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A Encíclica Rerum Novarum

André Jobim de Azevedo

 

Um  dos acontecimentos mais importantes da história recente da humanidade foi, sem qualquer de dúvida, a Revolução Industrial. Este fato histórico que  se evidenciou por vários anos teve um significado enorme sobre os mais variados aspectos da vida em sociedade, e mui especialmente a vida urbana. Por sua amplitude, poderíamos situá-la como ocorrente desde meados do século XVIII com as primeiras invenções de mecanização do trabalho, expandindo-se pelo mundo a partir do século XIX.Se tratou, portanto, de processo amplo e complexo, com ocorrência por tempo bastante elástico. 

A Revolução Industrial, que teve por berço a Inglaterra,  irradiou efeitos sobre a economia, a política, a sociologia, e em verdade, sobre todas as mais diversas áreas da atuação e do pensamento humano.

Foi, contudo, no mundo do trabalho que se sustentou, com os desdobramentos mais variados. Fruto de alteração significativa nas relações produtivas do trabalho, ensejou basicamente trabalho livre e assalariado, então com concentração nos  centros urbanos.

O advento das Grandes Descobertas e das Grandes Invenções foi capaz de fazer surgir no mundo inúmeras máquinas e com as mais distintas aplicações. O chamado “maquinismo” foi absorvido pela necessidade de trabalho urbano e coletivo e capaz de fazer com que as novas criações fossem intensamente utilizadas na produção.

Neste sentido, a primeira delas foi o tear mecânico que faz da produção de tecidos uma atividade  multiplicada e intensa na sociedade da época. A então recente necessidade de incremento na produção de bens, pela crescente necessidade  dos grupos sociais, a alteração e fracionamento do processo de produção, fê-la indispensável neste processo todo.

Aos auspícios do liberalismo, do liberalismo jurídico, a não intervenção do Estado nas relações privadas      era a regra. Não se tinha por legítimo ao Estado qualquer intervenção nas novas relações produtivas e formas de labor. Ao contrário, quando se sustentava a capacidade do homem de decidir seus próprios interesses, a sua liberdade em tratar dos rumos de sua vida, a liberdade contratual se destaca e também se aplica às novas formas de trabalho.

O novel trabalho se realizava ao redor das máquinas e em torno delas os trabalhadores em enormes quantidades  capazes de movimentar  suas pesadas, precárias e perigosas engrenagens. As máquinas, aos efeitos de facilitar os processos produtivos, começavam a dar configuração ao que  breve seriam as linhas de produção e as fábricas, em feitios que desenharam o modelo industrial do século XX. 

Hordas de  trabalhadores, muitos foragidos da servidão, buscavam os centros urbanos atrás da nova vida que esse mundo prometia e que se propagandeava  livre e capaz de realizar os sonhos de todos.

De fato, isto nunca se realizou, de vez que rapidamente passamos a ter muito mais interessados, do que postos de trabalhos capazes de acolherem-nos.  Os pretendentes  aglomeravam-se ao redor   das fábricas, nas esperança de que sua oportunidade algum dia viesse.

Mesmo aqueles que logravam trabalho, foram surpreendidos por condições muito diferentes e  piores do que aquelas que se  lhes prometiam.

A vigente liberdade contratual e a enorme população disposta a prestar trabalho fez, no entanto, que as condições dessas ocupações fossem verdadeiramente precárias.

Salários  baixos, não eram, no entanto, a única imprópria condição, sendo essa gerada pela enorme oferta de mão de obra, como dito.

As excessivamente longas jornadas eram uma realidade, o que mais evidenciava o despropósito da remuneração. A ausência de intervalos adequados e de condições mínimas de higiene compunham o quadro. As doenças decorrentes de  condições insalubres eram comuns e adoentavam grandes quantidades de trabalhadores, que, quando muito, eram conduzidos a hospitais, onde eles houvessem.

Com máquinas tão impróprias e rudimentares os acidentes de trabalho eram frequentes.

Tal qual quando havia a ocorrência de doenças, quando havia o infortúnio, afastavam-se os trabalhadores e imediatamente  cessava a remuneração. Perdia-se outra vez o sustento da família.

A situação era ruim e ficou ainda pior ensejando o que se  chamou de “questão social”.

É que com a criação da máquina a vapor, por Thomas New Comen, em 1712, com importantes alterações introduzidas por James Watt por volta de 1750, e sua rápida utilização na produção, sobrevém mais excedente de mão de obra e  desempregados em número ainda maior.

Isto porque o vapor da máquina a vapor foi capaz de substituir a força motriz de movimentação das máquinas. O vapor agora fazia a força física antes empreendida pelo braço forte do homem. Desnecessitando destes, a possibilidade de utilização das chamadas “meias forças” se apresenta, porque obviamente poderiam constituir nova  força de trabalho, quiçá com “meia remuneração. Estas eram constituídas pelas mulheres e crianças que ora passaram a integrar o novo mundo do trabalho em enormes quantidades.

Perdendo o sustento pelo trabalho do homem, quando muito a família poderia  ora contar com o trabalho da mulher e do filho criança.

Isto porque aqueles que obtiveram essa condição tiveram decréscimo de suas rendas pela nova e reduzida forma de remuneração. A situação desencadeou perceptível  desestruturação familiar que agora, na melhor das hipóteses teria alguém da família, a  prover o sustento de todos, mas que perdia o pater família como capaz de prover a vida dos seus.

Acresça-se a esse nefasto quadro  as extensas e extenuantes jornadas, de muito esforço físico, com parcas paradas para matar a sede  ou alimentar –se.

Este crítico cenário fez com que se reconhecesse na ocorrência como o período de maior miséria da classe trabalhadora em toda a história da  humanidade.

Se de início o descontentamento dos trabalhadores com a “questão social”, não provocou qualquer reação do Estado, a situação cada vez mais aguda levou-os à organização e reivindicação. Não ouvidos, mas cada vez mais evidente a insuportável situação,  capta adesões  de pensadores de todas as correntes. Os progressistas, os humanitaristas, os solidaristas. Cada qual com sua fala passa a denunciar e escrever a insustentabilidade da situação, clamando por intervenção e alteração protetiva.

No sentido, também merecem destaque as manifestações de esquerda que propunham a alteração do poder e sua tomada pela classe trabalhadora. Os movimentos socialistas em todas as suas vertentes estabeleciam-se e cresciam na Europa, notadamente no leste.

Em especial o Manifesto Comunista de Marx e Engels, em 1848, que chegou a dar nome ao coletivo de  trabalhadores, chamando-os de proletários. Caracterizavam-se por serem trabalhadores sem qualificação, de atividades exclusivamente braçais, praticantes de extensas jornadas e laborando praticamente em troca de comida, e portanto, sem qualquer perspectiva de vida. Percebe-se, pois, alguma facilidade em aliar esse coletivo em favor de uma opção de poder e vida melhor, igual para todos, o que no  entanto, a história não confirmou. Apesar disto foi capaz de eficientemente amealhar forças para dominar o leste europeu…

O Estado passa a se preocupar a situação que envolvia os trabalhadores, temeroso em perder poder, o que de fato, se confirmou. Pressionado e perdendo  territórios em toda a Europa, timidamente passa a intervir na relação de trabalho, limitando a liberdade de contratação.

A força dos trabalhadores que fez surgir as primeiras leis trabalhistas, no entanto, teve um incremento importante  com a publicação da Encíclica Rerum Novarum, em 15 de maio de 1891, e que reforçou o ambiente  da intervenção legislativa do Estado, ensejando incremento na publicação de leis protetivas.

O que objetivava esta carta aberta escrita pelo Papa Leão XIII era debater não somente entre os clérigos, mas junto a sociedade a condição da classe trabalhadora, questionar e orientar as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja.Relações que se encontravam bastante mitigadas pela laicização do Estado liberal.

Apresentou-se nova diretriz nas questões relativas ao trabalho, buscando dignidade humana neste e a nova doutrina social da Igreja visando a justiça social. Criticava tanto o liberalismo, o individualismo, como o socialismo. Pela autoridade de quem a redigiu, influenciou  governantes e parlamentares, ou  no mínimo, ratificou os caminhos protetivos que se iniciavam, estimulando o Estado na sua nova postura. A este incumbia a edição das leis  cerceadoras da ilimitada liberdade contratual.

De 1891 a 1919 normas relativas ao trabalho do menor e da mulher foram editadas e  inseridas em instrumentos internacionais e internamente diversos estados legislaram sobre relevantes aspectos da relação de trabalho como salário mínimo, jornada, acidentes, repousos etc. Além disso e a partir daí, há o reconhecimento da importância do direito do trabalho para a sociedade, como instrumento de política social, a ensejar espaço nas cartas constitucionais de diversos países.

A edição da Encíclica Rerum Novarum foi importantíssima para o estabelecimento dessa nova ordem mundial. +E de lembrar, também que outra, a Encíclica Qui Pluribus, de novembro de 1846 e a Encíclica Quanta Cura de dezembro de 1864 já apreciara inúmeros problemas sociais afastam o comunismo como solução.

A Rerum Novarum proclamou a Justiça Social, sustentando a necessidade de novas bases nas relações de trabalho para que se preservasse a dignidade  humana no labor, sustentando  o fundamento moral  na necessária intervenção do Estado para a solução da “questão  social”.

O significado dessa “intervenção” da Igreja, foi impressionante e abrangente, quer quando aos destinatários, quer quanto ao  coletivo de temas que abordou , como trabalho de menores e mulheres, contraprestação ao trabalho, sindicatos,  salário adequado, etc.

Com a autoria do respeitável Leão XIII, viera o estimulo que faltava para os Estados imprimirem ação no sentido de edição de leis regulamentadoras do trabalho e  capazes de  alcançar a devida proteção ao mundo do trabalho.

A encíclica trouxe ao mesmo tempo constatações importantes  e advertências de realidade que cercava a sociedade daqueles tempos.

De inicio, nas palavras de Igino Giordani, com que prefaciando a obra, é intitulada sobre a condição dos operários, trazendo a discussão sobre a questão operaria e social, ressaltando seu intenso debate ao longo do século. Chega-se a comparar a importância da Encíclica  para a ação social crista, como a do manifesto comunista para o socialismo.

Identifica o conflito social,, as instituições seculares, a supressão das corporações de oficio, identifica  subversão da ordem social na solução marxista e contra ela assevera o direito do homem a propriedade particular,asseverada pelo direito natural, garantida pela lei positivada e pela ética cristã.

Ataca o  comunismo que  dissolve a família no Estado e a economia particular em economia coletiva.Seus impróprios métodos de acento na luta de classes tem contra ponto na colaboração necessária e proveitosa entre  operários e patrões.

O Papa avalia a posse e o uso da riqueza,entre noções de posse particular e uso coletivo e universal.Identifica  relação entre a pobreza e o trabalho, enaltecendo e buscando  sustentar  a dignidade do trabalho. Assevera a igualdade dos homens e das classes sociais.Aponta a caridade como solução  e que ao estado compete participar na busca dos caminhos, com especial proteção  dos pobres e fracos. Aborda a greve como ocorrência a ser evitada  pois gera prejuízos par a toda a  sociedade. Protege a vida religiosa, em especial o descanso dominical. Ataca a exploração do trabalhador com excessivas jornadas e insuficiente salário, não mais servindo o fundamento formal de liberdade de contratação, o que de fato inexistia em face da pobreza do trabalhador que nada contratava em verdade. Sustenta que há necessidade de  novo reagrupamento de operários católicos capaz de  gerar benefícios de todas as ordens e apresentar-se com solução proposta .

À guisa de introdução identifica os aspectos da nova sociedade industrial, os progressos e inovações da indústria. As novas relações entre patrões e operários, a riqueza na mão de poucos ao lado da miséria da maioria. Evidencia a apreensão e ansiedade social intensas e aborda a “Condição dos operários”.

 

“O problema nem é fácil de resolver nem isento de perigos. É difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho.Por outro lado o problema não é sem perigos,porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para  excitar as multidões e fomentar desordens”.

 

Como causas do conflito principia por reconhecer a miséria e infortúnio das classes inferiores, a tanto levados pela extinção das corporações, antes seu alento, sem  qualquer substituto. O trabalho de desenfreada  concorrência,nas mãos de homens gananciosos e ambiciosos que dominavam o trabalho e impunham impróprias condições ao proletariado.

Avaliando a solução socialista ataca a instigação dos pobres, a supressão da  propriedade sobre os bens particulares.A teoria “E sumamente injusta, por violar direitos legítimos dos proprietários,viciar as funções do estado e tender par a subversão completa do edifício social”.

Ao discorrer sobre a propriedade particular efetivamente a tem como resultado conquistado pelo trabalho, constituindo-se em salário transformado, capaz de comprar bens de fazê-lo possuidor particular, exercendo um direito natural ao ser homem. O socialismo convertendo o particular em  coletivo não só retira a livre disposição do trabalhador sobre seu salário com impede a melhora de vida e de condições patrimoniais. “Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o fato  de que Deus concedeu a terra a todo o gênero humano para gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos”.

Marca o documento a firme posição contra o comunismo, alertado como princípio de empobrecimento por  injustiça de seu sistema, consequências nefastas, perturbação da sociedade, a restrição às capacidades pessoais. “(…)  se compreende que  a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo, e a inviolabilidade da propriedade particular ”.

A igreja chama a si a responsabilidade de abordagem do tema, com apontamento de solução, sem,  contudo, deixar de reconhecer a necessidade de intervenção do Estado e de toda a sociedade. “Ora, como é principalmente a nós que estão  confiadas a salvaguarda da religião e a dispensação do que é do domínio da Igreja, calarmo-nos seria, aos olhos de todos a, trair o nosso dever. Certamente uma questão dessa gravidade demanda ainda de outros  a sua parte de atividades e esforços: isto é, dos governantes,  dos senhores e dos ricos, e dos próprios operários, de cuja sorte se trata”.

Assenta a necessidade de aceitação de sua condição individual, própria da condição humana, que tão marcadamente distingue os seres humanos. Rejeita a luta de classes de vez que o “melhor partido consiste em ver as coisas tais quais são, e, como dissemos,  em procurar um remédio que possa aliviar nossos males. O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, com se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente em duelo obstinado”. Realça que se necessitam mutuamente de vez que não pode haver trabalho sem capital, nem capital sem trabalho.

Para tanto há obrigações que se impõe aos operários e aos patrões. Àqueles  o dever de prestar fielmente o trabalho contratado, sem lesar o patrão ou seus bens, ensejando reivindicações  sem violência, afastando-se de miraculosas promessas. A estes não tratar o trabalhador com escravo, respeitando sua dignidade, impedindo-se trabalhos impróprios superiores às forças dos operários,  em desarmonia com sua idade ou sexo. “O que é vergonhoso e desumano é usar  dos homens com de  vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor de seus braços”. Como dever principal dos patrões, o dever de salário justo. Realça que  afronta às leis divinas e humanas a especulação da pobreza e da miséria.

Avaliando a posse e uso da riqueza  pode assim resumir sua doutrina: “Quem quer que tenha recebido da divina bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os como  fim de fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros”.“ Todos os bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem  em comum e indistintamente  a todo o gênero humano e que só os indignos é que são deserdados dos bens celestes”.                               

Como dito a Igreja chama a si o exemplo e magistério, indo além da  indicação de caminho, mas aplica-o por mão própria, valendo-se  de instrução e educação  dos homens segundo os princípios cristãos, confiando na ação soberana da Igreja. Realça a caridade da Igreja durante séculos evidenciada.

Não sem sustentar a necessidade  do “concurso do Estado”, como recurso aos meios humanos, buscando cooptar forças para o mesmo resultado, cada um em sua esfera. Releva importância deste, que deve dispensar tratamento igualitário, que também deve  prover aos trabalhadores . “É por isso que entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina todos os outros, consiste em  cuidar igualmente  de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva”(grifo no original). Todos sem exceção devem contribuir  para o coletivo dos bens comuns. “O governo é para os governados e não vice-versa”.

Ao discorrer sobre as “obrigações e limites da intervenção do Estado” o texto  reclama a intervenção  do Estado para aplicar em certos limites a força e autoridade da lei, reivindicando, de maneira especial, na proteção dos direitos particulares a tutela pública aos  pobres, fracos e indigentes.

Nesta seara protetiva, realça especialmente a necessidade de  proteção à propriedade particular, e necessidade de reação do Estado contra as ocorrências de desordem e até de violência que se multiplicavam. Para tanto devem ser prestigiados pela autoridade do Estado protegendo os legítimos patrões e seus bens e reprimidos os  que infringem a lei. Critica em especial as greves, que devem ser  impedidas  por perturbadoras da ordem, ao comércio aos patrões e aos próprios trabalhadores, além da tranqüilidade pública.

Como não poderia deixar de ser, realça e condena as extenuantes jornadas a que se submetiam  operários, mulheres e crianças, bem como a necessidade de repouso.

 

Assim o número de  horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar à compleição e saúde dos operários…Enfim o que um homem válido e na força da idade fazer, não será eqüitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança.Especialmente a infância, – e isto deve ser estritamente observado, – não deve entrar na oficina senão quando sua idade tenha suficientemente desenvolvido nelas as forças físicas, intelectuais e morais: do contrário, como uma planta assim tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce….O direito ao descanso de cada dia, assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários.”    

 

Outro ponto firme do posicionamento papal é o relativo à quantificação do salário, criticando a postura patronal. O trabalho como fonte de sobrevivência  e sustento há de ter no salário a correspondência própria. O quadro social clama por proteção no sentido da intervenção do estado liberal ante a insustentável condição de contraprestação. A liberdade contratual, absolutamente teórica, impunha a aceitação dos termos contratados.” … acima de sua vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para  assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado.Mas se,  constrangido pela necessidade  ou forçado pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior , aceita condições duras que por outro lado não lhe seria permitido recusar, porque  lhe são impostas pelo patrão  ou por quem faz a oferta de trabalho, então é isto, sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.”

Encaminha solução que deve passar por auxílio da patrões e operários, realçando a necessidade de fazer economia e   aproximando as classes, afastando a indigência, valendo-se das  Instituições, das associações, dos patronatos, das corporações operárias. O realce à força das associações havidas segundo o direito,  sustenta ainda que deve contar como reconhecimento  pelo Estado. Além delas as  confrarias as congregações e as ordens religiosas e relativas à Igreja e sua autoridade, como convocação para a solução dos embates.

Finaliza o texto realçando a caridade com solução definitiva : “Portanto a salvação  desejada deve ser principalmente o fruto de uma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade  que compendia em si todo o Evangelho, e que,  sempre  pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o antídoto  mias seguro contra o orgulho e o egoísmo do século.”

Realçadas as principais  referências encíclicas, o que releva concluir é o fato de que a contribuição da Igreja pelas palavras de Leão  XIII foi  importantíssima para a correção dos rumos da sociedade. Criou bases novas e complementares que  encorajaram o Estado à intervenção na sociedade.

Essa intervenção, de início tímida, e quiçá dispersa, viu-se  induzida à proteção do trabalhador o que se deu pelas via da legislação ordinária que cada vez mais se intensificava nos países da Europa.

A relevante atuação foi cada vez mais intensa e levou à compreensão dessa nova postura, que significou o surgimento do Direito do Trabalho.

Mais do que isso, cada vez mais enraíza-se a noção de que o Direito do Trabalho é instrumento de política social. Como tal, esse incremento de  atos legislativos laborais conduziu a uma qualificação  na proteção pretendida, qual seja,  buscar espaço  para sua inclusão nas Cartas Constitucionais.  E isto realmente é levado a cabo ao início do século XX, quando por vez primeira no mundo o México, por ocasião da revolução constitucional Zapatista, verticaliza o direito do trabalho.  A partir de então as constituições da época passam a incluir em seus textos direitos dos trabalhadores, elevados à condição máxima de proteção dos ordenamentos jurídicos tratados como normas constitucionais com os consectários próprios dessa novel qualificação.                   

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NOTAS

 

* Todas as citações entre aspas e em itálico são do  próprio texto da Encílica Rerum Novarum .

* Mestre em Direito pela PUCRS. Professor da Graduação e da Pós-graduação da PUCRS, disciplinas de Direito Processual Civil e Direito do Trabalho, desde 1990. Advogado sócio de Faraco de Azevedo Advogados. Superintendente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Federasul ( Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul);Diretor Jurídico da Bienal de Artes Visuais do Mercosul, desde 2000; Membro  Fundador e Coordenado do  Conselho de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Mãe de Deus  desde 2000; Vice presidente da FEDERASUL/ACPA.MeritoJudiciario do Trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho,grau Comendador.

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