica do trabalho e ginecologista, in Violência, Saúde, Trabalho – Uma Jornada de Humilhações. São Paulo. EDIC – Editora da PUC, SP, 2000, assédio moral no trabalho é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas de longa duração, e um ou mais chefes e dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a o organização, forçando-a a desistir do emprego.
   Essa conceituação fala em exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras com o intuito de fazer o trabalhador se sentir extremamente rebaixado, oprimido, ofendido, inferiorizado, vexado e ultrajado pela ação assediador que o persegue e o importuna.
   As situações constrangedoras experimentadas pela reclamante foi responsável pelo estado geral de angústia e de decepção que ocasionou a forte depressão.
   A depressão é a doença mais freqüentemente observada como oriunda do assédio moral. O agredido usualmente sente-se humilhado, diminuído. A depressão acaba trazendo novos problemas, agudizando o quadro do algoz que compreende o quadro depressivo do agredido e o ajuda mais um pouquinho com a sua pseudo-cristã piedade perturbando-o com mais e mais conselhos.
   Provado, portanto, o assédio moral passa-se a compor a sua compensação material.
   É verdade que a composição do dano moral é complexa, tendo em vista que para a dor moral não há compensação material que baste. Assim, há de compor a quantificação da indenização para que ela possa trazer determinado conforto à dor moral da vítima, isto é, deve apresentar-se viável e com caráter repressivo à conduta inadequada de quem lhe deu causa.
   Dessa forma, é de se entender que a indenização por danos morais deve ser fixada em valor que produza no trabalhador humilhado, sensação contrária à de sua dor, de sua tristeza, de seu constrangimento.
   É também de se levar em conta a necessidade da parte e a possibilidade financeira da empresa, o que leva a se aplicar, por analogia, o § 1º do artigo 1.694 do Código Civil, para se fixar a indenização na proporção da satisfação compensatória do dano ao reclamante e dos recursos da pessoa obrigada a pagar.
   Há nos autos o pedido da autora, o qual deve ser entendido como de satisfação compensatória, motivo pelo qual fixo a indenização por danos morais em cem (100) vezes o valor do salário mínimo legal à época da liquidação da sentença.
   Dou provimento.


Brasília, 17 de novembro de 2010

ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA

          

Também em mais um recentíssimo julgamento, com acórdão da lavra do Ministro relator Renato Paiva,  indica a compreensão a que se  inclina o TST por mais este próprio  julgamento, ora mais resumidamente transcrito, com a compreensão mais ampla:

 
PROCESSO Nº TST-AIRR-185840-27.2004.5.17.0008

A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMRLP/jmr/ial

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL – CARACTERIZAÇÃO. DANO MORAL – QUANTUM INDENIZATÓRIO. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-185840-27.2004.5.17.0008, em que é Agravante S.A. A GAZETA e Agravada BEATRICE VAGO DAS CHAGAS.

 
FUNDAMENTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
A agravante reitera os fundamentos do recurso de revista e alega que houve violação do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, sob o argumento de que o Tribunal Regional não poderia emitir juízo de valor sobre o mérito do recurso.


DECISÃO
Primeiramente, há de se afastar a alegação de que o despacho que denegou seguimento ao recurso apreciou o mérito, com ofensa ao artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. É que o juízo de admissibilidade a quo é precário, não impedindo, pois, o reexame dos pressupostos de admissibilidade pelo juízo ad quem, como, por ora, ocorrerá.
No mais mantenho o despacho que denegou seguimento ao recurso de revista pelos seus próprios fundamentos:


`INDEN1ZAÇÃO POR DANOS MORAIS
O reclamado pretende a exclusão do pagamento de indenização por danos morais em função de não ter sido o autor da ofensa, segundo o seu entendimento. Isso porque a ofensa irrogada contra a reclamante não partiu de um superior hierárquico, mas de uma colega de trabalho, de igual hierarquia. Argumenta ainda que a ofensa só ocorreu uma vez.
Não lhe assiste razão.
Se por um lado o empregador tem o poder de direção da prestação do trabalho, por outro lado corre o risco da atividade econômica e, por isso, tem a obrigação de estabelecer ambiente de trabalho com higidez fisica, mental e moral, com a preservação do respeito entre seus empregados . (artigos 1º, III; 6º; 7º, XXII , 170, caput e inciso VI e 193, da CF).
A responsabilidade pelas eventos acontecidos no ambiente de trabalho e principalmente em decorrência de como o labor é prestado, aí incluídas as relações intersubjetivas, é de natureza objetiva, na forma do disposto no inciso III do art. 932 do CCB/02. Logo, não há qualquer influência na determinação da responsabilidade do empregador se a ofensa é praticada por colega de trabalho do mesmo nível ou por superior ou inferior hierárquico.
Com efeito, a responsabilidade pelos eventos acontecidos no ambiente de trabalho, e principalmente em decorrência de como o labor é prestado, aí incluídas as relações intersubjetivas, é de natureza objetiva, na forma do disposto no inciso III da art. 932 da CCB/02. Logo, não há qualquer influência na determinação da responsabilidade do empregador se a ofensa é praticada por colega de trabalho do mesmo nível ou por superior ou inferior hierárquico. Tal premissa, deve nortear todas as circunstâncias em que haja comprometimento do ambiente de trabalho (agressões físicas e verbais; assédio moral ou sexual; práticas estressantes de trabalho; com ou sem a advento da síndrome de burnout.
Só haveria de se cogitar em exclusão da responsabilidade do empregador se a ofensa adviesse de motivo alheio à prestação dos serviços, com a quebra do nexo causal. Todavia, nem mesmo a subordinação hierárquica da ofendida em relação à ofensora restou afastada pela prova dos autos, consoante um breve trecho do depoimento da testemunha Ana Cláudia de Oliveira Viana:.
`a depoente já ouviu relatos de colegas de trabalho noticiando que a editora SANDRA DANIEL, em outras acasiões, rotulou a reclamante de ‘aleijada’ e ‘piranha’; que a reclamante era subordinada à editora SANDRA DANIEL, na editoria do MIX TUDO; que o relacionamento entre a reclamante e a SANDRA DANIEL era bastante tenso, com bastantes críticas desta última ao trabalho realizado pela primeira, sendo que a partir de certo tempo elas pararam de falar entre si; que aos demais subordinados, a editara SANDRA DANIEL dispensava tratamento cordial; que as desavenças entre a reclamante e SANDRA DANIEL era de conhecimento da editora-chefe- (fi. 387).
Mesmo a testemunha trazida pelo recorrente, SANDRA AGUIAR, não desmente a animosidade existente entre as empregadas e tampouco o grau hierárquico:
`que quando ambas trabalhavam na editoria do Mix Tudo, percebia que havia `diferenças- entre ambas no que diz respeito ao trabalho, porém, havia respeito mútuo no campo pessoal; que SANDRA DANIEL tinha temperamento muito forte e era impositiva, fazendo valer suas opiniões e, nesse desiderato não se utilizava de diplomacia com seus funcionários… ` (fl. 388).
Portanto resta categoricamente desmentida a ocorrência de evento único e inexistência de subordinação entre ofensora e ofendido embora tais circunstâncias não tenham o condão de, só por isso, afastar a responsabilidade do empregador, que ocorre de forma objetiva em razão dos atos de seus empregados.
Além disso, a própria chefe de ambas reconhece que havia diferença entre ambas e que a ofensora se impunha sobre os demais funcionários sem qualquer diplomacia em razão de seu temperamento `forte-. Assim, fica evidente que o empregador incorreu também em culpa in eligendo pela escolha de empregado despreparado para ocupar função de importância na empresa e culpa in vigilando por permitir que se mantivesse um ambiente de trabalho extremamente deteriorado no que tange ao aspecto moral e de convívio.

Nesse sentido, aresto elucidativo:
DANO MORAL E ESTÉTICO. AGRESSÃO DE COLEGA NO LOCAL DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Detentor da fonte de trabalho, o empregador deve dotar o ambiente laboral de perfeitas condições de higiene e segurança, velando para que o trabalhador possa desenvolver seus misteres com tranqüilidade. A responsabilidade do empregador pelo que ocorre no espaço de trabalho é pois, de corte objetivo, respondendo pelos danos advindos de atos praticados por prepostos e empregados, inclusive na esfera das relações interpessoais. Ainda que não se reputasse objetiva a responsabilidade patronal, in casu o ataque praticado contra o reclamante no local de trabalho ocorreu por culpa da empregadora, havendo nexo causal entre o evento danoso e a conduta omissa da reclamada. Com efeito, trata-se de culpa in eligendo, resultante de má escolha do agressor, admitido no quadro funcional sem maiores cautelas, e ainda, de culpa in vigilando, caracterizada pela ausência de fiscalização do ambiente, não tendo havido a devida vigilância das dependências internas do estabelecimento vez que o agressor nele adentrou portando arma de fogo e consumou os disparos que vitimaram o colega, deixando-o paraplégico. Provados o dano e o nexo causal, aflora o dever de indenizar, vez que o empregador ou comitente, são responsáveis pelos atos de seus empregados, serviçais, prepostos, no exercício do trabalho ou em razão dele, nos termos do artigo 932 do Código Civil. Recurso ordinário a que se dá provimento. (TRT 2ªR. – RO 01218200303102000 – 4ª T – Rel. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DJSP 06.03.2007)

Assim, além da culpa objetiva pelo evento ocorrido no ambiente de trabalho, presente, outrossim a conduta ilícita (a culpa), o dano e nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado, pelo que deve ser mantida a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.-
Ante o exposto, não se vislumbra, em tese, violação à literalidade dos dispositivos legais invocados, conforme exige a alínea “c” do artigo 896 Consolidado.
Ademais, verifica-se que, não obstante o d. Colegiado ter se manifestado no sentido de atribuir a responsabilidade objetiva à reclamada, o que, em tese, ensejaria divergência interpretativa com os julgados que entenderam ser a responsabilidade subjetiva (fis. 541/544), in casu. restaram assentadas a existência de culpa – in eligendo e in vigilando – e o nexo causal entre a atitude do agente e o dano – elementos carcterizadores da responsabilidade subjetiva – de modo que, em relação a essa questão, não se verifica tenha sido demonstrado o alegado dissenso pretoriano, não sendo demais lembrar, ser vedado, nesta fase processual, revolver o conjunto fático probatório dos autos (S. 126, do C. TST).
Por fim, as duas últimas ementas – fls. 544/545 – mostram-se inadequadas à configuração da pretendida divergência interpretativa, porquanto abordam situação em que o pedido de indenização por dano moral decorreu de desentendimento pessoal entre empregados, ou seja, por motivos alheios à prestação de serviços, situação fática distinta daquela assentada no acórdão impugnado (S. 296/TST).
…`INDEN’ZAÇÃO POR.DANOS MORAIS
Neste tópico prevaleceu o entendimento do eminente Juiz Carlos Henrique Bezerra Leite, verbis.:
`VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
A reclamante postula o aumento do valor de R$ 10.000,00, fixado como quantum de indenização por danos morais.
Entendo que diante da discriminação evidenciada na atitude da colega da autora, tem-se que o valor fixado na sentença foi até modesto ante a gravidade da ofensa sofrida, sobretudo quando se sabe que a mesma é portadora de necessidades especiais.
Contudo, infere-se do conjunto probatório que os depoimentos colhidos não são uníssonos na versão apresentada, pois somente uma testemunha foi a favor da tese da autora, enquanto as outras duas testemunhas: uma nada soube dizer a respeito dos fatos e a outra sustentou agressões mútuas. Ambas, portanto, não colaboraram com os argumentos autorais, sendo certo que a empresa, ao tomar ciência dos fatos, imediatamente adotou as providências cabíveis.
O art. 927 do novo Código Civil permite a fixação de indenização decorrente dos atos ilícitos.
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CRITÉRIOS PARA ARBITRAMENTO. O valor da condenação por danos morais decorrentes da relação de trabalho será arbitrado pelo juiz de maneira eqüitativa, a fim de atender ao se caráter compensatório, pedagógico e preventivo.
Levando em consideração que o dano sofrido pelo reclamante ocorreu no plano horizontal, e sopesando a capacidade econômica do reclamado, adoto o voto médio e fixo o valor da condenação em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).-
Ante o exposto, não se vislumbra, em tese, violação à, literalidade do dispositivo legal e constitucional invocados, conforme exige a alínea “c” do artigo 896 Consolidado.
Ademais, o quantum deferido a título de indenização por dano moral é questão atinente ao livre convencimento motivado do julgador que, levando em conta parâmetros objetivos já sedimentados na doutrina e jurisprudência pátrias atinentes à matéria, analisa circunstanciadamente cada caso concreto, como ocorreu na hipótese dos autos, nos termos acima assentados. Assim, mostra-se inviável, in casu, invocar divergência jurisprudencial, sob pena de incidência da hipótese elencada na Súmula 296/TST.
CONCLUSÃO
DENEGO seguimento ao recurso de revista.- (fls. 211/216)

Acrescento, ainda, que não vislumbro a alegada afronta aos artigos 186, 932, III do Código Civil, como exige a alínea -c- do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. É que, a par dos contornos nitidamente fático-probatórios que envolvem a questão relativa à caracterização do dano moral, e que inviabilizam o seguimento do recurso de revista, na forma preconizada pela Súmula/TST nº 126, o Tribunal Regional, embasado nas provas constantes dos autos, concluiu pela existência de -culpa objetiva pelo evento ocorrido no ambiente de trabalho, presente, outrossim a conduta ilícita (a culpa), o dano e nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado-, asseverando que -fica evidente que o empregador incorreu também em culpa in eligendo pela escolha de empregado despreparado para ocupar função de importância na empresa e culpa in vigilando por permitir que se mantivesse um ambiente de trabalho extremamente deteriorado no que tange ao aspecto moral e de convívio-. Assim, julgou à luz do princípio da livre convicção motivada do juízo insculpido no artigo 131 do Código de Processo Civil, pelo que não há que se falar em violação dos dispositivos legais supracitados.


Em relação ao valor da indenização, não evidencio afronta direta ao preceito constitucional invocado, eis que o tema trazido não enseja violação frontal a texto constitucional, senão pela via indireta, o que torna inviável o recurso de revista, pelo que não há que se falar em violação ao artigo 5º, V, da Constituição Federal.
Aliás, impossível seria vislumbrar violação direta à Carta Magna, eis que para o deslinde da controvérsia, necessário seria questionar a aplicação das normas infraconstitucionais que regem a matéria sub judice, como é o caso do artigo 944, parágrafo único, do Código Civil, ora aplicado pelo Tribunal Regional e invocado pela própria recorrente.
Ademais, a fixação do valor arbitrado para o pagamento da indenização pelo dano moral ocorrido não se afigura excessivo, posto que o Tribunal Regional levou em consideração os requisitos para determiná-lo, tais como a extensão, o grau de culpa da empresa e a situação financeira de ambas as partes, não se vislumbrando o enriquecimento sem causa do trabalhador. ..
com prudência, arbitrar o valor da indenização decorrente de dano moral, a saber: a) considerar a gravidade objetiva do dano; b) a intensidade do sofrimento da vítima; c) considerar a personalidade e o poder econômico do ofensor; d) pautar-se pela razoabilidade e equitatividade na estipulação. O rol certamente não se exaure aqui. Trata-se de algumas diretrizes a que o juiz deve atentar.
A condenação foi fixada dentro de um critério razoável, porque observou elementos indispensáveis, quais sejam, a intensidade da ofensa e a gravidade da repercussão da ofensa no meio social do obreiro.

São precedentes os seguintes julgados de minha lavra: RR-608.656/99, DJU de 13/12/02, 2ª Turma; 575.354/1999, DJU de 21/02/03 e o RR-375.045/97, 4ª Turma, da lavra do Exmo. Min. Ives Gandra Martins Filho.

Também, não há que se falar em ofensa ao artigo 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho, uma vez que, ao determinar a submissão prévia de qualquer demanda trabalhista à CCP, não trata da matéria discutida nos autos, qual seja, dano moral e o quantum indenizatório. Assim, impertinente a sua invocação.

Por derradeiro, não prospera a alegação de divergência jurisprudencial, eis que as decisões transcritas às fls. 196/204 das razões de revista, são inservíveis à demonstração do dissenso, porquanto inespecíficas, eis que não abordam a questão referente à constatação da ocorrência de culpa -in eligendo- pela escolha de empregado despreparado para ocupar função de importância. Aplicabilidade da Súmula nº 296.

Do exposto, conheço do agravo de instrumento para negar-lhe provimento.

ISTO POSTO


ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento para negar-lhe provimento.


Brasília, 10 de novembro de 2010.


RENATO DE LACERDA PAIVA

Ministro Relator

                              

Ainda é de registrar a oportuna Edição do E.TRT 4ª Região  da Revista Eletrônica, em sua Edição Especial nº 7 dedicada ao Assédio Moral e Sexual, traz enorme contribuição ao estudo do tema, com acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, Acórdãos de outros Tribunais Regionais do Trabalho, Ementas de outros Tribunais Regionais do Trabalho.

À guisa  de conclusão releve-se que anda  a passos rápidos a edição de inúmeras regras legais em  todos os âmbitos. A proteção maior que a Constituição Federal  brasileira alcança ao tema tem elementos suficientes para amparar a construção de firme entendimento de rechaço à situação do Assédio moral. Assim estão se  movimentando os envolvidos e estudiosos.

O que releva, contudo, é que estão lançadas as   noções básicas acerca de inaceitável comportamento no ambiente de trabalho, protagonizado por qualquer de seus atores, sejam eles  empregadores ou seus prepostos, colegas, de nível hierárquico superior ou inferior, que deliberadamente agem  contra um destinatário certo. Transformam perigosamente o ambiente de trabalho, que se desfoca de seus objetivos profissionais para indevidamente conviver com situações injustas e capazes de converter o ambiente de trabalho em desagradável cena  laboral, além de potencialmente gerar às suas vítimas consequências desastrosas.          

Mina as relações pessoais, enseja danos e lesões físicas ou mentais com consequente perda geral de resultados, sem falar nas perdas pessoais daí decorrentes. O ambiente de trabalho degradado influencia negativamente os resultados empresariais pelo que deste deve ser o interesse do empregador em afastar o assédio  de suas relações, sendo o principal guardião  de uma postura colaborativa e motivadora da atividade desenvolvida.

E ao Direito do Trabalho incumbe a obrigação de fomento da discussão, busca de elementos norteadores da compreensão desse fenômeno contemporâneo, para o que este singelo artigo pretende contribuir.

 

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A aplicação da não jurisdição pós covid

André Jobim de Azevedo

 

  1. INTRODUÇÃO

Em tempos de pandemia, onde tudo se altera na vida, não desaparecem os conflitos. Ao contrário desafiadoramente se apresentam e demandam solução, a melhor possível. Conflitos são tão antigos quanto a própria sociedade. Como movimento, são essenciais à evolução social, ao crescimento, ao pensamento crítico e ao abandono do comodismo. De há tempos a jurisdição oficial se apresenta como forma civilizada para tanto, mas não exclusivamente.  Desde muito se afastou a precária solução pela via da vindita, cujos resultados além de impróprios favoreciam, independentemente de razão ou justiça, aos mais fortes. Ao Estado delegou a sociedade o poder-dever de dizer e realizar o direito (jurisdição) e o instrumento civilizado daí nascente é o Processo. E a chamada jurisdição oficial.

Na primeira Constituição do País, a Imperial de 1824, acionar o Poder Judiciário era meio subsidiário do insucesso do diálogo. Parece que a lógica foi se invertendo ao longo dos séculos.

Desde o final do século XX, a cultura da litigiosidade encontrou ambiente fértil para se propagar. O cenário contemporâneo das relações sociais é complexo e em vias de mudanças permanentemente, o que se reflete, por óbvio, nos conflitos e em suas soluções, também complexizando-os em medida significativa.

Daí os problemas no método oficial de resolução de conflitos agravam-se sobremaneira, sendo vítima de insatisfação geral. Em que pese a inegável a relação intrínseca do direito de ação com a democracia, o Poder Judiciário se mostra ineficiente, analisado tanto pelo aspecto da celeridade quanto pelo aspecto da adequação.

Mais do que isso, a judicialização extremada desses conflitos, privilegia a cultura adversarial, no qual um conflito se torna uma competição baseada no modelo “perde-ganha”.

A Resolução CNJ nº. 125, a Lei da Mediação (Lei nº. 13.1402015) e o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) vêm à ordem jurídica buscando recompor em termos mais próprios a finalidade maior a que se destina, a de bem resolver os conflitos postos aos efeitos da tão desejada paz social.

Aqui denominei como “Não jurisdição”. A finalidade deste texto é uma abordagem crítica e ao mesmo tempo propositiva no que respeita ao processo judicial, e especialmente aos MASCS (Métodos Adequados de Solução de Conflitos) no pós Covid – em verdade ainda Covid. Rondo igualmente a avaliação da atuação do advogado neste novo contexto que assume, mais do que nunca, papel importante na efetivação da justiça.

2. A CULTURA DO CONFLITO

Novos rumos são traçados pela busca efetiva da solução de conflitos. Da inadequação do método jurisdicional para resolução de todo e qualquer conflito à nova concepção de acesso à justiça, os chamados métodos adequados de resolução de conflitos passam a protagonizar os mais diversos foros, debates e obras de doutrina. A  Arbitragem , conciliação e mediação, este último, se notabiliza pelas suas particularidades, que se constituem em verdadeiras vantagens na sua utilização.

Inicie-se por advertir que, no entanto, não se trata de tema novo. O ordenamento jurídico brasileiro há muito dispõe acerca da resolução consensual de conflitos. Desde o descobrimento do Brasil. Inicialmente era prevista nas Ordenações Afonsinas (Livro III, Título XVI), nas Ordenações Manuelinas (Livro III, Títulos 81 e 82), depois nas Ordenações Filipinas. Em seguida na Constituição do Império de 1824, nos Códigos de Processo Estaduais antes de 1939*, no CPC de 1973, na Lei do Juizado Especial Cível. Atualmente, a mediação encontra suporte legal na Resolução CNJ nº. 125 de 2010, no Código de Processo Civil de 2015 e na Lei 13.140 de 2015.

A discordância é tão antiga quanto a humanidade. Desde o “homo sapiens” arcaico é possível verificar que os instintos sociais impossibilitavam que vivessem em grandes grupos. Grandes grupos não floresceriam porque não conseguiam concordar sobre quem deveria ser o líder ou sobre quem deveria caçar onde[1]. O modo de se relacionar e de lidar com problema e questões da convivência vem sendo alterado substancialmente, desaguando numa sociedade de conflitos, como no caso da sociedade brasileira, altamente conflituosa.

O tempo que nos envolve no século 21 é o da pós-modernidade, movimento social que altera drasticamente as estruturas sociais vividas na era moderna. Valores e conceitos universais antigamente apregoados passam a ser reiteradamente questionados. A era é das incertezas, instabilidade e mutações em todos os âmbitos, e pelo abandono de antigas referências antes vigentes de instituições, profissões e relações. Com um discurso evidentemente heterogêneo e diverso, tal desconstrução drástica propicia um nível de tensão que reflete no modo de se relacionar. As relações sociais são, sobretudo, heterogêneas e complexas, marcadas pelo alto grau de instabilidade e pela dificuldade na manutenção de vínculos. Esther Diaz define o período pós-moderno como tensional, “La posmodernidad, por el contrario, agita las diferencias, las meclas sin respeto, las confunde sin pudor”[2]. O discurso da sociedade moderna, a despeito dos efeitos positivos, acentua discordâncias.

É nesta conjuntura que se insere um novo modelo de Estado. Após a derrocada dos regimes totalitários na Itália e na Alemanha, preponderou o constitucionalismo norte-americano, que estabelece a supremacia da Constituição[3][4]. Tal pensamento passou a contagiar toda a Europa desde o final da Segunda Guerra mundial, destinado a perpetuar princípios democráticos baseados na valorização do indivíduo[5].

Assim, se encara a dimensão substancial da democracia, revestida pelo reconhecimento da força vinculante e normativa dos direitos fundamentais individuais. É o ponto de vista substancial do Estado Democrático de Direito que exsurge democracia não mais como sinônimo de vontade da maioria, mas que encontra sustento em princípios, garantias e valores individuais que o Estado visa promover. No cenário nacional, revela-se a transição do Estado Liberal para Estado Social, acolhido pela Constituição Federal de 1988.

A conscientização social em torno da valorização dos indivíduos, com uma gama de garantias e direitos, fez com que os cidadãos passassem a perseguir a consecução dos seus direitos nos organismos jurisdicionais.

Desta forma, os cidadãos utilizam como sustentáculo da democracia o acesso à jurisdição para proteção a lesão ou ameaça de direito, assegurado no art. 5º, XXXV da Constituição Federal. Tal princípio, comumente chamado de princípio de acesso à justiça, passou por transformações atreladas aos movimentos constitucionais. Partindo da ideia de Canotilho[6], que a interpretação unitária da Constituição deve ser o “ponto de orientação”, o acesso à justiça deve guardar relação com os demais direitos previstos constitucionalmente.  Neste sentido, CAPPELLETTI e GARTH:

A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e justos. [7]

Em obra intitulada “Acesso à Justiça”, Cappelleti e Garth dividem o movimento de acesso à justiça em três ondas renovatórias: a primeira preconiza a assistência judiciária aos podres; a segunda envolve a representação dos interesses de difusos; a terceira, os métodos “alternativos” de solução de conflitos.

A primeira onda ganha rigidez com a entrada em vigor da Lei 1.060 de 1950 e, mais de cinquenta anos depois, avigorada com a instituição da Defensoria Pública, mediante a Lei Complementar nº. 80 de 1994. Vincula o direito de acesso à justiça à condição vital, não sem antes exaltar a imprescindibilidade da advocacia, frisando os obstáculos econômicos enfrentados para tanto:

Afastar a “pobreza no sentido legal” – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e as suas instituições – não era preocupação do Estado.

(…)

Os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentraram-se, muito adequadamente em proporcionar serviços jurídicos para os pobres.  Na maior parte das modernas sociedades, o auxílio  de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa. Os métodos para proporcionar a assistência judiciária àqueles que não a podem custear são, por isso mesmo, vitais.

(…)

Isso faz necessárias grandes dotações orçamentárias, o que é o problema básico dos esquemas de assistência judiciária. A assistência judiciária baseia-se no fornecimento de serviços jurídicos relativamente caros, através de advogados que normalmente utilizam o sistema judiciário formal[8].

Assegurado o acesso à justiça a todos os titulares de direito, as reformas discutidas na segunda onda trazem reflexões referentes à proteção dos direitos difusos e o (des)comprometimento dos tribunais na análise dos interesses coletivos:

A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, eu se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais[9].

Com o movimento, foi deixada de lado a visão individualista do processo do processo civil para então, preponderar a concepção social.

A terceira onda, momento em que se vive, supera a concepção formal de acesso à justiça como acesso universal de ingressar com demandas judiciais individuais ou coletivas, mas revela a preocupação com a qualidade e efetividade da resposta jurisdicional. A atenção, agora, é redirecionada à reforma dos procedimentos judiciais em geral. A atividade mais importante de reforma, explicam Cappelletti e Garth, talvez se esteja verificando com respeito a tipos particulares de causas. A mediação é apontada como uma terceira onda do Direito na solução de conflitos.

Nessa perspectiva, houve um deslocamento do eixo da ciência processual antes fulcrado na teoria da ação para uma perspectiva mais ampla, funcional, teleológica e instrumento da pacificação das controvérsias. Mais do que nunca o acesso à justiça guarda relação direta com os princípios constitucionais, com destaque da duração razoável do processo, da segurança jurídica e da paz social. A duração razoável, primeiro, a relembrar Rui Barbosa: “justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. A paz social, pois não é esse, senão, o objetivo do direito, como já preanunciado por Ihering que “o fim do direito é paz”[10].

Historicamente buscando efetividade digladia-se entre as importantes diretrizes da celeridade e segurança jurídica. Elementos indispensáveis nesta equação, mas cujo equilíbrio revela-se delicadíssimo.

No particular, o processo, quer cível, quer trabalhista, não mais atende aos anseios da sociedade organizada. Há muito o Estado se releva incapaz enquanto garantidor da justiça efetiva que se propõe a tutelar. Desde que se afastou a precária solução pela via da vindita, a conhecida Lei de Talião, o “olho por olho, dente por dente”, ao Estado delegou a sociedade o poder-dever de dizer e realizar o direito, a chamada Jurisdição, “Juris et dictio”. O instrumento civilizado daí nascente é o Processo, que tramita sob o manto do Poder Judiciário.

Acontece que o Poder Judiciário ocupa o posto de poder estatal mais ineficiente[11], por muitos aspectos: morosidade, altos custos, burocracia e inadequação das repostas judiciais.

No cenário contemporâneo das relações sociais, complexas e em vias de mudanças permanentemente, o que se reflete por óbvio nos conflitos e em suas soluções, consumou-se também a crença de que somente o Poder Judiciário pode dirimir os conflitos. Somados ambos os motivos, têm-se ações judiciais em números completamente desproporcionais às estruturas físicas, orçamentárias e institucionais do sistema forense. Somos um dos países, senão o maior, de mais litigiosidade do mundo.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulga anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números, que reúne as estatísticas judiciárias oficiais apuradas nos anos antecessores. O trabalho, que teve como primeiro ano-base o ano de 2003, relevam a tendência da litigiosidade. A primeira edição do Relatório Justiça em Números revela que em 2003 foram apurados cerca de 9.941.381 (nove milhões novecentos e quarenta e um mil trezentos e oitenta e um) novos processos ingressados no primeiro grau, considerando somente a justiça estadual[12]. A última edição do Relatório disponibilizada em 2017, por sua vez, apura que no ano-base de 2016 esse número alcançou o montante colossal de 19.787.004[13] (dezenove milhões setecentos e oitenta e sete mil e quatro) somente na esfera estadual. Isso significa que em 13 anos o número de ingresso de novos processos na justiça estadual teve um aumento descomunal de 1.045% (mil e quarenta e cinco por cento). Frise-se, que os números estarrecedores são relativos apenas aos processos que ingressaram na esfera estadual em 2016, e não englobam os processos com ingresso nas demais esferas do judiciário (federal, trabalhista, eleitoral e as demais).

Não é por acaso que o número total de processos (aqui, se contabilizam todas as esferas do poder judiciário) que ainda aguardam alguma solução definitiva chegou à marca dos 79,7 milhões no final do ano de 2016[14]. O número se torna ainda mais assombroso quando traçado um paralelo com o número de habitantes. Segundo estatísticas oficiais publicadas pelo IBGE no ano corrente, o Brasil comporta cerca de 207 milhões de habitantes. Isso significa um processo judicial a cada dois habitantes. É, de fato, inconcebível que a situação permaneça assim.

Não se pode mais falar em “crise do Poder Judiciário”, porque importaria aceitar que é situação passageira, quando na verdade se demonstra estrutural,  séria, crescente e duradoura, alicerçada em problemas que transcendem o âmbito jurídico.

Aí também de salientar que nos processos judicial identifica-se que há uma posição adversarial que contrapõe as partes, o que se percebe que se projeta para muito além da demanda e do seu término, quiçá rompendo para sempre as relações das partes e inviabilizando novas ou futuras.

As espantosas constatações, palpáveis diariamente para todos os operadores do sistema judiciário e, sobretudo para os cidadãos que se valem do sistema oficial para ver seus anseios atendidos, urgiram a revisitação do modelo tradicional e histórico de solução, conduzida por significativa mudança no paradigma cultural de solução de conflitos.

Atentando-se a isso, novos rumos são traçados e se apresentam eficazmente.  Em que pese não se negue a existência no ordenamento jurídico de outros meios de solução de conflitos que não os judiciais, a relembrar da Constituição Imperial de 1824, na qual a tentativa de composição era tratada como condição de procedibilidade para propositura de demanda judicial[15] e tantas outras legislações (v.g. Lei 9.099/95), somente em 2015 os contornos da mediação foram devidamente delineamentos.

O Código de Processo Civil sancionado em 2015 (Lei 13.105/15) prestigia a cooperação e a busca de instrumentos consensuais de resolução de conflitos, reforçado, no mesmo ano, pela Lei da Mediação (Lei nº. 13.140/15), incumbida de regulamentar o procedimento de mediação extrajudicial e judicial. É a mudança cultural adequada para afastar a adversarialidade, sempre antes praticada.

Às vésperas de completar cinco anos de vigência, é possível observar que, mesmo ainda incipiente, a mediação vem despertando o interesse nos âmbitos acadêmicos e profissionais, que reconhecem o seu indiscutível potencial de tutela adequada e célere dos direitos. O desempenho, porém, ainda é tímido[16].

A indispensabilidade do advogado para a Justiça, conferida pela Constituição Federal no artigo 133, agora assume nova responsabilidade, reafirmada no artigo 26 da Lei da Mediação, que prevê a necessidade de as partes serem assistidas por advogados. Não há dúvidas de que são elementos chaves em todas as etapas para que todos os benefícios da mediação possam ser sentidos. Mais um papel importante recai sobre o profissional do direito no particular exercício da advocacia, no sentido de se readequarem à nova organização social, repensadas sob os novos ideais de justiça. Os advogados são compelidos de um indispensável papel na condução da pacificação social e do abandono da cultura “ad judicia”.

3.  A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO

A mediação se destaca em momentos pós Covid, que mais ainda necessita urgência e acerto na solução dos conflitos.  A mediação compõe o gênero dos Meios Adequados de Solução de Conflitos (MASCs), antes nominados Métodos Alternativos de Solução de Conflito. Parte da doutrina prefere, ainda, qualificar como sistema “multiportas”, em menção à expressão Multidoor Courthouse System, articulada pelo professor de direito de Harvard Frank Sander. Independente da nomeação, os métodos se consubstanciam na ideia central de que a resolução de conflitos deve ser conduzida de acordo com a técnica mais apropriada ao caso.

Professor Frank E. A. Sander of Harvard Law School has proposed a concept for properly linking cases to appropriate forums for settlement – the Multi-Door Courthouse (also referred to as the Multi-Door Dispute Resolution Center, or simply Multi-Door Center). The ideal model proposed by Professor Sander includes a center offering sophisticated and sensitive intake services along with an array of dispute resolution services under one roof. A screening unit at the center would “diagnose” citizen disputes, then refer the disputants to the appropriate “door” for handling the case Hence, the title “Multi-Door Courthouse.[17]

Tratam de caminhos distintos da via oficial do Processo judicial e que são, inclusive, distintos entre si. Subdividem-se em heterocompositivos e autocompositivos. O primeiro, composto pela arbitragem, favorece a mesma política adversarial da via jurisdicional estatal, pelo qual as partes delegam a função de solucionar o conflito à terceiro. Já os métodos autocompositivos decorrem de resolução consensual de litígios, munindo as partes de autonomia para transigirem de acordo com os seus próprios interesses. São eles: a negociação, conciliação e a mediação.

A mediação é procedimento informal, mas estruturado, conduzido por terceiro neutro, comprometido com o mesmo binômio imparcialidade-autonomia exigido do juiz natural[18], incumbido de manejar a comunicação para que as partes envolvidas cheguem, eles próprios, ao consenso. O mediador deve agir como executor da despolarização de discursos, motivando as partes a encontrar pontos congruentes para que cheguem aos caminhos de resolução.

Atualmente, rege-se pelas disposições da Resolução CNJ nº. 125 de 2010, pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela Lei 13.140 de 2015 (Lei da Mediação). É orientada pelos princípios da imparcialidade, isonomia, oralidade, informalidade, autonomia, consecução do consenso, confidencialidade e boa-fé, conforme artigo 2º da Lei da Mediação.

Podendo ser judicial ou extrajudicial, tem abrangência limitada a todos os direitos disponíveis ou indisponíveis que admitam a transação. Neste ponto, importante salientar que o método exclui a via judicial, mas não a jurisdição. A interação se consigna no plano da adequação e complementaridade[19].

Misturam-se suas vantagens e características. A possibilidade da construção de um acordo consensual a partir do diálogo traz consigo grandes vantagens.

A via da mediação decorre do princípio da Autonomia da Vontade e nela se concretiza, desde a eleição consciente do método resolutivo até o acordo.

Cumpre bem com o papel de justiça célere, vítima de recorrente de críticas. Segundo levantamento mais atualizado do CNJ mensura-se que o tempo médio que o magistrado da esfera estadual leva para proferir uma sentença de 1º grau na fase de conhecimento é de dois anos e um mês. Havendo recurso, soma-se a esse tempo nove meses até que seja proferido o acórdão. Mais onze meses, havendo recurso especial, até que seja julgado no STJ e, ainda, mais cinco anos e quatro meses até a prolação de sentença na fase de execução.  O tempo médio de duração dos processos, considerando os parâmetros supra, é de oito anos e quatro meses. [20]

Sobre os números, o CNJ adverte sobre a complexidade do cálculo, que pode ser explicada a partir do próprio dado em análise. Evidente que existem inúmeras variáveis que podem influenciar o tempo de duração.

Fato é que, mesmo não podendo precisar o tempo que uma demanda judicial irá demorar, não se compara ao tempo do procedimento de mediação. Expedita, ágil e menos formal, grande porcentagem dos casos submetidos ao método tem resoluções consensuais de conflitos em poucos dias ou meses.

Todavia, atenta-se que desafogar o Poder Judiciário não é o objetivo dos instrumentos que fogem à judicialização dos conflitos, mas o abandono da cultura do conflito. No discurso de posse da presidência do STF, o Ministro Cezar Peluso lembra que a diminuição da carga dos órgãos judicantes e a maior celeridade dos serão avanços a celebrar, que representam subproduto de uma transformação social ainda mais relevante[21].

Para muito além, o método sobressai na medida em permite aprofundar nas razões emocionais que cercam as relações conflituosas.

É importante registrar que mediação sempre esteve presente no próprio processo judicial estatal, de vez que também é instrumento do Juiz Estatal para pôr fim à demanda. Aí também de salientar que nos processos judicial identifica-se que há uma posição adversarial que contrapõe as partes, o que se percebe que se projeta para muito além da demanda e do seu término, quiçá rompendo para sempre as relações das partes e inviabilizando novas ou futuras.

Não raramente os conflitos carregam forte carga afetivo-emocional, cujas motivações que fogem à compreensão da justiça. O diálogo racional, propiciado por um terceiro neutro, se demonstra muito mais adequado do que a posição adversarial encontrada no Poder Judiciário, no processo judicial.

Munidas de autonomia e autodeterminação, as partes têm a oportunidade voluntariamente buscam pontos de convergência, à antítese do binômio “perder-ganhar”. Tal método ultrapassa o âmbito conflitual e se transporta até mesmo às relações interpessoais.  Uma decisão construída em consenso atrai mais legitimidade e sensação de justiça, aumentando as chances de exterminar em definitivo o conflito.

As benesses mais importantes são a transformação no modo de encarar os conflitos e o abandono da cultura da judicialização. Somente assim pode se perseguir a pacificação social de forma efetiva.

Portanto, a mediação pode ser percebida como importante instrumento na busca pela pacificação social de forma mais substancial.

Aí que a indispensabilidade do advogado para a Justiça assume novos contornos, com a relevância ainda mais gritante. Diante dos novos contornos, os profissionais no exercício da advocacia assumem novas responsabilidades e se mostram ainda mais eficientes na pacificação social e para a justiça.

4. PAPEL DO ADVOGADO NA MEDIAÇÃO

O novo cenário que cerca a sociedade culmina na remodulação do exercício da advocacia e, acredita-se, para melhor. O novo paradigma exige o desenvolvimento de um novo perfil de advogado, diferenciado pela interdisciplinaridade e pelas habilidades que emprestem efetividade aos procedimentos autocompositivos e, em especial, à mediação.

Assim, mister se faz esclarecer o papel dos advogados na mediação que, não por acaso, encontram seu valor reiteradamente positivado associado à efetivação da justiça. Não sem antes ressaltar a indispensabilidade do advogado para a Justiça constante no art. 133 da Constituição, o Código de Ética e Disciplina do Advogado no art. 2º, VII, elenca como dever o estímulo à conciliação, prevenindo a instauração de litígios. A Lei da Mediação, neste mesmo sentido, estimula que as partes sejam assistidas por procuradores.

A extensão e amplitude das alterações trazidas com a nova onda do acesso à justiça mudam significativamente a atuação da advocacia. É um passo importante em favor da responsabilidade daqueles que atuam e interferem no processo judicial, assim como nos métodos adequados de resolução de conflitos. As imposições tornam cada vez mais coercitivas, no sentido de exigir uma postura diferenciada e responsável dos advogados.

A responsabilidade do advogado na mediação começa antes mesmo do contato com o cliente. Em primeiro lugar, é preciso ter prévio conhecimento acerca do procedimento para que possa avaliar a adequação aos interesses do cliente. É preciso ter a consciência do dever ético de promoção da resolução autocompositiva, assim como a utilização racional do método jurisdicional.

É crucial que o advogado informe a parte sobre seus direitos e possibilidades de enfrentamento. O mundo jurídico é composto pela terminologia “juridiquês”, legislações esparsas e termos técnicos que dificulta a compreensão de qualquer pessoa alheia ao meio jurídico-científico. Com a correta informação sobre os seus direitos e respaldo jurídico que compõem a situação, é que a autonomia poderá ser usufruída de forma plena.  Tudo pela clara assistência do advogado.

Para além da função informativa, a presença na sessão de mediação é crucial. Ainda que não desempenhe papel de protagonista, como profissional da Justiça deve zelar pelos princípios da imparcialidade, boa-fé e autonomia intrínsecos à mediação. É sempre importante lembrar que o mediador não faz às vezes de magistrado, desempenhando papel de suma importância na condução do diálogo, mas não na imposição de solução.

Igualmente, é na sessão de mediação que a transação é registrada. Isso porque, a transação homologada traz os efeitos da coisa julgada, assim como acontece com as sentenças proferidas no âmbito do judiciário, ou mesmo na arbitragem.

É preciso lembrar que as vantagens da eleição da mediação ultrapassam o caso. Desempenha papel importante e construtivo no abandono da cultura litigiosa e fomenta a institucionalização dos métodos adequados de resolução de controvérsias que, como já visto, traz inúmeras vantagens para a sociedade.

Para avaliar a efetividade da mediação e do desempenho dos advogados nas sessões de mediação, o Ministério da Justiça em parceria com o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) da comarca de Jundiaí – São Paulo, elaboraram um estudo de caso, com pesquisas de campo e empírica. Foram entrevistados os atores envolvidos, que avaliavam o serviço por meio de um formulário, no modelo proposto pelo Conselho Nacional de Justiça, que é entregue ao usuário ao final da sessão.

Dentre todos os entrevistados, mais de 70% dos considerou importante a presença do advogado durante a sessão de mediação. Desse percentual, 55% consideraram excelente o auxílio para melhor compreensão do caso. 29% do total dos entrevistados consideraram que questão não se aplicava ao seu caso, provavelmente pelo por não terem sido acompanhados por advogado à sessão[22].

Em que pese se encontre grandes dificuldades ainda, o nível de satisfação dos usuários sobre o desempenho dos advogados na mediação é animador.

Os benefícios da mediação dependem em grande escala da atuação dos advogados. A autonomia, celeridade, efetividade, imparcialidade só são alcançadas de forma substancial se as partes são instruídas e assessoradas de forma adequada durante todas as fases, que vão desde os primeiros contatos com o cliente, da eleição do método ao termo de encerramento. A mediação veio para enriquecer a atuação da advocacia moderna, ampliando a gama de serviços oferecidos pelos advogados.

5. CONCLUSÃO

A conclusão é firme no sentido de que  rumando para tempos pós Covid e em tempos judicialização extremada no país, o problema da ineficiência do Estado na prestação jurisdicional tem raízes profundas, que não dizem respeito somente às estruturas físicas ou orçamentárias.

O grande problema reside no excessivo grau de litigiosidade, característica arraigada na sociedade pós-moderna.  Os conflitos desembocam volumosamente no Poder Judiciário e são resolvidos por técnicas de composição adversarial, o que gera prejuízo para toda a nação.

Assim, tem sim de valer-se de meios modernos (mas não novos) – não adversariais, compositivos, judiciais e extrajudiciais – de fazer com que todos se beneficiem de uma sociedade capaz de cada vez mais desenvolver uma cultura de paz.

A Sociedade pós COVID  demanda soluções mais ágeis e endereçam aos MASCs, em especial à  Mediação,  imprescindível prestígio dos mesmos.

Evidencia-se também a importante incorporação, de modo geral, pelo Novo Código de Processo Civil e pela Lei da Mediação, a acolherem o movimento atual em seu favor, refletindo o reconhecimento do Poder Judiciário da necessidade de estabelecimento de vias paralelas, não excludentes da sua atuação como órgão, para a solução dos conflitos.

As enormes vantagens elencadas são capazes de atrair o interesse geral para a solução de conflitos pela via da mediação, ágil e menos cargosa, mas que ainda precisa de muito trabalho para sua disseminação cultural na sociedade, e afirmação.

Nesse sentido, grande função é atribuída aos advogados na institucionalização da mediação. A importância não é aí limitada, pelo contrário, o desempenho dos profissionais desde a eleição do método até a finalização do acordo se mostra imprescindível para eu todos os benefícios da mediação possam ser usufruídos. A importância da presença do advogado durante o procedimento já é palpável no dia-a-dia, diante da satisfação das partes.

A indispensabilidade dos advogados para a Justiça, exaltada pela na Constituição Federal vigente, agora assume nova faceta. Enfrentar as novéis alterações pela ótica do agente do cumprimento da justiça, o advogado – é fundamental. Deve este privilegiar estas formas não jurisdicionais de solução de conflitos!

 

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[2] DÍAZ, Esther. Posmodernidad.. Biblos, 2000, p. 44

[3] PACCA, Paolo. O Iluminismo e a Enciclopédia. In: POLILO, Raul (trad.). 100 Eventos que Abalaram o Mundo – vol. I. Edições Melhoramentos: São Paulo, 1978.

[4] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: Teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil, v. 1. São Paulo: Atlas, 2010.

[5] NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 286.

[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Almedina. Coimbra: Almedina, 2003, p.226.

[7]CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio Fabris, 1988.

[8] CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris. 1988, ps. 47, 58 e 67.

[9]  Ibidem, p. 49

[10]  IHERING, Rudolf von. Tradução Richard Paul Neto. A Luta pelo Direito. Editora Rio, 1975, p. 15

[11] THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional: Insuficiência da reforma das leis processuais. Belo Horizonte: 2004, p. 11.

[12] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números. 1. ed., Brasília: 2004. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_numeros_2003.pdf> Acesso em: 20 jul. 2018

[13] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números. 13 ed. Brasília: 2017. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/9d7f990a5ea5e55f6d32e64c96f0645d.pdf> Acesso em: 20 jul. 2018

[14] Ibidem.

[16] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números. 13 ed., op. cit.

[17] RAY, Larre. CLARE, Anne. The Multi-Door Courthouse Idea: Building the Courthouse of the Future…Today. Journal On Dispute Resolution: Vol:1. Disponível em: < https://kb.osu.edu/bitstream/handle/1811/75850/1/OSJDR_V1N1_007.pdf> Acesso em 27.jul.2018

[19] JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na CF. 12ª. ed. Editora Revista dos Tribunais: 2016, p. 80.

[20]Conselho Nacional de Justiça.  13. ed. op. cit.

[21] PELUSO, Antônio Cesar. Discurso na sua posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, em 23 de abril de 2010]. In: SESSÃO SOLENE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 3., Brasília, 2010. Ata da […], realizada em 23 de abril de 2010: posse dos excelentíssimos senhores ministros Antonio Cezar Peluso, na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, e Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, na vice-presidência. Diário da Justiça Eletrônico, 23 maio 2010, p. 24 a 27.

[22] BRASÍLIA: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma Judiciária. Estudo ualitativo sobre boas práticas em mediação no Brasil. Ada Pellegrini Grinover, Maria Tereza Sadek e Kazuo Watanabe (CEBEPEJ) , Daniela Monteiro Gabbay e Luciana Gross Cunha (FGV Direito SP) ; colaboradores : Adolfo Braga Neto … [et al.]. Disponível em: <http://mediacao.fgv.br/wp-content/uploads/2015/11/Estudo-qualitativo-sobre-boas-praticas-em-mediacao-no-Brasil.pdf> p. 54

A Encíclica Rerum Novarum

André Jobim de Azevedo

 

Um  dos acontecimentos mais importantes da história recente da humanidade foi, sem qualquer de dúvida, a Revolução Industrial. Este fato histórico que  se evidenciou por vários anos teve um significado enorme sobre os mais variados aspectos da vida em sociedade, e mui especialmente a vida urbana. Por sua amplitude, poderíamos situá-la como ocorrente desde meados do século XVIII com as primeiras invenções de mecanização do trabalho, expandindo-se pelo mundo a partir do século XIX.Se tratou, portanto, de processo amplo e complexo, com ocorrência por tempo bastante elástico. 

A Revolução Industrial, que teve por berço a Inglaterra,  irradiou efeitos sobre a economia, a política, a sociologia, e em verdade, sobre todas as mais diversas áreas da atuação e do pensamento humano.

Foi, contudo, no mundo do trabalho que se sustentou, com os desdobramentos mais variados. Fruto de alteração significativa nas relações produtivas do trabalho, ensejou basicamente trabalho livre e assalariado, então com concentração nos  centros urbanos.

O advento das Grandes Descobertas e das Grandes Invenções foi capaz de fazer surgir no mundo inúmeras máquinas e com as mais distintas aplicações. O chamado “maquinismo” foi absorvido pela necessidade de trabalho urbano e coletivo e capaz de fazer com que as novas criações fossem intensamente utilizadas na produção.

Neste sentido, a primeira delas foi o tear mecânico que faz da produção de tecidos uma atividade  multiplicada e intensa na sociedade da época. A então recente necessidade de incremento na produção de bens, pela crescente necessidade  dos grupos sociais, a alteração e fracionamento do processo de produção, fê-la indispensável neste processo todo.

Aos auspícios do liberalismo, do liberalismo jurídico, a não intervenção do Estado nas relações privadas      era a regra. Não se tinha por legítimo ao Estado qualquer intervenção nas novas relações produtivas e formas de labor. Ao contrário, quando se sustentava a capacidade do homem de decidir seus próprios interesses, a sua liberdade em tratar dos rumos de sua vida, a liberdade contratual se destaca e também se aplica às novas formas de trabalho.

O novel trabalho se realizava ao redor das máquinas e em torno delas os trabalhadores em enormes quantidades  capazes de movimentar  suas pesadas, precárias e perigosas engrenagens. As máquinas, aos efeitos de facilitar os processos produtivos, começavam a dar configuração ao que  breve seriam as linhas de produção e as fábricas, em feitios que desenharam o modelo industrial do século XX. 

Hordas de  trabalhadores, muitos foragidos da servidão, buscavam os centros urbanos atrás da nova vida que esse mundo prometia e que se propagandeava  livre e capaz de realizar os sonhos de todos.

De fato, isto nunca se realizou, de vez que rapidamente passamos a ter muito mais interessados, do que postos de trabalhos capazes de acolherem-nos.  Os pretendentes  aglomeravam-se ao redor   das fábricas, nas esperança de que sua oportunidade algum dia viesse.

Mesmo aqueles que logravam trabalho, foram surpreendidos por condições muito diferentes e  piores do que aquelas que se  lhes prometiam.

A vigente liberdade contratual e a enorme população disposta a prestar trabalho fez, no entanto, que as condições dessas ocupações fossem verdadeiramente precárias.

Salários  baixos, não eram, no entanto, a única imprópria condição, sendo essa gerada pela enorme oferta de mão de obra, como dito.

As excessivamente longas jornadas eram uma realidade, o que mais evidenciava o despropósito da remuneração. A ausência de intervalos adequados e de condições mínimas de higiene compunham o quadro. As doenças decorrentes de  condições insalubres eram comuns e adoentavam grandes quantidades de trabalhadores, que, quando muito, eram conduzidos a hospitais, onde eles houvessem.

Com máquinas tão impróprias e rudimentares os acidentes de trabalho eram frequentes.

Tal qual quando havia a ocorrência de doenças, quando havia o infortúnio, afastavam-se os trabalhadores e imediatamente  cessava a remuneração. Perdia-se outra vez o sustento da família.

A situação era ruim e ficou ainda pior ensejando o que se  chamou de “questão social”.

É que com a criação da máquina a vapor, por Thomas New Comen, em 1712, com importantes alterações introduzidas por James Watt por volta de 1750, e sua rápida utilização na produção, sobrevém mais excedente de mão de obra e  desempregados em número ainda maior.

Isto porque o vapor da máquina a vapor foi capaz de substituir a força motriz de movimentação das máquinas. O vapor agora fazia a força física antes empreendida pelo braço forte do homem. Desnecessitando destes, a possibilidade de utilização das chamadas “meias forças” se apresenta, porque obviamente poderiam constituir nova  força de trabalho, quiçá com “meia remuneração. Estas eram constituídas pelas mulheres e crianças que ora passaram a integrar o novo mundo do trabalho em enormes quantidades.

Perdendo o sustento pelo trabalho do homem, quando muito a família poderia  ora contar com o trabalho da mulher e do filho criança.

Isto porque aqueles que obtiveram essa condição tiveram decréscimo de suas rendas pela nova e reduzida forma de remuneração. A situação desencadeou perceptível  desestruturação familiar que agora, na melhor das hipóteses teria alguém da família, a  prover o sustento de todos, mas que perdia o pater família como capaz de prover a vida dos seus.

Acresça-se a esse nefasto quadro  as extensas e extenuantes jornadas, de muito esforço físico, com parcas paradas para matar a sede  ou alimentar –se.

Este crítico cenário fez com que se reconhecesse na ocorrência como o período de maior miséria da classe trabalhadora em toda a história da  humanidade.

Se de início o descontentamento dos trabalhadores com a “questão social”, não provocou qualquer reação do Estado, a situação cada vez mais aguda levou-os à organização e reivindicação. Não ouvidos, mas cada vez mais evidente a insuportável situação,  capta adesões  de pensadores de todas as correntes. Os progressistas, os humanitaristas, os solidaristas. Cada qual com sua fala passa a denunciar e escrever a insustentabilidade da situação, clamando por intervenção e alteração protetiva.

No sentido, também merecem destaque as manifestações de esquerda que propunham a alteração do poder e sua tomada pela classe trabalhadora. Os movimentos socialistas em todas as suas vertentes estabeleciam-se e cresciam na Europa, notadamente no leste.

Em especial o Manifesto Comunista de Marx e Engels, em 1848, que chegou a dar nome ao coletivo de  trabalhadores, chamando-os de proletários. Caracterizavam-se por serem trabalhadores sem qualificação, de atividades exclusivamente braçais, praticantes de extensas jornadas e laborando praticamente em troca de comida, e portanto, sem qualquer perspectiva de vida. Percebe-se, pois, alguma facilidade em aliar esse coletivo em favor de uma opção de poder e vida melhor, igual para todos, o que no  entanto, a história não confirmou. Apesar disto foi capaz de eficientemente amealhar forças para dominar o leste europeu…

O Estado passa a se preocupar a situação que envolvia os trabalhadores, temeroso em perder poder, o que de fato, se confirmou. Pressionado e perdendo  territórios em toda a Europa, timidamente passa a intervir na relação de trabalho, limitando a liberdade de contratação.

A força dos trabalhadores que fez surgir as primeiras leis trabalhistas, no entanto, teve um incremento importante  com a publicação da Encíclica Rerum Novarum, em 15 de maio de 1891, e que reforçou o ambiente  da intervenção legislativa do Estado, ensejando incremento na publicação de leis protetivas.

O que objetivava esta carta aberta escrita pelo Papa Leão XIII era debater não somente entre os clérigos, mas junto a sociedade a condição da classe trabalhadora, questionar e orientar as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja.Relações que se encontravam bastante mitigadas pela laicização do Estado liberal.

Apresentou-se nova diretriz nas questões relativas ao trabalho, buscando dignidade humana neste e a nova doutrina social da Igreja visando a justiça social. Criticava tanto o liberalismo, o individualismo, como o socialismo. Pela autoridade de quem a redigiu, influenciou  governantes e parlamentares, ou  no mínimo, ratificou os caminhos protetivos que se iniciavam, estimulando o Estado na sua nova postura. A este incumbia a edição das leis  cerceadoras da ilimitada liberdade contratual.

De 1891 a 1919 normas relativas ao trabalho do menor e da mulher foram editadas e  inseridas em instrumentos internacionais e internamente diversos estados legislaram sobre relevantes aspectos da relação de trabalho como salário mínimo, jornada, acidentes, repousos etc. Além disso e a partir daí, há o reconhecimento da importância do direito do trabalho para a sociedade, como instrumento de política social, a ensejar espaço nas cartas constitucionais de diversos países.

A edição da Encíclica Rerum Novarum foi importantíssima para o estabelecimento dessa nova ordem mundial. +E de lembrar, também que outra, a Encíclica Qui Pluribus, de novembro de 1846 e a Encíclica Quanta Cura de dezembro de 1864 já apreciara inúmeros problemas sociais afastam o comunismo como solução.

A Rerum Novarum proclamou a Justiça Social, sustentando a necessidade de novas bases nas relações de trabalho para que se preservasse a dignidade  humana no labor, sustentando  o fundamento moral  na necessária intervenção do Estado para a solução da “questão  social”.

O significado dessa “intervenção” da Igreja, foi impressionante e abrangente, quer quando aos destinatários, quer quanto ao  coletivo de temas que abordou , como trabalho de menores e mulheres, contraprestação ao trabalho, sindicatos,  salário adequado, etc.

Com a autoria do respeitável Leão XIII, viera o estimulo que faltava para os Estados imprimirem ação no sentido de edição de leis regulamentadoras do trabalho e  capazes de  alcançar a devida proteção ao mundo do trabalho.

A encíclica trouxe ao mesmo tempo constatações importantes  e advertências de realidade que cercava a sociedade daqueles tempos.

De inicio, nas palavras de Igino Giordani, com que prefaciando a obra, é intitulada sobre a condição dos operários, trazendo a discussão sobre a questão operaria e social, ressaltando seu intenso debate ao longo do século. Chega-se a comparar a importância da Encíclica  para a ação social crista, como a do manifesto comunista para o socialismo.

Identifica o conflito social,, as instituições seculares, a supressão das corporações de oficio, identifica  subversão da ordem social na solução marxista e contra ela assevera o direito do homem a propriedade particular,asseverada pelo direito natural, garantida pela lei positivada e pela ética cristã.

Ataca o  comunismo que  dissolve a família no Estado e a economia particular em economia coletiva.Seus impróprios métodos de acento na luta de classes tem contra ponto na colaboração necessária e proveitosa entre  operários e patrões.

O Papa avalia a posse e o uso da riqueza,entre noções de posse particular e uso coletivo e universal.Identifica  relação entre a pobreza e o trabalho, enaltecendo e buscando  sustentar  a dignidade do trabalho. Assevera a igualdade dos homens e das classes sociais.Aponta a caridade como solução  e que ao estado compete participar na busca dos caminhos, com especial proteção  dos pobres e fracos. Aborda a greve como ocorrência a ser evitada  pois gera prejuízos par a toda a  sociedade. Protege a vida religiosa, em especial o descanso dominical. Ataca a exploração do trabalhador com excessivas jornadas e insuficiente salário, não mais servindo o fundamento formal de liberdade de contratação, o que de fato inexistia em face da pobreza do trabalhador que nada contratava em verdade. Sustenta que há necessidade de  novo reagrupamento de operários católicos capaz de  gerar benefícios de todas as ordens e apresentar-se com solução proposta .

À guisa de introdução identifica os aspectos da nova sociedade industrial, os progressos e inovações da indústria. As novas relações entre patrões e operários, a riqueza na mão de poucos ao lado da miséria da maioria. Evidencia a apreensão e ansiedade social intensas e aborda a “Condição dos operários”.

 

“O problema nem é fácil de resolver nem isento de perigos. É difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho.Por outro lado o problema não é sem perigos,porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para  excitar as multidões e fomentar desordens”.

 

Como causas do conflito principia por reconhecer a miséria e infortúnio das classes inferiores, a tanto levados pela extinção das corporações, antes seu alento, sem  qualquer substituto. O trabalho de desenfreada  concorrência,nas mãos de homens gananciosos e ambiciosos que dominavam o trabalho e impunham impróprias condições ao proletariado.

Avaliando a solução socialista ataca a instigação dos pobres, a supressão da  propriedade sobre os bens particulares.A teoria “E sumamente injusta, por violar direitos legítimos dos proprietários,viciar as funções do estado e tender par a subversão completa do edifício social”.

Ao discorrer sobre a propriedade particular efetivamente a tem como resultado conquistado pelo trabalho, constituindo-se em salário transformado, capaz de comprar bens de fazê-lo possuidor particular, exercendo um direito natural ao ser homem. O socialismo convertendo o particular em  coletivo não só retira a livre disposição do trabalhador sobre seu salário com impede a melhora de vida e de condições patrimoniais. “Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o fato  de que Deus concedeu a terra a todo o gênero humano para gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos”.

Marca o documento a firme posição contra o comunismo, alertado como princípio de empobrecimento por  injustiça de seu sistema, consequências nefastas, perturbação da sociedade, a restrição às capacidades pessoais. “(…)  se compreende que  a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo, e a inviolabilidade da propriedade particular ”.

A igreja chama a si a responsabilidade de abordagem do tema, com apontamento de solução, sem,  contudo, deixar de reconhecer a necessidade de intervenção do Estado e de toda a sociedade. “Ora, como é principalmente a nós que estão  confiadas a salvaguarda da religião e a dispensação do que é do domínio da Igreja, calarmo-nos seria, aos olhos de todos a, trair o nosso dever. Certamente uma questão dessa gravidade demanda ainda de outros  a sua parte de atividades e esforços: isto é, dos governantes,  dos senhores e dos ricos, e dos próprios operários, de cuja sorte se trata”.

Assenta a necessidade de aceitação de sua condição individual, própria da condição humana, que tão marcadamente distingue os seres humanos. Rejeita a luta de classes de vez que o “melhor partido consiste em ver as coisas tais quais são, e, como dissemos,  em procurar um remédio que possa aliviar nossos males. O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, com se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente em duelo obstinado”. Realça que se necessitam mutuamente de vez que não pode haver trabalho sem capital, nem capital sem trabalho.

Para tanto há obrigações que se impõe aos operários e aos patrões. Àqueles  o dever de prestar fielmente o trabalho contratado, sem lesar o patrão ou seus bens, ensejando reivindicações  sem violência, afastando-se de miraculosas promessas. A estes não tratar o trabalhador com escravo, respeitando sua dignidade, impedindo-se trabalhos impróprios superiores às forças dos operários,  em desarmonia com sua idade ou sexo. “O que é vergonhoso e desumano é usar  dos homens com de  vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor de seus braços”. Como dever principal dos patrões, o dever de salário justo. Realça que  afronta às leis divinas e humanas a especulação da pobreza e da miséria.

Avaliando a posse e uso da riqueza  pode assim resumir sua doutrina: “Quem quer que tenha recebido da divina bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os como  fim de fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros”.“ Todos os bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem  em comum e indistintamente  a todo o gênero humano e que só os indignos é que são deserdados dos bens celestes”.                               

Como dito a Igreja chama a si o exemplo e magistério, indo além da  indicação de caminho, mas aplica-o por mão própria, valendo-se  de instrução e educação  dos homens segundo os princípios cristãos, confiando na ação soberana da Igreja. Realça a caridade da Igreja durante séculos evidenciada.

Não sem sustentar a necessidade  do “concurso do Estado”, como recurso aos meios humanos, buscando cooptar forças para o mesmo resultado, cada um em sua esfera. Releva importância deste, que deve dispensar tratamento igualitário, que também deve  prover aos trabalhadores . “É por isso que entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina todos os outros, consiste em  cuidar igualmente  de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva”(grifo no original). Todos sem exceção devem contribuir  para o coletivo dos bens comuns. “O governo é para os governados e não vice-versa”.

Ao discorrer sobre as “obrigações e limites da intervenção do Estado” o texto  reclama a intervenção  do Estado para aplicar em certos limites a força e autoridade da lei, reivindicando, de maneira especial, na proteção dos direitos particulares a tutela pública aos  pobres, fracos e indigentes.

Nesta seara protetiva, realça especialmente a necessidade de  proteção à propriedade particular, e necessidade de reação do Estado contra as ocorrências de desordem e até de violência que se multiplicavam. Para tanto devem ser prestigiados pela autoridade do Estado protegendo os legítimos patrões e seus bens e reprimidos os  que infringem a lei. Critica em especial as greves, que devem ser  impedidas  por perturbadoras da ordem, ao comércio aos patrões e aos próprios trabalhadores, além da tranqüilidade pública.

Como não poderia deixar de ser, realça e condena as extenuantes jornadas a que se submetiam  operários, mulheres e crianças, bem como a necessidade de repouso.

 

Assim o número de  horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar à compleição e saúde dos operários…Enfim o que um homem válido e na força da idade fazer, não será eqüitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança.Especialmente a infância, – e isto deve ser estritamente observado, – não deve entrar na oficina senão quando sua idade tenha suficientemente desenvolvido nelas as forças físicas, intelectuais e morais: do contrário, como uma planta assim tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce….O direito ao descanso de cada dia, assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários.”    

 

Outro ponto firme do posicionamento papal é o relativo à quantificação do salário, criticando a postura patronal. O trabalho como fonte de sobrevivência  e sustento há de ter no salário a correspondência própria. O quadro social clama por proteção no sentido da intervenção do estado liberal ante a insustentável condição de contraprestação. A liberdade contratual, absolutamente teórica, impunha a aceitação dos termos contratados.” … acima de sua vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para  assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado.Mas se,  constrangido pela necessidade  ou forçado pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior , aceita condições duras que por outro lado não lhe seria permitido recusar, porque  lhe são impostas pelo patrão  ou por quem faz a oferta de trabalho, então é isto, sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.”

Encaminha solução que deve passar por auxílio da patrões e operários, realçando a necessidade de fazer economia e   aproximando as classes, afastando a indigência, valendo-se das  Instituições, das associações, dos patronatos, das corporações operárias. O realce à força das associações havidas segundo o direito,  sustenta ainda que deve contar como reconhecimento  pelo Estado. Além delas as  confrarias as congregações e as ordens religiosas e relativas à Igreja e sua autoridade, como convocação para a solução dos embates.

Finaliza o texto realçando a caridade com solução definitiva : “Portanto a salvação  desejada deve ser principalmente o fruto de uma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade  que compendia em si todo o Evangelho, e que,  sempre  pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o antídoto  mias seguro contra o orgulho e o egoísmo do século.”

Realçadas as principais  referências encíclicas, o que releva concluir é o fato de que a contribuição da Igreja pelas palavras de Leão  XIII foi  importantíssima para a correção dos rumos da sociedade. Criou bases novas e complementares que  encorajaram o Estado à intervenção na sociedade.

Essa intervenção, de início tímida, e quiçá dispersa, viu-se  induzida à proteção do trabalhador o que se deu pelas via da legislação ordinária que cada vez mais se intensificava nos países da Europa.

A relevante atuação foi cada vez mais intensa e levou à compreensão dessa nova postura, que significou o surgimento do Direito do Trabalho.

Mais do que isso, cada vez mais enraíza-se a noção de que o Direito do Trabalho é instrumento de política social. Como tal, esse incremento de  atos legislativos laborais conduziu a uma qualificação  na proteção pretendida, qual seja,  buscar espaço  para sua inclusão nas Cartas Constitucionais.  E isto realmente é levado a cabo ao início do século XX, quando por vez primeira no mundo o México, por ocasião da revolução constitucional Zapatista, verticaliza o direito do trabalho.  A partir de então as constituições da época passam a incluir em seus textos direitos dos trabalhadores, elevados à condição máxima de proteção dos ordenamentos jurídicos tratados como normas constitucionais com os consectários próprios dessa novel qualificação.                   

________                                                             

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NOTAS

 

* Todas as citações entre aspas e em itálico são do  próprio texto da Encílica Rerum Novarum .

* Mestre em Direito pela PUCRS. Professor da Graduação e da Pós-graduação da PUCRS, disciplinas de Direito Processual Civil e Direito do Trabalho, desde 1990. Advogado sócio de Faraco de Azevedo Advogados. Superintendente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Federasul ( Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul);Diretor Jurídico da Bienal de Artes Visuais do Mercosul, desde 2000; Membro  Fundador e Coordenado do  Conselho de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Mãe de Deus  desde 2000; Vice presidente da FEDERASUL/ACPA.MeritoJudiciario do Trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho,grau Comendador.

Trabalho insalubre, perigoso e penoso

André Jobim de Azevedo

 

  1. TRABALHO INSALUBRE PERIGOSO E PENOSO

 

 Noções Introdutórias

 

O inaugurar da preocupação com o ambiente de trabalho data aproximadamente a segunda metade do século XVIII.

Como é sabido, com o advento da Revolução Industrial, modificaram-se substancialmente as condições de trabalho, por conta da urbanização, adoção do trabalho livre, assalariado e subordinado em massa, industrialização, utilização de máquinas na produção, sistematização dos processos produtivos, surgimento das fábricas, linhas de produção, introdução das “meias forças” (mulheres e crianças) no ambiente de trabalho.

A respeito das máquinas é de se lembrar a significativa mudança gerada especificamente por uma delas: a máquina a vapor. Criada em 1712 por Thomas New Comen, com importantes alterações em 1750 por James Watt, a qual serviu às outras máquinas anteriormente existentes. Até então movidas por força animal, humana e das águas, com o introdução da máquina a vapor houve a substituição da matriz energética. O vapor passou a movê-las tornando menos necessária a participação humana na sua movimentação, verdadeiramente substituindo essa mão-de-obra. Essa substituição, dada a desnecessidade do vigor físico masculino, deu-se pelo trabalho feminino e infantil.

Exemplo disso foi a utilização da máquina a vapor para o bombeamento das águas nas minas inglesas, ou mesmo nos grotescos teares da época. Não se deixe de referir também a utilização da mesma nos transportes ferroviários em largo desenvolvimento nos meios de transporte.

A vigorosa e crescente produção industrial e comercial acarretou, entretanto, sérios problemas para a população trabalhadora no que respeita ao ambiente de trabalho. Identificava-se a substituição cada vez mais intensa do trabalho escravo pelo subordinado assalariado em larga escala. A manufatura cede lugar à fábrica que ensejaria posteriormente o surgimento das próprias linhas de produção.

É que vigia à época o Estado Liberal, onde cada um deveria ser o tutor de seus interesses, e capaz de orientar sua vida de acordo com os mesmos. Assim é que interessava apenas a cada um os contratos que avençasse. O indivíduo detinha total liberdade para tanto.  Ao Estado não era dado o direito de intervir em relações entre particulares, como as de trabalho.

Inexistia qualquer regulamentação acerca do trabalho, suas condições, seu ambiente. Era o que se pode chamar de liberalismo jurídico, no qual a liberdade de contratação era plena e sem limites.

Teoricamente razoável, mas na prática, lastimável. É que pelo volume de pessoas interessadas nos postos de trabalho, muitas fugidas do campo e dos feudos, havia um evidente desequilíbrio entre oferta e procura, o que naturalmente deixava os tomadores do trabalho em condições infinitamente superiores para imporem suas condições para o trabalho em suas máquinas e fábricas, essas verdadeiramente abusivas, quer quanto à salários, jornadas e ambiente de trabalho. A hipossuficiência dos trabalhadores era  evidente.

Decorrência disso, é que o interesse capitalista era apenas nos resultados lucrativos, sem qualquer proteção àqueles que realizavam e davam condições de lucros, ou ao ambiente onde essas atividades eram desenvolvidas.

Tão nefasto foi o resultado sobre a classe trabalhadora, que resultou em período reconhecido pela doutrina como de piores condições de trabalho livre da história da humanidade e de maior miséria dos trabalhadores.

A conseqüência disto foi justamente, a seu tempo, o surgimento do direito do trabalho, por pressão dos interessados e agentes externos ao trabalho (escritores progressistas – Villermè, Von Brentano, Leon  Burgeois –, solidaristas, humanitaristas, correntes e doutrinas socialistas – Escola Alemã Socialismo de Estado – e até posteriormente da Igreja – doutrina social da Igreja) que impôs ao estado a necessidade de intervenção nessa relação e atividade, o que o  levou  à edição de regras e imposição de limites às relações de trabalho. Era o Estado intervindo na atividade privada por questão de asseguramento de poder.

Especificamente quanto ao ambiente de trabalho, o mesmo era absolutamente impróprio, de vez que incapaz de assegurar a integridade física e psicológica, e, porque não dizer, moral do trabalhador.

Eram absolutamente desumanos, gerando malefícios enormes aos trabalhadores. Os locais de trabalho eram imundos e com condições de ampla proliferação de doenças. As doenças profissionais disseminavam-se pela ausência de qualquer norma de higiene ou segurança, submetendo a todos – lembrem-se das mulheres e crianças, essas de até 6 anos de idade – a situações inaceitáveis. Veja-se, também exemplifcativamente, as moléstias advindas da aspiração de pó de carvão, nas mesmas antes referidas minas inglesas.

Quando o trabalhador adoecia, cessava a contraprestação salarial e extinguia-se o contrato, pelo que novos trabalhadores, dentre os inúmeros interessados, eram então recrutados para a prestação.

Refira-se, ao final, que justamente a inadequação do meio ambiente do trabalho foi um dos importantes motivos havidos para a intervenção do Estado e surgimento do Direito do Trabalho.

 

  1. a) Positivação Constitucional e Legal

 

A matéria que envolve a presente abordagem tem íntima ligação com o tema  do Meio Ambiente do Trabalho. É que a lei determina e conceitua o que seja ambiente de trabalho insalubre ou perigoso, a partir de previsão constitucional.

Historicamente como já estudado, a preocupação e em seguida o regramento  trabalhista nasceu a partir da Revolução Industrial. Nesta época os ambientes de trabalho não detinham condições razoáveis capazes de proteger a higidez física e mental dos trabalhadores. Ao contrário, inseguros e sem mínimas condições de higiene, causaram inúmeras moléstias ao então denominado proletário e oportunizaram a ocorrência volumosa de acidentes do trabalho.

Essa situação, dentre outras ocorrências, como dito, fez surgir o Direito do Trabalho, disciplina dedicada à tutela do trabalhador através de medidas impositivas aos empregadores e regramento geral da relação.

No tocante à saúde e integridade dos operários o ambiente de trabalho e as condições que o mesmo apresentava sempre foram alvo de preocupação, de modo a fazer do trabalho subordinado atividade saudável e sem reflexos danosos sobre aqueles que o executam.

Se de início, a proteção era mais dedicada aos acidentes do trabalho, vale lembrar que, em seguida, aos mesmos foram equiparadas as doenças profissionais.

Com o Tratado de Versailles em 1919, tratado internacional que buscou devolver a paz à Europa, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a qual, entre suas competências se encontrava a proteção ao acidente do trabalho e à doença profissional. A imprescindível atividade da OIT se desenvolvia, e se desenvolve até os dias de hoje, no sentido de internacionalmente normatizar a proteção ao trabalho e os locais onde o mesmo se realiza, de maneira geral, criando normas internacionais que sejam internamente aplicadas aos variados países membros.

Especificamente relativa ao tema, convém mencionar a Convenção nº155 de 1981, que abordou a segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho, determinando a definição de políticas nacionais coerentes em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente do trabalho, bem como promovendo a sua execução.  Outra Convenção da OIT que é de se referir é a de nº 161 de 1985 que tratou da instituição de serviços de saúde. Outras até anteriores houve no sentido da proteção a situações específicas, como, por exemplo, contra radiações, maquinaria, minas etc, mas essa foi a mais genérica e sistemática sobre o tema.

A regra geral é a adequação dos ambientes de trabalho, no sentido de que os mesmos não sejam maléficos à saúde daqueles que nele labutam, nem os exponha a condições de risco. Busca-se assim a eliminação, neutralização ou redução dos riscos e das doenças profissionais, por meio de medidas apropriadas, quer de caráter médico, quer de caráter de engenharia de segurança.

No entanto, há inúmeras ocorrências em que a situação ideal não é possível, pelo que se trata de impor medidas que tenham por objetivo indenizar ou compensar o trabalhador a tanto sujeito.

Em nosso país, é a Constituição Federal que em seu artigo 7º dá importante norte ao sistema jurídico ao dispor que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio  de normas de saúde, higiene e segurança” (inciso XXII).

Não se trata de norma inédita em termos constitucionais, mas com redação distinta das genéricas proteções constitucionais antes existentes.

Traga-se à baila, por oportuna, a proibição do trabalho insalubre ao menor, nos moldes estatuídos pelo mesmo artigo 7º, inciso XXXIII:

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

É o comando constitucional a orientar a formação do sistema jurídico infraconstitucional para a finalidade posta, elegendo inclusive o instrumento, qual seja,  a formulação de normas correspondentes, dando as diretrizes para atendimento pela lei.

O inciso XXIII do artigo 7º, por sua vez, determina o pagamento de adicionais de remuneração para as atividades desenvolvidas em condições impróprias na forma da lei.

De pronto é de se esclarecer que no tocante à penosidade de atividade e conseqüente adicional de remuneração, inexistiu  e inexiste previsão em nossa legislação infraconstitucional.

 Talvez se possa imaginar, como estímulo ao legislador, o alinhamento de condição penosa ao lado de condição insalubre ou perigosa. Talvez se possa imaginar pretender proteger algumas atividades que se possam apresentar como capazes de causar extrema fadiga ao trabalhador, como atividade em minas e subsolo, em usina ou forjarias, ou ainda a céu aberto em regiões tropicais, mas a realidade é que não se tem parâmetro anterior ou atual para tanto.

Trata-se sim de norma não auto-aplicável, também dita programática e que depende de desdobramento legislativo capaz de dar-lhe vida, sem o que não tem qualquer exigibilidade, constituindo-se em norma vazia.  Até o presente momento inexistiu qualquer movimento legislativo no sentido de identificar tais situações ou mesmo de instituir o referido adicional.

O capítulo celetista V, que foi introduzido pela Lei nº 6.514 de 1977 se coaduna com essa realidade e é intitulado Segurança e Medicina do Trabalho, estando a reger sobre o ponto, os seus artigos 189 a 195.

A CLT atribui ao Ministério do Trabalho a criação de normas particulares e específicas para a aplicação das regras gerais nela constantes, atribuindo ainda a supervisão e fiscalização de todas as atividades relacionadas com medicina e segurança do trabalho, com delegação autorizada para interdição, autuação e notificação.

 

  1. b) eliminação das condições impróprias e pagamento de adicionais

 

Sempre que o trabalhador estiver exposto a agentes nocivos à sua saúde, estará caracterizada a condição insalubre. Essa condição vem especificada pela Portaria nº 3.214/78, que detalha em sua NR 15 os agentes químicos, físicos ou biológicos e com relação ao trabalho rural a NR 5 da Portaria nº 3.067/88 apontando agentes e condições de insalubridade.

Nelas estão previstas as condições capazes de considerar determinada atividade insalubre ou não de vez que estabelece limites de tolerância, abaixo dos quais se considera adequada a atividade, incapaz de gerar qualquer obrigação acessória ao empregador  ou mesmo penalização administrativa. Nessa seara, deixe-se claro que a eventual sujeição do trabalhador a agentes insalubres não é capaz de determinar obrigação de pagamento de adicional, não sendo como tal considerada essa exposição.

É, pois da autoridade administrativa o poder da definição do Quadro de Atividades e Operações Insalubres levando em consideração os limites de tolerância aos agentes agressivos, os meios de proteção e o tempo máximo de exposição a esses agentes, quando não se tratar de agente insalubre quantitativo. Assim, se qualquer agente nocivo nele não estiver previsto, não se fale em insalubridade.

Nesse sentido as duas Súmulas de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem evidenciam o sustentado:

 

Enunciado da Súmula 194 do STF:

“É COMPETENTE O MINISTRO DO TRABALHO PARA A ESPECIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES INSALUBRES.”

Enunciado da Súmula 460 do STF:

“PARA EFEITO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE, A PERICIA JUDICIAL, EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA, NÃO DISPENSA O ENQUADRAMENTO DA ATIVIDADE ENTRE AS INSALUBRES, QUE E ATO DA COMPETENCIA DO MINISTRO DO TRABALHO E PREVIDENCIA SOCIAL.”

Também a corroborar, está a Orientação Jurisprudencial nº 4 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (OJ-4 – SDI TST):

“Adicional de insalubridade. Necessidade de classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho, não bastando a constatação por laudo pericial. CLT, art. 190. Aplicável.”

 

Nesse sentido é de se registrar que inexistem condições de deficiência de iluminamento que sejam capazes de gerar condições de insalubridade, uma vez que o Anexo 4 da referida Portaria deixou de  assim considerar, por conta da sua revogação havida  pela Portaria nº 3.751/90 do MTE.

A eliminação ou neutralização da insalubridade é expressamente prevista pelo artigo 191 da CLT quando a empresa controla os agentes dentro dos limites legais de tolerância e quando faz utilizar Equipamentos de Proteção Individual que sejam capazes de  diminuir a intensidade do agente agressivo aos limites de tolerância.

O EPI, assim considerado é aquele equipamento capaz de neutralizar ou eliminar a insalubridade (não a causa, mas os efeitos insalubres), afastando a obrigação ao pagamento do adicional.

À questão não se tragam as noções de direito adquirido, porque aqui não servem. Se o Ministério do Trabalho deixa de considerar determinada atividade ou agente insalubre não é mais devido anterior adicional de insalubridade. É soberana a caracterização pela autoridade administrativa.

É justamente o que acima se referiu relativamente às condições previstas no revogado Anexo 4 da Portaria nº 3.214/78.

Tão tranqüila é esta posição que traduzida em Enunciado de Súmula do TST, sob nº 248:

 

“Adicional de insalubridade. Direito adquirido.A reclassificação ou a descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial.(Res. 17/1985, DJ 13.01.1986)”

 

Outra fundamental abordagem acerca da eliminação do pagamento de adicional de insalubridade é que mesmo ainda estando previstas tais condições pela autoridade administrativa, se o empregador regularizar o ambiente de trabalho, deixando, por conseguinte o trabalhador não mais sujeito às indevidas condições, poderá ser retirado o pagamento do adicional.

É matéria pacifica nos tribunais o fato de que somente é devido o adicional na ocorrência de condições insalubres e enquanto a estas estiver sujeito o trabalhador. Assim é que deixando de ocorrer a sujeição do trabalhador às anteriores condições de trabalho insalubre, deixa “ipso jure” de receber o adicional, o qual só é devido na vigência da exposição à nefasta condição.

Essa possibilidade de retirada do pagamento é decorrência da finalidade maior de proteção à saúde do trabalhador, servindo também como um estímulo para que o empregador saneie o ambiente de trabalho e suspenda os pagamentos até então realizados.

Dessa forma não há que se falar em manutenção dos pagamentos em ambientes salubre os quais não se incorporam ao patrimônio salarial do empregado. Isto vale por igual a periculosidade e decorre da dicção expressa do art. 194 da CLT.

O art. 192 da CLT estabelece os três patamares de pagamentos dos adicionais de insalubridade, fixados em 40%, 20%, e 10% do salário mínimo da região segundo se classifiquem os graus máximos, médio e mínimo.

A natureza jurídica desses pagamentos de adicional não é pacífica. Há quem fale em taxa remuneratória compensatória, a quem refira a salário condicionado. Sendo, no entanto, um consenso a índole salarial dos mesmos, integrando o salário dos empregados para todos os fins. Os cálculos das parcelas salariais de horas extras férias, 13º salário etc. devem ser compostos pela verba da insalubridade.

Não é demais lembrar a proibição do sistema nacional de salário complessivo, assim tido por aquele que soma o total de vários direitos. O pagamento do adicional de insalubridade deve necessariamente ser destacado, específico, aludindo de maneira expressa ao direito pago, sob pena de sua desconsideração de sua realização.

O art. 193 da CLT considera como perigosa a atividades ou operações também na forma de regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho aquelas que por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem em contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. Não é assim qualquer exposição que gera direito ao adicional correspondente, mas sim àquela acima adjetivada. A NR 16 regulamenta o tema. Tais requisitos, no entanto, registre-se, nem sempre tem sido  observados pelo nossos Tribunais, que em atropelo às normas vigentes concedem o adicional  sem a devida a avaliação de  contato permanente em condições de risco acentuado.

Em havendo tais circunstancias determina o pagamento do adicional de 30% sobre o salário, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios, ou participação nos lucros da empresa.

A lei veda o percebimento dos adicionais de insalubridade e periculosidade concomitantemente, relativamente ao mesmo período de trabalho, devendo o trabalhador optar por aquele que lhe seja mais favorável.

Diferentemente da insalubridade, a periculosidade protege o trabalhador do risco contra a eventualidade de uma ocorrência danosa, podendo assim estar sujeito ao risco durante toda sua vida laboral, sem que, felizmente, haja qualquer ocorrência danosa. Já insalubridade de regra gera o malefício de forma lenta e gradual. Imagine-se a ação e efeitos de explosivos ou inflamáveis que pode acontecer de inopino.

Agregando à norma celetista,  a Lei nº 7.369/85 passou a incluir igual direito a empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica em condições de periculosidade idêntico adicional. Essa lei especial tem gerado polêmica na medida em que não é clara quanto aos destinatários. Compreendemos ser destinadas apenas aos empregados de empresas geradoras e distribuidoras de eletricidade, aos chamados eletricitários, e não a qualquer comum trabalhador que simplesmente lide com eletricidade .

Além disso, a Portaria GM/MTE nº 518/03 (publicada em 7/04/03 D.O.U.) determina a inclusão na NR 16 do Quadro de Atividades e Operações Perigosas, aprovado pela Comissão de Energia Nuclear, assegurando aos que exercem tais atividades o recebimento do adicional de periculosidade.

 

  1. c) base de cálculo dos adicionais

 

Iniciando pelo adicional de periculosidade, o §1º do art. 193 determina a necessidade de seu pagamento sobre o salário recebido pelo empregado, excluindo gratificações, prêmios e participação nos lucros. O Enunciado 203 do TST determina a integração da gratificação sobre este pagamento, sem que se possa identificar um conflito com o Enunciado 191 igualmente do TST.

A grande discussão que se estabelece decorre da redação dada ao art. 7º, XXIII, da Constituição Federal, que fala em “adicional de remuneração” para as atividades insalubres.

Quanto à base de incidência do adicional de insalubridade, a carta de 1988, de forma alguma, disciplinou a matéria como está a entender parte minoritária da jurisprudência. Ao elevar o assunto à categoria de norma constitucional, o legislador constituinte assegurou ao trabalhador adicional “de” remuneração para trabalho em condições insalubres e não adicional de insalubridade a ser calculado “com base” na remuneração do obreiro. Destarte, em plena vigência está a regra do art. 192 da CLT.

A possibilidade de que o adicional em discussão fosse calculado sobre a remuneração, outra sorte não tem.               Tal encontraria amparo no artigo 7º inciso XXIII, que trata de adicional de insalubridade como adicional “de” remuneração e não adicional “sobre” remuneração , distinção gramatical inconfundível.

Tratam-se de preposições com significados absolutamente diversos. Tivesse o legislador constitucional a vontade de alterar a base de incidência do adicional em questão, teria utilizado a preposição “sobre” e não a preposição “de”, expressa na norma constitucional.

Além disso, a norma do artigo é expressa no sentido de determinar o necessário caminho legislativo a seguir, para dar vazão ao comando constitucional. Trata-se evidentemente de norma programática, dependente de edição legislativa infraconstitucional, sem o que não tem pronta aplicação. Não tendo sido, até a presente data, editada a referida lei, não sofre o pagamento do adicional de insalubridade ou de periculosidade qualquer alteração na base de incidência legal devida, qual seja, o salário mínimo e respectivamente o salário.

Aliás, outro não tem sido o enfrentamento judicial, como estão a demonstrar os arestos abaixo, in  Calheiros Bomfim, Dicionário de Decisões Trabalhistas, 25ª ed, , Edições Trabalhistas, Rio de Janeiro , 1995, , pg 31, 167 e pg 34, 186, respectivamente:

 

“A base de cálculo  de incidência do adicional de insalubridade, mesmo após a Constituição de 1988, continua sendo o salário mínimo contido no artigo 76 da CLT. Revista parcialmente  conhecida e desprovida. Ac. (Unânime) TST 5a T (RR 114161/94), el. Min. Armando  de Brito, DJU 25/11/94, p 32493”.

 

“ O art.7º, inciso XXIII, da Constituição, ao referir-se a adicional de remuneração, e não a adicional sobre remuneração, não revogou o art. 192 da CLT na parte em que  estabeleceu o salário mínimo como base para o  cálculo do adicional de insalubridade. Ac. TRT 3ª Reg. 4ª T (RO 05875/93), Rel. Juiz F.Guimarães, DJ/MG 15/01/94, Jornal Trabalhista, ano XI, nº 504, p.420” – 

 

A dicção do Enunciado 228 do TST vinha esclarecendo a questão, cuja redação era a seguinte:

 

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – BASE DE CÁLCUL0

O percentual  do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da Consolidação das Leis do Trabalho (Res. N 14/85, 12.9.85, DJ 19.9.85)

 

Aqueles que sustentavam a alteração base de calculo em razão da novel norma constitucional o faziam sustentando a impossibilidade da base de incidência sobre o salário mínimo na proibição existente no art. 4, IV da mesma Carta Magna, o qual, ao tratar no salário mínimo vedava “sua vinculação pra qualquer fim”. Essa proibição, no entanto sempre foi lida pelos tribunais trabalhistas como incapaz de atingir ao adicional de insalubridade e sua incidência sobre o salário mínimo, assim como preserva por igual o pagamento de benefícios previdenciários com a mesma base de incidência.

A acrescentar controvérsia ao tema é de referir recente decisão turmária do Supremo Tribunal Federal que  julgou pela inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo como base de incidência do pagamento do adicional de insalubridade. A questão é tormentosa e está ainda por ser conclusiva. Não se crê, no entanto, quer por desaconselhável por política judiciária, quer por acerto técnico do Enunciado nº 228 do TST, seja  reaberta a discussão da matéria  sumulada, ensenjando indesejável “tsunami” de ações trabalhistas na Especializada.

Registre-se finalmente que todas estas situações podem naturalmente ser submetidas ao crivo do Poder Judiciário, na medida em que o art. 5º, XXXV, assegura a possibilidade de apreciação por este Poder de ameaça ou lesão a direito. A disposição pode ser lida como capaz de atacar conclusões da autoridade administrativa ou ainda a reclamação do empregado contra o empregador.

No caso de ajuizamento de ação reclamatória trabalhista, o empregado que reclama tal direito, via de regra, tem extinto o seu contrato por, na compreensão dos empregadores, a situação de litigante não ser compatível com a confiança do contrato de trabalho. Assim, para a proteção dos empregados é dado também aos sindicatos representativos a categoria dos mesmos, o direito de ajuizar  como substituto processual a postulação relativa aos adicionais de insalubridade e periculosidade.

 

  1. FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO

 

  1. a) atribuições e poderes do agente fiscal

 

A CLT nos arts. 160 e 161 estatui acerca da inspeção prévia e embargo aos locais de trabalho. Impõe a necessidade de inspeção prévia pela Delegacia Regional do Trabalho, bem como de aprovação das instalações laborais.

Idêntica obrigação, gerando nova inspeção, quando houver modificações substanciais nas instalações ou equipamentos da empresa, devendo a mesma comunicar tal fato à autoridade administrativa.

Ante a dificuldade do órgão administrativo de realizar rapidamente tal fiscalização anterior ao início das atividades, faculta ainda a sujeição prévia dos projetos de construção e instalação buscando prévia aprovação dos mesmos.

Outro poder importantíssimo atribuído ao Delegado Regional do Trabalho, é o de interdição de estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, bem como embargo de obra, sempre que, a partir de laudo técnico, concluir pela existência de grave e iminente risco aos trabalhadores. Nestas ocorrências deverá indicar as providências para prevenção de infortúnios.

 

  1. b) livre acesso

 

Por óbvio tem a autoridade administrativa o direito de livre acesso aos ambientes de trabalho, a fim de fiscalizar e cumprir a legislação vigente.

Para o cumprimento de sua obrigações legais, dentre elas as antes referidas, pode a autoridade administrativa solicitar o auxilio de autoridades federais, estaduais e municipais.

 

  1. c) exibição de documentos

 

De nada adiantaria o livre acesso se a autoridade administrativa não tivesse o poder de determinar também a exibição de documentos.

É parte da atividade administrativa fiscalizatória a conferência e exame de documentos cuja existência é determinada em lei e imposta a guarda ao empregador.

Do exame da documentação é que se extrairá a certeza do cumprimento das obrigações do empregador e a devida proteção aos empregados.

 

  1. d) informação, esclarecimentos, autuações, multas e recursos

 

À autoridade administrativa é dado igualmente o direito de solicitar as informações que julgar cabíveis acerca do objeto de sua fiscalização, bem como, os esclarecimentos pertinentes.

Tal se constitui em importante passo preliminar prévio à tomada de qualquer das medidas mais rigorosas, também à sua disposição. É que a partir destas pode a autoridade administrativa se convencer da correção do procedimento do empregador, dispensando qualquer atitude posterior.

É também competência da fiscalização a autuação das incorreções identificadas, bem como, a possibilidade de aplicação de multa.

A fiscalização, reconhecidamente deficientemente, pode ser aleatória ou decorrente de denúncia de qualquer interessado, notadamente das entidades sindicais.

À este poder importante do Delegado Regional do Trabalho, especificamente de interdição ou embargo, genericamente referido, cabe a interposição de recurso no prazo de dez dias para o órgão nacional superior, podendo ainda ser pretendido e deferido efeito suspensivo.

Não se olvide jamais que todas essas considerações administrativas não estão imunes às providências judiciais devidas e capazes de sustentar  entendimentos diversos.

O desatentendimento às suas mais severas providências de embargo ou interdição por aquele que ordenar ou permitir funcionamento/uso constitui-se em crime de desobediência. Curiosa referência traz, no entanto, a caracterização do crime, que somente se dá “se resultar danos à terceiros”.

Independentemente de interposição de recurso há a possibilidade do próprio Delegado levantar o embargo ou interdição à luz novo de laudo técnico do serviço competente, que dê conta da adequação às normas legais.

Estas possibilidades recursais, bem como, pedidos de reconsideração à própria autoridade autuante são sempre oportunos, desde que se elenquem fundamentos razoáveis e oportunos em contrário à providência administrativa e capazes de motivar a sua reavaliação.

Por fim, é de se registrar que estas eventuais paralisações no desenvolvimento da atividade, com conseqüente paralisação da atividade dos empregados, não lhes acarreta prejuízo salarial, na medida em que permanecem a disposição do empregador, não podendo ser aos mesmos ser atribuída da paralisação do trabalho.

 

BILIOGRAFIA

 

  • CAMINO, Carmen. Direito Individual do trabalho. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 1999. 360p.
  • GOMES, Orlando Gottschalk Elson,  Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed : Editora Forense; 
  • MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. 1138p.
  • MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 – Tomo IV, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. 713p.
  • MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 – Tomo V, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. 661p.
  • NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 28ª ed. São Paulo: LTR, 2002. 702p.
  • OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Comentários aos enunciados do TST. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 932p.
  • RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. Curitiba: Juruá, 1991. 466p.
  • SAAD, Eduardo Gabriel. CLT comentada. 37ª ed. atua. e rev. Por José Eduardo Saad, Ana Maria Castello Branco. São Paulo: LTR, 2004.
  • SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 455p.

Direito Constitucional ao FGTS

André Jobim de Azevedo

 

I Introdução

 

A provocação do Confrade Luciano Martinez,  coordenador da publicação dos artigos referentes às normas do artigo 7º  da CRFB é  de importância destacada, pois pretende lançar olhar  sistematizado sobre os direitos sociais trabalhistas.

O direito do trabalho em mudança e em voga assim impõe. Já se  passaram 30 anos da promulgação da Constituição Federal a qual constituiu-se em importante verticalização da regência trabalhista.

Muitas foram as importantes normas que nela se encontram, e que antes mesmo de abordagem do tema escolhido,  destaco o papel atribuído aos sindicatos , no sentido de  permitir regulação distinta da norma legal, pela via do acordo ou convenção coletiva. Um indicativo futuro de regência das relações de emprego pelas normas coletivas.

É o que costumo chamar de “flexibilização sob tutela coletiva” ou “flexibilização  sob tutela normativa”, espaço de poder e adequação normativa na formulação de regras aos contratos de trabalho. Estes e o próprio trabalho em nosso país tão diverso e distinto não tem a melhor regulação na rigidez da lei e aplicação generalizada a toda e qualquer contrato de trabalho, senão pela pontual formulação coletiva.

Nesse sentido inclusive as profundas alterações havidas na CLT, por força da Lei 13.467/17, a chamada Lei da Reforma, e que prestigiam espaço normativo  não pela via legal ampla e genérica, mas normativa coletiva e individual (também obviamente legais). Em tese, com o  respeito às normas do artigo 7º da CF , mas cujo assentamento jurisprudencial e doutrinário ainda tomará algum tempo e dependerá de algumas definições  acerca dessa constitucionalidade pelo  Supremo Tribunal Federal.

Para além dos titulares dos direitos materiais enormemente atualizados e alterados, a reforma trazida pela Lei 13.467/17, coloca igualmente no centro das discussões, os novos caminhos alterados para manejo de uma série de direitos praticados nos procedimentos judiciais – e ora  noutros extrajudiciais – é capaz de asseverar os novos rumos das relações de trabalho.

Pois tais mudanças, recentes, ainda estão sendo objeto não só de avaliação e interpretação, bem como de hesitante inicial jurisprudência, ainda não uniformes.

O que releva, nestas breves observações, é a avaliação da profunda mudança havida na proteção ao tempo de serviço e seus consectários indenizatórios quando a Constituição Federal instituiu o  regime jurídico único do FGTS a todos os empregados do país.

De onde se origina, como  a CLT tratava, como a CF alterou , como leis posteriores assim referem é o que se pretende aqui abordar.

 

II  A lei  Eloy Chaves, A Estabilidade decenal,  e a CLT

 

Admirável mundo novo nos cerca nesta segunda década do século XXI. É surpreendente o que, por vezes não percebemos, mas é a atual realidade. A evolução dos meios de transporte e de comunicação parecem ter-nos levado a este estado de coisas. Vivemos a era da tecnologia e da velocidade. Para tudo. Comunicamo-nos com inimaginável rapidez e somos capazes de atingir a qualquer localidade do globo em questão de horas. Assistimos fatos, onde quer que eles aconteçam, segundos ou minutos após sua efetivação, em vivas reproduções filmadas e sonorizadas, muitas vezes ao vivo. O mundo parece pequeno. As redes sociais estão aí para comprovar.

Essa condição que nos cerca nos faz partícipes desse cenário contemporâneo não como meros expectadores ou testemunhas, mas verdadeiros atores e protagonistas.

Ao mesmo tempo perderam-se as referências antes vigentes relativas às grandes nações, aos grandes líderes, às instituições, às tradições, às profissões, aos partidos políticos, às agremiações. O centro do mundo passa a ser o indivíduo, como auto-referência, convivendo com a enorme diversidade e pluralidade evidentes no mundo contemporâneo. As noções de destaque social efêmeras e calcadas nas mais diversas superficiais situações e diluição ou fragilidade de lideranças capazes de bem estimular visões mais próprias da corrente atribulada vida atual.

A vida realmente está diferente e o mundo em constante mutação. Decorrem daí significativas alterações no cenário econômico e nele o mundo do trabalho.

As relações de trabalho que compõe estas observações por certo também são bastante distintas daquelas que historicamente manejamos. Por igual os sujeitos sociais e sujeitos econômicos desse processo produtivo igualmente distinguem-se.

Atribuo à essa novel condição produtiva e mercadológica alterações patentes na sociedade e necessariamente em seus sujeitos – incluídos os  não econômicos, onde causa e efeito se confundem.              

As relações econômicas até a bem pouco tempo atrás eram restritas, limitadas e envolviam números muitíssimo menores de sujeitos. O mundo cresceu e ao mesmo tempo tornou-se menor.  O mundo do trabalho tem direto reflexo da nova realidade.

A extensão e amplitude das alterações mudam o cenário trabalhista significativamente e vêm iniciadas desde a promulgação  da carta constitucional.

A  temática da Estabilidade decenal é , no entanto , bastante antiga e diretamente ligada ao FGTS instituído pela CF/88 como um direto de todos.

A importante Lei Eloy Chaves, publicada em 24 de janeiro de 1923, foi inovadora. Consolidou a base do sistema previdenciário brasileiro, com a criação e unificação das Caixas de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias. Após a promulgação desta lei, outras empresas foram beneficiadas e seus empregados também passaram a ser segurados da Previdência Social.

O que releva no particular, contudo é que a mesma institui em favor dos ferroviários a “estabilidade decenal”, e que  posteriormente estendida a outras categorias, proteção ao tempo de serviço proibindo a despedida imotivada para aqueles que houvessem prestado serviços ao mesmo empregador por  dez anos .

Um conquista significativa para a categoria ( ferrovias já foram sim fundamentais em nosso enorme país) que pôde obter proteção contra a despedida sem justa causa e que foi acolhida  pela CLT, ampliada, pois a todos os empregados do país, compondo o capítulo  VII, artigos 492 /500 , além dos artigos indenizatórios correspondentes , quando a despedida pudesse acontecer aos não estabilitários.

Instituto controvertido e muitíssimo discutido, tinha observações antagônicas a seu respeito. Trabalhadores o saudavam e viam o momento da aquisição deste direito como   importantíssimo para a continuação serena do contrato de trabalho, já que retirava de suas cabeças a “espada de Dâmocles”, da ruptura imotivada do pacto laboral. A partir de então poderia  trabalhar com mais tranquilidade e segurança. Empregadores não aceitavam a restrição ao seu poder de comando, com a proibição legal de despedida potestativa, limitação ao seu poder-dever de administrar a força humana de sua atividade, com perda de produtividade e engessamento da  administração do contrato de trabalho.

Versões opostas, que enfrentavam a desconstrução real do instituto, na medida em que frustrada a sua aplicação por conta da despedida em momento imediatamente antecdente ao alcance do decênio  da estabilidade. Os empregados eram despedidos na expectativa temporal de adquirir este direito, às vésperas de sua incidência e eram indenizados na forma da CLT…

Em meados da década de 60, o Brasil deu-se conta de que não tinha ainda autossuficiência econômica e estrutural capaz de organizar o desenvolvimento e estruturação de um gigante país com enorme território nacional.

À necessidade de estabelecimento de situações básicas de infra–estrutura e moradia social faltava capital capaz de assim alavancar o país. E o  capital estrangeiro seria a solução para tanto, mas que resistia a aqui investir diante da limitação administrativa do manejo dos trabalhadores por conta da estabilidade decenal, maneio empresarial que  desagradava e desestimulava.

Como então compor nossa necessidade pátria de suporte para o desenvolvimento e ao mesmo tempo ser atrativo ao Capital estrangeiro que  a financiaria, mas que , repita-se, não admitia a limitação estabilitária no manejo da mão de obra?

Não seria possível a simples revogação de tais regras, por conta, justamente de sua importante consideração histórica de conquista dos trabalhadores e que se constituiria em revés a todo um sistema de proteção laboral ancorado na CLT.

Não se perca de vista que, talvez a maior crítica à regra celetista, seria facilmente frustrável pelo empregador, bastando  tomar a iniciativa  rescisória imotivada antes da chegada dos 10 anos….

Pois é neste ambiente que é editada a Lei 5.107/66, a lei básica do FGTS ( e que a ela se agregaram algumas outras leis esparsas relativas ao  mesmo  objeto) uma regência alternativa ao sistema protetivo da CLT ( estabilidade + indenização).

O FGTS nasce como uma alternativa, um sistema opcional, àqueles que assim o desejassem , com proteção ao tempo de serviço  pela via da acumulação de contribuições obrigatórias do empregador à conta do  Fundo dos empregados que houvessem feito a escolha (conta vinculada). Além da constituição de uma poupança compulsória para os tempos de aposentadoria, da titularidade do trabalhador – hoje inclusive impenhorável por lei -previa imposição de multa rescisórias na hipótese de rescisão imotivada. Além de outras possibilidades de movimentação conforme previsse a Lei.

Esta opção pelo então novo sistema, tinha o significado de renúncia à proteção celetista no particular, pelo que a lei impunha manifestação  formal no sentido (diferentemente da regra legal do contrato de trabalho), sem o que não atingiria eficácia  qualquer adesão ao FGTS.

Tratou-se de sistema bastante interessante que  ao mesmo tempo que abria possibilidade de um novo modo  de proteção ao tempo de serviço, mantinha – por garantia constitucional – o direito daqueles que o haviam adquirido, da proteção celetista , inclusive a própria estabilidade.

A realidade evidenciou que essa opção passou a ser a regra esvaziando – mas mantendo a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito –  significativamente o instituto da estabilidade decenal, indenizações previstos pela CLT.

                       

III  A Estabilidade decenal – Pequeno  Histórico – Alteração Constitucional- FGTS direito de Todos

 

Passam os anos e o período  da ditadura militar, e o país  passa a respirar ares de democracia, recebe de volta exilados políticos e convoca uma assembleia nacional Constituinte.

A retomada de um país livre, organizado e democrático tem a realização de uma nova Constituição como um pressuposto e assim foi feito.

Em outubro de 1988 foi promulgada a chamada “Constituição -Cidadã”, com alterações significativas na ordem jurídica e também no direito do trabalho, notadamente concentradas – no âmbito do direito individual do trabalho – no artigo 7º.

Foram duros embates doutrinários, ideológicos entre forças sociais distintas e opostas, que impuseram enorme âmbito de negociação até atingir-se a forma e definição do artigo 7º da CRFB.

A alteração normativa foi significativamente extensa e complexa abordando questões variadas.

Não sem antes algumas pequenas e importantes referências históricas.

Citado em várias de suas obras ( razão pela qual não se refere obra específica) o Sérgio Pinto Martins refere que já em 1934 os constituintes previam um fundo de  reserva de trabalho, uma certa garantia de  salário n a hipótese de desaparecimento da empresa empregadora, conforme Projeto de Constituição encaminhado para a Assembleia Constituinte, em seu artigo 124,§ 5º. Foi criado ainda um fundo de indenizações trabalhistas, pela Lei 3.470/58, impondo cota inicial de 3% sobre toda a remuneração mensal bruta do empregado.

A Constituição de 1967, em seu artigo 158 previa, além de outros direitos, no inciso XIII, estabilidade com indenização ao empregado despedido, ou fundo de garantia equivalente.

A Emenda constitucional 1 de 1969, no artigo 165, inciso XIII, manteve a previsão.

Criado pela Lei 5.107/66 o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, veio com o um sistema opcional, em tese equivalente  ao regime de estabilidade com  indenização por tempo de serviço, equivalência essa jurídica e não econômica, conforme cristalizou a Súmula 98 do TST, inciso I.

A lei previa ainda prazo para a opção pelo FGTS, que deveria dar-se  em 365 dias a partir de sua vigência para os contratos em curso e quando da admissão par aos novos empregados contratados a partir de então. Possibilitava ainda por ele optar, a qualquer tempo mediante homologação da Justiça do Trabalho.

Tratava-se de manifestação de vontade formal que deveria ser exercida por escrito e notada em sua CTPS e ficha registro.

Na busca de equivalência econômica, estabeleceu multa prevista no artigo 6º quando,  ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte da empresa, sem justa causa, ficará esta obrigada a depositar, na data da dispensa, a favor do empregado, importância igual a 10% dos valores dos  depósitos, da correção monetária e dos juros capitalizados na sua conta vinculada bancária, do período em que trabalhou na empresa.

Obrigou as empresas a depósitos, até o dia 20 de cada mês, na referida conta vinculada bancária  importância correspondente a 8% da remuneração parta no mês anterior a cada empregado optante ou não. Estas contas eram abertas para os empregado optantes em seu nome, ou em nome da empresa, mas individualizada cm relação ao empregado não optante. A lei assegurava este direitos aos empregados do período posterior à opção pelo novo sistema.

O período anterior, para aqueles empregados que já tinham à época contratos em andamento, e que tivessem rescindidos seus contratos imotivadamente, de acordo com as regras da CLT, previstas no Capítulo V, do Título IV. Para os que contassem com  dez anos ou mais de serviço, na forma prevista pelo  artigo 497 da  mesma CLT. O valor dessa indenização do tempo anterior à opção deveria ser  depositado  complementarmente pela empresa na conta vinculada do empregado, conforme artigo 16º em seu parágrafo 1º.

Era o  parágrafo segundo que dava a possibilidade de a empresa a qualquer tempo desobrigar-se  da responsabilidade de indenização relativa ao período anterior depositando o valor correspondente .

Da obrigação igual de depósitos mensais ao empregado não optante, tratou o artigo 17 da redação original da Lei 5.107. Se houvesse  indenização a ser paga , a empresa poderia utilizar o valor do depósito, até o montante da indenização por tempo de serviço. Se não houvesse indenização a ser paga         ou se estivesse prescritos os direitos,  poderia levantar em seu favor os saldo da respectiva conta individualizada – não vinculada – .

Este mesmo artigo previa que a conta não vinculada – do não optante, individualizada e dispensado  sem justa causa antes de  completar um ano de serviço , reverteria em seu favor. Se despedido por justa causa, reverteria em favor do FGTS.

Alterações posteriores houve, pelo Decreto-lei 20 de setembro de 1966, constando , dentre outras,  a impossibilidade de retratação à opção se houvesse transacionado o período anterior, retratação esta prevista como possível anteriormente. Alterou também o prazo para realização dos depósitos, para o dia 30 de cada mês.

A lei 5.958 de 1973 dispôs sobre a possibilidade de opção retroativa, assegurando aos empregados que não tinha feito a opção, de realizar esta  retroagindo a  1º de janeiro de 196 ou à data da admissão se posterior àquela, subordinada À concordância do empregador. Para os que contassem com dez anos de serviço ou mais, limitava-se à data em que completou o decênio na empresa.

A   Lei 6.858 de novembro de 1980 tratou do pagamento do FGTS aos dependentes do empregado falecido.

Aos diretores não empregados, facultou-se igualmente o  sistema do FGTS pela Lei  6.919 de junho de 1981.        

Com a Constituição Federal de 1988 o FGTS passou a ser previsto como direito dos trabalhadores  urbanos e agora aos Rurais.

A lei 7.839 de outubro de 1989, regulou o FGTS , mas foi rapidamente reforçada pela  atual Lei  8.036 de maio de 1990, a qual , entre outros  e em alguma medida operando a transição dos sistemas, asseverou o  direito adquirido aos já estabilitários, bem com  a aplicação da CLT  aos não ainda estabilitários, a possibilidade de desobrigação da indenização do tempo desserviço anterior mediante depósito do valor correspondente à  essa mesma indenização, a possibilidade de transação limitada a 60% da indenização prevista, bem como à opção retroativa ( matéria esta final tratada pela OJ Transitória 39 da SBDI-I do TST).

Foi o Decreto 99.684/90 que regulamentou a referida Lei 8.036/90.

No que respeita ao FGTS, instituído com o um direito de todos pela Constituição Federal de 1988, em seu inciso III  previsto, foi e é de  de enorme significado.

Foi assim conceituado pelo  artigo 2º da Lei 8.036/90: “ o FGTS é constituído pelo saldos  das contas vinculadas a que se refere esta Lei e outros recursos a ela incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo  a assegurar a cobertura de suas obrigações.”

Sergio Pinto Martins assim o conceituou ( in  Martins, Sergio Pinto. Manual do FGTS. São Paulo: Malheiros, 1997.p.46) : … um depósito  bancário vinculado, pecuniário, , compulsório, realizado pelo empregador em favor do trabalhador, visando a formar uma espécie de poupança para este, que poderá ser sacada nas hipóteses previstas em lei, além de  se destinar ao financiamento para aquisição de moradia pelo Sistema de Financiamento da Habitação”, evidenciando não somente a finalidade de proteção ao tempo de serviço do empregado, como também sua finalidade social à moradia popular.

Essa nova condição do FGTS como o direito constitucional único na proteção ao tempo deserviço, terminou por dar o golpe fatal na estabilidade decenal. Como a partir de então o FGTS  passa a ser a regra da proteção ao tempo de serviço, deixa de existir a antiga opção pelo mesmo, bem como a própria estabilidade. Novamente mantida a tradição constitucional de respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.

Mas como ora em 1988 foi possível a eliminação daquele histórico e geral direito à estabilidade, tão duramente conquistado e apenas relativizado em 1966 com a lei básica do Fundo?

Pois esta significativa mudança  deu-se mediante negociação de outros direitos correlatos  já constitucionalmente previstos e  outros prometidamente  a serem  concedidos. Discussões essa duras entre interesses diversos promovidos por empregados e empregadores e suas entidades sindicais representativa, recomendando-se  e remetendo-se ao leitor aos Anais da Constituição Federal, onde encontram-se  documentados.

O Caput do artigo 7º assevera os direitos lá elencados, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.

De pronto a instituição do FGTS como regime legal, fez incluir novel e importante direito relativo à rescisão contratual, qual seja, o direito ao seguro desemprego, que foi rapidamente regulamentado e hoje compõe direito trabalhista contemporâneo inafastável.

Mas já no inciso I, dispôs que haveria proteção à relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Proteção essa definida como de caráter econômico – “que preverá indenização compensatória” , nunca proibindo o ato potestativo do empregador. Previu ainda “outros  direitos”, tudo a ser estabelecido por meio de Lei Complementar.

Por óbvio  de fato pouco avanço e alguma perspectiva, mas que assim não seria possível tamanha mudança, se não houvesse sido estabelecidas disposições constitucionais transitórias. Aí justamente o artigo 10º dos  ADCT que estatuiu, que  “até que  seja promulgada a Lei Complementar a que se refere o artigo 7º , inciso  I da Constituição”, I “fica  limitada a proteção nele referida ao aumento para quatro vezes, da porcentagem  prevista na no artigo 6º caput  e§ 1º da Lei nº 5107, de 13 de setembro de 1966 “.

Como previsto  a proteção  foi econômica, encarecendo sobremaneira o a despedida imotivada, mas sepultando de vez a estabilidade decenal.

O FGTS constitui-se na maior conta de valores em um único título do país e que deveria adequadamente, além de proteger o trabalhador, ser o suporte para as tão necessárias  questões de infraestrutura, saneamento básico e moradia que nele se financiam, mas que  ainda assim não atingem seu desiderato.

Generalizando, pode-se  afirmar que a  superveniência da Lei 8036/90 ( e posteriores) veio no sentido de modernização do Sistema fundiário, por exemplo passando por um conselho curador, informatização do sistema, entre outros avanços.

 

IV Desdobramento infra constitucional

 

À  alteração constitucional, contudo não havia sido- até recentemente – editada a prometida Lei Complementar        , do artigo 7º, inciso I da CF.

Valendo-se do espaço constitucional  acima referido foi Editada a LC 110/2001. Dela se esperava que regulamentando a disposição constitucional que previsse “indenização compensatória dentre outros direitos”. Não foi este, no entanto, o objeto da  Edição Legislativa Complementar.

A nova lei  incrementou a obrigação do empregador, relativamente às contribuições mensais e ao percentual rescisório , sem  que qualquer centavo fosse diretamente alcançado ao trabalhador…

Instituiu esdrúxulas contribuições sociais, autorizando  créditos de complementos de atualização monetária em  contas vinculadas do FGTS, cuja finalidade, insisto, não beneficiou diretamente o trabalhador.

Ainda instituiu contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador.                                Foi instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, isentados os empregadores domésticos.

Traduzindo, passou o empregador a depositar mensalmente alíquota de FGTS de 8,5% e multa rescisória de 50%, mas com finalidade distinta daquela de atribuir direitos sociais.

Pois tal decorreu de solução de forma de cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal, que determinavam a recomposição dos valores do FGTS, os quais, por dois desastrados planos econômicos  da década de 90,  deixaram de atualizar adequadamente  as enormes quantias lá depositadas,  tendo sido o prejuízo reconhecido nas decisões supremas.

Quem arcaria com a recomposição dos depósitos existente nas contas do FGTS? Empregados não tinham qualquer responsabilidade neste aspecto. Empregadores arguiam que ao tempo da exigência das obrigações (depósitos mensais e multa rescisória) atenderam à regra legal vigente quanto aos percentuais de depósitos mensais e multa e, portanto, nenhuma obrigação econômica remanescia.

Assim é que a criativa solução veio através da previsão legal constitucional da LC, mas desvirtuando a finalidade prevista pelo legislador constituinte.

Aumentaram as obrigações dos empregadores para  reparar erro governamental que historicamente deixou de adequadamente corrigir os depósitos do FGTS, sem atingir, entretanto o desiderato do comando constitucional.

Assim foi sendo feito, até que, passados alguns anos, e sem as devidas informações acerca de que montantes haviam sido recompostos ao FGTS e o que  faltaria para cumprir as decisões do Supremo, se é que que algo faltava,  até uma certa percepção de que  já atendidas, dever-se-ia retornar aos  percentuais  anteriores de cumprimento das obrigações fundiárias… 

Às tentativas administrativas de identificar valores suplementarmente depositados e saber do atendimento  final das determinação es da LC, não se obteve qualquer dado ou informação segura, levando inúmeras entidades de representação nacional a promover ações no STF para suspender os efeitos da  LC.

Duas delas remanescem: A Medida Cautelar na ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5051- Distrito Federal, e o Recurso Extraordinário RE 878313, o qual teve o reconhecimento de repercussão geral à questão constitucional suscitada, nos seguintes termos de ementa:

 

“ CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – ARTIGO 1º DA LEI COMPLEMENTAR  Nº110/2001- FINALIDADE EXAURIDA- ARTIGOS 149 E 154, INCISO i DA CARTA DE 1988 – ARGUIÇAO DE  INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE- RECURSO  EXTRAORDINÁRIO  – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA: Possui repercussão geral a controvérsia relativa a saber se , constatado o exaurimento do objetivo – custeio de expurgos inflacionários das contas vinculadas ao Fundo de Garantia do Tempo de  Serviço- em razão do qual foi instituída  a contribuição social versada no artigo 1º da Lei Complementar 110, de  29 de junho de 2001, deve ser assentada a extinção do tributo ou admitida a perpetuação da cobrança ainda que o produto da arrecadação seja destinado a fim diverso do original.”

 

Em consulta processual do mês de outubro de 2018, mantém-se em igual  andamento os procedimentos referidos.   

Resulta, pois que, por força dessa determinação do STF, vigente, retornamos hoje aos percentuais pós  Carta de 1988, de depósitos mensais de 8,0% e multa rescisória de 40%.

 

CONCLUSÃO

 

No presente artigo estão comentários acerca do importante direito ao FGTS a todos atribuído por força da norma do artigo 7º , II da  Constituição Federal.

A sua incorporação aos direitos sociais constitucionais, com a consequente eliminação da estabilidade decenal.

Tal resultou possível, por conta da atribuição na Carta Magna de outros direitos e promessas de fazê-lo (e a LC 110/01 não o fez). Foram eles o seguro desemprego, devidamente regulamentado por lei, o  quadruplicar da multa rescisória sobreo FGTS ( Art. 10 ADCT, I, CF).

Após  distorcida edição de  LC, na forma prevista pelo artigo 7º I, da CF, recompostos os valores do FGTS, como determinou o STF, estamos  no aguardo do julgamento de mérito das ações, mas protegidos por conta do vigente  reconhecimento de repercussão geral à discussão sobre a constitucionalidade da mesma, cumprida que está, passados mais de 15 anos de sua edição.      

 

A mediação como ferramenta de solução de conflitos empresariais.

André Jobim de Azevedo

INTRODUÇÃO       

 

A sociedade moderna ressente-se de enorme conflituosidade. Tal decorre do enorme contingente populacional sobre a terra, da complexização das relações sociais, da multiplicação sem limites das informações, e do incremento significativos das relações comerciais, tudo isto com  menor  existência de limites territoriais, vencidos que estão por contas da chamada globalização.

Este, sem sombra de dúvidas, o cenário que cerca o mundo empresarial e sua fundamental atuação no seio da sociedade.. Se em passado não muito distante as relações desenvolviam-se em ambiente local, o mundo avançou para a derrubada de fronteiras, no sentido da intensificação impressionante das relações comerciais entre partes de localidades e nacionalidades distinta

A atividade empresarial passa a lançar seu olhar e atuação  para além da concorrência  de seu vizinho, ora preocupado com agentes de negócios instalados em qualquer parte do mundo. Os milhões de atos e relações comerciais praticados a cada minuto no mundo geram em sua minoria, mas enorme em números absolutos, conflitos entre os envolvidos no mundo dos negócios.

Historicamente a solução de tais conflitos  estão ao encargo  do Estado. Ente autônomo, fruto da delegação de todos os cidadãos, decorre da adequada prática de organização jurídica da Sociedade, o Estado de Direito. O Estado, de há muito, chamou para si a obrigação de resolução dos conflitos, retirando de seus membros o direito de solução pelas vias próprias, salvo excepcionais  circunstâncias, sendo elas , basicamente o direito de legitima defesa ( no âmbito do direito penal e  restrita à situações particulares, observada, por exemplo a proporcionalidade da reação),  da defesa imediata da posse, no que respeita ao direito de propriedade/posse.

Privados que foram os membros da sociedade da busca  própria da solução, disponibilizou-se um Poder Judiciário, ao qual incumbe a fundamental obrigação de prestar jurisdição. Na dicção da expressão originária em latim “ juris et dictio” – dizer o direito revela-se este poder-dever do Estado em solucionar os conflitos. A atuação estendeu-se para além de simplesmente dizer o direito, definir a quem o mesmo pertence, mas para fazê-lo valer na prática com o poder próprio do Estado  de “jus imperio”, dando cumprimento prático às decisões com caráter sentencial. É a força do Estado cumprindo  suas decisões.

Neste contexto, relações empresariais de negócios tomaram-se de muita agilidade e velocidade, manejando-as sem fronteiras e com natural  ocorrência de conflitos. Duas ordens de problemas: os que se dão dentro das fronteiras e  os que se dão em âmbito internacional, envolvendo partes e legislações regidas pro regras distintas.

O fato é que os conflitos são muitos e da mesma forma com que evoluíram as relações empresariais de modo geral, as soluções judiciais deixam muito a desejar, especialmente pela letargia que envolve o Poder Judiciário, incapacitado que se encontra  de dar as respostas em tempo adequado.

 

MÉTODOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

 

A Mediação é um dos chamados Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias. Sua utilização na solução dos conflitos é bastante antiga e porque não dizer que data  informalmente desde os primórdios da civilização quando da natural convivência entre os homens, os conflitos sobrevém.

Nesta observação de categoria, agrega à Conciliação e a Arbitragem, métodos estes, que, no entanto são apenas ora mencionados, mas que serão desenvolvidos em outro momento.

Chamam-se MESCs ou MASCs- Métodos Extrajudiciais de solução de Controvérsias ou Métodos Alternativos de Solução de Controvérsias. À segunda denominação não corresponde a unanimidade de conceito pelos estudiosos, de vez que estes não o veem com alternativo senão originário. Talvez se o possa entender com alternativo ao Poder Judiciário e nesta dicção  tenho por razoável assa utilização.

Esclareça-se ainda que  a letra “C”, pode ser utilizada como Conflitos ou Controvérsias, sendo certo que decorrem da  sigla em língua inglesa ADR – Alternative Dispute Resolution.

É, pois nesta ambiente que se descortina a mediação com forma de solução de conflitos. Não se imagine, no entanto que se trata de tema novo, senão que  brota novo olhar sobre o antigo instituto. Tal decorre de previsão constitucional da Carta de 1988 orienta para a solução pacífica das controvérsias, conforme preâmbulo. Além disso, esse novo impulso também decorre da edição da Lei de Arbitragem, Lei nº  9.307/96, que regulamentou esse importante MESC. É de ressaltar ainda, como fundamental contribuição para seu desenvolvimento a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Toda essa maré em favor dos institutos ajuda a que se tenha o momento mais fértil desde sempre para o crescimento dos mesmos.  Já antevia essa situação sobre as ADRs,  Mauro Capelletti, citado nos Cursos de Processo Civil, que avaliou  ondas de movimentos evolutivos do Direito Processual .

De fato, hoje o processo judicial encontra-se em crise. É que mostra-se incapaz de bem resolver os conflitos, tido até por estimulador  dessas ocorrências, além de distanciado das partes. As respostas às demandas judiciais são insatisfatórias, notadamente pelo transcurso demasiado de tempo para  chegar-se a uma solução. E disto deu-se conta o Poder Judiciário ao estimular estas praticas, para efetivamente ser atingida a devida paz social. Sem o antigo receio de perder poder ou espaço de atuação, há clara percepção de que essa via de solução pode e deve ser amplamente utilizada, havendo espaço sim para todas as formas, estatais ou não de solução de controvérsias. 

 

A MEDIAÇÃO E AS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

 

As relações empresariais, assim tidas como gênero das relações comerciais  praticadas pelas empresas, são hoje  extremamente concorrentes e detalhistas e envolvem  inúmeras matérias e sujeitos. São os detalhes que asseguram o sucesso do empreendimento. Assim posto, realça a firme necessidade de busca da melhor e mais rápida solução possível.

 A ineficiente  solução de conflitos é capaz de “engessar” a atividade produtiva. Relações mal resolvidas, ou resolvidas em tempo exagerado é equivalente à não solução. Um contrato de fornecimento, apenas para exemplificar, que envolver uma disputa qualquer emperra a continuidade do negócio e obriga o empresário a buscar novos parceiros, com toda a diligência e tempo que tal requer. Da mesma forma um valor econômico atrelado à disputa e que deve ser protegido, afeta o capital de giro empresarial, além de outras tantas implicações restritivas daí decorrente, e que justificam  a opção por outras vias de solução.

É justamente essa necessidade que potencializa a utilização da mediação nos conflitos empresariais.

Baseada no Princípio da Autonomia da Vontade, a mediação induz à participação dos envolvidos na solução a ser adotada. Em regra simples e informal, extrajudicial, coloca os envolvidos em condição não adversarial, em franco favorecimento à mediação e seus efeitos na sociedade.

O mediador é figura fundamental de escolha das partes e que  desde o princípio, pois, detém a sua confiança a facilitar todo o procedimento. É imparcial, neutro e capacitado para estra condução. Em verdade auxilia as partes a manterem boa comunicação, cuja falta, muitas das vezes está na raiz do conflito. A conduta ilibada e própria do mediador trabalha para abrir (reabrir) os caminhos da boa comunicação entre as partes, pressuposto de  boa solução mediada. É a criatividade dos mediadores, sua capacidade de  ouvir e desenvolver diálogos serenos e cooperativos de forma construtiva e interativa  que assentará  firme solução.

Desnuda os verdadeiros interesses em jogo e compromete as partes com a solução da controvérsia. Propõe novos pontos de vista e ângulos de visão antes  turvos.

Assim agindo faz com que as partes trilhem caminhos  mais claros ensejadores de boa solução, o que serve diretamente ao interesse empresarial. Voltando ao exemplo antes dado, enseja que não se rompa de vez a relação – que que via de regra acontece como consequencia das demandas judiciais – oportunizando a continuidade desta, de vez que restabelecido o diálogo entre os envolvidos.

Além da simplicidade, da eficiência e dinâmica, o reatamento  de relações comerciais a todos serve, fazendo com que bens e dinheiro retornam à  economia, mais especificamente à disponibilidade dos envolvidos, com recuperação , em alguns casos, de quantias lá  sobrestadas.                                                       

 

VANTAGENS  E EFETIVAÇÃO   

      

A opção pela mediação na solução de conflitos empresarias resta evidente vantagem na condução dos negócios e nas relações produtivas em geral, notadamente nas empresariais.