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O trabalho decente à luz das diretrizes emanadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a sua efetividade no plano nacional

André Jobim de Azevedo
Vitor Kaiser Jahn

 

  1. Introdução

Indubitavelmente, o direito ao trabalho é comum à toda a pessoa humana, pois é através dele que o indivíduo extrai o necessário sustento para a subsistência própria e de seu núcleo familiar. Na atual conjuntura social, não se afigura possível negar tal relação de dependência.

Não por outra razão, o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[1] reconhece que: “toda a pessoa tem direito ao trabalho” e, além disso, “tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social”.

Ocorre que, não obstante seja intrínseco à pessoa humana, esse direito não tem apresentado correspondentes índices de efetividade.

No segundo trimestre do ano de 2016, o Brasil alcançou a maior taxa de desemprego já registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja apuração teve início no ano de 2012. No total, são 11,4 milhões de brasileiros que estão desocupados, o que corresponde a 11,2% da população em condições de trabalhar[2].

Em abrangência mundial, a Organização Internacional do Trabalho estima que até o final de 2016 haverá 199,4 milhões de pessoas desempregadas[3], sendo a significativa desaceleração das economias emergentes uma das suas principais causas.

Tais dados são alarmantes, haja vista que, como sustenta José Claudio Monteiro de Brito Filho, “a falta de trabalho acaba gerando o discurso de que é necessário reduzir as condições de trabalho existentes para acolher os trabalhadores excluídos do mercado, em lógica que somente favorece a concentração de riqueza e o alargamento das desigualdades[4].

Aliás de, há muito, tal situação ser objeto de análise pela disciplina histórica do Direito do Trabalho. Durante a Revolução Industrial, a insuficiência de postos de trabalho, em detrimento do excesso de mão-de-obra disponível no mercado, acarretou aquilo que se convencionou chamar de “questão social”[5], cujos principais exponentes foram o aviltamento salarial, a imposição de jornadas extenuantes e péssimas condições de trabalho, muitas vezes caracterizado como degradante ao obreiro, com consequências igualmente nefastas à família pela utilização de meias forças (mulheres e crianças) no processo produtivo.

De fato, conforme sustentado pela Organização Internacional do Trabalho, “em um cenário em que o PIB cresce pouco, de maneira não-sustentada e baseado em setores com baixa capacidade de gerar postos de trabalho de qualidade, dificilmente pode se esperar avanços na redução do déficit de trabalho decente[6].

Dada a atual situação de crescente desemprego e as perniciosas consequências que ele pode acarretar aos direitos trabalhistas, afigura-se pertinente, à luz das diretrizes emanadas pela Organização Internacional do Trabalho, conceituar o trabalho decente, bem como analisar a sua efetividade no plano nacional, ao que se propõe o presente estudo.

 

  1. O trabalho decente conforme a OIT e sua efetividade no Brasil

 

Extrai-se do preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho o principal objetivo de promover a paz e a harmonia universal mediante a adoção de um regime de trabalho efetivamente humano pelos seus Estados membros.

A esse respeito, José António Pastor Ridruejo[7] ressalta que a justiça das relações laborais é um dos principais componentes da paz internacional, pois requer respeito aos postulados da justiça social.

Nesse espírito, a OIT caracteriza o trabalho decente como “uma condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável[8].

Isso porque a conceituação dada pela OIT ao trabalho decente está apoiada em quatro pilares estratégicos, os quais, uma vez atendidos, são capazes de proporcionar uma efetiva justiça social. São eles: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais no trabalho; b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; d) diálogo social.

Para melhor compreensão do instituto, a seguir, tais pilares serão singularmente apreciados.

 

2.1 Respeito aos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho

 

No ano de 1998, a Organização Internacional do Trabalho editou a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho[9], cujo artigo 2º determina que todos os Estados a ela filiados promovam e tornem realidade os direitos ali enaltecidos, quais sejam: a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

No que tange liberdade sindical, a Convenção nº 87 da OIT, de 1948, estende o direito de associação ou ingresso sindical a todos os trabalhadores, bem como assegura o livre funcionamento do sindicato, posto a salvo da interferência governamental.  Contudo, essa convenção não foi ratificada pelo Brasil.

Como bem vislumbra Amauri Mascaro Nascimento[10], a unicidade sindical, imposta pela legislação doméstica, vai de encontro à Convenção nº 87 da OIT, sendo com ela incompatível. Afinal, o ordenamento jurídico pátrio proíbe, expressamente, a existência de mais de um sindicato representativo da mesma categoria na mesma base territorial (artigo 8º, inciso II, da Constituição da República).

Não obstante, o Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho consolidou o entendimento de que “apesar de que os trabalhadores podem ter interesse em evitar que se multipliquem as organizações sindicais, a unidade do movimento sindical não deve ser imposta por intervenção do Estado, via legislativa, pois essa intervenção é contrária ao princípio enunciado nos arts. 2 e 11 da Convenção n. 87[11].

Outrossim, a Convenção nº 98 da OIT, editada em 1949, veda a discriminação dos empregados em virtude de sua filiação a um sindicato ou participação em atividades sindicais, bem como determina o implemento de ações governamentais que fomentem a utilização das negociações coletivas.

Já nesses aspectos, o ordenamento jurídico pátrio afigura-se congruente com as diretrizes internacionais, posto que concede garantia provisória no emprego aos dirigentes sindicais (artigo 8º, inciso VIII, da CRFB), bem como assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (artigo 7º, inciso XXVI, da CRFB).

Quanto à eliminação do trabalho forçado, a Convenção nº 29 da OIT, de 1930, exige a eliminação de qualquer forma de trabalho forçado ou compulsório, apenas excetuados o trabalho militar, o trabalho dos presos, desde que devidamente supervisionado, e o trabalho em casos de emergência como guerra ou grandes desastres.

A posterior Convenção nº 105 da OIT, editada no ano de 1957, proíbe a utilização do trabalho forçado ou compulsório como meio de coerção por razões políticas ou ideológicas; como método de mobilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; como medida de disciplina de trabalho; como punição por participação em greves; e como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

No plano jurídico nacional, tais diretrizes se mostram, prima facie, bem atendidos. Ora, o artigo 149 do Código Penal Brasileiro tipifica o crime da redução da pessoa humana à condição análoga à escravidão e a Constituição da República, no seu artigo 243, estabelece a desapropriação das propriedades em que houver a exploração de trabalho escravo, sem qualquer indenização ao proprietário.

Contudo, dentre a imensidão do território brasileiro, ainda há pessoas submetidas a condições análogas à escravidão em virtude da imposição de trabalho forçado.

Ressalta José Claudio Monteiro de Brito Filho que, via de regra, o trabalho forçado no Brasil inicia-se mediante um “ato voluntário” do trabalhador. O obreiro é, na maioria dos casos, arregimentado sem coerção, salvo a decorrente da sua própria miséria. Embora se possa caracterizar como voluntária a adesão ao trabalho, ele se torna forçado, durante a execução do contrato, a partir do momento em que há o cerceamento da liberdade de o trabalhador decidir acerca da permanência da prestação.

Segundo o autor, tal cerceamento pode se dar em razão de a) coação moral, como a existência de uma dívida, produzida fraudulentamente ou não, cujo pagamento torna-se condição para a liberdade[12]; b) coação de ordem psicológica, como vigilância ostensiva no local de trabalho ou retenção de documentos e objetos pessoais do trabalhador; c) ou mesmo através de coação por violência física, quando o trabalhador é impedido de deixar o local de trabalho.

A realidade brasileira, nesse aspecto, configura uma verdadeira antítese do trabalho decente, a qual necessita ser intensamente combatida pelo Poder Público.

No âmbito da abolição efetiva do trabalho infantil, a Convenção nº 138 da OIT, editada em 1973, estipula a idade de escolarização obrigatória como mínima para a admissão em emprego[13]. Quando, porém, a atividade puder acarretar prejuízos à saúde, à segurança e à moral do trabalhador, a prestação somente poderá se dar por pessoa maior de dezoito anos.

Essa diretriz se apresenta bem atendida pelo Estado brasileiro, que veda o “trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (artigo 7º, inciso XXXIII, da CRFB).

Outrossim, a Convenção nº 182 da OIT proíbe as piores formas de trabalho infantil, assim entendida a escravidão de crianças[14], a prostituição de crianças e sua utilização em produções pornográficas, bem como o recrutamento de crianças para a prática de ilícitos, em especial o tráfico de entorpecentes.

Por fim, para a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, a festejada Convenção nº 100 da OIT, de 1951, estabelece que o trabalho de igual valor deve ser remunerado com o mesmo salário, independente do sexo do trabalhador.

Já a Convenção nº 111 da OIT, de 1958, exige que o Estado membro tome providências legislativas internas para eliminar a discriminação no acesso a empregos e condições de trabalho que tenham por base a raça, a cor, o sexo, a religião, a opinião política, a nacionalidade ou a origem social do trabalhador.

Ambas Convenções foram ratificadas pelo Brasil e, inclusive, suas diretrizes compõem o texto constitucional, como se vislumbra dos incisos XXX[15] e XXXI[16] do artigo 7º da CRFB.

São essas as principais convenções editadas pela OIT para regulamentar os princípios e direitos fundamentais no trabalho, as quais integram o primeiro pilar para a promoção de um trabalho efetivamente decente.

 

  • Promoção do emprego de qualidade

 

Como segundo pilar do conceito de trabalho decente, a Organização Internacional do Trabalho apresenta a “promoção do emprego de qualidade”.

Inicialmente, ao adentrar neste tópico, há de ser ressaltado que, para a Organização Internacional do Trabalho, a terminologia “emprego” possui um significado muito mais abrangente do que aquele atribuído pela doutrina juslaboralista brasileira, não se limitando ao trabalho subordinado.

Aponta o escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho que “assegurar o desenvolvimento humano por meio da geração de emprego de qualidade, com respeito aos direitos do trabalho e garantia de proteção social, requer a adoção de um modelo de crescimento econômico que priorize tanto a absorção de mão-de-obra quanto a implementação de relações de trabalho adequadas[17].

De fato, para que se concretize o trabalho decente, com fundamento em um emprego de qualidade, não basta só a absorção da mão-de-obra, mas as relações de trabalho devem ser permeadas por forte conteúdo ético e humano, colocando-se a pessoa no centro do trabalho, da empresa e da economia[18].

A criação de postos de trabalho de qualidade, reclama a adoção de “políticas macroeconômicas que assegurem estabilidade de preços e fiscal e elevem as taxas de crescimento”, e também a implementação de “políticas no nível meso e microeconômico, a fim de estimular o investimento e elevar a produtividade[19].

Não se afigura possível dissociar a criação de postos de trabalho de qualidade do desenvolvimento empresarial. Em todos os países, a maior parte dos empregos é criada nas pequenas e médias empresas do setor privado[20], sendo certo que, quanto mais bem desenvolvida for a empresa, melhores serão as suas condições de estabelecer uma relação de qualidade com os seus empregados.

Por essa razão, ressalta o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Lélio Bentes que “o desafio que se nos coloca neste momento é o de demonstrar que é possível consagrar um novo modelo de crescimento econômico. Um crescimento que favoreça o empreendimento, porque quem investe tem direito ao lucro, ao seu retorno, mas que também promova justiça social[21].

Contudo, como ressalta a OIT, embora de grande relevância, o estímulo da produção não é suficiente para criar adequados postos de trabalho. É necessária uma vasta lista de medidas, que “compreende as políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial), as iniciativas de tipo horizontal (educação, facilidades para importar bens de produção incentivos fiscais etc.), o incentivo setorial e tecnológico, as políticas de desenvolvimento regional e as medidas para aumentar o emprego mediante programas específicos e incentivar contratação de mão-de-obra pelo setor privado[22].

Destarte, o segundo pilar que sustenta o trabalho decente para a Organização Internacional do Trabalho – criação de empregos de qualidade – está intimamente relacionado com a implementação de políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento empresarial, e, por via de consequência, a justiça social.

 

  • Extensão da proteção social

 

O terceiro pilar que sustenta o conceito de trabalho decente para a Organização Internacional do Trabalho é a extensa proteção social.

A proteção social, conforme o já citado artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, decorre do dever de o Estado complementar a remuneração do cidadão quando esta não se mostrar suficiente para lhe assegurar uma vida compatível com a dignidade humana.

Destarte, a proteção social é um pilar de essencial relevância ao trabalho decente. Afinal, não se cogita como digno um trabalho ao qual a pessoa humana tenha de se submeter até o final da vida para que possa subsistir, tampouco aquele do qual não se possa afastar em caso de incapacidade laboral.

Nessa senda, a Convenção nº 102 da OIT, aprovada na Conferência Internacional de Trabalho do ano de 1952, ratificada pelo Brasil em 2009, estabelece normas mínimas de seguridade social, regulando o oferecimento de serviços médicos, auxílio-doença, prestações de desemprego, aposentadoria por idade e invalidez, prestações em caso de acidentes de trabalho e doenças profissionais, auxílios pecuniários em favor da família, prestações de maternidade e pensão por morte.

Outrossim, no ano de 2012, a Conferência Internacional do Trabalho aprovou a Recomendação n° 202, que trata dos Pisos de Proteção Social. A recomendação arrola quatro garantias básicas que devem ser necessariamente asseguradas pelos Estados membros aos cidadãos: a) serviços essenciais de saúde a todos; b) benefícios para garantir uma renda mínima para famílias com crianças; c) programas que garantam uma renda mínima para trabalhadores desempregados; e d) programas que garantam uma proteção mínima para idosos.

Conforme aponta a OIT, o Estado brasileiro ostenta programas característicos do Piso de Proteção Social, dentre os quais ganham destaque o Sistema Único de Saúde (que fornece atendimento de saúde à toda a população), a conjugação Bolsa-Família e Salário-Família (que suplementam a renda de famílias com crianças), o seguro-desemprego e programas de formação profissional (para pessoas em idade ativa) e as aposentadorias e pensões previdenciárias, bem como o Benefício de Prestação Continuada (para idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais)[23].

Contudo, embora ofereça tais programas, a proteção social brasileira apresenta baixa cobertura, não se mostrando suficiente para atender as demandas sociais de maneira universal, ou mesmo satisfatória[24].

No que tange à previdência social, os efeitos dessa cobertura deficitária são preocupantes, mormente aos trabalhadores que não logram amealhar patrimônio ao longo do período de atividade, eis que se afigura incerta a sua cobertura já em futuro próximo, podendo restar prejudicada a eficácia dessa diretriz em plano nacional.

A OIT aponta como uma das causas dessa módica extensão o fato de que o mercado de trabalho brasileiro é deveras informal e oferece baixa remuneração. A Organização registrou que, em 2006, 49,8% do total de ocupados no Brasil não contribuíam para a Previdência Social. Ou seja, 43,3 milhões dos cerca de 86,8 milhões de trabalhadores ocupados[25].

A isso, some-se a questão demográfica de envelhecimento populacional. Atualmente, para cada 100 integrantes da população economicamente ativa, há 21 idosos em situação de aposentadoria. Segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, atualmente, 13% da população brasileira é idosa; porém, no ano de 2060, esse índice subirá para 33%. Isso significa dizer, conforme aponta a Revista Exame, que 100 trabalhadores ativos sustentarão 63 aposentados e mais 24 jovens dependentes no ano de 2060 [26].

Portanto, a despeito de serem muitos os programas estatais voltados à proteção social, o terceiro pilar do conceito de trabalho decente se mostra extremamente deficitário no Brasil, reclamando urgente reestruturação, sob penas de não subsistir no futuro.

 

  • Diálogo social

 

Por fim, o quarto pilar que sustenta o trabalho decente perante a Organização Internacional do Trabalho é o diálogo social, que é entendido como a interlocução democrática que se estabelece entre o Estado, o empregador e o empregado no processo de regulamentação das relações de trabalho.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho[27], a definição de diálogo social abrange a negociação, a consulta e mesmo a simples troca de informações entre representantes de governos, empregadores e empregados, a respeito de temas de interesse comum relacionados com a política econômica e social, seja em âmbito nacional, regional, ou mesmo restrito a uma só empresa.

O diálogo social propõe a inclusão dos trabalhadores nas discussões de seus direitos e deveres, para que estes não mais sejam meros sujeitos passivos das normas, mas possam atuar em prol de seus interesses, com arrimo em ideais de democracia.

Assim, devidamente representados pelos entes sindicais, são os trabalhadores legitimados a propor inovações políticas e jurídicas nas relações que estabelecem com as empresas, visando melhores condições de trabalho, o que, por fim, se traduz em implementação de um trabalho efetivamente decente.

Conforme ressalta a OIT: “muitas das boas práticas laborais foram alcançadas através do diálogo social, como as 8 horas de trabalho diário, a proteção da maternidade, as leis sobre o trabalho infantil e todo um conjunto de políticas destinadas a promover a segurança no local de trabalho e a harmonia nas relações laborais. O diálogo social tem como principal objetivo promover consensos e a participação democrática dos atores no mundo do trabalho: representantes dos governos, empregadores e sindicatos[28].

Sem dúvidas, o trabalho decente pressupõe um efetivo diálogo social, pois é somente com a aproximação do Estado às carências dos trabalhadores e às necessidades das empresas que a relação de trabalho, fundamental à economia geral e à digna existência da pessoa humana, será devidamente regulada.

 

  1. A Agenda Nacional de Trabalho Decente

 

A Organização Internacional do Trabalho, ciente da heterogeneidade das condições de trabalho nas diferentes nações que lhe compõem, promove programas de trabalho decente por país, visando atender as peculiaridades de cada localidade conforme as suas necessidades, recursos e condições.

Segundo o Guia do Programa de Trabalho Decente nos Países, editado pela Organização, as Agendas Nacionais devem analisar os problemas e as lições aprendidas pelo país em questão; identificar um limitado número de prioridades conforme os planos de desenvolvimento nacional; bem como definir resultados a serem alcançados e as estratégias que serão implementadas para tanto[29]

No caso do Brasil, o compromisso de cooperação técnica entre o Estado e a Organização para a promoção do trabalho decente se deu no ano de 2003, através de Memorando de Entendimento firmado pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho, Juan Somovia[30].

Em prosseguimento, no ano de 2006, foi editada a Agenda Nacional de Trabalho Decente[31], a qual se estrutura a partir de três prioridades: a) gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e tratamento; b) erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em suas piores formas; c) fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.

Com a geração de mais e melhores empregos, a Agenda espera ter como resultado desenvolver “metas de criação de emprego produtivo e de qualidade incorporadas nas estratégias nacionais de desenvolvimento econômico e social (incluídas as estratégias de redução da pobreza e da desigualdade social) e nas políticas setoriais (industrial, agrícola, agrária, de promoção do turismo e de promoção da economia criativa)”.[32]

Com a diretriz de erradicação do trabalho escravo e eliminação das piores formas de trabalho infantil, a Agenda visa como resultado implementar estratégias de reinserção social e de prevenção através de Planos Nacionais coerentes com as Convenções nº 138, 182, 29 e 105 da OIT[33].

Por fim, com o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social, pretende a Agenda que o Estado consolide mecanismos institucionalizados de dialogo social, com uma ativa participação dos representantes dos trabalhadores e das empresas na definição das políticas nacionais de fomento ao emprego e ao trabalho decente.

 

  1. Considerações Finais

 

Embora, prima facie, o termo “trabalho decente” afigure-se genérico e, portanto, de pouca ou quase nenhuma efetividade, debruçou-se o presente estudo na busca da compreensão dos quatro pilares que sustentam esse ideal perante a Organização Internacional do Trabalho.

Pela análise pontual dos fundamentos articulados pela OIT e das convenções correlatas, pôde-se verificar três pontos que reclamam urgente atuação do Estado brasileiro para a efetiva implementação do trabalho decente em âmbito nacional.

Por primeiro, não são poucos os casos de trabalho forçado no território nacional, o que há de ser combatido pelo Poder Público. O Estado Democrático de Direito não pode coadunar com a redução da pessoa humana a um nível tão degradante. É de se registrar que os focos onde tal exploração ocorre são conhecidos, sendo urgente a implementação de reais políticas de segurança pública nessas localidades por vezes esquecidas pelos governantes.

Por segundo, a fim de que a decência possa ser um traço efetivo do trabalho realizado no Brasil, os programas de proteção social devem ser reestruturados.

Ora, a cobertura oferecida pelo Estado brasileiro está longe de ser universal, mostrando-se deficitária em praticamente todas as suas áreas. Veja-se o Sistema Único de Saúde; embora abrangente, revela mazelas organizacionais que, não raras vezes, custam a vida dos pacientes em virtude da infindável espera pelo tratamento adequado. Igualmente, os prognósticos da Previdência Social são preocupantes, pois revelam que, se o sistema não sofrer grandes modificações, em um futuro próximo, não será capaz de atender nem o mínimo existencial necessário aos que dela dependerem.

Por fim, e não menos importante, diante do preocupante índice de desemprego que assola o Brasil neste ano de 2016, políticas nos níveis macro, meso e microeconômico haverão de ser tomadas pelo Governo Federal, a fim de que, estimulando a iniciativa privada, sejam criados postos de trabalho de qualidade no país.

Nos tempos atuais, não mais cabe a rasa leitura das relações de trabalho como uma luta entre polos antagônicos. Urge atentar que o desenvolvimento empresarial anda de mãos dadas com a qualidade dos empregos oferecidos, o que, indubitavelmente, promove o trabalho decente.

Por óbvio, se o mercado não for atrativo para as empresas, estas nele não ingressarão para torná-lo atrativo aos trabalhadores.  

Nessa conjuntura, verifica-se que, embora tenha se passado o longo período de dez anos desde a aprovação da Agenda Nacional de Trabalho Decente, a implementação de um trabalho efetivamente decente no país ainda se mostra um tanto quanto distante, até mesmo utópico. 

Porém, acredita-se que quando esses três aspectos forem atendidos de maneira satisfatória pelo Poder Público, o Brasil poderá ser caracterizado como um país que proporciona verdadeiras condições de trabalho decente aos empregados, com o respeito de sua dignidade humana.

Com o desenvolvimento do conceito de trabalho decente pela Organização Internacional do Trabalho, e a sua ativa participação para promove-lo, o direito do trabalho tem avançado a passos largos, evoluindo de acordo com a complexidade das atuais demandas sociais, visando melhor atendê-las, o que é digno de aplauso.

 

__________

 

[1] Adotada e proclamada pela resolução 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas em

10 de dezembro de 1948.

[2] IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, junho de 2016. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Comentarios/pnadc_201605_comentarios.pdf>. Acesso em: jul. 2016.

[3] International Labour Office. World Employment and Social Outlook: Trends 2016. International Labour Office – Geneva: ILO, 2016. Disponível em: < http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/—publ/documents/publication/wcms_443480.pdf>. Acesso em: jul 2016.

[4] BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004. p. 56

[5]  Diante dessa constatação, afigurou-se necessária uma maior intervenção estatal nas relações de trabalho, haja vista que os ideais de liberdade e igualdade até então sustentados não correspondiam à relação que, de fato, era estabelecida entre proletários e patrões.

[6] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira recente. Brasília: CEPAL/PNUD/OIT, 2008. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/pub/emprego_desenvolvimento_299.pdf>. Acesso em jul. 2016. p. 107-108.

[7] RIDRUEJO, José António Pastor. Curso de derecho internacional público y organizaciones internacionales. 7ª ed. Madri: Editorial Tecnos S.A., 1999, p. 765.

[8] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Agenda Nacional de Trabalho Decente, elaborada em maio de 2006, durante a XVI Reunião Regional Latino-Americana da OIT, realizada em Brasília. p. 5. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226229.pdf. Acesso em jul. 2016.

[9] Adotada durante a 86ª Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 18 de junho de 1998.

[10] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1112-1113.

[11] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Liberdade Sindical: Recopilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OlT. 19ª ed. Brasília: OIT, 1997. p. 63. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_231054.pdf. Acesso em: jul. 2016.

[12] Acrescenta José Cláudio Monteiro de Brito Filho que, ainda que uma dívida seja lícita, “não o é manter o trabalhador cerceado em seu direito de ir e vir por este motivo. O risco da atividade é, somente, do tomador e se há dívida a cobrar do trabalhador, ela se resolve em seus créditos, ou, para aqueles que assim entendem, pela cobrança, mas, jamais, pela manutenção compulsória do trabalho. (BRITO FILHO. Ob. cit. p. 78).

[13] A norma visa, claramente, assegurar o direito à infância e à educação básica, o que é louvável.

[14] Segundo o artigo 2º da Convenção 182: “o termo ‘criança’ designa toda pessoa menor de 18 anos”.

[15] Art. 7º, inc. XXX, da CRFB: “São direitos dos trabalhadores […] proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

[16] Art. 7º, inc. XXXI, da CRFB: “São direitos dos trabalhadores […]proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

[17] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira recente. Brasília: CEPAL/PNUD/OIT, 2008. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/pub/emprego_desenvolvimento_299.pdf>. Acesso em jul. 2016. p. 100.

[18] Nesse sentido, ver parágrafo 21 da Declaração Mar del Plata, aprovada pela Cúpula das Américas em novembro de 2005.

[19] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob. Cit. 2008. p. 108.

[20] OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. La promoción del empleo decente por medio de la iniciativa empresarial. 289ª – reunión  Comisión de Empleo y Política Social. Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2004. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/gb/docs/gb289/pdf/esp-1.pdf>. Acesso em: jul. 2016.

[21] Entrevista concedida pelo Ministro Lélio Bentes ao programa “TV TST”, sobre trabalho decente. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias-teste/-/asset_publisher/89Dk/content/id/3479604>. Acesso em jul. 2016.

[22] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob. cit. 2008. p. 117-118.

[23] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Panorama da Aplicação da Convenção 102 da OIT, que trata das normas mínimas de Seguridade Social. Brasília: OIT, 2012. p. 4. Disponível em < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/doc/livroboaspraticasrevis%C3%A3ofinal_996.pdf>. Acesso em jul. 2016.

[24] Para que essa situação se evidencie, basta verificar modicidade do valor alcançado a título de Bolsa-Família (R$ 85,00) – Dado disponível em: <http://calendariobolsafamilia2015.com.br/bolsa-familia-valor/>. Acesso em: jul. 2016. 

[25] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob. Cit., 2008. p. 115-116.

[26] REVISTA EXAME. 100 trabalhadores sustentarão 87 aposentados. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/em-2060-100-trabalhadores-sustentarao-87-aposentados>. Acesso em: jul. 2016.

[27] OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Definição do tema disponível em: < http://www.ilo.org/public/spanish/dialogue/themes/sd.htm>. Acesso em jul. 2016.

[28] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Diálogo social no trabalho: dar voz e liberdade de escolha a mulheres e homens. Genebra: OIT, 2009. Disponível em < http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/gender_fevereiro.pdf>. Acesso em jul. 2016.

[29] International Labour Office. Decent Work Country Programmes Guidebook. 3ª ed. Geneva: International Labour Office, 2011. p. 3. Disponível em: < http://www.ilo.org/public/english/bureau/program/dwcp/download/dwcpguidebookv3.pdf>. Acesso em jul. 2016.

[30] Memorando disponível em: < http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2003/b_24/>. Acesso em jul. 2016.

[31] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Agenda Nacional de Trabalho Decente, elaborada em maio de 2006, durante a XVI Reunião Regional Latino-Americana da OIT, realizada em Brasília. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226229.pdf. Acesso em jul. 2016.

 

[32] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob cit. 2006. p. 10.

[33] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ob cit. 2006. p. 13.

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