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LANÇAMENTO! Prefácio por Dr. André Jobim de Azevedo

SOBRE A OBRA

A Pesquisa Científica e Ética é um forte e principal fundamento para a realização de pesquisas, entretanto desde 2020 com a pandemia ocasionada pelo COVID-19, estamos podendo refletir de forma mais ampla e profunda, junto à sociedade,  o significado de avaliações éticas na pesquisas e as suas repercussões para o Ser Humano. Nessa perspectiva e a partir da vivência de membros do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Mãe de Deus surgiu esse livro que pretende dar início a Série Pesquisa: A Ética e Pesquisa no século XXI buscando estimular outros colegas com mais publicações que abordem essa temática. 

 

PREFÁCIO

André Jobim de Azevedo

 

Foi no longínquo ano de 2001, inaugurando o século XXI, que nasceu o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Mãe de Deus (CEP/HMD), marcando nova fase da atuação à nobre missão assistencial hospitalar de há muito praticada na Instituição Médica.

As atividade de saúde, seja nas áreas de especialidades médica, enfermagem, psicologia, fisioterapia, farmacêutica, biomédica, educação física, odontologia, nutrição, saúde coletiva, serviço social ou outras áreas afins como direito, economia, filosofia; em ambientes hospitalares ou de saúde pública, se qualificam ao agregar a pesquisa clínica ou das humanas e sociais, ao seu dia a dia de assistência, ensejando aprofundamento científico para um futuro, de maneira distintiva e – repitase- qualificada, desde então emparceirada com todas as outras áreas de estudo buscando melhorar as condições da vida da sociedade.

Em tempos de COVID-19, mal que assola o mundo ainda sem avanço médico capaz de contê-lo, nunca se ouviu falar tanto em pesquisa clínica e das áreas sociais e humanas. Premida a sociedade mundial pelos devastadores efeitos da Pandemia, a aposta de “salvação” está em novas medicações, novas terapias, novos usos de medicações antigas, formas de rever seus valores e trabalhar suas angústias de viver ou morrer, salvar ou não poder atender pessoas. O mundo deita seu olhar sobre os estudos e pesquisas que possam tratar, evitar, curar o mal do século.

São os caminhos científicos, norteados pela bioética que podem dar alívio ao mundo. Todos acompanham as discussões e buscas da vacina, que, no entanto, ainda deve tardar. Apesar de esforços internacionais integrados entre várias nações, os resultados ainda não chegaram. Mas virão. Tenho esta certeza.

Renovam-se alopradas tentativas de milagrosas soluções que sem o amparo da ciência – especificamente da pesquisa clínica – são lotéricas e perigosas, capazes de gerar mais malefícios do que benefícios, que se afirmam os Comitês de Ética e pesquisas em seres humanos.

O CEP/HMD registrado na CONEP/MS, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, o mesmo rigorosamente seguiu às Diretrizes e Normas Regulamentadoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos previstas na originária Resolução 196/96 MS, seguida da sua atualização pela Resolução CNS. 466/12 e suas outras diretivas complementares. Foram sucessivos registros formais de autorização e funcionamento do CEP ao longo dos anos perante a CONEP, periodicamente renovados, e rigorosamente em dia.

A TUTELA DOS DIREITOS DE EXPLICAÇÃO E REVISÃO DAS DECISÕES AUTOMATIZADAS NO BRASIL

André Jobim de Azevedo
Vitor Kaiser Jahn.

 

INTRODUÇÃO

Presenciamos o desenvolvimento de novas tecnologias
classificadas como disruptivas, dado o seu considerável potencial de modificação abrupta da realidade e da sociedade. Elas têm afetado a forma como as pessoas se comunicam e relacionam, as fontes de energia, as relações de trabalho e o processo produtivo como um todo, os transportes, além do modo de consumo de bens e serviços.
Nesse novo contexto, os dados pessoais são compreendidos
como um dos principais ativos empresariais da sociedade
contemporânea, uma vez que o seu refinamento permite a segmentação dos consumidores para os quais é dirigida a oferta e uma maior precisão na análise dos riscos de contratação. 

Tais dados, porém, são extremamente extensos e numerosos, de modo que o seu tratamento se apresenta como tarefa muito
custosa, senão impossível, para ser realizada exclusivamente por pessoas humanas. Afinal, nem se cogita quantas horas de
trabalho uma pessoa levaria para apurar e analisar todos os dados relevantes em correlação até refiná-los para o propósito
desejado. Assim, a tecnologia tem se mostrado fundamental
para o tratamento de dados, de modo que não é “hiperbólico”
afirmar que nossa sociedade depende, e tende a cada vez tornar-se mais dependente, de algoritmos de machine learning
vinculados à inteligência artificial.
A Inteligência artificial, segundo a engenharia da computação,
corresponde a máquinas autônomas que possam conduzir
tarefas complexas sem intervenção humana, requerendo que
estas sejam capazes de perceber e de raciocinar. Inteligência artificial seria, então, a construção de agentes que se comportam de maneira inteligente, como respostas racionais aos dados recebidos.
Segundo Martínez Devia, a inteligência artificial trabalha com
dois elementos fundamentais: o poder da computação, que inclui o desenvolvimento de sistemas que permitem o processamento e as operações de dados; e o big data, grande conjunto de dados produzidos por diferentes fontes (humanas, biométricas, máquinas, transações macro, uso da web, redes sociais, entre outros), que alimenta a inteligência. A autora observa que o uso contínuo de diferentes tecnologias (sites, aplicativos, serviços, sensores embutidos em dispositivos, pesquisas na Internet, redes sociais, notebooks, smartphones, dispositivos GPS, entre outros) aumentou em grande escala a quantidade de diária de informações armazenadas.
Essa conjugação de sistemas de inteligência artificial com a
capacidade de machine learning no tratamento de dados em
massa permite o desenvolvimento da tomada de decisões
absolutamente autônomas em relação à interferência humana,
especialmente para fins de criação de perfis dos titulares dos dados.
Ora, sendo machine learning a ciência dos algoritmos que visa
detectar padrões nos dados para fazer previsões precisas para
dados futuros, Kamarinou et al apontam ser apropriado usar
algoritmos de aprendizado de máquina para fins de criação de
perfil, tendo em vista que estes são padrões resultantes de um
processamento probabilístico de dados, os quais, porém, não
representam necessariamente a realidade, mas uma versão
derivada da mineração de dados, incluindo os algoritmos e dados utilizados e os possíveis vieses humanos e preconceitos refletidos nos dados, no algoritmo ou no modelo aprendido.

Conforme Caitlin Mulholland e Isabella Frajhof, a partir da capacidade de machine learning, o próprio sistema alcança resultados por meio de processos dedutivos e análises estatísticas que vão sendo determinados com base em
correlações realizadas pela inteligência artificial e, nesse cenário, o controle sobre os inputs e outputs dos sistemas torna-se ainda mais precário. De fato, se o próprio código está em constante mutação, não se sabe em que medida será possível compreender a relação entre inputs e outputs, ainda que haja auditagem e transparência.

Ocorre que, na medida em que o tratamento de dados tem crescido exponencialmente e que as decisões correspondentes passam a ser delegadas à inteligência artificial em processos decisórios automatizados, eventuais falhas podem causar severos prejuízos à pessoa titular dos dados, afetando diversos
aspectos da sua vida, além de haver elevado potencial de ocorrerem discriminações.
Afinal, dentro do grande conjunto de dados que são coletados mediante a técnica de big data, encontra-se principalmente dados pessoais, o que desencadeia risco para o titular, se não for feito um tratamento responsável, ético e transparente que
proteja seus direitos e liberdades.
Por esses motivos, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD) brasileira tutela a proteção do titular dos dados mediante a previsão de direitos de “explicação” e de “revisão” de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais. Contudo, a LGPD revela-se pouco objetiva quanto ao ponto, trazendo dúvidas acerca da forma como deverá ser explicada a decisão automatizada, ou mesmo como deverá se dar o procedimento de revisão, o que se propõe investigar através do presente artigo.


REGULAÇÃO DAS DECISÕES AUTOMATIZADAS


É notório que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)
brasileira foi em muito inspirada pelo Regulamento Europeu de
Proteção de Dados (General Data Protection Regulation – GDPR), aprovado no ano de 2016.
Assim, analisaremos, ainda que sumariamente, o regramento europeu acerca das decisões automatizadas para, após, apreciar
a forma como a matéria é disciplinada pela legislação brasileira.


DECISÕES AUTOMATIZADAS NO GDPR EUROPEU


O artigo 22 do GDPR14 assegura ao titular dos dados, como regra geral, o direito de recusar-se a ser submetido a decisões exclusivamente automatizadas, incluindo a definição de perfis (item “1”) 15, mas ressalva que, caso venha a submeter-se por necessidade contratual, em virtude de autorização legal, ou por consentimento explícito (item “2”), o titular dos dados poderá exigir a revisão da decisão automatizada por pessoa humana, podendo assim manifestar sua opinião acerca da decisão e contestá-la (item “3”), viabilizando o ajuste de eventuais erros.
Conforme Ferrari e Becker, suscita-se, então um direito à intervenção humana:

A revisão de decisões algorítmicas por humanos já é bastante
debatida na doutrina estrangeira a ponto de ter sido suscitada a
existência de um “direito a uma intervenção humana” (right to a
human in the loop). De um lado, especialistas defendem que a
intervenção humana é imprescindível para proteger a dignidade do usuário, cujos dados são utilizados para alimentar os algoritmos de tomada de decisões, e mitigar seus efeitos
deletérios. Do outro, doutrinadores acreditam que, com uma pessoa natural no processo decisório, ele poderá restar contaminado por vieses humanos.
Outrossim, o artigo 15, alínea “h”, do GDPR17, outorga ao titular
dos dados que venha a ser submetido a decisões automatizadas o direito de obter do responsável pelo tratamento informações
atinentes à lógica subjacente à decisão18 e das consequências envolvidas.
Cita-se, ainda, o considerando nº 71 do GDPR19, o qual indica a garantia de o titular dos dados obter uma explicação sobre a decisão tomada. Contudo, para o direito comunitário, os considerandos não são dotados de força vinculativa, apenas fornecendo orientações sobre a interpretação dos artigos da norma que antecedem. Assim, os considerandos não poderiam criar direitos que não estejam previstos nos artigos do GDPR.

Constituiu-se, então, interessante divergência doutrinária a respeito de o GDPR assegurar ou não ao titular de dados um direito à explicação da decisão automatizada. Isso porque, como visto, o artigo 15, alínea “h”, do GDPR, prevê o direito a “informações úteis sobre a lógica subjacente”, apenas estando  xpressamente referido o direito à “explicação da decisão” no
Considerando.
Por essa razão, Watcher, Mittelstadt e Floridi defenderam não haver no GDPR um direito à explicação, mas, apenas, à informação sobre a funcionalidade do sistema, restrito por interesses de controladores de dados (art. 15). Sugerem, então,
uma série de modificações a serem adotadas no RGPD, dentre as quais a de acrescentar o direito de explicação ao artigo 22, item “3”, de modo a torná-lo juridicamente vinculativo.
Ou seja, no GDPR é inegavelmente assegurado o direito de revisão da decisão automatizada por pessoa humana, havendo, porém, divergência doutrinária quanto à vinculatividade do direito à explicação da decisão automatizada.


DECISÕES AUTOMATIZADAS NA LGPD BRASILEIRA


A primeira manifestação do direito à explicação no Brasil se deu
na polêmica Lei do Cadastro Positivo22, a qual regula o credit scoring, que consiste na técnica utilizada por instituições financeiras para, de forma estatística, avaliar a concessão de crédito a uma pessoa com base em variáveis predeterminadas. Essa previsão encontra-se no artigo 5º, incisos IV e VI, da Lei nº 12.414/2011, que arrola dentre os direitos do cadastrado: “IV – conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise de risco, resguardado o segredo empresarial”; e “VI – solicitar ao consulente a revisão de decisão realizada exclusivamente por meios automatizados”.

Jurisprudencialmente, o Superior Tribunal de Justiça, soberano
na análise da legislação infraconstitucional, sedimentou o
entendimento de que o titular dos dados possui o direito de
solicitar esclarecimentos sobre as informações valoradas e as
fontes dos dados considerados na apuração do score, ensejando a edição da Súmula 550, in verbis:


Súmula 550 do STJ: A utilização de escore de crédito, método
estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no
respectivo cálculo.


Após, aprovada em agosto de 2018, mas com vacatio legis de 24
meses definida pela Lei nº 13.853/2019, a LGPD prevê tanto o
direito de revisão de decisões tomadas com base em tratamento
automatizado de dados (art. 20, caput), assim como o direito de
explicação a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada, resguardando, porém, os segredos comercial e industrial (art. 20, § 1º).

Veja-se que, enquanto o artigo 22 do GDPR estabelece que o titular de dados tem o direito de não estar sujeito a nenhuma decisão tomada exclusivamente com base no tratamento automatizado que produza efeitos em sua esfera jurídica ou que o afete significativamente, o artigo 20 da LGPD afirma que o
titular de dados tem “direito a solicitar a revisão de decisões
tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de
dados pessoais que afetem seus interesses”. Feita essa distinção, Mulholland e Frajhof defendem que no ordenamento europeu a norma tem “natureza proibitiva”, vedando a tomada de decisões totalmente automatizada, enquanto no ordenamento brasileiro, a norma tem “natureza atributiva de direito”.


PROBLEMAS QUANTO À REVISÃO E EXPLICAÇÃO DAS DECISÕES AUTOMATIZADAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PROCEDIMENTALIZAÇÃO DO PROCESSO DE REVISÃO


Na redação original da Lei nº 13.709/2018, o caput do artigo 20
da LGPD26 previa o direito de o titular dos dados solicitar a revisão da decisão automatizada por pessoa natural, assim como previsto no item “3” do artigo 22 do GDPR.
Contudo, através da Medida Provisória nº 869/2018, o então Presidente da República Michel Temer modificou a redação do
caput do artigo 20 da LGPD para suprimir o trecho “pessoa natural” do dispositivo, afastando, assim, a necessidade de intervenção humana no processo de revisão.
Quando votada a conversão da Medida Provisória nº 869/2018
na Lei nº 13.853/2019, o Poder Legislativo optou por reestabelecer a necessidade de revisão por pessoa humana mediante a inclusão do parágrafo 3º ao artigo 20 da LGPD27, no qual, porém, diferentemente da redação original, outorgou-se à autoridade nacional o dever de regulamentar o procedimento levando em consideração a natureza e o porte da entidade ou o volume de operações de dados, ou seja, indicando um tratamento diferenciado a fim de não inviabilizar os negócios envolvidos.
Contudo, nos termos do art. 66, § 1º, da Constituição da República, o Presidente Jair Bolsonaro optou por vetar a inclusão do § 3º ao artigo 20 da LGPD, apresentando na Mensagem 288/2019, endereçada ao Presidente do Senado Federal, suas razões de veto fundamentadas em suposta contrariedade da revisão por pessoa humana ao interesse público:


A propositura legislativa, ao dispor que toda e qualquer decisão baseada unicamente no tratamento automatizado seja suscetível de revisão humana, contraria o interesse público, tendo em vista que tal exigência inviabilizará os modelos atuais de planos de negócios de muitas empresas, notadamente das startups, bem como impacta na análise de risco de crédito e de novos modelos de negócios de instituições financeiras, gerando efeito negativo na oferta de crédito aos consumidores, tanto no que diz respeito à qualidade das garantias, ao volume de crédito contratado e à composição de preços, com reflexos, ainda, nos índices de inflação e na condução da política monetária.
Ocorre que essa supressão da figura humana traz dúvida razoável sobre como, então, deverá ser procedimentalizado o processo revisório.
Ora, na redação original da Lei nº 13.709/2018 a questão era mais clara: haveria, primeiro, o tratamento dos dados através da inteligência artificial, que faria a correlação dos dados e tomaria uma decisão automatizada. Uma vez solicitada a revisão pelo titular dos dados, este apresentaria suas razões, as quais
deveriam ser submetidas ao crivo humano que, então, poderia
confirmar ou modificar a decisão adotada pela inteligência
artificial.
No entanto, agora que suprimida a exigência da pessoa humana no processo revisor, surge o seguinte problema: em que, de fato, se traduz o direito à revisão? Significa simplesmente recolocar os mesmos dados antes tratados, no mesmo sistema de inteligência artificial anteriormente adotado e obter uma segunda decisão (o que não seria irrazoável frente à supressão normativa da obrigação humana de fazê-lo)? À toda evidência a decisão será idêntica à primeira; afinal, um mesmo algoritmo não chegaria a conclusões (outputs) diversas a respeito dos mesmos dados (inputs). Ou, então, significa que todos os controladores de dados necessitarão possuir duas distintas ferramentas de inteligência artificial, sendo uma a instância de primeiro grau e uma de segundo grau com competência revisora? De igual modo, dificilmente haverá êxito na revisão das decisões de uma máquina pela outra, ao passo que terão a mesma programação e, portanto, os mesmos problemas, a não ser que, propositadamente, o programador inserisse vícios em uma que não na outra, mas isso não seria dotado de qualquer lógica. 

Vislumbra-se, pois, que a legislação brasileira, em descompasso
com a GDPR, anda mal ao retirar a pessoa humana do protagonismo do ato revisório, tornando ao menos nebulosa a forma de como, então, essa revisão deverá ser feita.
Ao que parece, diferentemente de uma “revisão” propriamente dita, a retirada da figura da pessoa humana indica que a lei está tratando, na verdade, de “retificação”, assim como já era previsto
no artigo 43, § 3º, do CDC28. Isto é, diferentemente do que viabilizar um segundo juízo decisório sobre os dados, a lei parece permitir que os dados (inputs) sejam retificados e, assim, possibilitar não uma revisão, mas sim uma nova decisão (output) pela máquina. Por exemplo, a inteligência artificial atribui um score baixo a alguém em virtude de o titular dos dados ter ficado negativado por longa data. No entanto, este solicita a revisão com a apresentação de sentença transitada em julgado que reconhece a inexigibilidade da dívida inscrita. Com essa “retificação” do dado antes desabonatório será possível à
máquina chegar a uma nova conclusão.
O problema é que, o principal motivo de se assegurar um direito
à revisão não diz apenas com a mera retificação do banco de dados, mas sim com buscar a correção do mérito da decisão, que pode ter sido influenciada por concepções discriminatórias. Ora, a neutralidade algorítmica é apenas aparente, uma vez que as máquinas herdam compreensões de seus programadores, ou
mesmo as recebem por aprendizado (machine learning) na
interação humana.
De qualquer modo, a questão está longe de ser resolvida e, ao
que tudo indica, necessitará ser aclarada pela autoridade nacional de proteção de dados através de seu poder regulamentar incluído no seu vasto rol de competências previsto
no artigo 55-J da LGPD, a fim de esclarecer de que modo deverá
ser procedimentalizada a revisão das decisões automatizadas.


EXTENSÃO DO DIREITO À EXPLICAÇÃO


De igual modo, a LGPD não é clara sobre em quais situações a explicação poderá ser necessária e em qual extensão deverão ser prestadas informações a respeito da decisão automatizada.

Ora, o artigo 20, § 1º, limita-se a estabelecer, em linhas gerais,
que o controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada, observados os segredos comercial e industrial.
Embora a doutrina esteja convergindo sobre a importância de
assegurar formas de explicação dos algoritmos, não há consenso sobre como esta deve se dar.
No que pertine às hipóteses em que explicações são necessárias, constitui-se o primeiro problema em questão. Afinal, toda e qualquer decisão automatizada que envolver interesses do titular dos dados deverá ser objeto de explicação, ou haveria algum filtro limitador, alguma justificativa inerente?
Doshi-Velez et al30 apontam que o pedido de explicações sobre
uma decisão automatizada pode ser justificado por três distintas
razões: entradas (inputs) não confiáveis ou inadequadas; resultados (outputs) inexplicáveis; e desconfiança quanto à integridade do sistema.
Destacam os autores que se há o conhecimento de que um tomador de decisão tem acesso a informações irrelevantes ou proibidas, há justificativa para o pedido de explicação pela razoável suspeita de que a decisão foi imprópria. A entrada (dado interpretado pela inteligência artificial) pode ser suspeita quando se acredita que ela é logicamente irrelevante; e proibida,
como é o caso de certas características, como raça, gênero e
identidade ou orientação sexual, que não devem ser levadas em consideração na decisão sobre o acesso de uma pessoa a
emprego, moradia e outros bens sociais. Da mesma forma, existem certas características que, como apontado pelos autores, devem ser necessariamente levadas em consideração para uma decisão específica, por exemplo, se um empréstimo é negado a uma pessoa, mas é sabido que o relatório de crédito da pessoa jamais fora consultado, podemos suspeitar que a decisão foi tomada com informações incompletas e, portanto, errôneas.
Quanto aos resultados inexplicáveis, os autores apontam casos em que a crença de que ocorreu um erro provém da saída (output) do processo de tomada de decisão, ou seja, reside na própria decisão. Se o mesmo tomador automatizado de decisão tornar diferentes decisões para dois assuntos aparentemente
idênticos, podemos suspeitar que a decisão foi baseada em recurso não relacionado ou mesmo aleatório. Da mesma forma, se um tomador de decisão produz a mesma decisão por dois assuntos marcadamente diferentes, podemos suspeitar que ele
não levou em consideração uma característica importante.

Por fim, a respeito da desconfiança sobre a integridade do sistema, afirmam os autores que podem ser exigidas explicações a respeito de uma decisão mesmo que as entradas (inputs) e saídas (outputs) pareçam adequadas por causa do contexto em que a decisão é tomada. Isso geralmente acontece quando está em questão decisões altamente consequentes e com capacidade ou incentivo para fazê-lo de uma maneira que seja pessoalmente benéfica, mas socialmente prejudicial.
Vistas as hipóteses de necessidade de informações, analisar-seá, a seguir, o problema quanto à extensão em que a explicação deverá ser outorgada. Segundo Watcher, Mittelstadt e Floridi, em se tratando de decisões automatizadas, há dois tipos viáveis
de informação: aquela que diz respeito à a) funcionalidade do sistema, isto é, à lógica, ao significado, às consequências previstas, às especificações de requisitos, às ramificações de
decisões possíveis, aos modelos predefinidos, critérios e estruturas de classificação; e àquela que diz respeito às b) razões da decisão tomada, isto é, à justificativa, aos motivos e circunstâncias individuais de uma decisão automatizada específica, como, por exemplo, ponderação de recursos, às regras de decisão específicas, informações sobre grupos de referência ou perfil34.
Os autores destacam, ainda, ser possível distinguir entre explicações quanto ao tempo: a) uma explicação ex ante, seria aquela que ocorreria antes da tomada de decisão automatizada, ou seja, apenas poderia apresentar a funcionalidade do sistema; ou b) uma explicação ex post, seria aquela que ocorreria após
uma decisão automatizada, podendo abordar tanto a funcionalidade do sistema como os fundamentos específicos da decisão. 

Exemplos auxiliam a esclarecer como essas distinções interagem.
Conforme Watcher et al, em se tratando de sistema de pontuação de crédito automatizado, antes de uma decisão ser tomada, o provedor do sistema pode informar os dados sobre a funcionalidade do sistema, incluindo a lógica geral (como tipos de dados e características consideradas, categorias na ramificação de decisões), objetivo ou significado (neste caso, para atribuir uma pontuação de crédito) e as consequências previstas (por exemplo, a pontuação de crédito pode ser usada pelos credores para avaliar o valor do crédito, afetando os termos de crédito, como taxa de juros). Por outro lado, depois
que uma decisão foi tomada, uma explicação da funcionalidade do sistema ainda pode ser fornecida ao titular dos dados. No entanto, o provedor também poderá explicar a lógica e as circunstâncias individuais de sua decisão específica, como sua
pontuação de crédito, os dados ou recursos que foram considerados em seu caso particular e sua ponderação na árvore de decisão ou modelo. Em outras palavras, o controlador poderá explicar como uma pontuação específica foi atribuída. Quando modelos simplistas ou lineares predefinidos são usados e divulgados integralmente, previsões sobre a lógica de uma decisão específica são possíveis, em princípio, ex ante. No entanto, em ambos os casos, a capacidade do fornecedor de oferecer uma explicação da lógica de uma decisão específica pode ser limitada por vários fatores jurídicos e técnicos, incluindo o uso de probabilística complexa e métodos de tomada de decisão.
Ferrari e Becker destacam que ao usuário não interessa receber
o código-fonte do algoritmo, mas sim entender de forma clara os
critérios que foram utilizados para a decisão, o que deve ser,
portanto, levado em conta pelos programadores no momento da
concepção da aplicação:

O usuário, ao pedir explicação sobre decisões automatizadas, não deseja receber o código-fonte do algoritmo, mas entender
os critérios que foram utilizados, pois, para ele, como leigo, é
irrelevante o número de linhas de programação utilizadas para
que se chegue àquela decisão, por vezes, duvidosa. Para o titular, é fundamental receber informações consistentes e compreensíveis para que ele, querendo, possa contestar a
decisão automatizada. Muito mais do que apenas um direito exclusivo do titular, o direito à explicação impacta a programação, a prototipagem e a utilização de sistemas de processamento de dados. Por isso, deve-se pensar em técnicas para garantir compreensão, transparência e legibilidade, ou, ainda, um conceito de “explicação por design” (explanation by design) ou “explicação por padrão” (explanation by default) no momento da concepção da aplicação.
Nesse mesmo sentido, Doshi-Velez et al38 destacam que a explicação se distingue da transparência, uma vez que a explicação não exige o fluxo de bits através um sistema de inteligência artificial, assim como uma explicação por seres humanos não exige o conhecimento sobre fluxo de sinais através dos neurônios, uma vez que nenhum dos dois seria interpretável para um humano.
Em vez disso, segundo os autores, a explicação significa responder como certos fatores foram usados para chegar ao resultado em uma situação específica.
A esse respeito, apontam que, assim como nos requisitos relacionados à explicação humana, precisaremos pensar sobre o
porquê e quando explicações são úteis o suficiente para compensar o custo. Destacam que exigir que todo sistema de inteligência artificial explique todas as decisões pode resultar em sistemas menos eficientes, escolhas forçadas de projeto e uma tendência a explicações abaixo do resultado ideal. Citam, como exemplo, que a sobrecarga de forçar uma torradeira a explicar por que ela acha que o pão está pronto pode impedir que uma
empresa implemente um recurso inteligente. Por outro lado, afirmam que podemos estar dispostos a aceitar o custo monetário de um sistema de aprovação de empréstimos explicável, mas um pouco menos preciso, em prol do benefício social de poder verificar se não é discriminatório. Assim, DoshiVelez et al sustentam que exigir explicações dos sistemas de inteligência artificial é razoável e que devemos começar perguntando aos nossos sistemas de inteligência artificial aquilo que pediríamos aos humanos caso estivessem participando do processo decisório. Isso evitaria, segundo os autores, que os sistemas obtenham um “passe livre” para evitar os tipos de escrutínio que podem chegar aos seres humanos, e evita pedir muito dos sistemas, o que dificultaria a inovação e o progresso.
Para os autores, a necessidade de explicação pode ser formalizada por duas ideias técnicas: “explicação local” e “fidelidade contrafactual”. Explicação local diz com os fatores importantes para a tomada da decisão, como, por exemplo, o histórico de pagamento para a negação de empréstimo. Por sua
vez, fidelidade contrafactual significa que, se uma pessoa soubesse que sua renda era o fator determinante para a negativa de crédito, e então sua renda vier a aumentar, poderá ter uma justa expectativa de que o sistema agora considere-as dignas de obter o empréstimo.

Vislumbra-se, pois, que o direito à explicação faz com que informações devam ser prestadas de acordo com o horizonte de compreensão do destinatário, ao passo que ao consumidor, que possui na hipossuficiência técnica um de seus traços característicos, não interessa receber a sequência de códigos
que regem a inteligência artificial, mas sim compreender os fatos que foram determinantes para a decisão automatizada, o que deverá ser observado e viabilizado desde a programação da
inteligência artificial.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Tecer considerações sobre o futuro sempre é uma tarefa um tanto quanto difícil e arriscada, pois não se sabe, efetivamente, quais serão os impactos que as novas tecnologias, talvez algumas que ainda nem sequer conhecemos, produzirão na sociedade.
Embora acredite-se que no futuro a inteligência artificial será ainda mais aprimorada, de modo a amplificar a gama de aplicação, na atualidade já se pode perceber claramente a sua implementação em processos de tomada de decisões absolutamente automatizadas, em diferentes segmentos, inclusive no âmbito do tratamento de dados pessoais.
Tanto o direito comunitário europeu (GDPR), assim como o direito brasileiro (LGPD), têm se preocupado com a regulamentação do tratamento de dados pela inteligência artificial, dado o seu grande potencial de promover prejuízos e discriminações aos titulares dos dados. Reconhece-se que, enquanto pessoas, não podemos restar submetidos a julgamentos exclusivamente automatizados que, por mais evoluídas/desenvolvidas que sejam as máquinas, podem apresentar resultados incompatíveis com a realidade, mormente
ao estabelecer perfis generalizantes. Assim, consagrou-se na doutrina o reconhecimento de direitos à revisão e à explicação de decisões tomadas pela inteligência artificial.

Contudo, como vislumbra Veronese, a efetividade das prescrições jurídicas sobre proteção de dados, no contexto atual de big data, em grande parte depende dos meios técnicos disponíveis para o monitoramento e auditoria. A afirmação de direitos subjetivos na legislação é muito importante, certamente.
Não obstante, é evidente que a falta de capacidade técnica pode
configurar um empecilho para a efetividade do direito.
Embora estejamos caminhando em um sentido de atualização legislativa para o atendimento das novas demandas que se apresentam pela introdução do uso da inteligência artificial, o que é digno de aplauso, o presente artigo apurou que, com a
retirada do elemento humano no procedimento revisório, esvaziou-se a sua principal razão de ser, parecendo restar sem qualquer eficácia o direito previsto no artigo 20 da LGPD. Assim, como abordado no capítulo 2.1, conclui-se pela necessidade de a autoridade nacional de proteção de dados esclarecer o procedimento a ser seguido para viabilizar a efetiva revisão da decisão automatizada, avocando para si a ampla competência regulamentar que lhe fora outorgada pelo artigo 55-J da LGPD.
Outrossim, fora objeto deste estudo a dúvida razoável que se
estabelece doutrinariamente a respeito de quais as informações
que o controlador dos dados deve fornecer com fulcro no artigo 22, § 1º, da LGPD. Quanto ao assunto, no capítulo 2.2 conclui-se que as informações asseguradas na LGPD devem ser prestadas de acordo com o horizonte de compreensão do destinatário, ao passo que ao consumidor, que possui na hipossuficiência técnica um de seus traços caracterizadores, não interessa receber a sequência de códigos que regem a inteligência artificial, mas sim compreender os fatos e os critérios que foram determinantes para a decisão automatizada.
Assim como apontam os estudos de Doshi-Velez et al, o essencial está em assegurar um elemento de fidelidade contrafactual, isto é, a partir do momento em que houver a compreensão da pessoa titular dos dados a respeito das razões pelas quais recebeu determinada decisão, possa ela adequar seu perfil com a justa expectativa de, então, receber uma decisão favorável.
Para tanto, as diretrizes advindas da LGPD deverão ser levadas
em conta desde a programação dos equipamentos de inteligência artificial, a fim de que seja viabilizada a explicação efetiva e clara ao titular dos dados como algo inerente às decisões automatizadas, inserindo-se a função no próprio design da máquina.
Fato é que as relações sociais têm sido constantemente modificadas pela introdução de tecnologias disruptivas. Ao direito, pois, incumbe atualizar-se para outorgar a devida resposta jurídica às demandas que surgem a partir das novas tecnologias, sempre com cuidado redobrado para não perder de
foco o principal: a dignidade da pessoa humana e a proteção de
seus direitos fundamentais.

 


REFERÊNCIAS


ANDRÉ, Q.; CARMON, Z.; WERTENBROCH, K.; CRUM, A.; DOUGLAS, F.; GOLDSTEIN, W.; HUBER, J.; VAN BOVEN, L.; WEBER, B.; YANG, H. Consumer Choice and Autonomy in the Age of Artificial Intelligence and Big Data. Johns Hopkins Carey Business School Research Paper, n. 18-03, 2018.

BIONI, Bruno R. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

BROOKSHEAR, J. Glenn. Ciência da computação: uma visão
abrangente. Tradução de Eduardo Kessler Piveta. 11ª ed. Porto
Alegre: Bookman, 2013.

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PANDEMIA DA COVID-19, PROTEÇÃO DE DADOS E O COMPLIANCE TRABALHISTA

André Jobim de Azevedo
Caroline Oliveira da Silva

 

  1. PANDEMIA

A pandemia da Covid-19 transformou, inesperadamente, a vida rotineira de toda a sociedade mundial, em todos os seus aspectos imagináveis ou não, devido o surgimento e a veloz propagação do vírus. Uma situação que encetou na China e países asiáticos, e que em pouco tempo se espalhou pela Europa, Estados Unidos, entre outros continentes e países, até chegar ao Brasil em 26 de fevereiro de 2020. Declarado seu reconhecimento e existência, pela Organização Mundial da Saúde (OMS)[1], no dia 11 de março de 2020, como sendo a primeira pandemia do Século XXI.

É um vírus cuja a transmissão se dá através de pequenas gotículas que partem do nariz e boca, podendo ser depositadas em objetos e superfícies ao redor da pessoa contaminada, e poderá contaminar outras pessoas se estas tocam em objeto ou superfície contaminada, ou com a qual mantém contato físico e depois tocando seus olhos, nariz ou boca.

No período de inexistência da vacina, os protocolos adotados para conter a propagação do vírus, foram o isolamento social e a quarentena dos indivíduos, com a finalidade de evitar maior circulação de pessoas, e consequentemente do vírus. Esta condição acabou por afetar diretamente a economia e a situação econômico-financeiras de todos os países que as adotaram, pois, sendo um fenômeno inesperado, precisaram ser implementadas novas políticas de estruturação e planejamento.

Neste ponto, surgiram novos questionamentos de como seguir os protocolos de saúde pública estabelecidos e instituir “novas” relações de trabalho. Para isto, restou a adaptação de empresas e seus empregados, em verdade em todas as relações produtivas e de trabalhos, em todas as suas modalidades. A resposta não foi ou é simples, e na prática a adaptação ainda é uma dificuldade a ser superada, levando em conta a abrupta situação de calamidade pública sanitária mundial causada pelo vírus da Covid-19, encalçando a movimentação de adequação dos sujeitos da relação de trabalho de forma reativa e urgente.

Os impactos da pandemia não restaram apenas em países em desenvolvimento, mas sim para todos de globo tendo efeitos, ainda presentes, que abrangem todos os países que ainda enfrentam a pandemia, desenvolvidos ou não. Segundo o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT)[2], Guy Ryder, a pandemia não configura apenas uma crise global relacionada à saúde, mas também uma grande crise econômica e no mercado de trabalho.

  1. LGPD

Em meio à pandemia, outro assunto necessariamente pautado é a questão da adaptação das empresas para o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A par do que muitos especialistas tratam no sentido de que as empresas brasileiras não estão preparadas para os cumprimentos das normas estabelecidas na lei, cabe salientar que, com o advento do enfrentamento à pandemia do Covid-19, nunca se exigiu tanto de métodos/meios tecnológicos para ampliar e desenvolver pesquisas e estudos sobre o vírus.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoas (LGPD) entrou em  vigor no dia 18 de setembro de 2020[3], disciplinando e promovendo a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil, visando garantir pleno controle de cada indivíduo da população sobre suas informações pessoais, requerendo o consentimento explícito para poder reunir e usar dos dados, além de obrigar a oferta de opções para o usuário ter conhecimento, corrigir e/ou excluir esses dados recolhidos[4]. O objetivo central da lei é zelar pelos dados pessoais dos indivíduos, estabelecendo que nenhuma instituição utilize estes dados sem devida permissão. Trata-se dos maiores valores deste século como têm sido observados por pesquisadores, e estudiosos, apenas à guisa de exemple o Yuri Nocac Harari, em seus best sellers, tão provocativos e de leitura obrigatória.

Sob influência da regulamentação europeia, a General Data Protection Regulation, (GDPR), a LGPD traz consigo possibilidades para o tratamento de dados pessoais, são elas: o consentimento do indivíduo titular, para o cumprimento de encargo legal ou regulatório pelo responsável pelo tratamento, pela administração pública para execução de políticas públicas, para a realização de estudos, por órgão de pesquisa, que não necessitam a individualização do indivíduo, para resguardar a vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros, para a tutela da saúde, desde que o procedimento seja realizado por profissionais da saúde ou por entidades sanitárias, para a execução de um contrato ou procedimento preliminar a este, desde que a parte que é titular quando a seu pedido, para fins em processos judiciais, administrativos ou arbitrais e, para a proteção do crédito, consoante o Código de Defesa do Consumidor[5].

Outro ponto característico relevante da LGPD versa sobre a responsabilidade civil, pontuando que é o responsável obrigado a reparar dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, que causar em virtude da atividade de tratamento de dados. Cabendo ao juiz a possibilidade de inversão do ônus da prova a favorecer o titular dos dados quando julgar plausível a alegação, quando a produção de provas se tornar excessivamente onerosa ou se houver hipossuficiência para fins da mesma pelo titular.

A Lei Geral de Proteção de Dados não coíbe o uso de dados, mas estabelece um sistema de normas e regras para o uso legal e adequado dos dados pessoais. Considerando a ampla e vasta aceleração das tecnologias e que as empresas estão cada vez mais utilizando ferramentas eletrônicas para o trabalho, em algum momento o cuidado e proteção dos dados utilizados e tratados deveriam ser resguardado por legislação específica, e o foram pela LGPD. Neste sentido, atualmente, cabe às empresas terem conhecimento da legislação e aplicarem suas exigências e condicionantes ao cotidiano, sob pena da penalização na forma da lei e indenizações, a fim de proteger da forma mais correta possível os direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, à honra e à liberdade das pessoas naturais que compõem o corpo empresarial ou com ele se relacionam.

Com a implementação em caráter de urgência das normas regidas pela LGPD, muitas empresas ainda não conseguiram se adequar, boa parte por consequência da pandemia que afetou a tudo e a todos, principalmente no âmbito financeiro.

No cenário internacional, especificamente a GDPR, que passou a vigorar no dia 25 de maio de 2018, influencia na implementação da LGPD, segundo relatório de janeiro de 2021 do time de cibersergurança e proteção de dados do escritório de advocacia DLA Piper, a legislação europeia de proteção de dados registrou um aumento de 19% das notificações de infrações comparadas ao ano de 2019. Infrações essas que resultaram em multas no valor de 272,5 milhões de euros pelas autoridades de proteção de dados de países do continente europeu[6]

Em janeiro de 2021 o Brasil passou por uma onda de vazamento de dados pessoais de 223 milhões de pessoas, relativos ao CPF dos indivíduos. Logo, no mês seguinte houve um novo vazamento de dados de, aproximadamente, 100 milhões de pessoas, incluindo dados bancários e números de telefones. Consoante este contexto, a Autoridade Nacional de Proteção de dados (ANPD), veio a público para informar que está apurando elementos e informações  no caso do vazamento de dados relacionados ao CPF dos brasileiros e que está tomando providencias para análises e procedimentos devidos e, assim, promover a responsabilização e a punição dos entes envolvidos[7]

Consoante este cenário, como procederá a ANPD para responsabilizar os causadores do dano se as sanções de natureza administrativa da LGPD que só passarão a viger a partir de agosto de 2021, ex vi legis? Não há possibilidades de multas, até o mês de agosto, para os responsáveis pelos vazamentos estrondosos de dados de milhões de brasileiros, diferentemente de como já ocorre na Europa. A proteção de dados se tornou de extrema importância, ainda mais no momento pandêmico pelo qual estamos passando, pode a autoridade brasileira responsável pela proteção de dados fundamentar seus estudos e análises, a fim de criar um adequado controle das violações e descumprimentos, a olhar para a experiência europeia. A questão é a seguinte: o tempo de adaptação à norma é importante? É inegavelmente, mas não deveria abrir margem para grandes vazamentos de dados pessoais sem a devida responsabilização dos envolvidos.

  1. COMPLIANCE TRABALHISTA

O Compliance é um termo originário do verbo “to comply” que significa estar em conformidade e constitui no ato de adequação às normas legais e regulamentares, partindo da alta administração empresarial e a todos os envolvidos e relacionados atingindo. No âmbito empresarial expressa a implementação de métodos e mecanismos a fim de garantir que a empresa execute e realize todos as normas impostas e que, com isso, previna riscos, demandas judiciais e possíveis sanções seja qual for o caráter, e sobretudo proteja a titularidade dos dados.

            Após a entrada em vigor da lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), a busca por empresas para a implementação do compliance nas suas instituições se acentuou. Atualmente as técnicas de compliance se inserem em diversas áreas coorporativas, inclusive na esfera trabalhista, com técnicas de avaliação de riscos e crises, auditorias e desenvolvimento de códigos de conduta e regimentos internos, por exemplo, sempre visando a prevenção e manutenção empresarial segura a fim de não gere reflexos e consequências danosas para a instituição. Segundo André Cabbete Fábio[8]

O compliance é uma prática corporativa que pode ser tocada por um departamento interno da empresa ou de forma terceirizada. Seu objetivo é analisar o funcionamento da companhia e assegurar que suas condutas estejam de acordo com as regras administrativas e legais, sejam essas regras externas (do país, Estado e cidade onde ela atua) ou internas (da própria empresa).

Para que seja efetiva a utilização das técnicas do compliance no âmbito empresarial e trabalhista, caberá, primeiramente, um estudo investigativo do histórico empresarial seguido da implementação de práticas especificas e preventivas para determinada empresa. Como tratam Daniel Sibille e Alexandre Serpa[9]

É muito importante que antes de se falar em avaliação de riscos, se conheça os objetivos de sua empresa e do seu programa de compliance, pois este pilar é uma das bases do sucesso do programa de compliance, uma vez que o código de conduta, as políticas e os esforços de monitoramento deverão ser construídos com base nos riscos que forem identificados como relevantes durante esta fase de análise. A efetiva condução de uma análise de riscos envolve uma fase de planejamento, entrevistas, documentação e catalogação de dados, análise de dados e estabelecimento de medidas de remediação necessárias.

       O Compliance Trabalhista Empresarial tem por finalidade principal é a de garantir o desenvolvimento da atividade econômica da empresa com observação dos direitos dos empregados e outros tantos que igualmente participam das relações de trabalho indiretamente, sendo uma ferramenta de gestão que possibilita identificar, prevenir e corrigir práticas que possam violar o regulamento trabalhista. Para tal, é essencial o desenvolvimento de mecanismos e procedimentos de prevenção e gerenciamento de crises, onde o compliance atue em dois âmbitos: o da elaboração de políticas e sistemas internos a fim de observar à legislação e jurisprudência laboral e vigilância adequada e efetiva do seu cumprimento, tanto interno quanto externamente[10].

       Pode-se dizer que a LGPD trouxe consigo um novo mecanismo, o compliance, mais especificamente, o relatório de impactos à proteção de dados pessoais (RIPD), que visa abarcar toda “a descrição dos processos de tratamento de dados pessoais que possam gerar riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais, bem como medidas, salvaguardas e mecanismos de mitigação de risco[11]”, ferramenta na qual o objetivo central é o de minimizar riscos e evitar crises na proteção de dados pessoais.

  1. LGPD NA ESFERA TRABALHISTA

            Na legislação que visa a proteção de dados (LGPD), não contempla dispositivo que se refere nomeadamente à proteção destes dados pessoais no ambiente de trabalho, mas consoante o artigo 1º da referida lei é nítido observar que resguarda os direitos de pessoas naturais, sejam pessoas físicas ou jurídicas de direito privado ou público, e, portanto, alcançando a todos envolvidos nas relações de trabalho, direta o indiretamente:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural[12].

                Tendo em vista a conceituação de tratamento de dados, expresso no artigo 5º, X, da LGPD (Lei 13.709/18), como sendo toda operação realizada, no qual se expõe a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração de dados pessoais dos envolvidos.

            Nas relações de trabalho, é verificado, regulamente e em todas fases da contratação, o uso do tratamento de dados dos empregados e prestadores de serviço. Advém na fase pré-contratual com a aquisição de currículos com dados de identificação do indivíduo; no decorrer do contrato de trabalho com o registro de dados do empregado para cumprimento das obrigações contratuais específicas e correlatas; E, posteriormente o término do contrato de trabalho com o armazenamento de informações de antigos empregados para fins previdenciários, por exemplo. Muitas vezes projetando-se para momento posterior à extinção das relações, onde igualmente se aplica.

            Não há que se questionar o impacto da pandemia do Covid-19 no âmbito da proteção de dados pessoais. Neste sentido, é de se observar a importância da aplicação e implementação da LGPD na esfera trabalhista, abordada nesse breve estudo, visando resguardar os direitos de proteção dos dados pessoais dos empregados e parceiros, mas especialmente o empregado por conta da subordinação jurídica que une as partes.

  1. CONCLUSÃO

            No cenário pandêmico atual e com o advento da tecnologia cada vez mais presente no cotidiano da sociedade como um todo, a busca pela prevenção de riscos e o planejamento de condutas em concordância com o regramento disposto, são imprescindivelmente necessários e urgentes

            A proteção de dados pessoais proveniente da LGPD exige uma nova concepção e adaptação do movimento interno de empresas de diversos setores. Consoante isto, é de se considerar o impacto da LGPD nas relações trabalhistas, utilizando da ferramenta compliance a fim de prevenir riscos, demandas trabalhistas e a imposição de multas e outras sanções. Trata-se de imperiosa necessidade o manejo adequado das novas regências e posturas sociais e profissionais hoje bastante mais sancionáveis.

            O processo de adequação à LGPD no âmbito trabalhista é de caráter emergencial, tendo em vista que nas relações de trabalho, considerando que a coleta e tratamento de dados ocorrem diária e permanentemente, especialmente durante a vigência do contrato de trabalho, mas não só, pois tem aplicação antecedente e posterior ao vínculo. Resta configurado que  o empregado é titular dos seus dados que são ou serão objeto de tratamento por um controlador,  este sendo o empregador a quem incumbe o legal uso e assegurar segurança jurídica aos envolvidos.

            O compliance se dá através de preparo técnico e teórico, com palestras e treinamentos e competente assessoria, para estabelecer todos os paramentos de adequação com o intuito de que determinada empresa esteja em conformidade com o texto normativo da LGPD .   

           

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS         

 

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[1] Organização Mundial da Saúde. Perguntas e respostas sobre coronavírus (COVID-19). Disponível em <https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

[2] OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_738780/lang–pt/index.htm> Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

[3] BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais (LGPD). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

[4] Agência Senado, Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/lei-geral-de-protecao-de-dados-entra-em-vigor> Acesso em 18 de fevereiro de 2021.

[5] Ibid.

[6] DLA PIPER’S CYBERSECURITY AND DATA PROTECTION TEAM. DLA Piper GDPR fines and data breach survey: january 2021. DLA Piper, 2021. Disponível em: <https://www.dlapiper.com/en/uk/insights/publications/2021/01/dla-piper-gdpr-fines-and-data-breach-survey-2021/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

[7] ANPD está apurando no caso do vazamento de dados de mais de 220 milhões de pessoas. Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-esta-apurando-no-caso-do-vazamento-de-dados-de-mais-de-220-milhoes-de-pessoas>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

[8] FÁBIO, André Cabbete. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática. Disponível em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-%C3%A9-compliance.-E-por-que-as-empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-pr%C3%A1tica>. Acesso em 15 fevereiro de 2021.

[9] SIBILLE, Daniel; SERPA, Alexandre. Os pilares do programa de compliance. Disponível em <http://conteudo.lecnews.com/ebook-pilares-do-programa-de-compliance>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

[10] NOVELLI, Breno. Implementação de programa de compliance e seus impactos na área trabalhista. Disponível em <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9732/Implementacao-de-programa-de-compliance-e-seus-impactos-na-area-trabalhista>.  Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

[11] CARLOTO, SELMA. Lei Geral de Proteção de Dados exige novo comportamento das empresas. Entrevista concedida a FETPESP, Sou + Ônibus, SP. Ed. 23. novembro/dezembro.. 2019. p. 8-12. Disponível em < http://setpesp.org.br/newsite/wp-content/uploads/2020/12/Souonibus_023.pdf> Acesso em 22 de fevereiro de 2021.

[12] BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais (LGPD). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS: INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, BIG DATA E DISCRIMINAÇÃO PRÉ-CONTRATUAL

André Jobim de Azevedo
Vitor Kaiser Jahn

 

INTRODUÇÃO

 

No exercício de suas precípuas finalidades de estudo do Direito do Trabalho, aperfeiçoamento e difusão da legislação trabalhista (art. 3º, a, de seu Estatuto), a ABDT propõe a elaboração da presente obra conjunta, desafiando seus acadêmicos e demais convidados a desvendarem a interlocução entre o presente e o futuro do trabalho.

Pensar e interpretar o “Direito do Trabalho, Hoje”, inevitavelmente, é um desafio. Ainda que por ora de forma embrionária, novas tecnologias e novas formas de perceber o mundo estão desencadeando alterações nas estruturas sociais e nos sistemas econômicos, elementos que nos permitem vislumbrar a Quarta Revolução Industrial já no presente[1].

Ocorre que, ao passo que reconhecemos uma nova Revolução Industrial, devemos estar prontos para o enfrentamento de problemas e questionamentos absolutamente novos no campo juslaboral. O trabalho, enquanto fato social, é dinâmico e está em constante evolução. À medida em que novas tecnologias são implementadas nas relações sociais e no âmbito produtivo por força da Quarta Revolução Industrial, há uma verdadeira metamorfose do trabalho, ensejando novos desafios ao Direito e ao jurista.

Se você, leitor, ainda não está convencido de o quanto as novas tecnologias impactam a maneira como se dá a prestação de trabalho, sugerimos o  seguinte exercício: a) pense, de forma caricata, a figura do trabalhador da Segunda Revolução Industrial, o âmbito em que está inserido, os elementos do vínculo estabelecido com o seu empregador e a pauta de direitos mais relevantes para sua proteção naquele momento; b) agora faça o mesmo esforço, mas com as molduras daquilo que se imagina sobre o assim chamado “futuro do trabalho”, com os traços da Quarta Revolução Industrial, cuja tônica é dada pelo implemento de novas tecnologias como inteligência artificial, big data e internet das coisas.

Provavelmente, você, leitor, cogitou de início um trabalhador consideravelmente subordinado, submetido ao rígido controle do patrão em um âmbito fabril, pródigo em acidentes e adoecimentos, em que a pauta protetiva gravitava em torno de estabelecer limites à exploração advinda do poder patronal, visando melhores condições de trabalho. Por outro lado, ao pensar conforme as molduras do “futuro do trabalho”, forma-se a imagem de alguém trabalhando, possivelmente de modo remoto em sua própria residência, com flexibilidade de horários e auxílio de tecnologia de ponta (computadores, algoritmos, inteligência artificial e mecanismos de tratamento de  dados), contando com maior autonomia na gestão de sua prestação laboral, o que parece descaracterizar a subordinação, ao menos no que tange à concepção clássica enraizada, demandando um repensar do direito do trabalho e toda uma nova pauta de interesses a serem regulados.

O tema “futuro do trabalho” mostra-se, portanto, de absoluta relevância e pertinência, desdobrando-se em diferentes vertentes. Partindo da análise de tecnologias próprias da Quarta Revolução Industrial que possuem o condão de modificar a experiência juslaboral até então sedimentada, a doutrina nacional tem majoritariamente apontado a necessidade de proteção do trabalhador em face da automação, bem como promovido o debate sobre a natureza da relação que se estabelece em tempos de “uberização” do trabalho, isto é, se os trabalhadores que desenvolvem suas funções através de plataformas digitais devem ser considerados como empregados ou não[2].

O presente artigo, porém, propõe-se a questionar uma outra repercussão juslaboral da Quarta Revolução Industrial, que se mostra ainda pouco explorada pela doutrina nacional: a aplicação da inteligência artificial conjugada com  mecanismos de tratamento de dados nos processos de recrutamento de novos empregados e os desvios discriminatórios possíveis em face das normas de Direito da Antidiscriminação.

Nessa senda de navegar pelo (ainda) desconhecido, à toda evidência, não há qualquer pretensão de esgotamento do tema em abordagem, mas sim de propiciar uma contribuição nova, em questão pouco explorada, mas que traz consigo repercussões consideráveis para o direito do trabalho do presente e, sobretudo, para aquele que se imagina para o futuro.

 

  1. LINHAS GERAIS SOBRE DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO E SUA INTERLOCUÇÃO COM O DIREITO DO TRABALHO

 

Estatuindo a igualdade como um dos “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” em seu preâmbulo, a Constituição elenca o combate à discriminação como um objetivo da República (art. 3, inc. IV), enaltece o Princípio da Igualdade (art. 5º, caput) e prevê a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos de liberdades fundamentais” (art. 5º, inc. XLI, da CRFB). Nisso já se evidencia a importância do Direito da Antidiscriminação para o ordenamento jurídico pátrio.

O termo “discriminação” não possui origem jurídica, mas provém da linguagem comum, possuindo diferentes acepções possíveis. É no processo de juridicização que constrói um significado próprio para o âmbito jurídico, sendo conceituado de maneira mais restrita como “todas e quaisquer diferenciações, exclusões ou restrições vivenciadas por alguns grupos que tenham por fim, ou por efeito, impedir ou dificultar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício de direitos usuais da vida em sociedade, em igualdade de condições com terceiros”[3].

Para o combate da discriminação em sua acepção jurídica, o direito desenvolveu um ramo próprio, chamado de “Direito da Antidiscriminação”, cujas normas têm como finalidade precípua a proteção vinculada a certas características pessoais às quais, com frequência, são cominadas qualidades de inferioridade no âmbito social, como leciona Ferreira da Silva, que complementa:

Normas de Direito da Antidiscriminação voltam-se a evitar que o fato de pessoas portarem determinadas características seja fator capaz de ensejar – intencionalmente ou não – uma considerável redução das possibilidades de exercício das suas potencialidades sociais em relação a outros membros da mesma sociedade. Em geral, causas históricas determinam quais são essas características. Tomando-se de empréstimo o que usualmente se verifica em normas de Direito Internacional e de Direito Constitucional de diversos países, podem-se dar como exemplos dessas características a raça, a origem, o sexo, a orientação sexual, a idade, o fato de portar alguma deficiência e a religião[4].

Embora irradie seus efeitos sobre os diferentes espectros da vida em sociedade, o Direito da Antidiscriminação possui campo fértil no âmbito das relações de trabalho, de modo que se relaciona profundamente com o Direito do Trabalho.

A Convenção nº 111 da OIT, aprovada em 1958 na 42ª Conferência Internacional do Trabalho e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 62.150/68, consagra o compromisso internacional de formulação e aplicação de políticas nacionais que assegurem iguais oportunidades em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar atos discriminatórios no âmbito dos Estados membros. Traz consigo a relevante contribuição de definir o que deve ser entendido como discriminação na seara juslaboral:

  1. a) toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha o efeito de anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento em emprego ou ocupação;
  2. b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha o efeito de anular ou prejudicar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em emprego ou ocupação que possa ser determinada pelo Estado-membro em causa, após consulta com organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e com outros órgãos pertinentes.

Cumprindo o compromisso internacional, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 conta com proibições expressas quanto à discriminação no âmbito laboral, vedando a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de deficiência, sexo, idade, cor ou estado civil, bem como a distinção entre funções ou profissões (art. 7º, incisos XXX, XXXI e XXXII, da CRFB).

No nível infraconstitucional, desde seu texto original de 1943, a CLT estabelece em seu artigo 5º que todo trabalho de igual valor deverá receber igual salário.

Com o advento da Lei nº 9.029/1995, passou a ser expressamente proibida a exigência de atestado de estado gravídico ou esterilização, bem como fora vedada a assim chamada “dispensa discriminatória”, a qual, em certos casos, pode ser inclusive presumida[5], assegurando-se a faculdade de a vítima optar pelo exercício do direito de reintegração.

Posteriormente, a Lei nº 9.799/1999 acrescentou o artigo 373-A à CLT, arrolando uma série de vedações que se traduzem em medidas antidiscriminatórias, in verbis:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:                  

I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;            

III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;             

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;

VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.

    

Outrossim, a partir da Reforma Trabalhista instituída pela Lei nº 13.467/2017, restou inserido um novo § 6º ao artigo 461 da CLT, prevendo o pagamento de multa, no valor de 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social[6], em favor do empregado que venha a ser discriminado no valor de seu salário por motivo de sexo ou etnia. Embora a previsão legal de multa para tal discriminação seja louvável, o quantum prefixado pelo legislador parece não atender às finalidades pedagógico-punitivas que se espera de tal sanção.

Pelas normas citadas, vislumbra-se que, no âmbito laboral, a discriminação pode se configurar nas diferentes fases da relação de emprego, seja na admissão (v.g. exigência, pela empresa, de teste de estado gravídico para evitar a contratação de empregada que seria beneficiada pela respectiva garantia legal); na execução contratual (v.g. pagamento de salário inferior por questões étnicas); ou na cessação do vínculo (v.g. dispensa discriminatória de paciente portador do vírus HIV).

Todavia, a discriminação mostra-se mais recorrente na fase pré-contratual[7], notadamente no processo de recrutamento de novos empregados, por se tratar da etapa em que o empregador exerce o poder de escolha de quem irá ocupar o posto de trabalho, o que é aliado a um momento de grande vulnerabilidade do trabalhador, que se encontra, via de regra, desempregado e ansiando pela vaga que tem o potencial de lhe propiciar os meios necessários para a subsistência própria e de sua família[8].

Consagrando, pois, o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e o Postulado da Igualdade, bem como o objetivo constitucional de combate à discriminação, a legislação vigente impede que questões referentes a deficiência, sexo, idade, etnia, situação familiar ou estado de gravidez, entre outras, constituam óbice a vagas de trabalho, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir.

Ocorre que, como será visto, uma vez aplicadas nos processos de recrutamento de novos empregados, tecnologias propiciadas pela Quarta Revolução Industrial possuem potencial considerável de promover atos discriminatórios, demandando atenção redobrada por parte do jurista que se ocupe com o Futuro do Direito do Trabalho e defesa do Direito da Antidicriminação.

 

  1. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E BIG DATA APLICADOS AO PROCESSO DE ADMISSÃO DE NOVOS EMPREGADOS

 

Pauline Kim, professora da universidade de Washington, aponta que muitos empregadores já estão confiando o recrutamento de novos empregados a ferramentas baseadas em inteligência artificial e big data nos Estados Unidos da América[9].

Para melhor apreciar essa questão, ainda que de modo breve e introdutório, apresentaremos o que deve ser entendido por inteligência artificial e big data.

Pois bem, segundo a engenharia da computação, inteligência artificial corresponde a máquinas autônomas hábeis a conduzir tarefas complexas sem intervenção humana, requerendo que estas sejam capazes de perceber e raciocinar[10]. Inteligência artificial seria, então, a construção de agentes que se comportam de maneira inteligente, como respostas racionais (outputs) aos dados recebidos (inputs). 

A inteligência artificial pode contar com habilidade de machine learning, isto é, programas de aprendizado de máquina que permitem o aperfeiçoamento automático desta conforme a experiência, possuindo a capacidade de aprender algo mesmo que não tenha sido explicitamente programada com a informação inata[11].

Segundo Martínez Devia, a inteligência artificial trabalha com dois elementos fundamentais: a) o poder da computação, que inclui o desenvolvimento de sistemas que permitem o processamento e as operações de dados; e b) o big data, grande conjunto de dados produzidos por diferentes fontes (humanos, máquinas, transações macro, uso da web, redes sociais, entre outros), que alimenta a inteligência. A autora observa que o uso contínuo de diferentes tecnologias (sites, aplicativos, serviços, sensores embutidos em dispositivos, pesquisas na Internet, redes sociais, notebooks, smartphones, dispositivos GPS, entre outros) aumentou em grande escala a quantidade de diária de informações armazenadas[12].

Assim, uma vez conjugados, big data e inteligência artificial oferecem mecanismos de tratamento de grande volume de dados e tomada de decisões automatizadas pela própria máquina.

Feita essa breve introdução, retornamos ao objeto de estudo da professora norte-americana.

Como exemplo da implementação de mecanismos conjugados de inteligência artificial e big data na admissão de novos empregados, Pauline Kim cita a) redes sociais que permitem o direcionamento de vagas pelos anunciantes a um público específico (ao passo que tais mídias tem em seu poder um vasto rol de dados a respeito de seus usuários, viabilizando perfeita segmentação[13]), inclusive com a ferramenta “lookalike audiences”, como a oferecida pelo Facebook, que analisa o grupo de funcionários existente na empresa e busca candidatos com perfis semelhantes; bem como b)  algoritmos de triagem automatizada, que, com base em correlações, buscam prever quais candidatos terão melhor desempenho no trabalho, algo útil para grandes empresas que recebem milhares de currículos, pois tal análise por pessoas humanas seria consideravelmente mais custosa, demandando muitas horas de trabalho. 

No que tange à publicidade direcionada das vagas de emprego, Kim ressalta haver risco considerável de o empregador defrontar-se com questões protegidas pelo Direito da Antidiscriminação ao definir os critérios e características que definirão quem será incluído ou excluído de ter acesso a uma determinada postagem de vaga de emprego. Ora, se for esse o interesse do anunciante, as ferramentas possibilitam segmentar a vaga conforme o gênero, etnia, faixa etária ou estado gravídico, ainda que de forma indireta, através das características extraídas dos perfis, como localização, preferências, curtidas, comunidades e etc. Assim, empregadores podem usar essas ferramentas para deliberadamente excluir ou atingir determinados grupos[14] [15].

Quanto aos algoritmos de triagem e pontuação de currículos, Kim ressalta que estes podem acabar por promover uma classificação discriminatória de candidatos, com base em características que são protegidas, ainda que de forma indireta, a partir de outros dados demográficos[16]. Por exemplo, a discriminação étnica pode se dar, inclusive, pelo código de endereçamento postal (CEP), quando se sabe que determinados bairros são mais habitados por este ou aquele grupo[17].

O que há em comum nas tecnologias de direcionamento de vagas e de algoritmos de triagem é que ambas oferecem mecanismos de análise de dados visando encontrar correlações estatísticas entre variáveis, de modo que experiências passadas são utilizadas para a construção de padrões que permitam inferir outras características, em um esforço de prever casos futuros.

Não se trata, pois, de relação direta de causalidade (causa e efeito), mas sim de correlação, envolvendo a soma de diversas características que, embora sozinhas nada representariam, em correlação podem fornecer um determinado padrão ou perfil. Isto, porém, pode resultar em erros ou vieses significativos, podendo vir a ocorrer perda de oportunidades de emprego por razões absolutamente arbitrárias[18].

Ora, ao passo que a ciência dos algoritmos visa detectar padrões nos dados para fazer previsões futuras, estas não representam necessariamente a realidade, mas uma versão derivada da mineração de dados, incluindo os possíveis vieses humanos e preconceitos refletidos nos dados, no algoritmo ou no modelo aprendido[19]. Assim, um algoritmo de contratação que seleciona candidatos comparando-os com os atuais funcionários de um empregador (modelo lookalike audiences) tenderá a reproduzir os vieses anteriormente existentes caso as práticas de contratação anteriores excluíssem certos grupos (por exemplo, se a empresa contratou majoritariamente homens, esta prática será percebida e replicada pelo algoritmo).

Nesse sentido, valendo-se de um caso fictício que denomina de “Tech Co”, a autora norte-americana Pauline Kim destaca que, embora passem uma imagem de aparente neutralidade – pois, em tese, as máquinas não estariam sujeitas às imperfeições humanas e toda a parcialidade decorrente das experiencias de vida –, tais ferramentas apresentam considerável risco de desfavorecer grupos protegidos por leis antidiscriminação[20].

Assim, a implementação da inteligência artificial e big data para a contratação de empregados demanda atenção e cuidado, com as mesmas preocupações que ensejaram a edição das normas de Direito da Antidiscriminação, abordadas no capítulo anterior. Tais normas deverão ser constantemente revisitadas pelo jurista ao se deparar com tecnologias da Quarta Revolução Industrial que guardem potencial discriminatório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Debruçando-se sobre a aplicação conjugada de inteligência artificial e big data (tecnologias próprias da Quarta Revolução Industrial) nos processos de recrutamento de novos empregados, prática que na atualidade já vem sendo incorporada na experiência norte-americana de gestão de recursos humanos( e quiçá já em curso em nosso país), o presente artigo apontou a possibilidade de ocorrência de desvios discriminatórios.

As questões levantadas revelam a importância de o jurista do “futuro do trabalho” preocupar-se com o cumprimento dos desígnios constitucionais de erradicação das discriminações. Reconhece-se, porém, não ser esta uma tarefa fácil.

Afinal, caso empresas utilizem as ferramentas de segmentação de anúncios de vagas de emprego de modo discriminatório, selecionando um público-alvo com base em características demográficas que indiquem uma preferência ilegal (v.g. excluindo gêneros, etnias, faixas etárias, mulheres em estado gravídico, etc.), o grupo excluído e as entidades de fiscalização nem sequer terão acesso ao anúncio, pois a estes a publicação não será direcionada.

O problema, portanto, não é de tão fácil apuração como quando a veiculação se dava em anúncios em jornais com expressa menção discriminatória[21] (como vedado no art. 373-A, inc. I, da CLT). Nesses casos do passado, o grupo prejudicado tomava ciência da exclusão pela leitura do jornal e poderia tomar as medidas cabíveis, assim como o Ministério Público do Trabalho, que guarda legitimidade para a defesa dos direitos dessa coletividade. No entanto, devido às diferenças entre as novas publicações direcionadas por algoritmos e os antigos anúncios publicados em jornais impressos de grande circulação, afigura-se incerto como as normas de Antidiscriminação poderão propiciar efetiva tutela dos desígnios constitucionais e fiscalização e correção  dos desvios.

No que pertine aos algoritmos de classificação de candidatos, embora entusiastas da inteligência artificial indiquem que a capacidade de machine learning serviria para corrigir eventuais falhas, no contexto das relações de emprego o aprendizado de máquina é limitado porque esse feedback nem sempre ocorrerá. Afinal, se um algoritmo estiver rotulando candidatos qualificados e não qualificados, o empregador só contratará candidatos identificados, de modo que se algum dos rotulados como “não qualificados” forem de fato “qualificados”, isso dificilmente será constatado pelo empregador, pois a eles não será oferecido o trabalho, de modo que tais erros passarão despercebidos e o modelo não aprenderá a corrigir esses erros, que terão a tendência de se perpetuarem.

Uma solução, ainda que parcial para essas inquietações, possivelmente seja encontrada através do exercício do “direito de explicação”, previsto em nossa Lei Geral de Proteção de Dados (art. 20, § 1º) [22], através do qual aquele que teve seus dados tratados por algoritmos de decisão automatizada pode exigir esclarecimentos a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a tomada da decisão automatizada. Tal exigência de explicação é considerada legítima quando há suspeita de o algoritmo estar se valendo de informações proibidas para tomar suas decisões[23], como no caso hipotético de considerar a etnia do candidato para decidir sobre o seu acesso ao emprego[24].

No caso de ter questionados os fundamentos adotados para a tomada das decisões automatizadas, o empregador e/ou fornecedor da tecnologia devem suportar o ônus probatório de demonstrar que o modelo é válido e que as características consideradas são substantivamente significativas, não bastando alegar de maneira genérica que são relacionadas ao trabalho[25].

Fato é que a experiência norte-americana retratada pela Professora Pauline Kim aponta que já no presente o grande volume de dados produzidos e o crescimento da utilização de inteligência artificial está transformando a forma como os empregadores recrutam, selecionam e gerenciam seus empregados nos Estados Unidos.

Destarte, avoca-se o Direito da Antidiscriminação para um novo âmbito de proteções, demandando sua atualização para manter-se eficaz, de modo a incentivar que os empregadores utilizem os dados de forma responsável e sem promover novas formas de discriminação.

Cada nova Revolução Industrial vem carregada de inquietações decorrentes da série de elementos disruptivos que lhe são indissociáveis. Suas inovações impactam sobremaneira a sociedade e demandam novas soluções para novos desafios. Quanto ao tema desvendado neste artigo, não é diferente.

À guisa de considerações finais, regista-se que embora o enfrentamento desses novos desafios não seja simples, o jurista pode encontrar na Constituição um porto seguro, que independentemente do momento histórico-tecnológico, permanece elencando o combate à discriminação como um objetivo-mor da República (art. 3, inc. IV, da CRFB).

 

REFERÊNCIAS

 

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli De; CUNHA, Cristine Helena; AMARAL, Jéssica Maria Sousa Gurgel. A eficácia diagonal dos direitos fundamentais como uma limitação ao poder empregatício: uma análise da aplicação do princípio da não discriminação na fase pré-contratual das relações de emprego. Revista de Direito do Trabalho, vol. 211/2020, p. 253–268, 2020.

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SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Antidiscriminação e contrato: a integração entre proteção e autonomia. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[1]     SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016, p. 8.

[2]     A respeito da necessidade de ampliação do objeto do direito do trabalho para a proteção do trabalhador digital, ver: DORNELES, Leandro do Amaral D.; JAHN, Vitor Kaiser. Cem anos da OIT e perspectivas futuras: a necessária ampliação do objeto tutelado pelo direito do trabalho para proteção do trabalhador digital. In: ROCHA, Cláudio Jannotti et al (org.). A organização internacional do trabalho: sua história, missão e desafios, volume 1. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 91-116. Disponível em https://editorial.tirant.com/br/libro/a-organizacao-internacional-do-trabalho-sua-historia-missao-e-desafios-claudio-jannotti-da-rocha-9786586093773. Acesso em jul. 2020.

[3]     SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Antidiscriminação e contrato: a integração entre proteção e autonomia. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[4]     Ibidem.

[5]     Súmula nº 443 do TST: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

[6]     O que corresponde, hoje, a R$ 3.050,53, haja vista o valor-teto de R$ 6.101,06 estabelecido na Portaria do Ministério da Economia 914/2020.

[7]     SILVA, Amanda Carolina Souza; SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. A proibição de discriminação nos contratos e suas implicações nas relações de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, vol. 198/2019, p. 53 – 82, 2019.

[8]     ALVARENGA, Rúbia Zanotelli De; CUNHA, Cristine Helena; AMARAL, Jéssica Maria Sousa Gurgel. A eficácia diagonal dos direitos fundamentais como uma limitação ao poder empregatício: uma análise da aplicação do princípio da não discriminação na fase pré-contratual das relações de emprego. Revista de Direito do Trabalho, vol. 211/2020, p. 253 – 268, 2020.

[9]     KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

[10]   BROOKSHEAR, J. Glenn. Ciência da computação: uma visão abrangente. Tradução de Eduardo Kessler Piveta. 11ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2013.

[11]   KAMARINOU, Dimitra; MILLARD, Christopher; SINGH, Jatinder. Machine Learning with Personal Data. Queen Mary School of Law Legal Studies Research Paper, n. 247, 2016. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2865811. Acesso em jul. 2020.

[12]   MARTÍNEZ DEVIA, Andrea. La inteligencia artificial, el big data y la era digital: ¿una amenaza para los datos personales? La Propiedad Inmaterial, n. 27, 2019. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3413806. Acesso em jul. 2020.

[13]   Conforme a autora, o Facebook sabe de tudo o que fazemos dentro dele, mas não só; também sobre nosso comportamento offline. Sabe do que gostamos, quem são nossos amigos, quais links clicamos, para onde viajamos e com o que gastamos nosso dinheiro. KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

[14]   KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

[15]   Diante dessa constatação, afigura-se pertinente retornar à leitura do disposto no art. 373-A, inc. I, da CLT, citado no primeiro capítulo deste artigo.

[16]   KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

[17]   “A verificação da discriminação de grupos considerados vulneráveis demanda análise não meramente da amostragem dos dados utilizados em um sistema decisional, mas, também, dos seus critérios. É comum que determinados outputs que possam ser considerados negativamente discriminatórios, por exemplo, sejam consolidados a partir da análise de dados que não identifiquem diretamente a natureza específica que caracteriza a vulnerabilidade de um grupo, porém funcione como ligação para esta característica. Exemplo disso é o caso do código de endereçamento postal (CEP). Apesar de o CEP não conter informação que em si mesma implique juízo de valor, quando combinado com a apreciação de dados sociodemográficos sobre o conjunto de habitantes em determinadas localidades, identificáveis pelo CEP, pode ocasionar diversas inferências que tenham como consequência a discriminação de uma comunidade vulnerável”. INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE DO RIO. Transparência e Governança nos algoritmos: um estudo de caso sobre o setor de birôs de crédito. Rio de Janeiro: ITS, 2017, p. 12. Disponível em https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/05/algorithm-transparency-and-governance-pt-br.pdf. Acesso em jul. 2020.

[18]   Algoritmos de big data muitas vezes se baseiam em correlações inexplicáveis com observações sobre o comportamento de um indivíduo, em vez de medir habilidades diretamente relacionadas ao desempenho do trabalho.

[19]   KAMARINOU, Dimitra; MILLARD, Christopher; SINGH, Jatinder. Machine Learning with Personal Data. Queen Mary School of Law Legal Studies Research Paper, n. 247, 2016.

[20]   “To explore these issues, I will begin with a story about a fictional tech company, Tech Co. It is experiencing rapid growth and needs to hire many computer programmers quickly. It wants to hire the best talent as efficiently as possible. To accomplish this, it decides to pursue an aggressive social media campaign to target potential applicants. Using tools provided by social media platforms like Facebook, it pushes job advertisements to a narrowly tailored audience—those predicted to be the best candidates. These targeted users see the advertisement on their Facebook news feed. The ad contains a link that takes interested viewers to the website of a third-party vendor hired by the employer to collect and screen applicants. On the website, applicants provide basic personal information, upload a résumé, and take an online test or personality inventory. The vendor aggregates this information with other data available from third-party data brokers and enters it into its proprietary algorithm. The algorithm sorts and ranks applicants and the results are used to recommend the best candidates to Tech Co. Very few of the programmers at Tech Co. are women, and they tend to leave at higher rates than their male counterparts. While the company is concerned by these numbers, it believes that data-driven strategies will be more efficient and more accurate. Moreover, because gender is not a factor in the advertising or hiring algorithms, it assumes that the process is fair. After pursuing this data-driven strategy for some months, the company notices a pattern. First, the percentage of female applicants is much lower than the percentage of female Facebook users. Second, the females who do apply are rarely recommended for hire. Over time, more women leave the firm and their total numbers fall steadily. The company says that it would like to hire more women, but it believes the algorithm is neutral, so it must be that women lack the objective criteria that predict success on the job. This story is intended to illustrate the risk that big data and algorithms may disadvantage groups that are protected by antidiscrimination laws—such as racial and ethnic minorities, women, older workers, and individuals with disabilities. As I will explain, algorithms sometimes operate in ways that are systematically biased against certain groups. When that happens, the effects will look very similar to traditional forms of discrimination”. KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018, p. 1-2. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

[21]   A experiência norte-americana no Séc. XX era de muitos anúncios de empregos segregados por gêneros e, inclusive, com menções expressas a preferências étnicas: “One of the aims of Title VII the Civil Rights Act of 1964 was to end job segregation. In the first half of the 20th century, help wanted ads were typically sexsegregated and often expressed racial or ethnic preferences. In response, Title VII, in addition to prohibiting discrimination, also made it unlawful for employers to publish advertisements that ‘indicate a preference, limitation, specification or discrimination’ based on a forbidden characteristic”. KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018, p. 10. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

[22]   Art. 20, § 1º, LGPD – O controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada, observados os segredos comercial e industrial.

[23]   DOSHI-VELEZ, Finale; KORTZ, Mason; BUDISH, Ryan; BAVITZ, Christopher; GERSHMAN, Samuel J.; O’BRIEN, David; SHIEBER, Stuart; WALDO, Jim; WEINBERGER, David; WOOD, Alexandra. Accountability of AI Under the Law: The Role of Explanation. Harvard Public Law Working Paper, n. 18/2007.

[24]   A respeito do exercício do direito de explicação em face de decisões automatizadas, indica-se a leitura de outra obra de nossa autoria, na qual o tema é devidamente aprofundado: AZEVEDO, André Jobim; JAHN. Vitor Kaiser. A tutela dos direitos de explicação e revisão das decisões automatizadas no brasil. In: Álvaro Sanchez Bravo. (Org.). Derecho, Inteligencia Artificial y nuevos entornos digitales. 1 ed. Sevilha: Punto Rojo Libros, 2020, v. 1, p. 195-219.

[25]   KIM, Pauline. Big Data and Artificial Intelligence: new challenges for workplace equality. University of Louisville Law Review, 2018, p. 13. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3296521. Acesso em jul. 2020.

A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, A INDÚSTRIA 4.0 E A “GIG ECONOMY”

André Jobim de Azevedo
Vitor Kaiser Jahn

INTRODUÇÃO

Presenciamos, na atualidade, o desenvolvimento e a implementação de novas tecnologias, classificadas como disruptivas, dado o seu considerável potencial de modificação abrupta da sociedade. Sem a pretensão de apresentar um rol exaustivo, reconhece-se que a tecnologia tem afetado a forma como as pessoas se comunicam e relacionam, o processo produtivo como um todo, os transportes, as fontes de energia, o modo de consumo de bens e serviços, as relações jurídicas em geral e, especialmente, as relações de trabalho.

Os constantes avanços tecnológicos impactam sobremaneira a forma como se dá a prestação do trabalho ao redor do mundo, demandando que o direito do trabalho esteja em processo de reinvenção, atento às novas realidades e necessidades. A Quarta Revolução Industrial clama por uma nova resposta jurídica para a inclusão protetiva do “novo trabalhador”, agora dotado de maior flexibilidade e autonomia, que parece se afastar paulatinamente do conceito clássico de empregado, voltando-se ao conceito de gênero trabalho.

Como já vislumbrava Plá Rodriguez[1], o direito do trabalho está em constante formação, caracterizando-se como incompleto, inacabado, sendo as normas laborais dotadas de transitoriedade e fácil envelhecimento, ao passo que o fato social trabalho é dinâmico e está em constante evolução. Em vista disso, o Professor Uruguaio Juan Raso Delgue observa que não devemos nos escandalizar diante da necessidade de modificar o direito laboral, pois o nosso modelo atual foi construído “à imagem e semelhança” da Segunda Revolução Industrial, razão pela qual as novas realidades tecnológicas demandam a construção de novas proteções:

Não precisamos nos escandalizar ante a necessidade de adaptar o direito trabalhista, que foi construído à imagem e semelhança da segunda revolução industrial, para poder enfrentar com novas ferramentas jurídicas os complexos fenômenos atuais do trabalho. Nossas legislações são em muitos casos comparáveis a uma caixa tradicional de ferramentas (com martelo, serrote, chave de fenda e alicate), com a qual se pretende reparar computadores de última geração.

[…]

As novas realidades tecnológicas e seu impacto no trabalho têm conteúdo neutro: não são “de direita” ou “de esquerda”; elas simplesmente “são”. O grande desafio dos ajustes refere-se – no que nos compete – em parte ao direito do trabalho; e em igual parte ao sistema de novas proteções que uma sociedade pós-industrial necessita, não para avançar em um processo de desequilíbrios, que provavelmente terminaria destruindo-a[2].

No entanto, de acordo com Moreno Díaz[3], a realidade está à frente da lei, de modo que a reinvenção da legislação trabalhista necessariamente levará certo tempo até que alcance uma regulação correspondente às demandas tecnológicas atuais, razão pela qual a negociação coletiva, enquanto instrumento de autocomposição do conflito entre capital e trabalho, se afigura como uma ferramenta interessante para que os novos processos de produção possam seguir até que a legislação seja atualizada. 

Este tema ganha especial relevância dado o progresso da Quarta Revolução Industrial, que já se apresenta como uma realidade entre nós, bem como pelos atuais rumores de que estaria se organizando uma reforma sindical para aproximar a legislação brasileira da liberdade sindical em uma conotação mais ampla.

 

  1. A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O FUTURO DO TRABALHO

 

Conforme Klaus Schwab, a palavra “revolução” denota mudança abrupta e radical, ocorrendo em nossa história quando novas tecnologias e novas formas de perceber o mundo desencadeiam uma alteração profunda nas estruturas sociais e nos sistemas econômicos[4]. As relações de trabalho estão entre as estruturas sociais que sofrem os maiores graus de impacto das revoluções industriais, e, dada a inegável centralidade que o trabalho possui na vida dos indivíduos, irradia seus efeitos para diversos outros aspectos sociais.

Enquanto que a Primeira Revolução Industrial foi marcada pelo aumento da produção a partir da máquina a vapor; a Segunda Revolução Industrial pelas novas fontes de energia, fundamentalmente o petróleo e a eletricidade, com a invenção do motor de combustão interna e a organização da linha de produção; e a Terceira Revolução Industrial pela automação, com a implementação de computadores e robôs nas tarefas mecânicas e repetitivas; a Quarta Revolução Industrial, talvez a mais impactante de todas elas, caracteriza-se por um conjunto de tecnologias que permitem a fusão do mundo físico, digital e biológico.

Esse conjunto de tecnologias disruptivas da Indústria 4.0 é composto pela internet das coisas (conexão de pessoas e coisas via sensores e software à plataforma, com alimentação contínua e troca de informações), pela inteligência artificial (simulação artificial da capacidade humana de raciocinar, tomar decisões e resolver problemas), pelo big data (grande conjunto de dados que produzimos e que são extremamente valiosos para o mercado de consumo e a política) e pela impressão 3D (impressora digital que permite a fabricação de objetos com grande facilidade).

Segundo Rifkin[5][6], tão relevantes são os avanços tecnológicos já existentes e que estão prestes a se concretizar que possibilitam o desenvolvimento de uma sociedade com custo marginal próximo de zero, na medida em que a “internet das coisas” conecte tudo e todos[7], eliminando ou reduzindo sensivelmente despesas com comunicações, energia, manufatura, educação superior e, também, com relação ao objeto de estudo deste artigo, o trabalho humano. Isto porque, segundo o autor, a análise avançada de dados, algoritmos, a inteligência artificial e a robótica estão substituindo a mão de obra humana em diversos setores, como manufatura, serviços, conhecimento e entretenimento, levando à perspectiva real de deixar centenas de milhões de pessoas sem trabalho, ou pelo menos sem emprego.

Klaus Schwab vislumbra dois campos opostos quando se trata de tecnologias emergentes no mercado de trabalho: aqueles que acreditam que os trabalhadores irão encontrar novos empregos e que a tecnologia irá desencadear uma nova era de prosperidade, e aqueles que acreditam que o fato conduzirá a um “armagedom social e político”, criando uma escala maciça de desempregados tecnológicos. Schwab, porém, sustenta que o resultado provável está em algum lugar médio entre os dois campos opostos, sendo necessário o questionamento sobre o que deve ser feito para a promoção de resultados mais positivos e para ajudar aqueles que ficarem presos no processo de transição, especialmente no sentido de preparação da força de trabalho com o desenvolvimento de novos modelos de formação acadêmica para trabalhar com (e em colaboração) máquinas cada vez mais capazes, conectadas e inteligentes[8].

Certo é que, do mesmo modo que as primeiras revoluções industriais causaram um grande impacto na forma como se dava a relação de trabalho, eis que os trabalhadores antes dispersos foram reunidos em um mesmo contexto fabril, desenvolveram identidade de classe entre si e demandaram a criação de normas protetivas na luta contra a exploração a que estavam submetidos, constata-se que a Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0), assim como as que lhe precederam, altera por completo o fato social trabalho e demanda uma nova resposta jurídica para a sua regulação. Neste passo, já a previsão constitucional de 1988, em vários dispositivos do artigo 7º, que orienta para possibilidade de “flexibilização sob tutela normativa”, inseridas que foram  as expressões “salvo  o disposto em  convenção ou acordo coletivo” e mediante seus instrumentos.

 

  1. A GIG ECONOMY E OS TRABALHADORES EM PLATAFORMAS DIGITAIS

 

Historicamente, o enfoque do direito do trabalho residiu na proteção do trabalhador industrial, caracterizado por um estreito e constante âmbito de funções, uma atividade a longo prazo para o mesmo empregador, bem como uma estrutura bilateral hierárquica. Embora essa estrutura não esteja totalmente perdida, há um modelo de trabalho digital superveniente: diferentes grupos de tarefas, dependendo do projeto a ser realizado, e uma estrutura autônoma multilateral organizada em redes flexíveis[9].

Assim, vislumbra-se que o novo cenário tecnológico da Quarta Revolução Industrial não apenas substitui o trabalhador em certas atividades, mas também incide sobre as relações laborais persistentes, alterando sua conjuntura.  O trabalhador digital de hoje é um trabalhador autônomo que utiliza a tecnologia para diversificar sua clientela, sair da situação de desocupação ou complementar a renda, estando submetido ao imperativo contratual da economia sob demanda[10].

O novo arranjo dá gênese àquilo que se tem chamado de Gig Economy (economia do “bico”), que abrange um trabalho pontual e temporário, marcado pela informalidade, muito distinto ao conceito de trabalho que havia sido construído ao longo do último século. É o fenômeno no qual estão inseridos os trabalhadores de plataformas digitais.

No que tange aos motoristas de plataformas, os apps possibilitam que este, utilizando um veículo próprio ou locado (mas nunca da própria empresa), defina o dia em que irá trabalhar e também o horário de trabalho, sem qualquer predefinição ou limitação, bastando para tanto ativar o aplicativo, quando então a plataforma se incumbirá de realizar a aproximação entre aquele que quer trabalhar e aquele que necessita do serviço de transporte e deseja contratá-lo. Algumas plataformas, inclusive, possibilitam que o motorista defina o trajeto que irá fazer em virtude de compromissos pessoais (por exemplo, deslocamento de casa para a faculdade) e delimite que somente seja chamado para eventuais corridas que surjam no âmbito desse trajeto pré-definido, possibilitando reduzir seus custos e ainda auferir alguma renda. Ou seja, há uma rarefação dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego, sendo esta uma relação dotada de menor grau de subordinação, ao menos na sua conceituação clássica, ante ao evidente exercício de liberdade na disposição do próprio trabalho.

Frisa-se que, embora nesse ramo tenha alcançado indiscutível notoriedade, o fenômeno dos trabalhadores em plataformas digitais não está mais adstrito ao transporte (aplicativos como Uber, Cabify, Easy Taxi e 99 Pop), mas também está alcançando outras atividades, como o ramo da estética, envolvendo manicures, cabelereiros, barbeiros, maquiadores e massagistas (aplicativos como Singu, TokBeauty e Zauty), onde a plataforma busca o profissional que se encontra mais próximo ao local onde o cliente deseja ser atendido, possibilitando que este tenha acesso aos portfólios dos prestadores, suas avaliações e comentários. Também serviços domésticos e de manutenção como elétrica, hidráulica, limpeza, montagem de móveis, climatização, fretes e pequenos reparos estão inseridos nesta nova modalidade (aplicativos como Triider, GetNinjas, Helpling), assim como serviços de entrega, realizando a intermediação para a contratação de motoboys para o envio de documentos e transportes de coisas (aplicativos como EasyDeliver, Rappi, 99 Motos e MoblyBoy).

Ainda, não se pode deixar de fazer menção ao crowdsourcing, que se desenvolve mediante plataformas como Amazon Turk, quadro em que tomadores do mundo inteiro lançam trabalhos pontuais que necessitam e informam o preço que estão dispostos  a pagar pela atividade, possibilitando que a oferta de trabalho seja lançada a uma infinidade de trabalhadores digitais, superando as barreiras territoriais e criando uma típica relação da Gig Economy

Fato é que, se de um lado a digitalização do trabalho o torna mais flexível e menos subordinado, de outro, também demanda que as empresas repensem sua gestão à distância para direcionar, motivar e avaliar seus trabalhadores, pois não contarão com a presença física do superior hierárquico na fiscalização do trabalhador. Adrián Signes destaca que as novas plataformas digitais estão mudando a forma como se presta serviços de tal maneira que nos próximos anos o trabalho subordinado será desnecessário em muitas empresas, especialmente no setor de serviços, pois não mais precisarão dirigir e supervisionar o trabalho realizado, mas, pelo contrário, confiarão nas avaliações realizadas pelos clientes. O autor afirma que, em virtude da atual centralidade do trabalho subordinado, se o direito do trabalho não se reinventar, poderá acabar sem um sujeito jurídico para proteger[11].

Apesar dessa expansão que surpreende a cada um de nós com o oferecimento de novos serviços intermediados pelas plataformas digitais, a produção legislativa estatal não tem acompanhado tamanha modificação no mundo do trabalho. Ao menos no cenário nacional, permanecemos na lógica do “tudo ou nada”; ou se é um empregado com uma gama de direitos ou um autônomo relegado às disposições liberais civilistas, inexistindo, no presente, qualquer regulamentação atenta aos novos desafios decorrentes da Quarta Revolução Industrial e da “Gig Economy”.

 

  1. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, A INDÚSTRIA 4.0 E A “GIG ECONOMY

 

Como bem vislumbra Juan Manuel Moreno Díaz, os trabalhadores digitais da Indústria 4.0 passaram a prestar serviços em condições muito distintas de outrora, sendo necessário pensar em instrumentos adequados para a sua proteção, que não envolve as mesmas demandas dos empregados típicos do século passado. Como os avanços tecnológicos são constantes e céleres, a negociação coletiva se apresenta como um canal mais adequado do que a espera pela normatização estatal, inclusive porque a negociação coletiva é fundamental para a gestão flexível da empresa, atendendo a uma pluralidade de propósitos econômicos e sociais e de interesses concorrentes[12]. A negociação tem na especificidade um de seus grandes valores, que rege departamentos, empresas, setores e ramos com adequação.

Nessa senda, Moreno Díaz enfatiza a necessidade de as normas coletivas versarem sobre o treinamento dos trabalhadores para lidar com a digitalização dos processos produtivos, sobre proteção dos dados pessoais dos trabalhadores, eis que hoje são tão fundamentais quanto a intimidade, dignidade e a honra, e também assegurarem o direito à desconexão dos trabalhadores digitais quando não estiverem exercendo sua jornada[13].

A negociação coletiva possui essa nítida função de aproximar as normas aplicáveis à relação de trabalho à realidade de fato vivenciada pelas partes, de modo a proporcionar as adequações necessárias em minúcias que a legislação heterônoma estatal dificilmente conseguiria chegar. Conforme Enoque Ribeiro dos Santos:

A negociação coletiva pode ser conceituada como o processo dialético por meio do qual os trabalhadores e as empresas, ou seus representantes, debatem uma agenda de direitos e obrigações, de forma democrática e transparente, envolvendo as matérias pertinentes à relação trabalho-capital, na busca de um acordo que possibilite o alcance de uma convivência pacífica em que impere o equilíbrio, a boa-fé e a solidariedade humana[14].

Nesse cenário, Jouberto Cavalcante aponta a negociação coletiva como integrante do sistema de proteção jurídica do emprego frente às inovações tecnológicas[15].

No que tange aos trabalhadores subordinados, evidencia-se a necessidade de os sindicatos avocarem para si a responsabilidade de atualizarem, mediante negociação coletiva, o regramento laboral de suas categorias respectivas, observando as novas demandas apresentadas pela Indústria 4.0, que modificaram e modificam sensivelmente as relações de trabalho. Conforme Jayr Figueiredo de Oliveira e Antonio Vico Mañas, para minimizar os efeitos negativos das inovações tecnológicas e a redução do custo social pela perda do emprego, os trabalhadores devem participar no processo de implementação das tecnologias mediante negociação coletiva de trabalho[16].

De outro lado, como destaca Signes[17], o fato de muitos dos trabalhadores digitais serem enquadrados como autônomos ao invés de empregados não significa que podem negociar individualmente em igualdade de condições, mas sim que temos uma legislação antiquada que não se amolda bem aos novos modelos de prestação de serviços. O trabalhador digital é igualmente carente de proteção, constituindo mão de obra frágil dentro da longa lista de pessoas que procuram trabalho nas plataformas digitais. No entanto, a sua proteção não passa pela inclusão na legislação atual, mas sim pela elaboração de uma normatização que observe essa nova relação laboral especial, atendendo suas demandas específicas.

Signes sustenta que deveria ser criada uma figura de relação laboral especial para os trabalhadores de plataformas digitais, concedendo-se apenas direitos básicos, mormente para garantir procedimentos de representação dos trabalhadores, a fim de permitir, em suma, a auto regulação via negociação coletiva[18].

Nessa quadra, a Organização Internacional do Trabalho realizou interessante estudo[19] no qual se propôs a desvendar as principais demandas para a promoção de trabalho decente aos trabalhadores digitais, tendo chegado a um total de dezoito pontos, a saber:

 

  1. Outorgar um status adequado aos trabalhadores;
  2. Permitir a este tipo de trabalhadores que exerçam seus direitos à liberdade sindical e à negociação coletiva;
  3. Garantir salário mínimo vigente no país de residência dos trabalhadores;
  4. Garantir a transparência dos pagamentos e das comissões cobradas pelas plataformas;
  5. Garantir que os trabalhadores possam recusar tarefas;
  6. Cobrir os custos do trabalho perdido em virtude de problemas técnicos da plataforma;
  7. Adotar regras estritas e justas em matéria de ausência de pagamento;
  8. Garantir que os termos de serviço sejam redigidos de maneira clara e concisa;
  9. Informar aos trabalhadores a razões das avaliações negativas que recebem;
  10. Adotar e aplicar códigos de conduta claros para todos os usuários da plataforma;
  11. Garantir que os trabalhadores possam recorrer em caso de ausência de pagamento, avaliações negativas, resultados de provas de qualificação, acusações de infrações do código de conduta e suspensão de contas;
  12. Criar sistemas para a avaliação dos clientes que sejam tão completos como os de avaliação dos trabalhadores;
  13. Garantir que as instruções sejam claras e que sejam válidas;
  14. Permitir que os trabalhadores possam consultar e exportar seu histórico e trabalhos de forma legível por humanos e máquinas;
  15. Permitir aos trabalhadores que entabulem relações laborais com clientes de fora da plataforma sem que tenham de pagar taxa desproporcional;
  16. Garantir que os clientes e os operadores de plataformas respondam de maneira rápida, educada e substancial às comunicações dos trabalhadores;
  17. Informar aos trabalhadores a identidade de seus clientes e o objetivo das tarefas;
  18. Indicar claramente e de maneira padrão as tarefas que podem acarretar um estresse psicológico ou que podem causar dano.

 

Verifica-se que já no segundo tópico a OIT reconhece a importância da liberdade sindical e da negociação coletiva para a promoção de trabalho decente no âmbito das relações digitais. Ora, sem sombra de dúvidas a elaboração das normas pelos próprios interessados enquanto agentes coletivos tornará a regulação da atividade muito mais adequada,  célere e próxima das reais necessidades do que esperar pela regulação estatal.

Ao aprofundar a questão, a OIT ressalta que os trabalhadores devem contar com um procedimento legalmente vinculativo para que os operadores da plataforma ouçam seus desejos e necessidades, especialmente através de atuação sindical e negociação coletiva. A Organização destaca que a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, adotada em 1998, compromete cada um dos 187 Estados membros a respeitar, promover e realizar as princípios e direitos correspondentes a quatro categorias, incluindo a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva, o qual não deve basear-se exclusivamente na existência de uma relação de emprego, que muitas vezes não existe, como no caso dos trabalhadores digitais autônomos. Conforme a OIT, independentemente da classificação como empregados ou autônomos, os trabalhadores da plataforma digital devem ter direito à liberdade de associação e negociação coletiva. No entanto, a Organização reconhece que, em algumas jurisdições, a lei atual proíbe trabalhadores autônomos de organizar e negociar acordos coletivos com operadores de plataforma, ressaltando a importância de se modificar essa legislação[20].

É este o caso de nosso ordenamento jurídico pátrio. Não é prevista eficácia normativa a negociações coletivas para trabalhadores contratados como autônomos, eis que o sistema sindical fora construído para proteção daqueles enquadrados como empregados[21], produzindo a negociação coletiva, de regra, efeitos exclusivos sobre a relação de emprego.

Não obstante, ultimamente, inúmeras associações de trabalhadores autônomos de plataformas digitais têm sido criadas no Brasil, destacando-se, ilustrativamente, o Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte Terrestre Intermunicipal do Estado de São Paulo (Stattesp) e o Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, Condutores de Cooperativas e Trabalhadores Terceirizados em Geral do Estado da Bahia (Simactter/BA)[22].

Em nível internacional, onde a liberdade sindical e de associação coletiva atingiram um nível já mais abrangente, o Centre for European Policy Studies (CEPS)[23] se propôs a investigar até que ponto os trabalhadores digitais estão se organizando para o desenvolvimento de diálogo social através de agentes de atuação coletiva.

Apurou-se, no estudo, que apesar das dificuldades decorrentes da dispersão dos trabalhadores e da alta taxa de rotatividade, o fenômeno de união tem apresentado inúmeros exemplos, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, seja de criação de novas associações, seja através da incorporação desses trabalhadores digitais por associações sindicais formais pré-existentes[24].

Os autores destacam que embora muitas associações não exerçam as exatas atribuições dos sindicatos tradicionais (como organização de greves e promoção de negociação coletiva), as medidas de união dos trabalhadores, ainda que mais flexíveis, são vistas como um primeiro passo importante em direção a uniões formais. O relatório destaca o Syndicat des chauffeurs privés VTC, criado em Paris por motoristas da plataforma Uber, que organizou greve com bloqueio das ruas que conduziam ao aeroporto, bem como o Independent Workers Union of Great Britain, que tem atuado na defesa dos direitos dos trabalhadores de plataforma, liderando greves e acordos. Reputa ser provavelmente a organização mais importante a realizada pelo IG Metall, maior sindicato da Alemanha, que conseguiu convencer oito plataformas digitais a assinarem declaração de que respeitariam o salário mínimo e foi fundamental para o desenvolvimento da Declaração de Frankfurt sobre Trabalho Baseado em Plataforma[25].

Por outro lado, a revisão da literatura realizada pelo CEPS não encontrou evidências de organização de novas associações pelas plataformas, tampouco a recepção destas pelas associações de empregadores, de modo que as plataformas não parecem estabelecer qualquer movimento no sentido de se organizarem coletivamente[26].

No entanto, a falta de organização de sindicato patronal das plataformas digitais e a atual ausência de abertura do sistema sindical pátrio para o reconhecimento de negociações coletivas de autônomos não deve impedir a união dos trabalhadores digitais em associações. Embora, conforme a OIT[27], o ideal fosse contar, desde já, com a força vinculante da negociação coletiva formalmente reconhecida pelo Estado, reconhece-se na associação coletiva dos trabalhadores digitais um primeiro passo, de grande importância, para a reivindicação da proteção que lhes é devida, dotada de especificidades que fogem do âmbito tradicional do vínculo empregatício, moldado para relações subordinadas.

Nesse contexto de tantas novidades trazidas pela Quarta Revolução Industrial e suas tecnologias disruptivas, muitas que ainda nem sequer somos capazes de imaginar, a negociação coletiva, seja ela formalmente reconhecida pelo Estado ou não, afigura-se de essencial importância, pois possibilitará a apresentação das pautas necessárias para o desenvolvimento do direito do trabalho e permitirá que as partes diretamente envolvidas resolvam os conflitos inerentes à relação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No século passado, as uniões dos trabalhadores decorreram da identidade de classe desenvolvida pela aglomeração no âmbito fabril em um contexto de exploração. Hoje, porém, o cenário é outro. Os trabalhadores vinculados a plataformas digitais não laboram no mesmo espaço físico, mas sim dispersos.

Sem embargo, a revisão da bibliografia e a experiência atual têm demonstrado um processo social de união de trabalhadores de plataformas digitais em associações que desempenham nítida função sindical de luta pelos direitos da categoria.

Embora o ordenamento jurídico pátrio vigente possa não reconhecer eficácia normativa a ajustes feitos para proteção de trabalhadores não-empregados, há de se ter em vista que o próprio sindicato tradicional, aquele característico das Primeiras Revoluções Industriais, surgiu enquanto fato social antes de ser reconhecido pelo direito. As lutas foram travadas pelas coletividades obreiras antes de o Estado lhes atribuir poderes negociais vinculativos, estando a própria gênese do direito do trabalho intimamente ligada à atuação sindical, pois foi graças às greves e às lutas travadas coletivamente que os trabalhadores alcançaram direitos, retirando o Estado de sua inércia para limitar a exploração do capital sobre o trabalho[28].

Soma-se a isto a compreensão de que, ante a dinamicidade do fato social trabalho e a forma como as novas tecnologias têm acarretado a sua constante metamorfose, a negociação coletiva se apresenta como o meio mais célere e eficaz para adequar as relações laborais às novas realidades encetadas pela Quarta Revolução Industrial, uma vez que o processo legislativo para regulação é moroso e não possui o mesmo potencial de compreensão das necessidades dos agentes próprios da relação de trabalho.

A negociação coletiva tem sido elevada a um status cada vez mais destacado dentre as fontes do direito do trabalho no Brasil, hoje podendo prevalecer sobre os parâmetros estabelecidos pelo Estado, que parece retornar a uma posição secundária, aos poucos abandonando seu papel interventor para outorgar o protagonismo às partes. Assim como proclamou o jurista francês Georges Scelle no século passado, o Direito do Trabalho passaria por três grandes ciclos: “ontem, a lei arbitrária do patrão; hoje, a lei protecionista do Estado; amanhã, a lei voluntariamente escolhida pelas próprias partes”, ao que Mozart Victor Russomano acrescenta que em um sistema perfeito os trabalhadores poderiam tranquilamente dispensar as leis e a proteção do Estado, dele pedindo, apenas, que fosse assegurado o direito de negociar livremente[29].

Pelo exposto, conclui-se que a negociação coletiva se apresenta como ferramenta adequada para compor a priori o conflito entre capital e trabalho decorrente das modificações implementadas pela Quarta Revolução Industrial e da “Gig Economy”, seja quanto aos empregados típicos, seja quanto aos trabalhadores digitais autônomos, devendo o Estado reconhecer e fomentar o diálogo social e a negociação coletiva sem quaisquer distinções pela espécie da relação de trabalho em questão, assim como aponta a OIT ao pronunciar-se sobre o tema[30].

Em um cenário disruptivo cujo tom é dado pela Indústria 4.0, a academia juslaboral deve permitir-se (re)pensar institutos e suas funções dentro do direito do trabalho, almejando-se a promoção de um trabalho digital verdadeiramente decente que atenda aos anseios dessa categoria cada vez mais presente nos dias atuais e que, ao que tudo indica, será a tônica do futuro. Este o papel de nossas instituições , notadamente  a Academia Sul-Rio-Grandense de Direito do Trabalho, que a tanto está debruçada, neste primeiro exemplar de sua revista.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1]     PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 1996, p. 11.

[2]     RASO DELGUE, Juan. América Latina: El impacto de las tecnologías en el empleo y las reformas laborales. In: MENDIZÁBAL BERMÚDEZ, Gabriela (coord.). Revista Internacional y Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, v. 6, n. 1, jan.-mar. 2018, Modena (Itália): ADAPT University Press, p. 35. No original: “No nos tenemos que escandalizar ante la necesidad de adaptar un derecho laboral, que fue construido a imagen y semejanza de la segunda revolución industrial, para poder enfrentar con nuevas herramientas jurídicas los complejos fenómenos actuales del trabajo. Nuestras legislaciones son en muchos casos comparables a una caja tradicional de herramientas (con martillo, serrucho, destornillador y tenaza) con la que se pretende arreglar computadoras de última generación. […] Las nuevas realidades tecnológicas y su impacto en el trabajo tienen contenido neutro: no son “de derecha” ni “de izquierda”; simplemente “son”. El gran desafío de los ajustes refiere -en lo que no compete- en parte al Derecho del trabajo; y en igual parte al sistema de nuevas protecciones que una sociedad postindustrial necesita, para no avanzar en un proceso de desequilibrios, que probablemente terminaría destruyéndola”.

[3]     MORENO DÍAZ, Juan Manuel. La negociación colectiva como medio fundamental de reconocimiento y defensa de las nuevas realidades derivadas de la industria 4.0. In: BERMÚDEZ MENDIZÁBAL, Gabriela (coord.). Revista Internacional y Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, v. 6, n. 1, jan.-mar. 2018, Modena (Itália): ADAPT University Press, p. 219.

[4]     SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016, p. 8.

[5]     RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero. São Paulo: M. Books do Brasil, 2016, p. 147.

[6]     Registra-se que Rifkin diferencia-se por separar as revoluções industriais em três momentos, e não quatro como os demais autores (Schwab, por exemplo). Rifkin mescla a revolução decorrente da computação e da robótica do final do século XX com as tecnologias disruptivas do presente (internet das coisas, inteligência artificial, impressão 3D, e etc). 

[7]     Segundo o Rifkin: “Pessoas, máquinas, recursos naturais, linhas de produção, hábitos de consumo, fluxos de reciclagem e praticamente todo e qualquer aspecto da vida econômica e social estará conectado via sensores e software à plataforma IdC, alimentando continuamente cada nó – empresas, lares, veículos – com Big Data (megadados), minuto a minuto, em tempo real”. RIFKIN, Jeremy. Sociedade com custo marginal zero. São Paulo: M. Books do Brasil, 2016, p. 25.

[8]     SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016, p. 30-31.

[9]     BARZOTTO, Luciane Cardoso; CUNHA, Leonardo Stocker Pereira da. As inovações tecnológicas e o direito laboral: breves considerações. In: MARTINI, Sandra Regina; JAEGER JR., Augusto; REVERBEL, Carlos Eduardo Dieder (orgs). O movimento do saber. Porto Alegre: Gráfica e Editora RJR, 2017, p. 279.

[10]   GUERRERO VIZUETE, Esther. La economía digital y los nuevos trabajadores: un marco contractual necesitado de delimitación. In: BERMÚDEZ MENDIZÁBAL, Gabriela (coord.). Revista Internacional y Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, v. 6, n. 1, jan.-mar. 2018, Modena (Itália): ADAPT University Press, p. 215.

[11]   SIGNES, Adrián Todolí. El contrato de trabajo en el S. XXI: La economía colaborativa, On-demand economy, Crowdsorcing, uber economy y otras formas de descentralización productiva que atomizan el mercado de trabajo. Social, Science Research Network, 2015, p. 27.

[12]   MORENO DÍAZ, Juan Manuel. La negociación colectiva como medio fundamental de reconocimiento y defensa de las nuevas realidades derivadas de la industria 4.0. In: BERMÚDEZ MENDIZÁBAL, Gabriela (coord.). Revista Internacional y Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, v. 6, n. 1, jan.-mar. 2018, Modena (Itália): ADAPT University Press, p. 227.

[13]   Ibidem, p. 230-233.

[14]  SANTOS, Enoque Ribeiro. Negociação coletiva de trabalho. 3ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 111.

[15]  CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Sociedade, tecnologia e a luta pelo emprego. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 108-113.

[16]  OLIVEIRA, Jayr Figueiredo de.; MAÑAS, Antônio Vico. Tecnologia, trabalho e desemprego: um conflito social. São Paulo: Érica, 2004, p. 112.

[17]   SIGNES, Adrián Todolí. El contrato de trabajo en el S. XXI: La economía colaborativa, On-demand economy, Crowdsorcing, uber economy y otras formas de descentralización productiva que atomizan el mercado de trabajo. Social, Science Research Network, 2015, p. 27-28.

[18]   SIGNES, Adrian Todolí. El Impacto de la ‘uber economy’ en las relaciones laborales: los efectos de las plataformas virtuales en el contrato de trabajo. IUS Labor, 2015, p. 21.

[19]   INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Las plataformas digitales y el futuro del trabajo. Cómo fomentar el trabajo decente en el mundo digital. Geneva: International Labour Office, 2019.

[20]   INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Las plataformas digitales y el futuro del trabajo. Cómo fomentar el trabajo decente en el mundo digital. Geneva: International Labour Office, 2019. p. 115-116.

[21]   PUGLISI, Maria Lucia Ciampa Benhame. A estrutura sindical brasileira, a quarta revolução industrial e a representatividade dos novos trabalhadores e empresas. Revista de direito do trabalho. vol. 202/2019. P. 67-91. Jun. 2019.

[22]   Ibidem.

[23]   KILHOFFER, Zachary; LENAERTS, Karolien; BEBLAVÝ, Miroslav. The plataform economy and industrial relations: applying the old framework to the new reality. CEPS Research Report, Bruxelas, n. 2017/12, August 2017.

[24]   Ibidem, p. 28.

[25]   KILHOFFER, Zachary; LENAERTS, Karolien; BEBLAVÝ, Miroslav. The plataform economy and industrial relations: applying the old framework to the new reality. CEPS Research Report, Bruxelas, n. 2017/12, August 2017, p. 28-31.

[26]   Ibidem, p. 31-33.

[27]   INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Las plataformas digitales y el futuro del trabajo. Cómo fomentar el trabajo decente en el mundo digital. Geneva: International Labour Office, 2019. p. 115-116.

[28]   MARTINEZ, Luciano. O princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. In: STÜRMER, Gilberto; DORNELES, Leandro do Amaral D. (org.). A reforma trabalhista na visão acadêmica. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018b, p. 201-202.

[29]  RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2. ed. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 181-182.

[30]   INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Las plataformas digitales y el futuro del trabajo. Cómo fomentar el trabajo decente en el mundo digital. Geneva: International Labour Office, 2019. p. 115-116.

Impactos do coronavírus no direito do trabalho brasileiro

André Jobim de Azevedo
Luiz Eduardo Gunther
Marco Antônio César Villatore

Sumário

 

Capítulo I – Direito Fundamental à informação em tempos de coronavírus. 1 Introdução; 2 O fenômeno da epidemia (e da pandemia!) à luz das obras de ficção na literatura; 3 O significado do vocábulo “informação”; 4 A liberdade de informação e o direito fundamental à informação; 5 O direito à informação e o dever de informar nas negociações coletivas de trabalho; 6 A proteção de dados e o direito à informação em tempos de coronavírus

Capítulo II – Validade constitucional de acordo individual e reduções de carga horária e de salários; 1 Introdução; 2 base normativa a) LEI COMPLEMENTAR Nº.  101, DE 04 DE MAIO DE 2000 – ESTADO DE CALAMIDADE – DECRETO LEGISLATIVO Nº. 6, DE 20 DE MARÇO DE 2020; b) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 927 – MEDIDAS TRABALHISTAS DE ENFRENTAMENTO DO ESTADO DE CALAMIDADE DE 22/MAR/2020; c) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 936 – INSTITUI O PROGRAMA EMERGENCIAL DE RENDA E MEDIDAS TRABALHISTAS COMPLEMENTARES AO ENFRENTAMENTO; d) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 944 – INSTITUI O PROGRAMA EMERGENCIAL DE SUPORTE A EMPREGOS; e) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 945 – MEDIDAS TEMPORÁRIAS NO ÂMBITO DO SETOR PORTUÁRIO E CESSÃO DE PÁTIOS MILITARES DE 04/ABRIL/2020; f) LEI Nº. 4.923, DE 23/DEZ/1965; g) ARTIGOS 501 A 504 DA CLT; 3 Situação emergencial de saúde pública e proteção constitucional; 4 Decisão do supremo tribunal federal (STF) em medida cautelar; 5 Considerações finais

Capítulo III – Trabalhador doméstico em tempos de coronavírus. 1 introdução; 2 Diferenças ainda existentes; 2.1. Penhora; 2.2. Fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS); 2.3. Seguro-desemprego; 2.4. Ilegitimidade de representação sindical de empregador doméstico; 3 Tentativas legislativas no brasil sobre empregados domésticos em tempo do novo coronavírus – proteção do trabalhador; 4 Considerações finais; 5 Projetos de lei em tramitação na câmara dos deputados.

CAPÍTULO I

DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

 

Onde está a vida que perdemos vivendo?

Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

Onde está o conhecimento que perdemos na informação?

T.S. Eliot

1 Introdução

Estamos no meio de um furacão. O ano de 2020 se iniciou com grandes preocupações relativamente ao vírus que vinha da China. Em pouco tempo espalhou-se pela Europa, Estados Unidos, tantos outros países e, finalmente, pelo Brasil.

Há uma contagem diária de infectados, de mortos e de quem sobreviveu à COVID-19.

Quanto tempo teremos de conviver com os distanciamentos das pessoas e paralisação dos serviços, da atividade econômica, ninguém sabe.

Chegamos no mês de abril e todas as consequências da pandemia reconhecida são enigmas a serem decifrados.

Dentro de um quadro de incertezas como o que vivemos, falar de informação, do direito à informação, do dever à informação, e de assuntos correlatos, é essencial para a sobrevivência civilizada da nossa sociedade.

O que significa a palavra informação? E direito à informação, como direito fundamental, o que de fato representa para nós brasileiros?

Antes das questões semânticas, pode-se buscar nas obras de ficção respostas para a preocupação e o medo que nos assaltam diariamente. Muitas obras e autores descreveram distopias, tempos sombrios, e continuam atuais.

Na área do Direito do Trabalho um aspecto pouco lembrado é a exigência do direito à informação e, também, do dever de informação nas negociações coletivas. Qual o papel das entidades sindicais, empresas e trabalhadores nesse tema da informação quando se examinam questões laborais no tempo coletivo? Esse assunto também nos interessa muito.

 

2 O fenômeno da epidemia (e da pandemia!) à luz das obras de ficção na literatura

Os grandes autores da literatura foram inspiradores de estudos em muitas áreas: da medicina à engenharia, do direito à cibernética, dentre outros tantos.

O tempo que vivemos agora, onde as notícias cada vez são mais desencontradas, não há consensos, proliferam as fake news e tudo nos é transmitido com velocidade, muitas vezes sem oportunidades para checar as fontes.

Nossa capacidade humana é incapaz de absorver tantas informações pela internet, lives, instagram e quejandos.

Temos direito à informação? Temos! Mas como separar o joio do trigo?

Talvez, a dificuldade de acolher as informações e reconhecê-las tenha nos levado ao mundo da ficção onde mundos sombrios são desenhados.

Pode-se destacar como maior exemplo dessa circunstância, nesse momento crítico, a lista dos livros mais vendidos no Brasil nos últimos dias. É um fenômeno a ser verificado!

Entre os dez livros mais vendidos de ficção em nosso país, durante o mês de abril[1], a metade trata de distopias. Vamos citá-los: A Revolução dos Bichos, de George Orwell; Fahrenheit 451, de Ray Bradbury; 1984, de George Orwell; Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; O Amor nos Tempos de Cólera, de Gabriel García Márquez (este último com viés de epidemia). Parece incrível, mas as nossas preferencias literárias voltaram-se aos livros do passado. Há alguma coisa a ser verificada aí, um sintoma…

Peste, epidemia, ou até pandemia, não é, de fato, novidade na literatura. Como destaca Vinicius Torres Freire: “desde a Grécia Antiga, passando por Boccaccio e Camus, narrativas clássicas tematizam epidemias e os dilemas morais com que o mundo se depara em situações de calamidade, como estamos vendo agora”. [2]

São dignos de menção aqui dois livros, de Daniel Defoe e Albert Camus. O primeiro, publicou o “Jornal do Ano da Peste” em 1722, um diário fictício em primeira pessoa da praga na Londres de 1665, “relato jornalístico vivo, chocante e cheio de estatísticas e medidas oficiais, motivado pela peste de Marselha de 1720”.[3]

O romance “A Peste” de Albert Camus, publicado em 1947, “alterna crônica realista e meditações a respeito da vida sob a epidemia, na verdade sob alguma grande opressão”.[4]

Não há, porém, como se agarrar aos livros de ficção quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara “que há uma pandemia do coronavírus Sars-Cov-2 com a disseminação por mais de cem países em todos os continentes”. [5]

Para o Direito (e os juristas em especial…) resta a análise do impacto social dessa pandemia e da regulação jurídica adequada.

Dentre as tantas alternativas possíveis e imagináveis, o respeito ao direito fundamental à informação é, sem dúvida, uma das mais importantes.

3 O significado do vocábulo “informação”

A palavra informação é polissêmica, por isso a necessidade de precisar o seu sentido sempre que a utilizarmos.

Em uma visão filosófica, podem-se detectar duas vertentes de interpretação. A primeira, como ação e efeito de informar, que, na linguagem escolástica, é dar uma forma a uma matéria. A segunda, o emprego, na linguagem comum, para indicar o ato pelo qual se faz conhecer alguma coisa a alguém.[6]

Na engenharia, a teoria da informação trata da transmissão de sinais eletromagnéticos por fios ou através do espaço. O termo “informação” transbordou da engenharia, contaminando primeiro a biologia (a genética), depois a bioquímica (a biologia molecular), a psicologia, a sociologia e assim por diante. Em cada um desses casos, à palavra informação foi tacitamente atribuído um significado diferente. Foram feitas, pela semântica numerosas tentativas de elucidar o significado (o conceito da palavra informação). Todas elas malograram por duas razões: a) quantidade e conteúdo da informação não estão relacionados; b) o significado não está relacionado com o conceito de probabilidade objetiva que ocorre na teoria da informação.[7]

Na informática e internet usa-se a palavra inglesa information para conceituar tudo que significa notícia, conhecimento ou comunicação.[8]

A evolução tecnológica legou-nos a informação pelo telégrafo, pelo rádio, pelo telefone, pelo celular. Agora falamos, ouvimos e vemos as pessoas com as quais nos comunicamos. Podemos fazer isso não apenas com o nosso interlocutor, mas também com mais pessoas, por teleconferências. A informação pode ser compartilhada entre muitas pessoas ao mesmo tempo por som e imagem.

Existem tendências e expressões que definirão nosso comportamento. O Dicionário do Futuro menciona a palavra telearmazenamento, significando que companhias telefônicas disponibilizarão aos seus clientes maciços recursos de armazenamento em discos rígidos, com a tecnologia de reconhecimento de voz para armazenamento de conversas, de forma digital e permanente, que poderão ser recuperadas a qualquer momento.[9]

Por esse prisma, considera-se uma teoria da informação e uma tecnologia da informação. Tornou-se possível, como sabemos, digitalizar a informação através da linguagem comum do código binário, voz, dados e vídeo puderam tornar-se fluxos de informação digitalizada, capaz de ser armazenada, manipulada e transmitida de forma barata e em grande velocidade pelos computadores digitais. Simultaneamente, a indústria eletrônica da computação e a das telecomunicações convergiram para se tornarem uma indústria global de informação.[10]

O recurso ao Dicionário Aurélio nos auxilia a saber que a palavra informação veio do latim informatione, que significa dados acerca de alguém ou de algo. Também representa uma comunicação ou notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa ou do público. Quanto à teoria da informação, segundo o Dicionário, constitui “medida da redução da incerteza, sobre um determinado estado de coisas, por intermédio de uma mensagem”.[11]

Ao analisar a sociedade em rede, Manuel Castells explicita como se caracteriza o ser na sociedade informacional. Segundo ele, os primeiros passos históricos das sociedades informacionais parecem caracterizá-las pela preeminência da identidade como seu princípio organizacional. Esclarece o autor que considera como identidade o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significado “principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais”.[12]

Em seu trabalho mais conhecido, denominado “O Príncipe”, Nicolau Maquiavel comparou a tuberculose (tísica) aos problemas do Estado, com uma argumentação peculiar:

Da tísica dizem os médicos que, a princípio, é fácil de curar e difícil de conhecer, mas com o correr dos tempos, se não foi reconhecida e medicada, torna-se fácil de conhecer e difícil de curar. Assim se dá com as coisas do Estado: conhecendo-se os males com antecedência, o que não é dado senão aos homens prudentes, rapidamente são curados: mas quando, por se terem ignorado, se têm deixado aumentar, a ponto de serem conhecidos de todos, não haverá mais remédio àqueles males”.[13]

Perdoada a agudeza da constatação, Maquiavel, sem dúvida, estava falando da prevenção, tanto da doença como dos problemas do Estado. Como saber dos problemas que estão ocorrendo ao seu início? Muito difícil, dependem de percepção, constatação e poderíamos acrescentar informação. Quando a informação é precisa, antecipada, auxilia no reconhecimento do problema e ajuda a encontrar a solução.

O que aconteceu com a COVID-19? Demoraram as informações, que nem sempre foram apresentadas de forma correta, e instalou-se a pandemia, com uma rapidez incrível.

4 A liberdade de informação e o direito fundamental à informação

Liberdade de informação, ou liberdade de emissão de pensamento não significa a mesma coisa que direito à informação.

Pontes de Miranda considerava a liberdade de emissão do pensamento essencial à inteligência humana, à vida efetiva e à vida social. No primeiro caso, porque se confessa a dúvida, ou se discute o de que se duvida, comunica-se o que se sabe e se submete aos outros o que se pensa ser certo e talvez não o seja. No segundo, porque se dizem os sentimentos e se ouve quanto aos dos outros. Terceiro, porque sem ele não há o contato de uns com os outros, para a cooperação, a ação prevista e as criações ou realizações de toda ordem.[14]

Ao realizar a exegese do inciso XIV, do artigo 5º., da Constituição da República Federativa do Brasil, Alcino Pinto Falcão destaca que elevar a garantia expressa na Carta Magna foi novidade oportuna, mas esclarece que o inciso tratou de duas situações distintas. No mesmo dispositivo colocou: a) de um lado, uma franquia, que cabe aos cidadãos em geral; b) e de outro, o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional adequado à liberdade de imprensa.[15]

Na mesma obra, o autor citado afirma ser o acesso à informação uma modalidade de qualquer particular, que paga impostos – e todos, diretos ou indiretos a eles, pelo nosso regime estão sujeitos. Trata-se, pois, de uma modalidade de participar e de fiscalizar o andamento da coisa pública. Considera o acesso à informação inegavelmente um apanágio do regime democrático, quiçá seu mais importante atributo.[16]

A Constituição da República portuguesa, de 1976, bem soube distinguir e regular o tema. No art. 37, n. 1, pôs a garantia de que goza qualquer cidadão português; no art. 38, n. 3, outorgou a prerrogativa do sigilo profissional aos jornalistas, como corolário do seu direito ao acesso às fontes de informação inerente à profissão e para que esta possa ser exercida com independência e eficazmente.

Dispõe o artigo 37, que trata da liberdade de expressão e informação, da Constituição de Portugal, no seu item 1:

Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.[17]

O item 3 do art. 38, da Constituição da República portuguesa, versa sobre a liberdade de imprensa e meios de comunicação social:

A liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redação.[18]

Para o escopo deste texto interessa apenas a análise do art. 37, 1, onde são reconhecidos dois direitos (ou conjunto de direitos) distintos, embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação. Quanto ao primeiro, consiste no direito de não ser impedido de exprimir-se. A liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento, que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural, na liberdade de consciência e de culto, na liberdade de aprender e ensinar e, em certa medida, na liberdade de reunião e manifestação.[19]

Especificamente importa a este estudo esclarecer como os portugueses compreendem o chamado direito de informação, que integra três níveis: o direito de informar, o de se informar e o direito de ser informado.

O direito de informar consiste na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito de informar, ou seja, direito a meios para informar.

O direito de se informar consiste na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar.

O direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito de ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação e pelos poderes públicos.[20]

A liberdade de informação, segundo ensina José Afonso da Silva, compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito, ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que, tanto os indivíduos como a comunidade, estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas.[21]

Há que se fazer distinção entre liberdade de informação e direito à informação. A liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Quanto ao acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.[22]

O direito de acesso à informação protege, segundo Wilson Steinmetz, as ações ou condutas de procura, levantamento, consulta, pesquisa, coleta ou recebimento de informações. A pessoa tem um direito a que os Poderes Públicos e, em certos casos, também os particulares não obstaculizem ou impeçam essas ações. Trata-se de um direito de defesa na lição desse autor, apresentando a seguinte exemplificação: um hospital privado que negar ao paciente acesso ao teor de seu prontuário clínico estará violando o direito fundamental de acesso à informação.[23]

Não se pode olvidar, também, da contribuição que esse direito dá para preservar e desenvolver o pluralismo político (art. 1, V), e, por consequência, o regime democrático. Assim, o direito fundamental de acesso à informação contribui para a livre formação das ideias, opiniões, avaliações, convicções e crenças da pessoa sobre assuntos ou questões de interesse público, relativos ao Estado e à sociedade civil, e de interesse individual ou de grupo, e também para o livre, consciente e responsável desenvolvimento da personalidade.[24]

Nessa linha de entendimento, Ingo Wolfgang Sarlet e Carlos Alberto Molinaro asseveram:

O direito à informação (subjacente a liberdade à informação, modal político que o alimenta) é um direito de defesa de modo que seu titular não seja impedido de emitir ou difundir suas ideias, ideais, opiniões, sentimentos ou conhecimentos, quando opera como direito subjetivo, individual ou coletivo.[25]

No que diz respeito à sua dimensão objetiva, todavia, segundo esses mesmos autores, o direito à informação postula prestações, tanto de natureza informacional, quanto no âmbito dos deveres estatais de proteção, mediante a edição de normas de cunho procedimental e organizacional, vinculando todos os órgãos estatais, notadamente os jurisdicionais aos quais está deferido o cuidado para a concretização dos direitos e interesses postos em causa.[26]

Apresentamos, explicamos, neste item, em linhas gerais, os significados das terminologias liberdade de expressão e direito à informação, com seus importantes desdobramentos.

Adentra-se agora ao exame do impacto que o direito à informação (e seu correlato dever à informação!) gera em momento de pandemia nas negociações coletivas de trabalho.

5 O direito à informação e o dever de informar nas negociações coletivas de trabalho

 

Não há qualquer dúvida que, no capitalismo, as negociações coletivas de trabalho devem não só ser reconhecidas, mas também incentivadas. Consideram-se oportunidades importantes em que os entes coletivos que representam os trabalhadores (entidades sindicais obreiras) podem sentar-se à mesa de negociação e discutirem, de igual para igual, com os entes coletivos empresariais (empresas, sindicatos patronais), a melhoria das condições de trabalho dentro da empresa.

É possível reconhecer na doutrina do Direito Coletivo do Trabalho o princípio do direito à informação como um dos mais relevantes.

João de Lima Teixeira Filho registra princípios marcantes das negociações coletivas, ressaltando que esse rol não exclui a existência de outros. Os princípios que reconhece como devidos à negociação coletiva são os seguintes: inescusabilidade negocial; boa-fé; direito de informação; razoabilidade e paz social. Ao tratar do direito de informação, como princípio da negociação coletiva, assevera que “a informação faz parte da natureza mesma do processo de entendimento”.[27] Como esclarece o autor no seu texto, para que a pauta de reivindicações possa ser adequadamente formulada, “os pleitos devem ser substanciados a fim de permitir a compreensão de suas razões, contrapostas, ou esclarecimentos, e dar início à negociação”.[28]

Ao lado de um direito à informação, é possível, também, falar em um dever de informação. Segundo esse princípio (dever de informação) as partes se prestarão reciprocamente as informações necessárias à justificação de suas propostas e respostas. Não há dúvida que o princípio interessa mais à representação dos empregados, pois esta habitualmente sente forte carência de dados a respeito da situação econômica, financeira e comercial da empresa. Naturalmente surgem resistências patronais, “mas as informações pertinentes, direta ou indiretamente, à negociação, não podem ser negadas sem que se caracterize má-fé do negociador”.[29]

Esse dever de informação pela empresa e direito à informação pelos empregados, quando da negociação coletiva, deve ser melhor explicitado. Parece sensato que sejam conhecidas as reais condições econômicas-financeiras da empresa ou dados do segmento econômico e sua capacidade de conceder determinados pleitos que os representados julgam cabíveis. Entretanto, essas informações devem ser prestadas não apenas nos momentos de dificuldade financeira (para gerar medidas de superação da crise via negociação coletiva), mas, também, sempre, nas épocas de prosperidade. Dois cuidados devem ser tomados a esse respeito, porém: a) não é crível o empregador adotar atitude de recusa às reivindicações escudando-se em informações pretensamente secretas; b) mas, também, não é possível que informações estratégicas possam colocar a empresa em risco a pretexto de terem que ver com o processo negocial.[30]

A Organização Internacional do Trabalho, sobre essa temática, editou a Recomendação n. 163, “Sobre a Promoção da Negociação Coletiva” (art. 7.2.a), na qual estabelece que os empregadores, a pedido da organização de trabalhadores, devem pôr à sua disposição informações sobre a situação econômica e social da unidade negociadora e da empresa em geral, se necessárias, para negociações significativas. Portanto, essas informações devem ser necessárias. Por outro lado, pode-se exigir a confidencialidade da informação, isto é: “no caso de vir a ser prejudicial à empresa a revelação de parte dessas informações, sua comunicação pode ser condicionada ao compromisso de que será tratada como confidencial na medida do necessário”.[31]

Como assinala, com precisão, João de Lima Teixeira Filho, a informação deve guardar pertinência à negociação e às matérias que nesse campo serão debatidas, e “o direito de informação não pode servir de escape para, de alguma maneira, frustrar o entendimento direto.[32]

O Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho da OIT, em 1977 (com a emenda de 2000), adotou a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social. No título que trata da negociação coletiva, item 7, sugere às empresas multinacionais (deveriam!):

proporcionar aos representantes dos trabalhadores as informações necessárias à celebração de negociações eficazes com a entidade em questão e, de conformidade com a legislação e as práticas locais, deveriam também proporcionar informações para que os trabalhadores possam dispor de dados adequados e fidedignos sobre as atividades da unidade em que trabalham ou, quando apropriado, do conjunto da empresa.[33]

Digna de menção, ainda, é a Recomendação n. 129, da OIT, sobre as comunicações entre a direção e os trabalhadores dentro da empresa, de 1967. Merece especial atenção o artigo 15.1, ao estabelecer que as informações sejam fornecidas pela direção deveriam dirigir-se, segundo sua natureza, aos representantes dos trabalhadores e aos membros do pessoal, e compreender, na medida do possível, todas as questões de interesse para os trabalhadores que se refiram à marcha e perspectivas futuras da empresa e à situação presente e futura dos trabalhadores, na medida em que a revelação das informações não cause prejuízo às partes.[34]

Em dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, em março de 2011, Ícaro de Souza Duarte estudou o tema do “reconhecimento do direito de informação na negociação coletiva como decorrência da aplicação do princípio do da boa-fé objetiva.[35] Nesse importante estudo, o autor procurou evidenciar o reconhecimento do direito de informação na negociação coletiva como decorrência da aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Tanto trabalhadores quanto empregadores necessitam, no âmbito da negociação coletiva, informações sobre os fatos e acontecimentos que se relacionam aos interlocutores sociais, para que a negociação seja frutífera. A elaboração de estratégias e o manejo de argumentos racionais e lógicos dependem do domínio e conhecimento adequado dos temas e matérias objeto da negociação, para as quais é vital a informação.[36]

Considera-se, assim, que o princípio da boa-fé objetiva representa fonte originária do dever de informar, atuando nas fases pré-contratual, de execução contratual e pós-contratual, garantindo, dessa forma, o exercício de liberdade negocial entre o sindicato profissional e determinada empresa ou grupo de empresas, ou mesmo o sindicato econômico da categoria. Torna-se desse modo inquestionável afirmar-se que o dever de informação possibilita uma negociação mais justa, consciente, “que protege a saúde, a integridade, a segurança da categoria de trabalhadores envolvida, e direciona para as consequências econômicas que a relação laboral pode acarretar, isto é, melhores condições de trabalho, com a certeza de que se fez a melhor negociação.[37]

Em tempos de pandemia do novo coronavírus fica evidente o quanto é importante aplicar-se o princípio do direito à informação, com seu correspondente dever de informação. No âmbito das negociações coletivas, como se pode assinalar, o direito à informação é essencial para a continuidade empresarial e preservação dos empregos, atentando-se para a função social da propriedade, do contrato e da empresa.

Vamos agora analisar o impacto jurídico que a pandemia do coronavírus gera na proteção dos dados e no direito à informação.

6 A proteção de dados e o direito à informação em tempos de coronavírus

Ao estudarmos o direito à informação, em nossos dias, surge como um tema essencial a proteção de dados. Essa expressão surge simultaneamente com a evolução da tecnologia, que passa a captar, guardar e difundir informações através da internet, computadores e celulares, por exemplo.

No Brasil, em 2018, editou-se a Lei n. 13.709, denominada “Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD”, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou pessoa jurídica de direito público ou privado, com os objetivos expressos de proteger: a) os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade; b) e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.[38]

Na obra “21 lições para o Século 21”, Yuval Noah Harari afirma, no capítulo que trata do tema da igualdade, que os danos dos dados são os donos do futuro e indaga: quem é o dono dos dados? Assevera que, se quisermos evitar a concentração de toda riqueza e de todo o poder nas mãos de uma pequena elite, a chave é regulamentar a propriedade dos dados. Em sua opinião, no século XXI os dados vão suplantar tanto a terra quanto a maquinaria como o ativo mais importante, e a política será o esforço por controlar o fluxo de dados. Se os dados se concentrarem em poucas mãos, o gênero humano se dividirá em espécies diferentes.[39]

Pode-se inferir desse pensamento que a desigualdade entre as pessoas poderá se acentuar ainda mais, se providências não forem tomadas quanto ao controle de dados.

Como se pode entender aquilo que se denomina “proteção de dados”? Segundo Stefano Rodotá, proteção de dados é uma expressão de liberdade e dignidade pessoais, e como tal, não se deve tolerar que um dado seja usado de modo a transformar um indivíduo em objeto sob vigilância constante.[40]

Como podem classificar-se as técnicas de controle das mensagens? Segundo Pierre Lévy, em seu livro “A inteligência Coletiva”, essas técnicas podem classificar-se em três grupos principais: somáticas, midiáticas e digitais. As técnicas somáticas implicam a presença efetiva, o engajamento, a energia e a sensibilidade do corpo para a produção de signos. As tecnologias midiáticas fixam e reproduzem as mensagens a fim de assegurar-lhes maior alcance, melhor difusão no tempo e espaço. O sistema digital autoriza a fabricação de mensagens, sua modificação e mesmo a interação com elas, átomo de informação por átomo de informação, bit por bit.[41]

A expressão modernidade líquida, cunhada por Zygmunt Bauman, serviu-lhe para falar também sobre a vigilância líquida. Explicita esse ator que, muitas vezes essa vigilância ocorre pela necessidade que as pessoas têm de se fazerem notar. Numa frase famosa, Hegel definiu a liberdade como uma necessidade aprendida e reconhecida. A paixão por se fazer registrar é um exemplo importante, talvez o mais gritante, dessa regra hegeliana em nossos tempos, nos quais a versão atualizada e ajustada do cogito de Descartes seria “sou visto (observado, notado, registrado), logo existo”. Conforme a interpretação desse autor:

A internet veio para substituir o trabalho e erguer-se e sair da invisibilidade e do esquecimento, e assim reivindicar um lugar num mundo reconhecidamente estranho e inóspito, quebrando garrafas ou gargalos.[42]

 

Nesse tema de proteção dos dados, normalmente ingressa o consentimento dos interessados, sua necessidade e limites, e, também, o controle das próprias informações. Stefano Rodotá assinala que o problema dos excessos na coleta de informações e dos abusos na sua utilização pode ser enfrentado com técnicas que não confiem somente no consentimento dos interessados. Na sociedade da informação, de maneira geral, tendem a prevalecer definições funcionais da privacidade que, de diversas formas, fazem referência à possibilidade de um sujeito conhecer, controlar, endereçar e interromper o fluxo das informações a ele relacionadas. Assim a privacidade pode ser defendida, mais precisamente, como o direito de manter o controle sobre as próprias informações.[43]

Na época em que vivemos, intensamente, os reflexos da pandemia do coronavírus, como pode-se dar a proteção dos dados? Segundo Danilo Doneda, o papel das legislações de proteção de dados na garantia de liberdades individuais e coletivas ganha relevância fundamental, diante do risco de que novos usos de dados derivem para interesses não relacionados ao combate à doença. Para esse estudioso do tema:

Em uma crise aguda como a da atual pandemia do covid-19, os dados pessoais são elementos essenciais para modelar e executar políticas públicas de contenção e controle do vírus, bem como para tornar possível que a pesquisa científica proporcione os melhores resultados no menor período de tempo.[44]

Deve-se fazer, contudo, um importante alerta, na esteira do que disse Gabriela Zanfir-Fortuna, especialista em proteção de dados, ao Jornal Folha de São Paulo, em entrevista recente. Segundo ela, o combate à Covid-19 criará sociedade rastreada como nunca. Por isso considera que existem muitos riscos e preocupações. Como, por exemplo, garantir que informações recolhidas por aplicativos nesse momento serão usadas para o fim específico de mitigar a pandemia? Segundo seus estudos, há precedentes de casos em que os dados foram usados para outros fins: os governos podem monitorar imigrações e fluxo de pessoas, por exemplo, o que fugiria do propósito de mitigar a propagação da doença.[45]

Uma situação que vem ocorrendo no Brasil, nesse momento, é o uso de dados dos celulares para verificar quem está em casa ou não. Pergunta-se então: podem os Estados, e os Municípios, rastrear dados de celulares para monitorar aglomerações? O argumento principal usado a favor dessa utilização é que os dados disponibilizados pela empresa são anônimos e que há respeito pela privacidade individual das pessoas. Posicionamentos jurídicos contrários, porém, entendem que seria uma violação à intimidade do cidadão, pois órgãos públicos e empresas privadas não poderiam invadir setor onde está este ou aquele celular. Não há, presentemente, consenso sobre o tema, o que deverá ocorrer em breve, já que há judicialização desse assunto.[46]

Parece inquestionável que o impacto da pandemia do coronavírus também será grande na área da coleta dos dados e da sua proteção. Dada a urgência de necessidade de decisão judicial a esse respeito, para assegurar segurança jurídica, tivemos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que já vem julgando pelo sistema virtual, inclusive na área trabalhista, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.363, finalizado em 17 de abril de 2020, que será motivo de outro estudo nosso desta mesma obra coletiva.

CAPÍTULO II

VALIDADE CONSTITUCIONAL DE ACORDO INDIVIDUAL E REDUÇÕES DE CARGA HORÁRIA E DE SALÁRIOS

1  Introdução

                        Alguns associam a tempos de guerra, outros ao apocalipse. Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS)[47] declarou, por seu Diretor-Geral, Tedros Adhanom, que elevou o estado de contaminação do novel coronavírus – COVID19 como Pandemia, identificando que mais de 115 países já haviam declarado terem casos de infecção comprovados. Alguns afirmam que tardou a decretação, outros que acautelou o alarme mundial: o fato é que o novo vírus disseminava pelo mundo de maneira assustadora.

                        Asseverou[48] ainda que “a OMS tem tratado da disseminação [do Covid-19] em uma escala de tempo muito curta, e estamos muito preocupados com os níveis alarmantes de contaminação e, também, de falta de ação”, referindo aos governos, em manifestação pública na sede da Organização, em Genebra, nas atualizações sobre a doença.

                        O mundo perplexo passa a lidar com uma ameaça em nível planetário de contornos invisíveis, pois viral, de consequências devastadoras. Se a Gripe espanhola tomou mais de 20 anos para espalhar pelo mundo, hoje os tempos são outros. A velocidade e intensidade da circulação de pessoas, mercadorias, bens e serviços, todos com potencial vetorial de transmissão, acendeu luz de alerta máximo à novidade global.

                        Em algumas soberanas nações talvez tardiamente, de vez que amargaram milhares de mortos por conta do inimigo invisível, imprevisível e incontrolável. Ainda hoje, alguns meses após, a perplexidade permanece. A ciência ainda não foi capaz de debelar a moléstia, ou mesmo de apresentar respostas medicamentosas ou vacinais capazes de contê-la.

                        O mundo paralisa e o isolamento se apresenta com a medida de melhor eficácia capaz de reduzir efeitos da avassaladora contaminação. Os países enfrentam decretações de estados de emergência e de calamidade pública. A imposição de quarentena se replica mundo afora. Fecham-se fronteiras. Repatriam-se cidadãos. Congelamento do comércio internacional.  No Brasil a decretação vem por meio do Decreto Presidencial, que reconhece a dramática situação e sucedem normas por meio de Medidas Provisórias, abaixo abordadas, que buscam proteger as pessoas e suas vidas econômicas.

                        Com o isolamento generalizado, e a determinação de que as pessoas  permanecessem em suas casas, a economia despenca. As atividades que puderam passaram a se realizar por meios telemáticos e à distância. Avoluma-se a prática de trabalho à distância, remoto, virtual, on line, home offices.

                        O mundo do trabalho entra em choque, tal qual a economia, consequentemente. Em um país como o nosso o significado é cruelmente catastrófico, isto porque o trabalho informal, sem qualquer proteção impera.

                        Ao lado da epidemia de saúde, a observação da economia se impõe, como forma mínima de garantir sobrevivência aos cidadãos. Para agravar o cenário as estruturas médica, previdenciária e hospitalar anunciam colapso.

                        O Estado se põe a legislar buscando adequação mínima ao fenômeno e libera empresas e pessoas de obrigações consigo decorrentes de obrigações de naturezas tributária e congêneres. Busca se preparar para o que se aproxima, que sequer tem delineamento claro.          

                        A necessidade de proteção ao trabalho, com o exercício de sobrevivência, de natureza alimentar se impõe e são editadas Medidas Provisórias para reger a turbulência. São respostas reativas à pandemia decorrente do coronavírus. Elas objetivam a manutenção dos empregos e renda na emergência de saúde pública. São regras para atravessar a “tempestade”, que como tal hora destas passará. Não se sabe como, nem com quantas vítimas. São regências urgentes sobre as relações de trabalho e de emprego, sendo estas o foco deste estudo. Basicamente as Medidas Provisórias nº. 927, nº. 936, nº. 944 a nº. 947, instituindo inclusive programa emergencial de suporte a empregos, tudo em ambiente que mal retomava sua economia e melhora de ambiente de negócios, ainda promessa para os próximos meses.

                        Não é possível deixar de referir que este tipo normativo (Medidas Provisórias) tem imediata vigência mas que se sujeita à validação pelo Congresso Nacional em prazo posterior. Tal é absolutamente relevante referir, quando ainda sem essa ratificação estava o Parlamento por votar a Medida Provisória nº. 905, de 11 de novembro de 2019, sendo que foi revogada pela Medida Provisória nº. 955, de 20 de abril de 2020, como se este fato pudesse autorizar nova publicação[49] ainda no mesmo ano legislativo, como proíbe o artigo 62 e parágrafos da Constituição de 1988, como se afirmou na imprensa.

                        Neste particular ainda há de se realçar a insegurança jurídica que se vive e que decorre de instabilidade também normativa no país, pressuposto básico para o seguro desenvolvimento econômico e das relações de trabalho.

                        O desafio não é pequeno. A missão hercúlea, mas antes de avançar não se pode deixar de festejar nossas características humanas. Neste estado de coisas o Brasil positivamente tem apresentado incontáveis manifestações de solidariedade e ajuda real aos menos providos, aos quais tem sido alcançados deste alimento a suporte emocional e em favor das redes hospitalares e da assistência social que, sem estes, não suportarão a demanda que se aproxima. São pessoas físicas, empresas, instituições de todas as ordens e naturezas, públicas e privadas, e até governos que tem se mostrado capazes de em momento de extrema dificuldade com o presente de participar nesta verdadeira corrente social do bem. 

2 BASE NORMATIVA

  1. LEI COMPLEMENTAR Nº. 101, DE 04 DE MAIO DE 2000 – ESTADO DE CALAMIDADE – DECRETO LEGISLATIVO Nº. 6, DE 20 DE MARÇO DE 2020

                        Antes mesmo da declaração de Pandemia pelo coronavírus da OMS (11 de março) o país por meio deste Decreto Legislativo de origem Presidencial foi promulgado no âmbito de nosso país, que reconheceu o estado de calamidade pública, para fins da Lei Complementar nº. 101/2000, termos da solicitação do Presidente da República, encaminhada por meio da mensagem nº. 93 (18/mar/2020) reconhecendo o estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020.   Por esse constitui Comissão Mista no Âmbito do Congresso Nacional composta de 6 Deputados Federais e 6 Senadores da República com o objetivo de acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionas à emergência de saúde pública internacional relacionada ao COVID19, de pronto autorizando a realização dos trabalhos pelo meio virtual.

           

  1. B) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 927 – MEDIDAS TRABALHISTAS DE ENFRENTAMENTO DO ESTADO DE CALAMIDADE DE 22/MAR/2020

 

            As Medidas Provisórias de autoria do Presidente da República se seguiram em várias áreas de atuação do estado e do direito, de naturezas fiscal, financeira e trabalhista, sendo esta última que interessa à esta avaliação, sendo a primeira a acima epigrafada, efetivamente dotadas de relevância e urgência a legitimar o instrumento normativo utilizado.

            Registre-se que a MP n. 928 (que revogou o art.18 da MP 927), teve sua vigência prorrogada, em 12 de maio de 2020, por Ato do Presidente da mesa do Congresso Nacional n. 33, por 60 dias, ainda pendente de aprovação legislativa.

          Tratou de medidas alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública decretado e da emergência de saúde pública relacionada e pelo Ministro da Saúde em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto pela Lei nº. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 que, particularmente, tratou das medidas mais focadas em saúde pública e médicas para o enfrentamento médico-previdenciário e genericamente de saúde pública, como isolamento, quarentena, competências, o que deixamos ao largo da presente avaliação.

            Voltando à Medida Provisória em tela, esta traz medidas que podem ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e renda e para o enfrentamento do estado de calamidade reconhecido e em curso, constituindo em hipótese de força maior nos termos do artigo 501 da CLT. Autorizou a celebração de acordo individual escrito a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, “que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites constitucionais, sendo, sem dúvida alguma, a mais debatida medida no conjunto de novas regras trazidas pelas Medidas Provisórias.

            Foram inúmeras as discussões, até que em data de 17 de abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da Medida Cautelar à ADI nº. 6.363/2020, em seu plenário, decidiu pela constitucionalidade da autorização de contratação individual referida. Essa importante questão será adiante tratada em item próprio, do maior relevo.

A Medida Provisória possibilitou a adoção pelo empregador das seguintes medidas:

I – o teletrabalho;

II – a antecipação de férias individuais;

III – a concessão de férias coletivas;

IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;

V – o banco de horas;

VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação; e

VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. 

            O teletrabalho instituído pela Lei nº. 13.467/2017, acrescentando um inciso terceiro ao artigo 62 da CLT, que os excluía do regime de jornada previsto pelo Capítulo segundo, da duração da jornada, ora veio disciplinado, para regrá-lo durante o período da calamidade.

            Tanto neste específico direito, quanto em outros tantos, desde já pode-se notar que novas regências aplicáveis à excepcional momento do país, pelo menos serão “balões de ensaio” para a regência futura, senão se tornarem de fato e de direito aplicáveis no período pós-pandemia.

           O teletrabalho é um dos significativos exemplos de antecipação de tecnologia, por assim afirmar. Situações que de fato já se praticavam, ainda restritamente, passaram por conta das medidas de isolamento, forçar e ensejar a aplicação dos mesmos de maneira disseminada. O futuro evolutivo das relações de trabalho se antecipa por necessidade. Os instrumentos de comunicação qualificam-se e são tendentemente utilizados por todos. Note-se, exemplificativamente, o fenômeno das “lives”, que se proliferam de maneira impressionante. Outro exemplo a necessidade de se ministrar aulas “on line”, à distância, neste momento imprescindíveis, ou, ainda, as teleconsultas médicas. Não se pode deixar de levantar a dúvida acerca da eficiência acadêmica de aulas “on line” e à distância especialmente em formação de graduação. Parece que a figura do professor presencial tem papel superior e capaz em relação aos telemáticos.

            A Medida Provisória nº. 927 possibilita ao empregador, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância, bem como determinar a reversão dos mesmos, o retorno ao presencial, independentemente da existência de acordos individuais e coletivos, dispensando o registro prévio da alteração no contrato de trabalho. Deste o trabalhador deverá ser notificado com, no mínimo 48 horas de antecedência, por escrito, mas também facultado meio eletrônico, como convém.

            Importante pensar neste momento, já decidido pelo STF, como se analisará adiante, a possibilidade de redução de jornada e de salário por acordo individual, que a situação emergencial relativiza todo o sistema e regras, por exemplo, neste caso, o caput do artigo 468 da CLT.

          Considerou estes trabalhos longe das vistas do empregador como prestação de serviços “preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo”, aplicável o disposto no inciso III do caput do artigo 62 da CLT.

            Remeteu a contrato escrito firmado previamente ou no prazo de trinta dias a contar da mudança, a disposição acerca do estabelecimento dessa modalidade relativamente à infraestrutura necessária e adequada, das despesas havidas, fornecimento e manutenção dos equipamentos tecnológicos.               

            Quando o empregado não possuir estes pressupostos o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar pelos serviços de infraestrutura, sem que tais configurem salário. Na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

            Disciplinou ainda que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

            Essas modalidades de trabalho foram autorizadas igualmente aos estagiários e aprendizes.

            A MP autorizou ainda a antecipação de férias individuais com regência emergencial distinta das regras celetistas, consideradas a situação de emergência e de Calamidade pública, excepcionalmente regendo a paralisação. Priorizou ainda, no particular, os trabalhadores de grupo de risco do Covid-19.

            Particularizou o manejo de férias e de licenças não remuneradas durante o período das funções tidas por essenciais e dos trabalhadores da saúde.

            Regrou igualmente as férias coletivas, com regramento igualmente relativizado por conta da excepcionalidade, como por exemplo, dispensando a comunicação prévia aos Sindicatos e aos órgãos locais do Ministério da Economia, ao qual hoje se atrelam as relações de trabalho em razão da extinção do Ministério próprio recentemente havida na reforma administrativa.

            Criou a possibilidade, no período excepcional, de antecipação de feriados não religiosos por determinação do empregador e notificação em prazos  específicos, os quais poderão ser utilizados para compensação do saldo de banco de horas, sendo que o caso de feriados religiosos depende de concordância formal do empregado.

            Autorizou ainda a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, também disciplinando a mesma.

            Suspendeu ainda exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho como a de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais, com detalhamento pontual dos casos, que aqui não se avaliará.

            Suspendeu a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.  Ensejou, contudo a realização destes na modalidade de ensino a distância.

            As Comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA) poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos. 

            Como explicitado ao início, superveniente  a Medida Provisória n.928, do dia 23 de março de 2020, revogou todo o Capitulo VII que tratava do direcionamento do trabalhador para qualificação, com suspensão do contrato de trabalho.

            Suspendeu também a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente, de maneira ampla e deu outra providência no particular. Assinala-se a suspensão da contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de cento e vinte dias, contado da data de entrada em vigor da MP.

            Ainda permitiu aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso tivesse específica e particular regência.

            Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos.

            Definiu que os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal, por óbvio aqui não podem ser incluídos os casos de contaminação de profissionais da saúde.

            Ensejou ainda que os Acordos e as Convenções Coletivos de Trabalho vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo.

            Reiterou a forma orientadora das fiscalizações do trabalho determinando que durante período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto à algumas irregularidades lá elencadas (falta de anotação de CTPS denunciada, trabalho escravo ou análogo à escravidão, infantil, etc.).

            Expressamente estendeu o nela disciplinado ao trabalho temporário, e hoje terceirizado também (Lei nº. 6.019/1974 e Lei nº. 13.429/2017), ao empregado rural (Lei nº. 5.889/1973) e aos domésticos (Lei Complementar nº. 150/2015).

            Excluiu a aplicação aos trabalhadores em regime de teletrabalho, nos termos do disposto na Medida Provisória, as regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing, dispostas na seção II do Capítulo I do Título III da CLT.

            Finalmente em disposições finais convalidou as medidas trabalhistas adotadas pelos empregadores que não contrariem a Medida Provisória em referência, tomadas no período dos trinta dias anteriores à data de vigência.

  1. C) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 936 – INSTITUI O PROGRAMA EMERGENCIAL DE RENDA E MEDIDAS TRABALHISTAS COMPLEMENTARES AO ENFRENTAMENTO

                                    Nesta Medida Provisória institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº. 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (de que trata a Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.

                             O referido o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, objetivou a preservação o emprego e a renda, a garantia da continuidade das atividades laborais e empresariais e a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

                          Aqui não se abordará com profundidade a questão do pagamento de benefício emergencial diretamente, mas focamos o presente na redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e alguma abordagem à respeito da suspensão temporária do contrato de trabalho.

                          De pronto a exclusão expressa de que não se aplica, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e aos Organismos Internacionais.

                           Criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, que será custeado com recursos da União, será pago nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e suspensão temporária do contrato de trabalho.

                          O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será de prestação mensal e devido a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, observadas detalhadas disposições lá postas.

                          Impôs ao empregador prestação de informações, pena de ficar responsável pelo pagamento da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho do empregado, inclusive dos respectivos encargos sociais, até a que informação seja prestada.

                          O recebimento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não impede a concessão e não altera o valor do seguro-desemprego a que o empregado vier a ter direito, desde que cumpridos os requisitos previstos na Lei nº. 7.998/1990 e Resoluções do CODEFAT, no momento de eventual dispensa.

                           O valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, nos termos da lei com detalhadas disposições específicas.

                          Durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até noventa dias, observados os seguintes requisitos:

I – preservação do valor do salário-hora de trabalho;

II – pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e

III – redução da jornada de trabalho e de salário, exclusivamente, nos seguintes percentuais:

  1. a) vinte e cinco por cento;

  2. b) cinquenta por cento; ou

  3. c) setenta por cento.

                          Estatuiu ainda que a jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de dois dias corridos, contado:

I – da cessação do estado de calamidade pública;

II – da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e redução pactuado; ou

III – da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado.

            Tratou ainda da possibilidade de o empregador acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias.

            Como instrumentalização asseverou que a suspensão temporária do contrato de trabalho será pactuada por acordo individual escrito entre empregador e empregado com detalhamento procedimental de sua ocorrência e de restabelecimento do regime anterior. Suspensão essa que somente se caracterizará se não houver a realização de trabalho, ainda que nas modalidades distanciais em geral.

  • 5º.  A empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado, observado o disposto no capute no art. 9º.

            Criou limites de receitas das empresas para a possibilidade de condições especiais (artigo 8º., § 5º., da MP), dentre de outras disposições, agora aqui não tratadas.

            De interesse referir que o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória.

            Inclui a  ajuda compensatória mensal do programa que deverá ter o valor definido no acordo individual pactuado ou em negociação coletiva, natureza indenizatória, não integrará a base de cálculo do imposto sobre a renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física do empregado, não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários, não integrará a base de cálculo do valor devido ao FGTS e poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

            Expressamente na hipótese de redução proporcional de jornada e de salário, a ajuda compensatória prevista no caput não integrará o salário devido pelo empregador

            De suma importância reflexa o reconhecimento de garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, de que trata o artigo 5º., em decorrência da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho  durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho; e, após o restabelecimento da jornada de trabalho e de salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão.

            A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização em  valores distintos previstos no artigo 10, § 1º., incisos I, II e III, e que não se aplica o ora abordado às hipóteses de peido de dispensa ou dispensa por justa causa.

            Estabeleceu ainda que as medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata a Medida Provisória poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observado o disposto no art. 7º., no art. 8º. e no § 1º. do artigo 11, todos desta MP.

            A Convenção ou o Acordo Coletivos de Trabalho poderão estabelecer percentuais de redução de jornada de trabalho e de salário diversos dos previstos no inciso III do caput do art. 7º.

            As Convenções ou os Acordos Coletivos de Trabalho celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação de seus termos, no prazo de dez dias corridos, contado da data de publicação da Medida Provisória.

            Os Acordos Individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos da Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.

            As medidas de que trata o artigo 3º. da Medida Provisória serão implementadas por meio de Acordo Individual ou de Negociação Coletiva aos empregados, categorizando os trabalhadores a partir de seus salários e de sua qualificação:

I – com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais), ou seja, três salários mínimos vigentes no Brasil; ou

II – portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, atualmente R$ 12.202,12 (doze mil, duzentos e dois reais e doze centavos).

            Ainda regrou que para os empregados não enquadrados no caput do artigo 12, as medidas previstas no artigo 3º.. somente poderão ser estabelecidas por Convenção ou Acordo Coletivos de Trabalho, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, prevista na alínea “a” do inciso III do caput do art. 7º., que poderá ser pactuada por Acordo Individual.

               Limitou que a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais de que tratam a Lei nº. 7.783/1989 (Lei de Greve) e a Lei nº. 13.979/2020 (que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019).

            Deu outras providências de fiscalização e penalização em seu artigo 14 e parágrafo único.

            Alcançou a regência expressamente aos contratos de aprendizagem e de jornada parcial.

            Limitou o tempo máximo de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho, ainda que sucessivos, a noventa dias, respeitado o prazo máximo de que trata o art. 8º., de 60 dias.

            Incluiu a possibilidade de utilização de meios eletrônicos para atendimento dos requisitos formais previstos no Título VI da CLT, inclusive para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de Convenção ou de Acordo Coletivos de Trabalho, inclusive reduzindo ainda à metade os prazos lá previstos.

            Alcançou ao empregado intermitente já formalizado o benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de três meses.

  1. D) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 944 – INSTITUI O PROGRAMA EMERGENCIAL DE SUPORTE A EMPREGOS

             Aqui instituído Programa Emergencial de Suporte a Empregos, destinado à realização de operações de crédito com empresários, sociedades empresárias e sociedades cooperativas, excetuadas as sociedades de crédito, com a finalidade de pagamento de folha salarial de seus empregados, com alguns aspectos de interesse ao presente artigo trabalhista, com destinação de linhas de crédito para folha de pagamento.

            Cria com contra obrigação aos valores a obrigação de garantia provisória de emprego determinando que não pode não rescindir, sem justa causa, o contrato de trabalho de seus empregados no período compreendido entre a data da contratação da linha de crédito e o sexagésimo dia após o recebimento da última parcela da linha de crédito.

            Impõe que os recursos sejam utilizados exclusivamente para o processamento das folhas de pagamento dos contratantes.

            Autoriza que, para fins de contratação das operações de crédito no âmbito do Programa Emergencial de Suporte a Empregos, as instituições financeiras privadas e públicas estaduais participantes ficam dispensadas de observar o artigo 362 da CLT (ao que aqui não interessa) e outras disposições relativas à certificação de ausência de débitos.

  1. E) MEDIDA PROVISÓRIA Nº. 945 – MEDIDAS TEMPORÁRIAS NO ÂMBITO DO SETOR PORTUÁRIO E CESSÃO DE PÁTIOS MILITARES DE 04/ABRIL/2020

            Aqui o ato provisório presidencial (MP) trata das matérias acima constantes e de nosso interesse – relativo – a questão do trabalhador portuário.

            Proíbe que, o Órgão Gestor de Mão de Obra não poderá escalar trabalhador portuário avulso nas seguintes hipóteses em que o mesmo apresentar os seguintes sintomas, acompanhados ou não de febre, ou outros estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, compatíveis com a Covid-19:

  1. a) tosse seca;

  2. b) dor de garganta; ou

  3. c) dificuldade respiratória;

II – quando o trabalhador for diagnosticado com a covid-19 ou submetido a medidas de isolamento domiciliar por coabitação com pessoa diagnosticada com a covid-19;

III – quando a trabalhadora estiver gestante ou lactante;

IV – quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a sessenta anos; ou

V – quando o trabalhador tiver sido diagnosticado com:

  1. a) imunodeficiência;

  2. b) doença respiratória; ou

  3. c) doença preexistente crônica ou grave, como doença cardiovascular, respiratória ou metabólica.

            Crê-se que, por ainda sobreviver o Sindicato na intervenção do trabalho avulso, devam igualmente ser aplicadas as restrições ao mesmo nas hipóteses em que ainda convoca mão de obra, e, portanto, procedimentos a si aplicáveis.

            Impõe ainda aos gestores de mão de obra portuária realização de informações à autoridade portuária semanalmente lista atualizada de trabalhadores portuários avulsos que estejam impedidos de ser escalados, acompanhada de documentação comprobatória a ser realizada por meio de atestado médico ou outra forma estabelecida em ato do Poder Executivo federal.

            Impõe também aos trabalhadores que informe sua condição de saúde, documentando, e podendo fazê-lo por meios eletrônicos, bem como imediata informação de alteração de suas condições

            Garante ainda que enquanto persistir o impedimento de escalação, o trabalhador portuário avulso terá direito ao recebimento de indenização compensatória mensal no valor correspondente a cinquenta por cento sobre a média mensal recebida por ele por intermédio do Órgão Gestor de Mão de Obra entre 1º. de outubro de 2019 e 31 de março de 2020.

            O pagamento da indenização será custeado pelo operador portuário ou por qualquer tomador de serviço que requisitar trabalhador portuário avulso ao Órgão Gestor de Mão de Obra, a indicar que a MP se aplica aos Sindicatos Portuários ou outros.

            Assevera que o benefício a ser pago aos trabalhadores portuários avulsos terá natureza indenizatória, não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários, não integrará a base de cálculo do valor devido ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).   

            Não terá direito à indenização de que trata este artigo, ainda que estejam impedidos de concorrer à escala, os trabalhadores portuários avulsos que estiverem em gozo de qualquer benefício do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social.

            Abre espaço para novas espécies de trabalho ao autorizar que na hipótese de indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos para atendimento às requisições, os operadores portuários que não forem atendidos poderão contratar livremente trabalhadores com vínculo empregatício por tempo determinado para a realização de serviços de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações.

            Assim considerou indisponibilidade de trabalhadores portuários qualquer causa que resulte no não atendimento imediato às requisições apresentadas pelos operadores portuários ao Órgão Gestor de Mão de Obra, tais como greves, movimentos de paralisação e operação-padrão.

            A contratação de trabalhadores portuários com vínculo empregatício com fundamento nesta disposição não poderá exceder o prazo de doze meses.

  1. LEI Nº. 4.923, DE 23/DEZ/1965

            A discussão da temática impõe igualmente avaliação da matéria contida na Lei nº. 4.923/1965, onde constam regras cuja aplicação aos tempos Pandêmicos se discute.

            Inicia por determinar a comunicação de dispensa ou admissão à antiga Delegacia Regional do Trabalho (DRT), órgão hoje não mais existente, porém com substituto administrativo no Ministério da Economia, ou, onde houver, na Secretaria de Desenvolvimento e Emprego.

            Do maior interesse o artigo 2º. e seus parágrafos que abordam a excepcionalidade da conjuntura econômica, assim dispondo expressamente:

Artigo 2º. – A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.

  • 1º. – Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional convocará assembleia geral dos empregados diretamente interessados, sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas as normas estatutárias.

  • 2º. – Não havendo acordo, poderá a empresa submeter o caso à Justiça do Trabalho, por intermédio da Junta de Conciliação e Julgamento ou, em sua falta, do Juiz de Direito, com jurisdição na localidade. Da decisão de primeira instância caberá recurso ordinário, no prazo de 10 (dez) dias, para o Tribunal Regional do Trabalho da correspondente Região, sem efeito suspensivo.

  • 3º. – A redução de que trata o artigo não é considerada alteração unilateral do contrato individual de trabalho para os efeitos do disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho.

             Vê-se que são regência e procedimentos bem distintos do emergente momento COVID 19. Inclusive, como abaixo, tratando de autorização, comissão, custeio, absolutamente ineficaz nas urgência e regência atuais.

            O artigo 3º. e alguns parágrafos dispõem que as empresas que tiverem autorização para redução de tempo de trabalho, nos termos do artigo 2º. e seus parágrafos, não poderão, até 6 (seis) meses depois da cessação desse regime admitir novos empregados, antes de readmitirem os que tenham sido dispensados pelos motivos que haja justificado a citada redução ou comprovarem que não atenderam, no prazo de 8 (oito) dias, ao chamado para a readmissão.

  • 2º. – Será motivo de cancelamento do pagamento do auxílio a recusa, por parte do desempregado, de outro emprego apropriado ou de readmissão, na hipótese prevista no art. 3º. na empresa de que tiver sido dispensado.

  • 3º. – O auxílio a que se refere o § 1º. não é acumulável com o salário nem com quaisquer dos benefícios concedidos pela Previdência Social, não sendo, outrossim, devido quando o trabalhador tiver renda própria de qualquer natureza que lhe assegure a subsistência.

(…)

  • 5º. Nos casos de emergência ou de grave situação social, poderá o Fundo de Assistência ao Desempregado, a que se refere o artigo 6º. e mediante expressa autorização do Ministro do Trabalho e Previdência Social, prestar ajuda financeira a trabalhadores desempregados, na hipótese da impossibilidade do seu reemprego imediato.  

                                    Não nos parece, de fato possível a aplicação da vetusta norma.

  1. G) ARTIGOS 501 A 504 DA CLT

            Também no espectro das discussões da situação de emergência e da calamidade pública que enfrentamos estão as normas celetistas acima.

            O capítulo VIII, “DA FORÇA MAIOR” é inaugurado com a conceituação de força maior como sendo todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu diretamente ou indiretamente. A imprevidência do empregador exclui essa razão de força maior.

            Exclui ainda essa conceituação quando a ocorrência do motivo, não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, as situações econômica e financeira da empresa, não se aplicando o capítulo.

            O artigo 502, nesta hipótese de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um de seus estabelecimentos que trabalhe o empregado, assegura indenização nos seguintes moldes, quando despedido.

             Se estável, nos termos do artigo 477 e 478 da CLT, não a tendo, metade da que seria devida em caso de rescisão sem juta causa, e no contrato por prazo determinado, igualmente reduzida à metade.

            O artigo 503 da CLT, assevera a licitude, em caso de força maior ou de prejuízos comprovadamente havidos a redução geral dos salários dos empregados da empresa proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso o salário mínimo da região. Cessados os efeitos decorrente do motivo de força maior, garante o restabelecimento dos salários reduzidos.

            Por fim, mesmo parece ser a situação atual, penalizando a falsa alegação garantindo reintegração aos estáveis e complementação indenizatória aos não estáveis, bem com o pagamento a ambos da remuneração atrasada…

 

3 SITUAÇÃO EMERGENCIAL DE SAÚDE PÚBLICA E PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

            A situação pandêmica que nos aflige levou à decretação de calamidade pública pelo Estado brasileiro reconhecendo tal condição que se apresenta em todas as partes do globo.

            É a proteção ao país e seus cidadãos, a partir desse reconhecimento pela organização mundial da saúde que fundamente a decisão e normatização.

            Com ela sobrevém restrições de caráter individual e coletivo por conta da prática de isolamento social que se impõe como medida única capaz, no momento de sobrestar e bloquear a disseminação do Covid-19 país a fora, como no mundo já devastadoramente levou à dezenas de milhares de óbitos, sem que a ciência médica ainda tenha apresentado outro enfrentamento.

            Como consequência a necessidade de manejo desta paralização sobre as atividades econômicas, o trabalho e os empregos. Sem produzir, sem vender, sem prestar serviços não há geração de renda, nem para o cumprimento das obrigações salariais.

            Por exceção alguns poucos setores terão, ao invés, crescimento e aumento de demanda, o que no entanto não é a condição da imensa maioria dos negócios, que com urgência precisam reduzir suas atividades e procedimentos e perdem condição de sobrevivência e pagamento de seus empregados, para o que a solução normativa precisa ser aplicada.

            A Constituição da República Federativa do Brasil, Carta Magna de regência normativa do país assegura valores e consagra como fundamentos a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre inciativa, em seu artigo 1º., incisos III e IV, ainda realçando a solidariedade, o desenvolvimento nacional e o bem de todos (artigo 3º., I, II e IV), função social da empresa (artigo 5º., XXIII).

            Em seu artigo 170, assevera que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa a fim de assegurar a todos existência digna, redução das desigualdades e busca do pleno emprego (caput e incisos II, VII e VIII).         

            No artigo 196 consagra a saúde com direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas redução de risco de doença.

            Estas são algumas normas constitucionais que se aplicam ao tema e tempo presente, norteadores da ação estatal, todos de idêntica estatura normativa, o que faz com que sejam sopesados e proporcionalizados no caso concreto de incidência.

            Em particular, de invocação necessária ao artigo 7º., inciso VI, irredutibilidade salarial, salvo o disposto em Convenção ou Acordo Coletivos de Trabalho.

            Todas são normativas inafastáveis para a condução e regência normal do país. No entanto, estamos em estado de Emergência e de decretada calamidade pública, que impõe observação e práticas urgentes e eficientes no sentido da minoração e enfrentamento do problema.

            Providências tardias não são eficientes e desservem ao propósito.

            Ponto central da discussão é a de a possibilidade constante na MP nº. 936 de redução de jornada com consequente redução de salário e saber se ela feriria a norma constitucional referida.

            Outra questão é relativa à forma prevista na medida provisória e que poderia configurar agressão à previsão constitucional, que fala em instrumento coletivo.

            O que aqui deve ser marcado é que toda e qualquer avaliação, interpretação e compreensão jurídica e interpretativa deve ser realizada de maneira absolutamente distinta daquelas que se aplicaria em tempos de normalidade. É a emergência que assim impõe, é a urgência que assim impõe, sob pena de imprestabilidade da aplicação e ineficiência do resultado.

            O que está em jogo é o bem maior de todos: a vida humana, e esta percepção deve nortear os movimentos em tempos de pandemia. É e nome dela que se justificam medidas extraordinárias como as que estão sendo postas em práticas.

            É em nome da vida que se impõe interpretações

excepcionalmente relativizadas e flexibilizadas. É inafastável a conclusão de compatibilidade teórica e ampla das medidas postas e a situação que vivemos.

            Nesse sentido para realçar a importância dessa relativização, indicamos a leitura do texto da Acadêmica Sonia Mascaro Nascimento[1], onde realça o enorme potencial de ocasionar significativa perda de empregos se não vem a avaliadas as novas regras, dia 14 de abril, às 17:14h., em suas redes sociais, e a inexistência de  óbice legal ou constitucional à redução de jornada com correspondente redução salarial.

 

 

4 DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) EM MEDIDA CAUTELAR

 

            O enosado cipoal normativo, a dificultar a apreciação das regras incidentes e suas interpretações, tem como suporte o Supremo Tribunal Federal a definir questões fundamentais, e que orientam dúvidas profundas. Nesse particular é indisfarçável a intensa atuação do órgão jurisdicional maior, complementando a nebulosa atividade legislativa, sem o qual, maior seria a insegurança jurídica campeante no país.

            Neste passo, o partido político Rede Sustentabilidade, em data de 02 de abril de 2020, ajuizou Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) assim buscando afastar a MP nº. 936/2020 que tomou o número ADI nº. 6.363[2], no que atribuía agressão aos dispositivos constitucionais constantes dos artigos 7º., VI, XIII e XXVI, e 8º., III e VI, da Constituição de 1988, tidos por violados por conta das regências provisórias dos  artigos 7º., II; 8º., §§ 1º., 3º., II; 9º., § 1º., I e 11 caput da Medida Provisória, basicamente por haver dispensados Convenção ou Acordo Coletivos prévios.

            Distribuída ao Ministro Ricardo Lewandowski, em julgamento liminar monocrático deferiu a proteção parcialmente, realizando interpretação conforme a CRFB ao parágrafo 4º. do artigo11 da MP. Determinou que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporário do pacto laboral deveriam ser comunicados pelos empregadores aos sindicatos profissionais, no prazo de até dez dias corridos, de sua celebração, para caso queira, deflagre a negociação coletiva.

            Intervieram inúmeras entidades na condição de “amicus Curiae”.

            Interpostos embargos declaratórios, em 13 de abril, pela Advocacia Geral da união, os rejeitou, sem alterar o teor no Juízo singular, mas esclareceu que a validade de acordo individual firmado (pretéritos e futuros), apesar de produzir efeitos imediatos, estaria condicionada inocorrência de negociação coletiva superveniente que viesse a modificá-lo, no todo ou em parte.

            Levado a julgamento virtual em plenário dia16 de abril, o mesmo, por questões técnicas do julgamento por vídeo conferência teve sua conclusão postergada para o dia 17 de abril. Gize-se que se a estrutura tecnológica do STF falha… o que se dirá a dos jurisdicionados (sem falar nas precárias condições de sinal de internet no país inteiro), aos quais, cada vez mais se impôs açodada informatização…

            O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a eficácia da regra da Medida Provisória nº. 936/2020 que autoriza a que a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalhos se dê por meio de acordos individuais em razão da pandemia do novo coronavírus, independentemente da anuência dos sindicatos da categoria. Decisão que pareceu acertada por tudo de excepcional e emergencial que estamos vivendo.

                                    O julgamento realizado por vídeo conferência como acima lembrado concluiu, por maioria de votos, e não referendou a medida cautelar. A divergência aberta pelo Ministro Alexandre de Morais prevaleceu.

                                    Sustentou que em razão da excepcionalidade que estamos atravessando é razoável a realização de acordo individual, que garante renda mínima e mantém o vínculo de emprego. As condições postas na liminar, de fato, geraram enorme insegurança jurídica e enorme possibilidade de perda do emprego. Afastou a ausência de conflito entre empregados e empregadores, nem fere princípios constitucionais, pela necessidade emergencial de manutenção dos empregos. Viu ainda consonância com as proteções constitucionais, acima referidas neste texto, notadamente dignidade do trabalhador e manutenção do emprego. Referiu ao importante atrelamento da redução à garantia de emprego correspondente.

                                    Com ele votaram os Ministros Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli (Presidente).

                                    Votaram vencidos, além do Relator, o Ministro Edson Fachin e a Ministra Rosa Weber.  Fachin votou pelo deferimento integral da cautelar assim como a Ministra Rosa Weber.

            Dessa forma, restou definida a possibilidade de realização da redução salarial de acordo com a MP, pela via do Acordo Individual.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Muito haveria de se analisar no presente artigo, mas que enfoca, basicamente, a tumultuada ocorrência de necessidade de normatização de relações de trabalho em inesperados tempos de pandemia.        

            Lembre-se que estamos a discutir e assim o foi a ADI nº. 6.363, o teor de Medida Provisória, no caso a nº. 936/2020, basicamente, que instituiu Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda o qual ainda se sujeitará ao crivo do Congresso Nacional. Produz efeitos até que seja convertido em Lei, afastada, caduque ou seja revogada, tal qual a recente revogação da MP nº. 905/2019 (que instituía o Contrato Verde e Amarelo).

            Neste particular, indispensável a leitura do texto, sempre preciso e contundente do Acadêmico Gustavo Filipe Barbosa Garcia[3], ao avaliar a questão da revogação da MP 205, cuja conclusão acerca do cenário atua de insegurança aqui se afeiçoam:

“Caso uma nova Medida Provisória seja editada na atual sessão legislativa, ao versar sobre matéria tratada na Medida Provisória 905/2019, poderá ter a sua constitucionalidade formal questionada, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal, em razão da vedação de reedição estabelecida no § 10 do art. 62 da Constituição Federal de 1988.

Como se pode notar, a edição de diversas medidas provisórias, sobre temas variados e complexos, inclusive com o objetivo de revogação de uma por outra, tem gerado nítida instabilidade legislativa e consequente insegurança jurídica”.

            A par das regras das Medidas Provisórias que decorrem, nestes momentos, de relevância e de urgência próprias do tipo normativo, antes de encerrar, não é possível deixar de visitar as disposições noveis da Lei de Introdução às Normas de Direito brasileiro (a antiga LICC, Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-Lei nº. 4.657/1942).

            A Lei nº. 13.655/2018 que incluiu no Decreto referido (LICC) novas orientações, trouxe disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público, importantíssimas, diga-se de passagem em tempos de tantas medidas emergenciais e de enormes incertezas.

            Impôs aos julgamentos judiciais que não se decida com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Preciso par ao julgamento do STF, impondo ainda que a motivação demonstre a necessidade e a adequação da medida imposta, inclusive em razão das possíveis alternativas.

            Impôs considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as consequências práticas da decisão, bem como que a revisão, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, todas a servir com precisão à discussão, a que especificamente realçando as regras de distanciamento/isolamento social, fechamento de atividades, suspensão de negócios. Daí decorrem enormes, quiçá insuperáveis obstáculos ao simples contato com as entidades sindicais, à negociação coletiva, à realização de assembleias entre os interessados, tidas circunstâncias premidas pela urgência e calamidade em curso.

            Não se tem, senão como aplicação legítima e devida a possibilidade de redução de jornada e de salários – preservado o valor hora – em momento absolutamente extraordinário na vida do mundo e do país impondo a todos sacrifícios enormes.

            Bem julgada a matéria pelo STF, entendendo não haver qualquer infração constitucional na novel regência. Esclareça-se que a vedação constitucional à redução salarial e que se autoriza por meio de negociação coletiva é a verdadeira redução do salário sem redução da jornada, que não é objeto da MP nº. 936/2020.

            Que veio ainda acompanhada de importante garantia de emprego de forma de manter renda e o próprio vínculo sobrevivencial.       

            Tudo decorrente da pandemia, com forte efeito econômico sobre a atividade econômica e os empregos,  devendo sim ser a atividade empresarial objeto dessa possibilidade protetiva sobrevivencial, por assim afirmar.

            Nesse sentido, inclusive há precedente no STF (RE 563851, 2ª. Turma, DJe 27/03/2008), sobre os direitos sociais integrantes do art. 7º. da CRFB, concluindo que, mesmo quando não há ressalvas expressas, eles não detêm caráter absoluto. Conclusão razoável, quando o próprio artigo 7º. estabelece jornadas ordinárias máximas e permite a prestação de horas extras.

            Enfrentar situações extraordinárias e emergenciais   sob este prisma é uma necessidade e que a todos deve conduzir, na certeza de que a vida em breve retornará ao seu curso normal, ainda que com um novo normal daqui decorrente.    

CAPÍTULO III

TRABALHADOR DOMÉSTICO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS[4]

1 INTRODUÇÃO

 

Gostaríamos de agradecer aos Amigos e Confrades, Alexandre Agra Belmonte (Presidente da Academia brasileira de Direito do Trabalho), Titular da Cadeira nº. 02; Luciano Martinez, Titular da Cadeira nº. 52, e Ney Maranhão, Titular da Cadeira nº. 30, o honroso convite para participarmos desta obra coletiva tão importante.

Contrariamente ao que se pense o trabalho doméstico e, por consequência, os deveres e os direitos das partes relacionadas a esta relação, não são de fácil compreensão para quem se propõe a estudá-los de maneira científica e sistemática, ainda mais neste momento de crises sanitária e econômica, causada pela decretação de pandemia pelo coronavírus, denominado COVID-19.

Além da legislação geral, importante lembrar ainda as diferenças existentes entre os empregados domésticos e os com aplicabilidade completa da Consolidação das Leis do Trabalho.

Por fim analisaremos os Projetos de Lei em tramitação urgente no Congresso Nacional para os empregados domésticos em tempo de novo coronavírus.

Não se pode olvidar que o trabalho desenvolvido para o ambiente familiar é, sem sombra de dúvida, alvo de uma fidúcia especial, em que o empregado partilha, muitas vezes, da intimidade do seu empregador, não havendo como se tratar tal contrato da mesma forma que as atividades profissionais desenvolvidas no meio empresarial.

2 DIFERENÇAS AINDA EXISTENTES

 

A tutela ao trabalhador doméstico evoluiu rapidamente nos anos de 2013, com a publicação da Emenda Constitucional nº. 72, mas também em 2015, com a Lei Complementar nº. 150, trazendo uma série de Direitos e, no último caso, pelo artigo 19, a aplicação subsidiária da CLT, revogando a antiga exclusão encontrada no seu artigo 7º., letra “a”.

A Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes afirmou o seguinte:

A implementação da igualdade de direitos e tratamento para os trabalhadores domésticos teve como alavanca importante a aprovação da Convenção 189 e da Recomendação 201, da OIT, durante a 100ª. Conferência do organismo em Genebra, da qual tive a honra de participar ao lado de Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, Ministros de Estado, integrantes do Governo Federal e de entidades de classe[5].

           

Nancy Mahra de Medeiros Nicolas Oliveira explica

que nos cem anos entre a abolição da escravatura e a Constituição de 1988 o legislador brasileiro pouco se ocupou das relações de trabalho doméstico, e, com isto, postergaram-se no tempo os efeitos sociais, econômicos e jurídicos da gênese escravocrata do trabalho doméstico, que passou incólume ao longo do século XX[6].

Lorena de Mello Rezende Colnago também analisa a influência da Convenção da OIT para nascimento de nova legislação protetiva ao empregado doméstico no Brasil:

O Brasil, aproveitando o cenário político internacional, promulgou a EC 72, de 2 de abril de 2013, equiparando os direitos dos trabalhadores domésticos aos demais empregados. Sob essa perspectiva, procuramos refletir sobre a influência da Convenção 189 da OIT no Brasil, com especial atenção às alterações realizadas pela recente reforma constitucional[7].

Vamos analisar, portanto, problemas encontrados na comparação entre os direitos dos empregados domésticos e dos empregados celetistas.

2.1. PENHORA

Um dos pontos mais graves encontrados na Lei Complementar nº. 150/2015 é o seu artigo 46, que revoga o inciso I do artigo 3o. da Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990 (que dispõe sobre impenhorabilidade de bem de família). Poucas são as garantias que o empregado doméstico consiga executar uma Reclamação Trabalhista e com a revogação da supracitada exceção, dificultou muito tal efetividade.

Nossa interpretação foi a seguinte[8]:

Tal situação se agrava a partir do momento em que houve a revogação do artigo 3º., caput e inciso I da Lei nº. 8.009/1990, que possibilitava a execução de bem de família do empregador doméstico, uma das garantias de penhora de bens que fossem duplicados ou aceitos para esse fim. Sabe-se da dificuldade de execução de empregadores pessoas jurídicas, em razão de terem contas zeradas e nenhum bem em seu nome. Imagine-se a situação de pessoa física ou família (empregador doméstico), com problemas econômicos, deles não se podendo penhorar bens particulares e/ou conta salário.

Imagine-se agora com a crise social gerada com o COVID-19, em que muitas pessoas perdem o poder de renda, muitas vezes o emprego ou têm seu contrato flexibilizado.

2.2. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO (FGTS)

Já comentamos[9] em outro trabalho que “a partir de 2015, tal direito passou a ser obrigatório e, além dos 8% normais, o empregador é obrigado a depositar 3,2% a título de multa por dispensa sem justa causa”. Continuamos a afirmar que “tal percentual obrigatório, mês a mês, é muito interessante, pois é comum que o empregador doméstico dispense o seu empregado em razão de problemas econômicos e, como tal, dificilmente terá condições de pagar 40% sobre o saldo a que este teria direito pelo valor do FGTS. Como exemplo: um empregado recebe R$ 1.500,00 ao mês. Ao fim de um ano de trabalho, terá depositado em seu FGTS o valor acima, e, é claro, com algum acréscimo em razão de aplicação (8% ao mês x 12 meses = um salário). Caso ele trabalhe por 10 anos para o mesmo empregador, e lembrando-se que a cada ano ele receberá um aumento salarial, conforme artigo 7º., inciso IV, da Constituição de 1988 (ou piso salarial para quem não tem piso, nos Estados que pratiquem lei estadual com base na Lei Complementar nº. 103/2000, (…), somente a título de multa pela rescisão injustificada), o empregador teria de desembolsar mais de R$ 6.000,00, ou seja, quase uma impossibilidade de assim o fazer, devido ao problema econômico em que certamente se encontra”.

Imagine a situação atual encontrada com COVID-19, pois muitas famílias inteiras estão impossibilitadas a auferir renda, formal ou informalmente, tendo ou não auxílio de R$ 600,00 ou até duas parcelas deste valor, sendo que o se pagava para doméstico ou cuidador de crianças ou de idosos, com a talvez  futura determinação de isolamento social completo, geraria um problema completo econômico gerado pelo, no nosso entender, bem fundamental mais importante, que é saúde de nossa população.

Citamos[10] anteriormente que o problema maior, que ainda ocorre, é o seguinte:

Com base nos §§ 2o e 3o do artigo 22 da Lei Complementar nº. 150/2015, referendado na cartilha do simples doméstico (http://www.esocial.gov.br/doc/cartilha-simples-domestico.pdf)[11], há um aviso de que, se o empregado se demitir, o empregador doméstico poderá retirar o valor dos 3,2% depositado e reajustado, e sendo por culpa recíproca, retirará metade do valor a esse título, pois parte da culpa da rescisão contratual será sua e parte do empregado. Problema existe no caso de o empregado doméstico se demitir porque o empregador está praticando uma falta grave que impossibilita a continuidade do vínculo empregatício. Neste caso, a orientação que se dá é a de se procurar um advogado trabalhista para acionar o empregador, sendo que nesta reclamatória trabalhista ele alertará para o Juízo proibir a retirada do montante da conta vinculada do empregado até que seja julgado o caso em concreto em sua totalidade. Existe, inclusive, previsão legal de se acionar o empregador e de continuar trabalhando normalmente no parágrafo 2º. do artigo 483 da CLT, nos casos das letras “d” e “g”.

A atual legislação sobre FGTS (Lei nº. 8.036/1990) pode ser aplicada em sua integralidade, inclusive na questão sobre a retirada antecipada de valores, conforme seu artigo 20 e subitens. Aqui convém inclusive alertar a possibilidade de interpretação de saque imediato de parte do saldo do trabalhador na CAIXA, em razão da pandemia do novo coronavírus, tendo por base o próprio supracitado artigo, com atualização pela Lei nº. 10.878/2004:

Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: (…) 

XVI – necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:

  1. a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;                     

  2. b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e              

  3. c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento.     

O prazo estabelecido na letra “b”, de 90 dias, após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública, acabam em 15 de junho de 2020 no caso de Curitiba[12] (cidade em que residem dois autores) e na cidade de Porto Alegre[13] (cidade de residência do gaúcho André Jobim de Azevedo), pois a situação de emergência foi decretada em 17 de março de 2020.

Em relação à alínea “c” supracitada, convém transcrever o artigo 4º. do Decreto nº. 5.113/2004, modificado pelo Decreto nº. 7.664/2012:

Art. 4o  O valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220,00 (seis mil duzentos e vinte reais), por evento caracterizado como desastre natural, desde que o intervalo entre uma movimentação e outra não seja inferior a doze meses.

O empregado doméstico, portanto, teve benefícios e prejuízos no instituto do FGTS.

2.3. SEGURO-DESEMPREGO

Da mesma forma que o supracitado direito, o referido instituto, que nasceu com a Lei nº. 7.998/1990, agora é obrigatório para o empregado doméstico. Na Lei nº. 10.208/2001, caso o empregador doméstico inserisse seu empregado no FGTS junto à Caixa Econômica Federal, que é o Órgão Gestor tanto do FGTS quanto do Seguro-desemprego, ele passaria a ter direito, dependendo do número de meses trabalhados como doméstico, por um período mínimo de 15 meses nos últimos 24 meses contados da dispensa sem justa causa, também como estabelecido na Resolução CODEFAT nº. 754, de 26.08.2015.

Note-se que o primeiro problema de diferenças em desfavor do empregado doméstico já ocorre no período mínimo de meses de trabalho para ter direito ao seguro-desemprego, conforme artigo 3º., inciso I e alínea “a” da Lei nº. 7.998/1990, incluído pela Lei nº. 13.134/2015[14]:

Art. 3º. Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove: I – ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a: a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação; b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;   

Como os Legisladores puderam afirmar que estavam igualando os empregados domésticos aos empregados regidos pela CLT, quando fizeram o prazo inicial de 15 meses de trabalho enquanto o normal era de 6 meses, depois 12 meses.

Pior ainda, o empregado doméstico tem direito a três parcelas fixas de um salário mínimo, copiando-se o que ocorre com o trabalhador retirado do serviço análogo à escravidão, conforme artigo 2º.-C da Lei nº. 7.998/1990. Legisladores afirmaram que estavam tirando o empregado doméstico do trabalho escravo, mas em verdade o colocaram na mesma situação, equiparando-o, até porque além do Projeto de Lei do doméstico (PLS 224/2013) e a expropriação de propriedades rurais e urbanas em que se constate a prática de trabalho escravo (PLS 432/2013), foram muitas vezes votados juntos.[15]

No artigo 28 da Lei Complementar nº. 150/2015, há a informação de que

para se habilitar ao benefício do seguro-desemprego, o trabalhador doméstico deverá apresentar ao órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego: I – Carteira de Trabalho e Previdência Social, na qual deverão constar a anotação do contrato de trabalho doméstico e a data de dispensa, de modo a comprovar o vínculo empregatício, como empregado doméstico, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses; II – termo de rescisão do contrato de trabalho; III – declaração de que não está em gozo de benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; e IV – declaração de que não possui renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. 

O legislador, em junho de 2015, novamente comparou o empregado doméstico ao trabalhador resgatado da situação análoga à escravidão ao estabelecer no seu artigo 29 que “o seguro-desemprego deverá ser requerido de 7 (sete) a 90 (noventa) dias contados da data de dispensa”, de forma diversa à encontrada para o empregado denominado no site da CAIXA[16], como sendo “trabalhador formal” ou também ao “pescador artesanal”, cujo prazo é de 7 a 120 dias. 

2.4. ILEGITIMIDADE DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE EMPREGADOR DOMÉSTICO

Um outro tema que continua a diferenciar empregado doméstico de empregado celetista é o da representação sindical de empregadores, pois juridicamente, tal fato é impossível, visto que o serviço doméstico possui finalidade não lucrativa, conforme o caput do artigo 1º., da Lei Complementar nº. 150/2015, o que conflita diretamente com o artigo 511, § 1º. da CLT, na qual trata de uma categoria econômica, ou seja, impossibilitando o Sindicato de Empregadores e, por consequência, o de empregados, mas tão somente como Associação de Classe, não se inserindo ao caso em tela.

Esta conceituação do caput do artigo 1º., da Lei Complementar nº. 150/2015 está praticamente presente nos mesmos termos na Lei nº. 8.212/1991, em seu artigo 12, inciso II, ao indicar como um dos segurados obrigatórios da Previdência Social “aquele que presta serviço de natureza contínua à pessoa ou à família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos”.

A definição de Sindicato, para Octávio Bueno Magano, é: “a associação de pessoas físicas ou jurídicas, que exercem atividade profissional ou econômica, para a defesa dos respectivos interesses”[17].

            O conceito de “categoria econômica” encontra-se no art. 511, § 1º. da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo o seguinte teor:

Art. 511 (…) § 1º. – A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.

            O § 2º. do mesmo artigo celetário conceitua, por sua vez, a categoria profissional:

art. 511 (…) § 2º. – A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.

            Uma das principais características do vínculo empregatício doméstico é a finalidade não lucrativa, que conflita diretamente com a definição de categoria econômica encontrada no artigo 511, § 1o. da Consolidação das Leis do Trabalho.

Sergio Pinto Martins[18] nos explicava antes da Emenda Constitucional no. 72/2013, que inseriu o inciso XXVI ao artigo 7º., que:

no entanto, o empregador doméstico não está submetido a uma categoria econômica, porque, por definição, não exerce atividade econômica. Isso impede, portanto a possibilidade de serem estabelecidos direitos trabalhistas aos domésticos, justamente porque na convenção coletiva se necessita de sindicatos de empregadores domésticos, e estes não exercem atividade econômica, além de o acordo ser celebrado com empresa, e o empregador doméstico não é uma empresa, que considera uma atividade organizada para a produção com o fito de lucros”.

Odonel Urbano Gonçales[19] conclui que

nada obstante a liberdade de se associarem e formarem sindicatos, empregados e empregadores domésticos não têm base legal para solucionar conflitos coletivos de trabalho por meio de instrumentos que tenham como essência normatividade. Não se pode enquadrar os empregadores como categoria “econômica”, porquanto o ponto nodal ou nevrálgico do trabalho doméstico reside precisamente na inexistência de lucro, voltado e dirigido para o âmbito familiar.

Segundo Octacílio P. Silva, “sempre houve defensores da sindicalização dos domésticos, inclusive com a simples ratificação da Convenção nº. 87, da OIT. No que se refere ao direito mexicano, ‘De La Cueva propõe que aos domésticos se estendam os benefícios da sindicalização e da contratação coletiva (O novo direito…, p. 548). Parece que essa ideia choca com o princípio, implícito na regulamentação do sindicalismo, e expresso pelo que se refere à contratação coletiva (art. 386) que exige a existência de uma empresa como elemento essencial’[20]. Como se nota, as opiniões em contrário destacam, sobretudo, a dificuldade de sindicalização pela falta de concentração em determinado núcleo laboral (empresa). No entanto, é tendência moderna a extensão, aos domésticos, não só a sindicalização, mas todos os direitos trabalhistas, individuais e coletivos, inclusive a greve”[21].

            Entende-se que, para se formalizar uma Convenção Coletiva do Trabalho, assim como para se instaurar um Dissídio Coletivo, deve haver bipolaridade de partes, ou seja, sindicato de empregado e sindicato de empregador. Com a inexistência de qualquer uma dessas partes fica prejudicada a negociação e a formação destes documentos normativos coletivos, o que é o caso do doméstico.

            A questão que traz algumas ponderações importantes é que com a redação da Emenda Constitucional nº. 72/2013, incluiu-se aos empregados domésticos o direito ao reconhecimento de Acordos e Convenções Coletivos de Trabalho (artigo 7o., inciso XXVI, através do parágrafo único do próprio artigo).

            Com isso, há quem comente que pelo fato de serem reconhecidos os documentos normativos coletivos se passou a reconhecer as entidades sindicais do contrato doméstico.

Pela Emenda Constitucional nº. 72/2013, a Carta Constitucional de 1988 passou a assegurar aos empregados domésticos o direito a Acordos e Convenções Coletivos, positivado no artigo 7º., XXVI, de acordo com o seu parágrafo único, mas, em verdade, tal situação é parcial, pois só admissível por meio de Acordo, jamais Convenção.

Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rúbia Zanotelli de Alvarenga explicam que

6 Sindicalização das Empregadas domésticas

Durante muito tempo se questionou doutrinariamente o direito das domésticas à sindicalização e, sobretudo, à elaboração de acordos e normas coletivas. Os sindicatos de empregados domésticos criados, embora formalmente registrados e instituídos, não eram reconhecidos porque a categoria patronal correspondente não exerce atividade econômica e o modelo de sindicalização brasileiro é instituído a partir da categoria econômica do empregador. Essa conclusão era extraída da literalidade do artigo 511, §§ 1º. e 2º. da CLT que estatuem, respectivamente, que “a solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica” e que “A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”.

Ao se assegurar ao empregado doméstico o direito “ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º., inc. XXVI)”, a Emenda Constitucional n. 72 encerrou qualquer discussão remanescente acerca da possibilidade de sindicalização dos empregados domésticos e de seu direito a negociação coletiva e a regulamentação por norma coletiva. Qualquer interpretação do artigo 511 de forma a restringir esse direito é doravante incompatível com o novo texto constitucional e, portanto, inaceitável[22].

A questão, porém, deve ser analisada de forma mais ampla, pois se assim fosse, o inciso V (piso salarial) do artigo 7º. da Constituição de 1988 deveria ser reconhecido também, além do fato de que foi analisada a obrigatoriedade de se pagar contribuição sindical obrigatória e, depois, retirada do Projeto de Lei. Neste ponto se pode entender que pelo fato de não haver qualquer proibição legal e porque o artigo 19 da Lei Complementar nº. 150/2015 permite a utilização da CLT no que não for conflitante, pelo menos o sindicato de empregados domésticos poderia cobrar o valor de um dia de salário dos empregados, pois a partir de junho de 2015 pode homologar as rescisões contratuais de domésticos que tenham trabalhado por mais de um ano para o mesmo empregador (conforme artigo 477 e parágrafos da CLT), além do fato de que podem elaborar acordos coletivos de trabalho diretamente com o empregador doméstico.

Porque o artigo 8º. e parágrafos da Constituição de 1988 não foi estendido aos sindicatos dos empregados e empregadores domésticos também? Demonstra-se aqui que o legislador realmente não se preocupou com a inserção do Direito Coletivo do Trabalho aos sindicatos de empregado e do hipotético sindicato de empregador doméstico.

Sobre as entidades sindicais existentes no Brasil, convém frisar que em 1936 foi criada, em São Paulo, a primeira associação de trabalhadoras domésticas da qual se tem notícia, liderada por D. Laudelina de Campos Melo. Posteriormente surgiram sindicatos em todo o país, culminando com criação da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), em 1997[23], que é filiada à Central Única dos Trabalhadores-CUT e integrada por trinta e oito sindicatos de base. Sua presidente Creuza Maria Oliveira entende que

não se trata só de igualdade de direitos, mas de inclusão e reparação histórica, diante dos absurdos já vivenciados por essas cerca de 8 milhões de trabalhadoras domésticas do país. A justiça social está sendo feita para uma categoria que tem papel importante na construção deste país[24].

            Importante também analisar o entendimento esposado por Georgenor de Sousa Franco Filho:

NEGOCIAÇÃO COLETIVA

O inciso XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho– remete a um dos mais importantes aspectos do Direito do Trabalho: convenções e acordos coletivos é o resultado do direito de negociação coletiva. Foram reconhecidas na relação de emprego doméstico.

Entendemos que, embora digna de encômios a negociação coletiva, quando se cuida de trabalho doméstico, é difícil identificar os empregadores domésticos aos quais vão se aplicar essas normas. Ora, um acordo coletivo de trabalho é negociado entre sindicato de trabalhadores e empresa e, até onde se sabe, não existe empresa doméstica no Brasil. E, admitindo virem a ser negociadas convenções coletivas entre sindicatos patronal e de trabalhadores, a quem se aplicará a norma fruto dessa negociação? Ora, potencialmente, todas as residências deste país podem ter empregados domésticos.

Impende observar que existem espalhados pelo Brasil sindicatos de empregadores e de empregados domésticos. Em São Paulo, o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, fundado a 6.1.1989, identifica-se como o sindicato pioneiro em nível mundial que representa os patrões domésticos[25], e existe também o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo, criado em 1990[26], e uma Federação das Empregadas e Trabalhadores Domésticos do Estado de São Paulo[27].

Temos nessa relação de trabalho duas figuras: o empregador doméstico, pessoa física, que não exerce atividade econômica ou lucrativa, e o empregado doméstico, também pessoa física, que desenvolve seu mister na residência do empregador (art. 1º da Lei n. 5859/72). Ora, não há categoria econômica, nem existe empresa doméstica, nesse tipo de relação de trabalho. Como já assinalamos anteriormente, é a realidade ou então se pode “fazer de conta” que não é[28].

            Vale registrar, portanto, que não há impedimento algum para a existência de organismos de representação de trabalhadores domésticos, pois prestam eles importantes funções de conscientização e de orientação de tão importante classe de obreiros, além de poderem elaborar Acordos Coletivos de Trabalho.

Para não restar qualquer dúvida, transcrevemos uma das várias decisões nesse sentido:

“Doméstico – Convenção Coletiva de Trabalho – Os sindicatos dos empregados e empregadores domésticos são juridicamente incapazes para celebrarem convenção coletiva de trabalho, porquanto não representam uma categoria profissional ou econômica. Isto porque um dos requisitos para que se caracterize a figura do empregador, enquanto pertencente a uma categoria econômica, é exatamente o exercício de uma atividade lucrativa (art. 2º, da CLT), situação inexistente para o empregador doméstico. Da mesma forma, para a caracterização do empregado doméstico torna-se fundamental que os serviços prestados não guardem qualquer vinculação com a atividade econômica porventura desenvolvida pelo empregador, o que seria inadmissível para considerá-lo como categoria profissional. Assim, incensurável a r. sentença ao rejeitar os pedidos decorrentes de convenção coletiva de trabalho firmada pelos sindicatos dos empregados e empregadores domésticos.” (TRT – 9ª Reg., RO 11.715/98, Ac. 7.156/99, 5ª T., Relator Juiz Luiz Felipe Haj Mussi, DJPR de 16.04.1999).

Com a não possibilidade de existência de entidade sindical de empregador doméstico juridicamente, há um problema para o reconhecimento de Convenção Coletiva de Trabalho, mas são exemplos no Brasil:

  • a) a Convenção Coletiva de Trabalho entre o Sindicato dos Empregados Domésticos de Araucária e Região e o Sindicato dos Empregadores de Empregadas e Empregados Domésticos do Paraná, firmada em 2009 (ou seja, não mais em vigor pela regra de tempo máximo de 2 anos de documento normativo coletivo da categoria, conforme artigo 614, parágrafo 3º. da Consolidação das Leis do Trabalho). O piso salarial nesta época era de R$ 610,12[29].

Já, após a Emenda Constitucional nº. 72/2013 outras entidades sindicais firmaram Convenções Coletivas de Trabalho:

  • b) o Sindicato das Empregadas Domésticas e Trabalhadores Domésticos de Jundiaí e Região e o Sindicato dos Empregadores Domésticos de Campinas e Região pactuaram, para o ano de 2014, o direito ao piso salarial regional: R$ 810,00[30];

  • c) a realizada em 2015 pelo Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo e o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo – SEDESP. A normativa coletiva fixou o piso salarial em R$ 980,00[31].

A análise desta questão se torna mais fácil ao se demonstrarem as decisões sobre ajuizamento de Dissídio Coletivo do Trabalho:

IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. DISSIDIO DE DOMESTICOS CONTRA SINDICATO PATRONAL. IMPOSSIBILIDADE PORQUE NÃO SE APLICA AOS DOMESTICOS O INSTITUTO DO DISSIDIO COLETIVO. EMPREGADOR DOMÉSTICO NÃO E CATEGORIA ECONOMICA” (TST – ACÓRDÃO Nº. 589 – DECISÃO: 20/10/1992 – RODC Nº. 33588/1991 – 2ª. REGIÃO – RECURSO ORDINARIO EM DISSIDIO COLETIVO – SEÇÃO ESPECIALIZADA EM DISSIDIOS COLETIVOS – DJ 11/12/1992, p. 23782 – RELATOR MINISTRO MARCELO PIMENTEL).

(…)

DISSÍDIO COLETIVO – SINDICATO DE TRABALHADORES DOMÉSTICOS – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – A categoria dos trabalhadores domésticos é, ainda, uma categoria limitada no que tange a direitos coletivos e individuais, não lhe tendo sido assegurado, no que tange àqueles, o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas (art. 7º., parágrafo único, da Carta Magna), que afasta, por incompatibilidade lógica, a possibilidade de negociação coletiva e, finalmente, de chegar-se ao estágio final do ajuizamento da ação coletiva (art. 114, § 2º.). (TST – RO-DC 112.868/94.7 – Ac. SDC 1.271/1994 – Rel. Min. Manoel Mendes de Freitas – DJU 25.11.1994, p. 32.402)[32].

 (…)

EMPREGADO DOMÉSTICO – APLICAÇÃO DE NORMA COLETIVA – IMPOSSIBILIDADE – A Constituição Federal de 1.988 resguardou a unicidade sindical e o regime de sindicalização por categoria profissional e econômica. Sabemos, outrossim, que nem todas as categorias têm acesso à negociação coletiva, e.g., funcionários públicos. Ora, os empregados domésticos também fazem parte daquelas categorias profissionais impossibilitadas de firmarem instrumentos coletivos, eis que, no caso específico, inexiste a “categoria econômica” dos empregadores domésticos. Portanto, falta à pretensão do recorrente a possibilidade jurídica, na medida que o art. 7º, parágrafo único, da Magna Carta, não inclui, dentre os direitos assegurados aos trabalhadores domésticos, o da celebração de acordos e convenções (inciso XXVI) e, por decorrência lógica, o da instauração de dissídios coletivos.  (PROCESSO TRT/15ª REGIÃO, RECURSO ORDINÁRIO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO Nº. 40515/2004-ROPS-7, NUMERAÇÃO ÚNICA: 00197-2004-017-15-00-9)[33].

            Sobre o assunto, explica Georgenor de Sousa Franco Filho:

Ademais, haverá dificuldade para ajuizamento de um dissídio coletivo perante a Justiça do Trabalho. O empregador doméstico não é identificável. Potencialmente, como referimos, todos podem ser empregadores domésticos, inclusive os próprios empregados domésticos, que contratam pessoas para cuidar de sua residência enquanto vão trabalhar na casa de terceiros. Ademais, não existe categoria econômica contraposta à categoria profissional, porque o empregador doméstico não é aquele definido no art. 2º da CLT[34], nem a atividade do empregado doméstico se assemelha com a do empregador para ser confrontado com ele.

A existência de sindicatos de empregadores domésticos e de empregados domésticos, entendemos, não lhes garante o direito de ajuizamento de dissídios coletivos, e, a eventual negociação coletiva que venham a realizar não possibilitará, por impossibilidade de identificação concreta de seus destinatários, a aplicação das normas que celebrarem[35].

Nota-se que tais decisões são antigas e a Justiça do Trabalho poderia utilizar, por analogia, entidades sindicais rurais para proprietário rural individual, como explicam Edésio Passos e André Passos[36]:

Ao contrário daqueles que consideravam impossível a organização sindical dos empregadores antes da EC 72, assim como decisões no mesmo sentido do TST e TRTs, agora, faz-se o reconhecimento de acordos e convenções coletivas de trabalho aos empregados domésticos, há possibilidade dos empregadores domésticos organizarem-se em entidade sindical. Ocorre similitude constitucional com a organização em sindicato dos integrantes de entidades rurais – o proprietário rural individual – e de colônias de pescadores – o pescador individualmente considerado – com a observação de que a lei terá que estabelecer regulamentação específica (parágrafo único do art. 8º CF/88).

Luciano Augusto de Toledo Coelho e Jordane Núbia Limberger[37] também entendem a dificuldade, finalizando item de seu livro da seguinte maneira: “em suma, a nosso ver, as possibilidades de um instrumento coletivo entre empregados e empregadores domésticos são menos amplas que aquelas possíveis para as demais categorias”.

Já com relação aos Acordos Coletivos de Trabalho não há qualquer empecilho em se fazer, até porque o artigo 7º., XXVI, da Constituição de 1988 assim já permitiu, não gerando mais qualquer dúvida do reconhecimento do sindicato de empregados domésticos como entidade representativa sindical obreira.

            Com isso, entendemos que ainda é impossível se ter uma Convenção Coletiva de Trabalho entre Sindicatos de Empregados e Empregadores Domésticos, o que dificultará o empregador que queira se utilizar das novas legislações em período de crise do novo coronavírus, como banco de horas, mas principalmente no que se refere às reduções de carga horária e de salários, proporcionalmente, quando o empregado receber entre R$ 3.135,00 (três salários mínimos) e R$ 12.202,12 (duas vezes o Teto do INSS), pois somente seria permitido por Acordo Individual quando a diminuição fosse de até 25%. No caso de percentual superior, como 50 ou 70%, haverá a necessidade de Acordo Coletivo de Trabalho, conforme Medida Provisória nº. 936/2020.

            Forma de superar esta barreira e totalmente aplicável aos sujeitos da relação doméstica, há o artigo 617 da CLT, que permite negociação indireta, pois ao se apresentar o Acordo Coletivo à entidade sindical de empregados e esta sendo omissa, por mais de 8 dias, abre-se a possibilidade de negociar diretamente com os empregados, através de uma Assembleia para tal fim.

Como os temas das outras legislações que surgiram em razão do COVID-19 serão trabalhadas por outros Amigas e Amigos Acadêmicos, somente convém frisar que se aplicam aos empregados domésticos, conforme supracitado.

Em resumo são as seguintes:

  1. MP – Estado de Calamidade Decreto Legislativo 6, de 20/mar/2020;

  2. MP 927 – Medidas Trabalhistas enfrentamento do estado de calamidade, de 22/mar/2020;

  3. MP 936 – Institui o Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para o enfrentamento do estado de calamidade pública, de 01 de abril de 2020, aprovada em 28 de maio pela Câmara, mas ainda não pelo Senado Federal, por isso não posta à sanção presidencial.

  4. MP 944 – Institui o Programam Emergencial de Suporte a Empregos, de 04/abril/2020;

  5. MP 945 – Medidas temporárias no âmbito do setor portuário e cessão de pátios militares, de 04/abril/2020.

 

 

  1. TENTATIVAS LEGISLATIVAS NO BRASIL SOBRE EMPREGADOS DOMÉSTICOS EM TEMPO DO NOVO CORONAVÍRUS – PROTEÇÃO DO TRABALHADOR

Importante analisar alguns reflexos da crise trazida pelo novo coronavírus e as consequências a toda uma sociedade.

Neste período de crise na saúde e, com consequência, na economia, justifica a intervenção estatal, em razão do aumento da desigualdade e dos custos sociais, além do risco de morte.

O desemprego sempre foi um dos problemas mais sérios, sendo uma falácia se afirmar em pleno emprego, que é uma promessa do Estado Social. Mais importante que o lucro irracional, ou a manutenção constante nesse sentido, é se pensar em ter o lucro, é claro, mas se cuidando do trabalhador, para manutenção de um meio ambiente laboral saudável.

Preocupante, também, é o fenômeno do “desalentado”, denominado por aquela pessoa que parou de procurar emprego ou um trabalho, de tanto tempo que buscou uma atividade e não encontrou.

O Estado deve se preocupar com todos estes fenômenos sociais, pois o adoecimento de qualquer cidadão será sentido por toda a sociedade, tendo em vista o sistema de bem estar social (“welfare state”), em que o Instituto Nacional de Seguro Social promove a tríade de Previdência, Assistência Social e Saúde, estas duas, para todos.

Sobre os que laboram, o meio ambiente possui uma natureza abrangente e interdisciplinar, conforme Norma Padilha.[38]

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[39] explica que o ambiente de trabalho é: 

(…) o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade (…).

Nesse sentido, o meio ambiente do trabalho é onde se desenvolvem as atividades do trabalho humano.[40] Assim, considerando que este ambiente faz parte do meio ambiente geral[41], para que a qualidade de vida seja alcançada de modo equilibrado e satisfatório, faz-se necessária a qualidade no trabalho.

O Confrade Sebastião Geraldo de Oliveira entende que “é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade no trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente de trabalho”.[42]

Assim, pode-se compreender que o meio ambiente do trabalho tem por objetivo a qualidade de vida do trabalhador e o alcance de seu bem-estar, de modo que não se restringe apenas aos aspectos das relações trabalhistas.[43]

O Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, primeiro documento internacional a se referir ao direito ao meio ambiente saudável, instituiu, em seu artigo “12.1”, que é “direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental através da melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente”.

O artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos enuncia que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade, bem como a um meio ambiente equilibrado.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT)[44], que no ano passado fez 100 anos de sua criação, com o Tratado de Versalhes (Tratado da Paz finalizando a Primeira Grande Guerra Mundial), editou a Convenção nº. 155, em 1981, estabelecendo que todos os seus membros devem formular, por em prática e reexaminar uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, sendo que o seu objetivo é prevenir os acidentes e os danos à saúde que decorrerem do trabalho, que tenham relação com a atividade de trabalho, ou que se apresentem durante o trabalho, de modo a reduzir ao mínimo as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. 

A OIT[45] determina que a saúde “abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)[46], que, assim como a OIT faz parte da Organização das Nações Unidas, é fundamental para a promoção da saúde mental um ambiente que respeite e proteja os direitos básicos civis, políticos, socioeconômicos e culturais de cada ser humano.

Ademais, a saúde abrange elementos físicos e mentais que a afetem e que podem estar diretamente ligados ao trabalho. As doenças mentais podem se desenvolver não apenas através de problemas relacionados às emoções, interações interpessoais ou comportamentais, mas também por meio de relações culturais, econômicas e, em especial, pelas condições de trabalho.

Igualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)[47]:

Determinants of mental health and mental disorders include not only individual attributes such as the ability to manage one’s thoughts, emotions, behaviours and interactions with others, but also social, cultural, economic, political and environmental factors such as national policies, social protection, living standards, working conditions, and community social supports.

Essencial analisar a forma de organização social do homem para que se compreenda o motivo da incidência de transtornos mentais e comportamentais sobre a sociedade. O homem, a partir da ascensão da sociedade burguesa, conforme Maria Silvia Bolguese[48], tratando-se da submissão do homem aos critérios de organização social. 

Uma expressão grande da onerosidade e da sobrecarga do indivíduo é representada pela depressão, bem como pela síndrome do burnout. Assim, a depressão pode ser definida como uma patologia. Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é colocada como uma das “cinco principais doenças do mundo em custo para a pessoa e a sociedade, ao lado de doenças cardiovasculares, câncer, hipertensão e diabetes”, conforme Breno Serson.[49]

É sabido que com o isolamento social, muitos empregados domésticos estão sendo dispensados e outros tantos estão com receio de logo perderem seus empregos formais.

Pior ainda é a situação dos prestadores de serviços diaristas, pois nestes casos houve uma diminuição enorme dos trabalhos, fazendo com que tenham iniciado uma situação de problemas mentais e até físicos, pela falta de alimentação digna, mesmo porque nem todos terão acesso aos benefícios do Governo brasileiro.

Nos ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes o artigo 6º. da Constituição de 1988 prevê direitos fundamentais sociais, e especifica conteúdo e forma de prestação (artigos 196, 201, 203, 205, 215,217, entre outros)[50], nisto realça a atenção que o enfrentamento ao art. 200, II e V, propostos aqui para análise sob alguns aspectos integradores ao entendimento de proteção à saúde do trabalhador, encontram-se entre estes “outros”.

A saúde do trabalhador está entre os direitos sociais[51] e alguns dentre estes também são determinantes e condicionantes de saúde[52], assim a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer. 

Afirma Gilmar Ferreira Mendes[53]:

“Algumas normas constantes do catálogo de direitos previsto no art. 7º, CF, indicam que o constituinte pretendeu explicitar, em verdade, um dever geral de proteção por parte do legislador (Schutzpflicht)”.

Entre estas normas constitucionais se encontra o art. 7º., XXII com o sentido de um dever geral de proteção.

O caput do artigo 200, além de incisos II, V e VIII, da Constituição de 1988 define competências do Sistema Único de Saúde (SUS), remetendo aos termos da Lei, que é a de nº. 8.080/1990[54] que regula os serviços de saúde incluindo os privados, e nestes incluídos os estabelecidos no art. 162 da CLT.

O § 2º. do artigo 2º. da Lei nº. 8.080/1990 determina que não está excluído o dever das pessoas, da família, das empresas e da sociedade, de modo que o dever de proteção não se restringe ao estado.

Outro fato trazido na Lei nº. 8.080/1990, no seu artigo 2º., parágrafo único[55] são aspectos relativos às ações garantidoras de condições de bem-estar físico, mental e social através de políticas econômicas e sociais, cabe ressaltar que estas têm íntima relação, tanto com ações de prevenção bem como com ações de assistência à saúde, de modo que se adentra à dimensão cogente sobre a temática do processo saúde-doença.

Dentro do sentido de proteção geral extrai-se na dimensão da saúde que o estado, na esfera do SUS, tem o objetivo para identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes de saúde[56], e, para a identificação está vinculado ao instrumento ciência que é metodológico na produção de conhecimento.

Os Projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados, em urgência, trazem possíveis determinações sobre garantia de emprego enquanto perdurar o novo coronavírus, além de outras orientações, inclusive em relação à licença ou dispensa do comparecimento do empregado doméstico ao local de trabalho, mas somente transcreveremos no anexo (Capítulo 6), pois como não foram votados até o presente momento (dia 24 de abril de 2020), dificilmente o serão, tendo em vista que a crise já se encontra em mais de um mês e logo (o que se espera) não terá mais efeito. De qualquer forma convém ler cada um dos quatro Projetos de Lei, abaixo.

 

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Na questão econômica, muitos empregados domésticos serão dispensados, e o mais triste será verificar que em muitas das vezes, tais resilições contratuais ocorrerão por impossibilidade de a família pagar tais direitos que, frisa-se, são o mínimo que a digna atividade, assim como um Professor ou um Presidente, deveriam receber.

Concorde-se ou não com as tais incompatibilidades alegadas pelo Constituinte, fato é que o cenário jurídico que acomodou a realidade dos empregados domésticos até o início do ano de 2020 pode ser classificado ainda como precário, especialmente se comparado com os empregados em geral – os chamados celetistas.

Como consequência das crises, muitas pessoas perdem o vínculo formal de trabalho, e ao mesmo tempo, não conseguem encontrar uma porta de retorno, e ainda, a manutenção de sua subsistência, em virtude dos preços dos produtos básicos, encarece. Deve-se, então, averiguar qual a repercussão do abalo da economia mundial no âmbito social e empresarial, inclusive verificando como o Direito do Trabalho pode auxiliar empregados e empregadores na superação da crise.

Pretende-se ainda demonstrar que há uma íntima relação entre crise econômica e as profundas alterações do mercado de trabalho e, consequentemente, do Direito de Trabalho, cujo debate e discussão são importantes.

Apesar de a crise ter sido reflexo de uma doença contagiante, por óbvio que suas consequências são sentidas no mundo do trabalho, esperamos que não pelo tempo que se alardeia, de 10 anos, porque deslocam, ou melhor, transferem, os empregos das áreas onde há um Direito Laboral mais estruturado para aquelas onde há menos proteção nos menores custos de produção, bem como de menor compromisso com a custo social e a transferência de renda.

Espera-se que a experiência que todos vivemos, limpando as suas próprias residências, em razão do isolamento social, seja importante fator para se igualar os trabalhadores domésticos a todos os demais empregados. Nada melhor que se pensar na importância do trabalho dessa importante categoria e nos desgastes físico e mental que todos sofrem.

5 PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

  1.  

20/03/2020

Mesa Diretora (MESA)

  • Apresentação do Projeto de Lei nº. 798/2020, pelo Deputado Idilvan Alencar (PDT/CE)[57], que “altera Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, para estabelecer proteção aos trabalhadores domésticos”

PROJETO DE LEI Nº. , de 2020

(Do Sr. IDILVAN ALENCAR)

Altera Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, para estabelecer proteção aos trabalhadores domésticos

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. O Art. 3º. da Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020 passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º. ……

  • 8º. O empregado doméstico, na forma definida no Art. 1º. da Lei Complementar nº. 150, de 1º. de junho de 2015, poderá se afastar do trabalho enquanto vigorarem medidas previstas neste artigo para algum morador ou frequentador habitual da residência de trabalho.”

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A Organização Mundial da Saúde declarou que estamos em uma pandemia global do COVID-19, um vírus que provoca uma doença que causa febre e problemas respiratórios, podendo levar a óbito. A doença teve origem na China e se espalhou pelo mundo, tendo também chegado ao Brasil.

Inicialmente, as contaminações no Brasil foram de pessoas que viajaram para o exterior e contraíram a doença. Chegando ao país, outras pessoas tiveram contato com a pessoa e com o vírus e contraíram a doença. Interromper a disseminação do vírus ou retardar a velocidade de sua propagação é o objetivo das ações previstas na Lei nº. 13.979/2020, que prevê medidas como isolamento, quarentena e a determinação compulsória de exames, testes, vacina, coleta de amostras e tratamentos específico.

Os trabalhadores domésticos têm uma situação específica, pois trabalha na residência de famílias que podem ter membros cumprindo medida de isolamento ou quarentena na própria casa, oferecendo risco de contágio. No marco jurídico vigente, a empregada doméstica não pode se ausentar do trabalho se um morador ou frequentador eventual da casa estiver sob alguma das medidas previstas no Art. 3º. da Lei nº. 13.979/2020.

Esta alteração legal visa proteger a saúde dos trabalhadores doméstico e a proliferação do vírus entre os familiares, vizinhos e membros da família.

Sala das Sessões, em    de     de 2020.

Deputado IDILVAN ALENCAR

  1.  

24/03/2020

Plenário (PLEN)

  • Apresentação do Projeto de Lei n. 931/2020, pelos Deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Professora Rosa Neide (PT-MT)[58], que: “institui a obrigatoriedade de dispensa das trabalhadoras domésticas e diaristas em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada sem prejuízo da remuneração mensal, bem como de todos os direitos trabalhistas e previdenciários”.

PROJETO DE LEI Nº.

(Do Deputado Valmir Assunção)

Institui a obrigatoriedade de dispensa das trabalhadoras domésticas e diaristas em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada sem prejuízo da remuneração mensal, bem como de todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. Esta lei propõe a dispensa de trabalhadores/as domésticos/as em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada.

Art. 2º. É de responsabilidade do Poder Público a garantia da proteção da saúde, dos direitos trabalhistas, previdenciários e da vida das trabalhadoras e trabalhadores domésticos, conforme art. 3º. e incisos e art. 7º., I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Art. 3º. Inclua-se ao Art. 3º. da lei 13.979/2020, o parágrafo 8º. que passará a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º. …………………………………………………………………………….

  • 8º. Fica dispensada de comparecer ao local de trabalho as/os trabalhadoras/es domésticas/os e diaristas, no período que durar a condição de isolamento social, quarentena ou quaisquer restrições previstas nesta lei, sem prejuízo ao recebimento salarial e os demais direitos trabalhistas.

I – Que se estabeleça a partir da dispensa da trabalhadora doméstica a licença remunerada e ou antecipação de férias, bem como a estabilidade de trabalho enquanto perdurar as medidas de contenção.

II – Que se estabeleça a garantia de renda mínima temporária as diaristas e trabalhadoras domésticas sem carteira assinada e sem inscrição no INSS, durante o cumprimento das determinações legais, sem prejuízo de possíveis benefícios ulteriores e/ou posteriores.”

Art. 4º. O empregador que venha a descumprir o estipulado nesta legislação e na lei 13.979/2020 e seus atos regulamentadores, deverá arcar com adicional de insalubridade e periculosidade, sem prejuízo da aplicação de multa diária.

  • 1º. Caberá aos estados e municípios por meio dos órgãos competentes a efetivação e fiscalização do cumprimento desta lei.

Art. 5º. Esta lei vigorará enquanto perdurar o estado de calamidade e emergência declarada.

Art. 6º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

 

As trabalhadoras domésticas e diaristas configuram a maior categoria de trabalho feminino, com mais de 6,4 milhões de trabalhadoras/es, sendo que 95% são mulheres e destas majoritariamente negras, pobres e com idade avançada. Mesmo após os 60 anos muitas domésticas continuam trabalhando para garantirem a subsistência mínima de suas famílias.

Das mais de 6 milhões de trabalhadoras, apenas 1,76 milhão laboram com carteira assinada, 4,4 milhões são informais sem nenhuma cobertura previdenciária. Mais de 2 milhões são diaristas, recebem quando prestam serviços e geralmente são orientadas a se cadastrarem como Microempreendedor Individual-MEI e, assim, terem acesso a sonhada aposentadoria (IBGE,2020).

A precariedade a que a categoria está submetida, longos e penosos deslocamentos em transportes públicos lotados em grandes distancias até o local do trabalho, jornadas diárias extenuantes, doenças crônicas como hipertensão, diabetes e problemas cardíacos. Estes são apenas alguns dos inúmeros fatores que as colocam como um grupo vulnerável diante de um quadro de calamidade e emergência como o vivenciado em todo o mundo neste momento.

Do ponto de vista da economia sofrem com redução salarial, milhares de trabalhadoras ganham menos de um salário mínimo, sem assinatura nas carteiras, arrimo de família e usuárias de programas sociais reforçando diariamente o descumprimento aos direitos garantidos pela Convenção 189 da OIT, Constituição Federal de 1988 e a Lei Complementar 150/2015.

Ao instituir a obrigatoriedade de dispensa das trabalhadoras domésticas e diaristas em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada sem prejuízo dos direitos trabalhistas e previdenciários esta lei se propõe a minimizar estes descumprimentos em  períodos tão drásticos, ao tempo que visa garantir o cumprimento irrestrito dos direitos fundamentais preconizada na nossa Carta Magna.

Neste diapasão, em decorrência da preocupação da contenção do avanço do novo coronavírus, várias atividades profissionais e econômicas já deixaram de ser desempenhadas devido à determinação das autoridades públicas.

Pelas razões supracitadas, deve-se salientar que as trabalhadoras domésticas e diaristas são colocadas como alvo de maior exposição, devendo o Poder Público se responsabilizar com a proteção dos direitos básicos da categoria que há muito tanto contribui para a sustentação do país.

Diante do exposto, consideramos emergencial a aprovação integral deste texto.

Valmir Assunção

Deputado Federal PT/BA

  1.  

25/03/2020

Plenário (PLEN)

  • Apresentação do Projeto de Lei n. 993/2020, pela Deputada Benedita da Silva (PT-RJ)[59], que: “dispõe sobre regras aplicáveis ao trabalho doméstico em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-CoV-2, e dá outras providências”.

PROJETO DE LEI N. , DE 2020.

(Da Sra. BENEDITA DA SILVA)

Dispõe sobre regras aplicáveis ao trabalho doméstico em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-CoV-2, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Essa Lei dispõe sobre o afastamento do empregado doméstico do serviço, sem prejuízo do emprego e do salário, a garantia de renda mínima para quem exerce atividades de trabalho doméstico sem vínculo empregatício e a dispensa do período de carência para a concessão de benefícios previdenciários em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-COV-2.

Art. 2º. É garantido a estabilidade na categoria profissional de trabalho doméstico, sem prejuízo do salário, enquanto perdurar as medidas para contenção da pandemia do novo coronavírus identificado como SARS-COV-2.

  • 1º. Em caso de descumprimento do disposto no caput, além das verbas rescisórias previstas em lei, o empregador terá de indenizar o empregado doméstico no valor correspondente à soma das remunerações mensais a que teria direito desde a data da dispensa até o término do período das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública do SARS-COV-2.

  • 2º. O empregado doméstico poderá se ausentar do serviço pelo período de duração das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.

  • 3º. Trabalhadores pertencentes a grupos de risco, assim considerados pelos atos oficiais, em especial as pessoas maiores de 60 anos, portadores de doenças crônicas, que tenham sido submetido a intervenções cirúrgicas, gestantes, lactantes ou aqueles que fazem tratamento de saúde que cause diminuição da imunidade, terão prioridade na dispensa do trabalho, sem prejuízo da remuneração.

  • 4º. Se o período de ausência ao trabalho for superior a 30 (trinta) dias consecutivos as partes poderão acordar a antecipação das férias.

  • 5º. O empregador doméstico que cumprir o disposto no caput e no § 2º. poderá descontar em sua declaração de imposto de renda pessoa física do exercício de 2021, ano-calendário de 2020 o valor equivalente à contribuição previdenciária patronal recolhida à Previdência Social incidente sobre o valor da remuneração do empregado por seis meses.

Art. 3º. Fica criado o Auxílio emergencial Pecuniário, no valor de um salário mínimo mensal, pago às pessoas que exercem atividades pertinentes ao trabalho doméstico, pelo prazo de cento e vinte dias, como garantia da renda mínima diante do afastamento de suas atividades, em decorrência do estado de emergência internacional pelo novo coronavírus identificado como SARS-COV-2, desde que não percebam benefícios previdenciários de natureza permanente.

Parágrafo único. Os recursos necessários ao atendimento do previsto no art. 3.-A correrão por conta do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), regulamentado pela Lei 7.998, de 11 de janeiro de 1990 e de recursos oriundos da União direcionados ao enfrentamento da pandemia.

Art. 4º. Em caso de contaminação pelo novo coronavírus identificado como SARS-COV-2 ou da pessoa ter contraído a doença identificada como Covid-19, por atestado médico que determinar o afastamento do trabalho, o segurado fica desobrigado a submeter-se à perícia médica oficial devendo ser concedido o auxílio-doença pelo Regime Geral de Previdência Social a ser pago em até quinze dias da data de apresentação do atestado médico e requerimento do benefício.

Parágrafo único. No caso do afastamento de segurado-empregado ser de até quinze dias, o empregador deverá pagar o salário correspondente ao período de afastamento, devendo a Previdência Social ressarci-lo pelo sistema do sistema (sic) eletrônico de registro das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais denominado Simples Doméstico ou o que lhe substitua.

Art. 5º. O Ministério da Saúde e demais órgãos sob sua coordenação deverão realizar campanhas de informação específicas destinadas a quem atua no trabalho doméstico e que tenham atuação como cuidadores de pessoas com conteúdos sobre cuidados e prevenção e riscos de contaminação pelo coronavírus causador da atual pandemia, bem como deverá informar periodicamente o número de profissionais de trabalho doméstico sob suspeita ou confirmados em contaminação do vírus.

Art. 6º. Na hipótese da permanência dos empregados domésticos, diaristas ou cuidadores nos domicílios, deverá ser garantido o aceso irrestrito às condutas preventivas de higiene pessoal no local de trabalho (lavagem de mãos, disponibilização de álcool gel, máscara, se for o caso) e a limpeza e higienização adequadas no ambiente laboral, sob pena de aplicação de multa de que trata o inciso II do art. 634-A e observado o disposto no art. 634-B, ambos do Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º. de maio de 1943.

Parágrafo único. É vedado efetuar descontos no salário ou diária por fornecimento dos equipamentos ou produtos de que trata este artigo ou correspondente a transporte alternativo em substituição ao uso do transporte coletivo público.

Art. 7º. Independente da carência definida nos artigos 24 e 25 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, fica assegurada a concessão de benefícios previdenciários às seguradas vinculadas ao Regime Geral de Previdência Social, sob qualquer forma de vínculo, no período de vigência dos atos das autoridades pública federal, estadual, distrital ou municipal que impuserem quarentena ou isolamento para a população como medida para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.

Parágrafo único. O segurado contribuinte individual ou microempreendedor individual regulado pela Lei Complementar 123, de 2016, que exerça atividades pertinentes ao trabalho doméstico fica isento do recolhimento previdenciário por quatro meses do ano de 2020, contabilizado o período para todos os efeitos, inclusive o de carência, de que trata a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.

Art. 8º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

JUSTIFICAÇÃO

Temos vivido um período de grande conturbação no mundo e, especialmente, no Brasil em razão da pandemia de coronavírus que nos assola.

Várias medidas estão sendo implementadas para tentar conter o avanço dessa doença. De fato, atos têm sido expedidos pelas autoridades federal, estaduais, distrital e municipais e todos eles têm apresentado um componente comum de se estabelecer uma quarentena das pessoas, restringindo-se, o máximo possível, o contado entre os indivíduos, visando impedir a contaminação em massa pelo vírus.

Com isso, temos visto determinações de fechamento de vários estabelecimentos, sendo os respectivos empregados dispensados de comparecer ao serviço e orientados a permanecerem em suas residências.

É preciso esclarecer que essa realidade também atinge a categoria das trabalhadoras domésticas e das pessoas que prestam serviço como diarista. Contudo, não temos visto orientações ou determinações relacionadas à proteção da saúde dos integrantes dessas categorias, bem como determinações legais que garantam os direitos trabalhistas e remuneração das diaristas durante o período das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-COV-2. Com isso, grande contingente de trabalhadoras (sic) domésticos domésticas (sic) e diaristas têm sido dispensado do trabalho ante o receio de seus empregadores de contágio da doença ou até mesmo obrigando-as a continuarem exercendo as suas atividades por não terem outra fonte de renda e garantia de se afastarem do trabalho gozando de remuneração.

As notícias divulgadas pela imprensa nos dão conta de que estão sendo elaboradas medidas para proteger os empregados em geral, cujos estabelecimentos em que trabalham estão tendo que cerrar as portas por imposição das autoridades públicas. Não vemos notícias, todavia, de que medidas análogas estejam sendo pensadas para as trabalhadoras domésticas e diaristas de forma a cumprir com as determinações legais e compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro ao ratificar a Convenção 189 da OIT e promulgar a Emenda Constitucional 72/2013 e a Lei Complementar 150/2015.

É inconcebível que uma das categorias que reúne mais de 7 milhões de trabalhadoras, com maioria de mulheres negras e pobres, e fazendo parte dos primeiros dados estatísticos de casos de contaminação e de óbitos não esteja recebendo a atenção devida do Poder Público para proporcionar-lhes proteção e não se tornarem vetor de contaminação.

Nesse contexto, estamos apresentando uma proposta para permitir o afastamento do empregado doméstico do serviço, sem prejuízo do emprego e do salário, a garantia de renda mínima para quem exerce atividades de trabalho doméstico sem vínculo empregatício e a dispensa do período de carência para a concessão de benefícios previdenciários. Incluímos regras visando a transparência dos dados sobre casos suspeitos ou de contaminação da SARS-COV-2 que envolvam essas trabalhadoras. Além disso, estabelecemos dispositivo para o O (sic) Ministério da Saúde e demais órgãos sob sua coordenação realizem campanhas de informação específicas para as trabalhadoras domésticas, diaristas e cuidadoras de idosos e pessoas com deficiência.

Em relação às diaristas, que já somam mais de dois milhões de mulheres em todo o Brasil, tivemos a preocupação de assegurar uma renda mínima para aquelas não inscritas no sistema de previdência social, bem como dispensar, no caso daquelas que contribuem como autônomas ou com inscrição no MEI, do cumprimento de carência para gozo dos benefícios previdenciários necessários (por exemplo, a concessão do auxílio-doença em um eventual contágio) para sua proteção e o devido cumprimento das restrições e quarentena impostas pelas autoridades estatais.

Estamos certas de que essa medida contribuirá para a diminuição dos efeitos negativos da pandemia de coronavírus. Por esse motivo é que esperamos contar com o apoio de nossos Pares para a aprovação do presente projeto de lei.

Sala das Sessões, em      de março de 2020.

Deputada BENEDITA DA SILVA

PT-RJ

 

 

  1.  

30/03/2020

Mesa Diretora (MESA)

  • Apresentação do Projeto de Lei n. 1.134/2020, pelo Deputado Carlos Veras (PT/PE)[60], que “estabelece garantia de emprego ou pagamento de seguro-desemprego às empregadas domésticas, aos empregados de micro e pequenas empresas e aos pescadores artesanais”.

 

PROJETO DE LEI N. , DE 2020.

(Do Sr. Carlos Veras)

Estabelece garantia de emprego ou pagamento de seguro-desemprego às empregadas domésticas, aos empregados de micro e pequenas empresas e aos pescadores artesanais.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. No período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 2020, é garantida a estabilidade provisória dos empregados e empregadas domésticas, período em que o empregador ficará isento da contribuição previdenciária prevista no art. 24, da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.

  • 1º. Em caso de descumprimento do previsto no caput, o empregador doméstico pagará multa de uma remuneração mensal, além do aviso prévio.

  • 2º. Em caso de dispensa, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o empregado e a empregada doméstica farão jus ao seguro-desemprego previstos no art. 26 da Lei Complementar n. 150, de 1º de junho de 2015, ainda que não tenham preenchido o período aquisitivo previsto no inciso I, do art. 28,da mesma lei, ou que tenham usufruído do benefício e não tenham preenchido novo período aquisitivo.

Art. 2º. No período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 2020, é garantida a estabilidade provisória aos empregados de micro e pequenas empresas.

  • 1º. Nos meses de março, abril, maio e junho de 2020 serão pagas prestações de seguro-desemprego com o valor calculado nos termos da Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, ainda que os empregados não tenham preenchido os requisitos do art. 3º. daquela lei, cabendo à empresa a complementação da remuneração, se houver.

  • 2º. Nos 6 (seis) meses subsequentes, a remuneração voltará a ser integralmente paga pelo empregador.

  • 3º. Caso necessário, a empresa terá acesso a crédito do Governo Federal para o pagamento da remuneração do período posterior ao do seguro-desemprego, a ser restituído em 24 (vinte e quatro) meses após o fim do estado de calamidade pública, sem incidência de juros e correção monetária.

Art. 3º. No período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 2020, é garantido o pagamento do seguro-defeso aos pescadores artesanais, pelo período de 3 (três meses), além do já usufruído ou em andamento.

JUSTIFICAÇÃO

No Brasil, são mais de 6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas. Certamente, há milhões de pessoas que dependem dessas pessoas. Assim, a manutenção dos empregos, nesse momento, é essencial para que possam enfrentar esse crítico período da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Ainda, deve-se manter as demais garantias já conquistadas na Lei Complementar n. 150/15, estendendo-se o seguro-desemprego e dispensando-se algumas exigências previstas na legislação devido à situação excepcional. Por outro lado, o empregador ficaria dispensado de recolher a contribuição previdenciária patronal nesse período, sem prejuízo do já proposto no Projeto de Lei n. 966, de 2020, para, após o fim da calamidade pública, permitir-se a dedução desse valor na base de cálculo do imposto de renda.

Para os empregados de micro e pequenas empresas, é necessário estabelecer garantias de emprego, dividindo-se a responsabilidade entre Governo e empresa. Assim, a proposição é que se garanta a estabilidade, mas com a contribuição do Estado através do pagamento temporário do seguro-desemprego, mesmo que o empregado não tenha preenchido os requisitos previstos regularmente, uma vez mais por tratar-se de um momento absolutamente diferenciado na realidade brasileira.

No caso de o empregado receber remuneração maior que a parcela do seguro-desemprego a que ele tem direito, a empresa arcaria coma diferença.

Se a empresa continuar com dificuldade para pagar a folha de pagamento, ela poderá buscar crédito junto ao Governo Federal para manter sua atividade econômica, para que se preservemos empregos.

Neste momento de absoluta necessidade de assegurar a saúde do povo brasileiro, manter os empregos e a capacidade das micro e pequenas empresas de continuar suas atividades é medida urgente e necessária e, para isso, o apoio financeiro do governo federal a este setor, que é um dos maiores empregadores do país, é essencial.

Em todos os casos, entende-se pela necessidade de superação das condições previstas nas leis específicas (lei do seguro-desemprego e lei dos domésticos), para ampliar o acesso aos benefícios, considerando a gravidade da situação vivenciada pelos trabalhadores mais vulneráveis.

Os pescadores artesanais terão dificuldades de comercializar o pescado, razão pela qual é necessário estender o período do seguro-defeso ou criar novo período para os que tiveram encerrado o período da proibição da pesca. É uma atividade muito vulnerável porque depende da imediata venda, diferentemente da pesca em escala industrial que tem condições de armazenamento do pescado para posterior comercialização e suporte financeiro a médio prazo.

Sala das Sessões,     de março de 2020.

Dep. Carlos Veras

PT/PE

  1. REFERÊNCIAS

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[1] NASCIMENTO, Sonia Mascaro. Covid-19- redução de salário e jornada. Constitucionalidade. http://www.andt.org.br/f/COVID-19-%20REDU%C3%87%C3%83O%20DE%20SALARIO%20E%20JORNADA.%20CONSTITUCIONALIDADE.pdf Acessado em 22 de abril de 2020.

[2] Notícias STF. STF mantém possibilidade de redução de salários por acordo individual em decorrência da pandemia. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441651. Acessado em 22 de abril de 2020.

[3] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Medida Provisória 905: revogação e proibição de reedição. https://www.conjur.com.br/2020-abr-25/gustavo-garcia-mp-905-revogacao-proibicao-reedicao Acessado em 24 de abril de 2020.

[4] A base do presente trabalho se encontra em alguns trabalhos nossos: VILLATORE, Marco Antônio César. Novidades socioeconômicas sobre empregados domésticos na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do MERCOSUL. Revista de Processo do Trabalho e Sindicalismo, v. 5, p. 38-58, 2014; VILLATORE, Marco Antônio César. Inovações no Direito do Trabalho Doméstico. Curitiba: Juruá Editora, 2016; VILLATORE, Marco Antônio César; VILLATORE, Patricia Calvo. Preocupante aumento de casos de transtornos mentais e comportamentais e sua relação com o trabalho. In: XXVIII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI GOIÂNIA – GO, 2019, Goiânia. Constitucionalismo Crítico, Políticas Públicas e Desenvolvimento Inclusivo, 2019. p. 06-23, file:///C:/Users/User/AppData/Local/Temp/22qPoqOvTnz8476n.pdf. Acessado em 22 de abril de 2020.

[5] ARANTES, Delaíde Alves Miranda. Trabalho decente para os trabalhadores domésticos do Brasil e do mundo. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 83-86. p. 84.

[6] OLIVEIRA, Nancy Mahra de Medeiros Nicolas. Trabalho doméstico no contexto econômico e socioambiental brasileiro: desigualdades e paradoxos na regulação normativa. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012. p. 46.

[7] COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. O trabalho doméstico: primeiras impressões da Emenda Constitucional 72/2013. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 195-211. p. 195.

[8] VILLATORE, Marco Antônio César. Inovações no Direito do Trabalho Doméstico. Curitiba: Juruá Editora, 2016. p. 72.

[9] Ibidem. p. 72.

[10] Ibidem. p. 72 e 73.

[11] Cartilha Simples Doméstico. http://www.esocial.gov.br/doc/cartilha-simples-domestico.pdf. Acessado em 22 de abril de 2020.

[12] Curitiba – Notícias. Greca decreta situação de emergência em saúde para combater coronavírus. https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/greca-decreta-situacao-de-emergencia-em-saude-para-combater-coronavirus/55285. Acessado em 22 de abril de 2020.

[13] Jornal Zero Hora. Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal. https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2020/04/porto-alegre-e-a-primeira-cidade-do-pais-a-ter-decreto-de-emergencia-reconhecido-pelo-governo-federal-ck8iqlsc300sj01o5bbwmw1tp.html. Acessado em 22 de abril de 2020.

[14] SEGURO-DESEMPREGO – ATUALIZAÇÃO Conforme Lei 13.134/2015 e Considerações Geral​​. http://www.informanet.com.br/Prodinfo/boletim/2015/trabalhista/seguro_desemprego_atualizacao_27_2015.php Acessado em 22 de abril de 2020.

[15] Agência Senado. Comissão tenta retomar exame de emendas a projetos sobre emprego doméstico e trabalho escravo. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/07/03/comissao-tenta-retomar-exame-de-emendas-a-projetos-sobre-emprego-domestico-e-trabalho-escravo. Acessado em 22 de abril de 2020.

[16] Seguro-desemprego. Assistência financeira temporária para o trabalhador desempregado​​. http://www.caixa.gov.br/beneficios-trabalhador/seguro-desemprego/Paginas/default.aspx. Acessado em 22 de abril de 2020.

[17] MAGANO, Octávio Bueno. Direito Coletivo do Trabalho – Manual de Direito do Trabalho. Volume III, 3ª. ed., São Paulo, LTr Editora, 1993. p. 96.

[18] MARTINS, Sergio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. São Paulo, Malheiros Editores, 1996. p. 80.

[19] GONÇALES, Odonel Urbano. Manual do Empregado e do Empregador Doméstico. São Paulo: LTr, 1997. p. 118-119.

[20] DE BUEN L., Nestor. Derecho del trabajo. México: Porrúa, 1976. p. 425.

[21] SILVA, Octacílio P. Empregados Domésticos. In: Curso de Direito do Trabalho – Estudos em Memória de Célio Goyatá, obra sob a coordenação de Alice Monteiro de Barros. Volume I, 2. ed., São Paulo, LTr Editora, 1994. p. 374-375.

[22] BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O ambiente de trabalho, a doença e o acidente do trabalho e os desafios para empregadores e empregados domésticos. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 125-149. p. 146.

[23] http://www.fenatrad.org.br/site/vivamus-consequat-urna-eget-magna-ornare/ Acessado em 22 de abril de 2020.

[24] OLIVEIRA, Creuza Maria. Uma reparação histórica. In: http://www.ceafro.ufba.br/web/index.php/noticias/exibir/203 Acessado em 22 de abril de 2020.

[25] Conforme http://www.sedesp.com.br/. Acessado em 22 de abril de 2020.

[26] Conforme http://stdmsp.com/main.html?src=%2F#1,0. Acessado em 22 de abril de 2020.

[27] Conforme http://www.federacaodomesticas.com.br/site/index.php. Acessado em 22 de abril de 2020.

[28] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 72/2013 E O FUTURO DO TRABALHO DOMÉSTICO. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 93-112. p. 101.

[29] http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9920:pr-governo-assina-convencao-coletiva-do-trabalho-domestico-terca-14 Acessado em 22 de abril de 2020.

[30] http://www.domesticalegal.org.br/CCT_2014_SEDCAR.pdf Acessado em 22 de abril de 2020.

[31] http://sindomestica.com.br/cct2015.pdf Acessado em 22 de abril de 2020.

[32] http://www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/textos/domestico/jurisprudencia.htm Acessado em 22 de abril de 2020.

[33] http://trt-15.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4570660/recurso-ordinario-em-procedimento-sumarissimo-ro-45721-sp-045721-2004/inteiro-teor-101674392 Acessado em 22 de abril de 2020.

[34] Artigo 2º. – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[35] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 72/2013 E O FUTURO DO TRABALHO DOMÉSTICO. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 93-112. p. 101.

[36] PASSOS, Edésio; PASSOS, André. O trabalho doméstico e a Emenda Constitucional 72: Resgate, igualdade, perdão, responsabilidade. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 69-82. p. 77.

[37] COELHO, Luciano Augusto de Toledo; LIMBERGER, Jordane Núbia. Inovações legais no contrato de trabalho doméstico. Curitiba: Instituto Memória, 2017. p. 136.

[38] PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 21

[39] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 22-23.

[40] ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho. Dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997. p. 30.

[41] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 129.

[42] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Ob. cit. p. 129.

[43] ROSSIT, Liliana Allodi. O meio ambiente do trabalho no direito ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2003. p. 67.

[44] ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Convenção n. 155. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236163/lang–pt/index.htm>. Acesso em 22 de abril de 2020.

[45] Ibidem.

[46] NAÇÕES Unidas no Brasil. Saúde mental depende de bem-estar físico e social, diz OMS em dia mundial. Publicado em 10/10/2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/saude-mental-depende-de-bem-estarfisico-e-social-diz-oms-em-dia-mundial/>. Acesso em 22 de abril de 2020.

[47] ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde. Mental health action plan: 2013-2020. Genebra, p. 9. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/89966/9789241506021_eng.pdf;jsessionid=9F0414462EBF826 55E8A2AF2BE07087C?sequence=1>. Acesso em 22 de abril de 2020. Os determinantes da saúde mental e dos transtornos mentais e comportamentais incluem não apenas atributos individuais, como a capacidade de gerenciar pensamentos, emoções, comportamentos e interações com outros, mas também fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais, como políticas nacionais, proteção social, padrões, condições de trabalho e suporte social da comunidade. (tradução literal do autor).

[48] BOLGUESE, Maria Silvia. Depressão & Doença Nervosa Moderna. São Paulo: Via Lettera: Fapesp, 2004. p. 29.

[49] SERSON, Breno. Transtornos de ansiedade, estresse e depressões: conhecer e tratar. São Paulo: MG Editores, 2016. p. 26.

[50] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 685.

[51] CAPÍTULO II

DOS DIREITOS SOCIAIS

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; (…)

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa

[52] Lei nº. 8.080/1990. Art. 3o  Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

[53] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 684.

[54] Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 1º. Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado.

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

  • 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

  • 2º. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

[55] Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

TÍTULO II

DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

  • 1º. Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.

  • 2º. A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.

[56] CAPÍTULO I

Dos Objetivos e Atribuições

Art. 5º. São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º. do art. 2º. desta lei;

III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

[57] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 798/2020, pelo Deputado Idilvan Alencar (PDT/CE). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1869745&filename=Tramitacao-PL+798/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

[58] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 931/2020, pelos Deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Professora Rosa Neide (PT-MT). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870180&filename=Tramitacao-PL+931/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

[59] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 993/2020, pela Deputada Benedita da Silva (PT-RJ). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870634&filename=Tramitacao-PL+993/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

[60] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 1.134/2020, pelo Deputado Carlos Veras (PT/PE). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1871063&filename=Tramitacao-PL+1134/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

 

DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

Luiz Eduardo Gunther
Marco Antônio César Villatore
André Jobim de Azevedo

 

1 Introdução

Estamos no meio de um furacão. O ano de 2020 se iniciou com grandes preocupações relativamente ao vírus que vinha da China. Em pouco tempo espalhou-se pela Europa, Estados Unidos, tantos outros países e, finalmente, pelo Brasil.

Há uma contagem diária de infectados, de mortos e de quem sobreviveu à COVID-19.

Quanto tempo teremos de conviver com os distanciamentos das pessoas e paralisação dos serviços, da atividade econômica, ninguém sabe.

Chegamos no mês de abril e todas as consequências da pandemia reconhecida são enigmas a serem decifrados.

Dentro de um quadro de incertezas como o que vivemos, falar de informação, do direito à informação, do dever à informação, e de assuntos correlatos, é essencial para a sobrevivência civilizada da nossa sociedade.

O que significa a palavra informação? E direito à informação, como direito fundamental, o que de fato representa para nós brasileiros?

Antes das questões semânticas, pode-se buscar nas obras de ficção respostas para a preocupação e o medo que nos assaltam diariamente. Muitas obras e autores descreveram distopias, tempos sombrios, e continuam atuais.

Na área do Direito do Trabalho um aspecto pouco lembrado é a exigência do direito à informação e, também, do dever de informação nas negociações coletivas. Qual o papel das entidades sindicais, empresas e trabalhadores nesse tema da informação quando se examinam questões laborais no tempo coletivo? Esse assunto também nos interessa muito.

 

2 O fenômeno da epidemia (e da pandemia!) à luz das obras de ficção na literatura

 

Os grandes autores da literatura foram inspiradores de estudos em muitas áreas: da medicina à engenharia, do direito à cibernética, dentre outros tantos.

O tempo que vivemos agora, onde as notícias cada vez são mais desencontradas, não há consensos, proliferam as fake news e tudo nos é transmitido com velocidade, muitas vezes sem oportunidades para checar as fontes.

Nossa capacidade humana é incapaz de absorver tantas informações pela internet, lives, instagram e quejandos.

Temos direito à informação? Temos! Mas como separar o joio do trigo?

Talvez, a dificuldade de acolher as informações e reconhecê-las tenha nos levado ao mundo da ficção onde mundos sombrios são desenhados.

Pode-se destacar como maior exemplo dessa circunstância, nesse momento crítico, a lista dos livros mais vendidos no Brasil nos últimos dias. É um fenômeno a ser verificado!

Entre os dez livros mais vendidos de ficção em nosso país, durante o mês de abril[1], a metade trata de distopias. Vamos citá-los: A Revolução dos Bichos, de George Orwell; Fahrenheit 451, de Ray Bradbury; 1984, de George Orwell; Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; O Amor nos Tempos de Cólera, de Gabriel García Márquez (este último com viés de epidemia). Parece incrível, mas as nossas preferencias literárias voltaram-se aos livros do passado. Há alguma coisa a ser verificada aí, um sintoma…

Peste, epidemia, ou até pandemia, não é, de fato, novidade na literatura. Como destaca Vinicius Torres Freire: “desde a Grécia Antiga, passando por Boccaccio e Camus, narrativas clássicas tematizam epidemias e os dilemas morais com que o mundo se depara em situações de calamidade, como estamos vendo agora”. [2]

São dignos de menção aqui dois livros, de Daniel Defoe e Albert Camus. O primeiro, publicou o “Jornal do Ano da Peste” em 1722, um diário fictício em primeira pessoa da praga na Londres de 1665, “relato jornalístico vivo, chocante e cheio de estatísticas e medidas oficiais, motivado pela peste de Marselha de 1720”.[3]

O romance “A Peste” de Albert Camus, publicado em 1947, “alterna crônica realista e meditações a respeito da vida sob a epidemia, na verdade sob alguma grande opressão”.[4]

Não há, porém, como se agarrar aos livros de ficção quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara “que há uma pandemia do coronavírus Sars-Cov-2 com a disseminação por mais de cem países em todos os continentes”. [5]

Para o Direito (e os juristas em especial…) resta a análise do impacto social dessa pandemia e da regulação jurídica adequada.

Dentre as tantas alternativas possíveis e imagináveis, o respeito ao direito fundamental à informação é, sem dúvida, uma das mais importantes.

 

3 O significado do vocábulo “informação”

 

A palavra informação é polissêmica, por isso a necessidade de precisar o seu sentido sempre que a utilizarmos.

Em uma visão filosófica, podem-se detectar duas vertentes de interpretação. A primeira, como ação e efeito de informar, que, na linguagem escolástica, é dar uma forma a uma matéria. A segunda, o emprego, na linguagem comum, para indicar o ato pelo qual se faz conhecer alguma coisa a alguém.[6]

Na engenharia, a teoria da informação trata da transmissão de sinais eletromagnéticos por fios ou através do espaço. O termo “informação” transbordou da engenharia, contaminando primeiro a biologia (a genética), depois a bioquímica (a biologia molecular), a psicologia, a sociologia e assim por diante. Em cada um desses casos, à palavra informação foi tacitamente atribuído um significado diferente. Foram feitas, pela semântica numerosas tentativas de elucidar o significado (o conceito da palavra informação). Todas elas malograram por duas razões: a) quantidade e conteúdo da informação não estão relacionados; b) o significado não está relacionado com o conceito de probabilidade objetiva que ocorre na teoria da informação.[7]

Na informática e internet usa-se a palavra inglesa information para conceituar tudo que significa notícia, conhecimento ou comunicação.[8]

A evolução tecnológica legou-nos a informação pelo telégrafo, pelo rádio, pelo telefone, pelo celular. Agora falamos, ouvimos e vemos as pessoas com as quais nos comunicamos. Podemos fazer isso não apenas com o nosso interlocutor, mas também com mais pessoas, por teleconferências. A informação pode ser compartilhada entre muitas pessoas ao mesmo tempo por som e imagem.

Existem tendências e expressões que definirão nosso comportamento. O Dicionário do Futuro menciona a palavra telearmazenamento, significando que companhias telefônicas disponibilizarão aos seus clientes maciços recursos de armazenamento em discos rígidos, com a tecnologia de reconhecimento de voz para armazenamento de conversas, de forma digital e permanente, que poderão ser recuperadas a qualquer momento.[9]

Por esse prisma, considera-se uma teoria da informação e uma tecnologia da informação. Tornou-se possível, como sabemos, digitalizar a informação através da linguagem comum do código binário, voz, dados e vídeo puderam tornar-se fluxos de informação digitalizada, capaz de ser armazenada, manipulada e transmitida de forma barata e em grande velocidade pelos computadores digitais. Simultaneamente, a indústria eletrônica da computação e a das telecomunicações convergiram para se tornarem uma indústria global de informação.[10]

O recurso ao Dicionário Aurélio nos auxilia a saber que a palavra informação veio do latim informatione, que significa dados acerca de alguém ou de algo. Também representa uma comunicação ou notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa ou do público. Quanto à teoria da informação, segundo o Dicionário, constitui “medida da redução da incerteza, sobre um determinado estado de coisas, por intermédio de uma mensagem”.[11]

Ao analisar a sociedade em rede, Manuel Castells explicita como se caracteriza o ser na sociedade informacional. Segundo ele, os primeiros passos históricos das sociedades informacionais parecem caracterizá-las pela preeminência da identidade como seu princípio organizacional. Esclarece o autor que considera como identidade o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significado “principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais”.[12]

Em seu trabalho mais conhecido, denominado “O Príncipe”, Nicolau Maquiavel comparou a tuberculose (tísica) aos problemas do Estado, com uma argumentação peculiar:

Da tísica dizem os médicos que, a princípio, é fácil de curar e difícil de conhecer, mas com o correr dos tempos, se não foi reconhecida e medicada, torna-se fácil de conhecer e difícil de curar. Assim se dá com as coisas do Estado: conhecendo-se os males com antecedência, o que não é dado senão aos homens prudentes, rapidamente são curados: mas quando, por se terem ignorado, se têm deixado aumentar, a ponto de serem conhecidos de todos, não haverá mais remédio àqueles males”.[13]

Perdoada a agudeza da constatação, Maquiavel, sem dúvida, estava falando da prevenção, tanto da doença como dos problemas do Estado. Como saber dos problemas que estão ocorrendo ao seu início? Muito difícil, dependem de percepção, constatação e poderíamos acrescentar informação. Quando a informação é precisa, antecipada, auxilia no reconhecimento do problema e ajuda a encontrar a solução.

O que aconteceu com a COVID-19? Demoraram as informações, que nem sempre foram apresentadas de forma correta, e instalou-se a pandemia, com uma rapidez incrível.

 

4 A liberdade de informação e o direito fundamental à informação

 

Liberdade de informação, ou liberdade de emissão de pensamento não significa a mesma coisa que direito à informação.

Pontes de Miranda considerava a liberdade de emissão do pensamento essencial à inteligência humana, à vida efetiva e à vida social. No primeiro caso, porque se confessa a dúvida, ou se discute o de que se duvida, comunica-se o que se sabe e se submete aos outros o que se pensa ser certo e talvez não o seja. No segundo, porque se dizem os sentimentos e se ouve quanto aos dos outros. Terceiro, porque sem ele não há o contato de uns com os outros, para a cooperação, a ação prevista e as criações ou realizações de toda ordem.[14]

Ao realizar a exegese do inciso XIV, do artigo 5º., da Constituição da República Federativa do Brasil, Alcino Pinto Falcão destaca que elevar a garantia expressa na Carta Magna foi novidade oportuna, mas esclarece que o inciso tratou de duas situações distintas. No mesmo dispositivo colocou: a) de um lado, uma franquia, que cabe aos cidadãos em geral; b) e de outro, o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional adequado à liberdade de imprensa.[15]

Na mesma obra, o autor citado afirma ser o acesso à informação uma modalidade de qualquer particular, que paga impostos – e todos, diretos ou indiretos a eles, pelo nosso regime estão sujeitos. Trata-se, pois, de uma modalidade de participar e de fiscalizar o andamento da coisa pública. Considera o acesso à informação inegavelmente um apanágio do regime democrático, quiçá seu mais importante atributo.[16]

A Constituição da República portuguesa, de 1976, bem soube distinguir e regular o tema. No art. 37, n. 1, pôs a garantia de que goza qualquer cidadão português; no art. 38, n. 3, outorgou a prerrogativa do sigilo profissional aos jornalistas, como corolário do seu direito ao acesso às fontes de informação inerente à profissão e para que esta possa ser exercida com independência e eficazmente.

Dispõe o artigo 37, que trata da liberdade de expressão e informação, da Constituição de Portugal, no seu item 1:

Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.[17]

O item 3 do art. 38, da Constituição da República portuguesa, versa sobre a liberdade de imprensa e meios de comunicação social:

A liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redação.[18]

Para o escopo deste texto interessa apenas a análise do art. 37, 1, onde são reconhecidos dois direitos (ou conjunto de direitos) distintos, embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação. Quanto ao primeiro, consiste no direito de não ser impedido de exprimir-se. A liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento, que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural, na liberdade de consciência e de culto, na liberdade de aprender e ensinar e, em certa medida, na liberdade de reunião e manifestação.[19]

Especificamente importa a este estudo esclarecer como os portugueses compreendem o chamado direito de informação, que integra três níveis: o direito de informar, o de se informar e o direito de ser informado.

O direito de informar consiste na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito de informar, ou seja, direito a meios para informar.

O direito de se informar consiste na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar.

O direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito de ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação e pelos poderes públicos.[20]

A liberdade de informação, segundo ensina José Afonso da Silva, compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito, ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que, tanto os indivíduos como a comunidade, estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas.[21]

Há que se fazer distinção entre liberdade de informação e direito à informação. A liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Quanto ao acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.[22]

O direito de acesso à informação protege, segundo Wilson Steinmetz, as ações ou condutas de procura, levantamento, consulta, pesquisa, coleta ou recebimento de informações. A pessoa tem um direito a que os Poderes Públicos e, em certos casos, também os particulares não obstaculizem ou impeçam essas ações. Trata-se de um direito de defesa na lição desse autor, apresentando a seguinte exemplificação: um hospital privado que negar ao paciente acesso ao teor de seu prontuário clínico estará violando o direito fundamental de acesso à informação.[23]

Não se pode olvidar, também, da contribuição que esse direito dá para preservar e desenvolver o pluralismo político (art. 1, V), e, por consequência, o regime democrático. Assim, o direito fundamental de acesso à informação contribui para a livre formação das ideias, opiniões, avaliações, convicções e crenças da pessoa sobre assuntos ou questões de interesse público, relativos ao Estado e à sociedade civil, e de interesse individual ou de grupo, e também para o livre, consciente e responsável desenvolvimento da personalidade.[24]

Nessa linha de entendimento, Ingo Wolfgang Sarlet e Carlos Alberto Molinaro asseveram:

O direito à informação (subjacente a liberdade à informação, modal político que o alimenta) é um direito de defesa de modo que seu titular não seja impedido de emitir ou difundir suas ideias, ideais, opiniões, sentimentos ou conhecimentos, quando opera como direito subjetivo, individual ou coletivo.[25]

No que diz respeito à sua dimensão objetiva, todavia, segundo esses mesmos autores, o direito à informação postula prestações, tanto de natureza informacional, quanto no âmbito dos deveres estatais de proteção, mediante a edição de normas de cunho procedimental e organizacional, vinculando todos os órgãos estatais, notadamente os jurisdicionais aos quais está deferido o cuidado para a concretização dos direitos e interesses postos em causa.[26]

Apresentamos, explicamos, neste item, em linhas gerais, os significados das terminologias liberdade de expressão e direito à informação, com seus importantes desdobramentos.

Adentra-se agora ao exame do impacto que o direito à informação (e seu correlato dever à informação!) gera em momento de pandemia nas negociações coletivas de trabalho.

 

5 O direito à informação e o dever de informar nas negociações coletivas de trabalho

 

Não há qualquer dúvida que, no capitalismo, as negociações coletivas de trabalho devem não só ser reconhecidas, mas também incentivadas. Consideram-se oportunidades importantes em que os entes coletivos que representam os trabalhadores (entidades sindicais obreiras) podem sentar-se à mesa de negociação e discutirem, de igual para igual, com os entes coletivos empresariais (empresas, sindicatos patronais), a melhoria das condições de trabalho dentro da empresa.

É possível reconhecer na doutrina do Direito Coletivo do Trabalho o princípio do direito à informação como um dos mais relevantes.

João de Lima Teixeira Filho registra princípios marcantes das negociações coletivas, ressaltando que esse rol não exclui a existência de outros. Os princípios que reconhece como devidos à negociação coletiva são os seguintes: inescusabilidade negocial; boa-fé; direito de informação; razoabilidade e paz social. Ao tratar do direito de informação, como princípio da negociação coletiva, assevera que “a informação faz parte da natureza mesma do processo de entendimento”.[27] Como esclarece o autor no seu texto, para que a pauta de reivindicações possa ser adequadamente formulada, “os pleitos devem ser substanciados a fim de permitir a compreensão de suas razões, contrapostas, ou esclarecimentos, e dar início à negociação”.[28]

Ao lado de um direito à informação, é possível, também, falar em um dever de informação. Segundo esse princípio (dever de informação) as partes se prestarão reciprocamente as informações necessárias à justificação de suas propostas e respostas. Não há dúvida que o princípio interessa mais à representação dos empregados, pois esta habitualmente sente forte carência de dados a respeito da situação econômica, financeira e comercial da empresa. Naturalmente surgem resistências patronais, “mas as informações pertinentes, direta ou indiretamente, à negociação, não podem ser negadas sem que se caracterize má-fé do negociador”.[29]

Esse dever de informação pela empresa e direito à informação pelos empregados, quando da negociação coletiva, deve ser melhor explicitado. Parece sensato que sejam conhecidas as reais condições econômicas-financeiras da empresa ou dados do segmento econômico e sua capacidade de conceder determinados pleitos que os representados julgam cabíveis. Entretanto, essas informações devem ser prestadas não apenas nos momentos de dificuldade financeira (para gerar medidas de superação da crise via negociação coletiva), mas, também, sempre, nas épocas de prosperidade. Dois cuidados devem ser tomados a esse respeito, porém: a) não é crível o empregador adotar atitude de recusa às reivindicações escudando-se em informações pretensamente secretas; b) mas, também, não é possível que informações estratégicas possam colocar a empresa em risco a pretexto de terem que ver com o processo negocial.[30]

A Organização Internacional do Trabalho, sobre essa temática, editou a Recomendação n. 163, “Sobre a Promoção da Negociação Coletiva” (art. 7.2.a), na qual estabelece que os empregadores, a pedido da organização de trabalhadores, devem pôr à sua disposição informações sobre a situação econômica e social da unidade negociadora e da empresa em geral, se necessárias, para negociações significativas. Portanto, essas informações devem ser necessárias. Por outro lado, pode-se exigir a confidencialidade da informação, isto é: “no caso de vir a ser prejudicial à empresa a revelação de parte dessas informações, sua comunicação pode ser condicionada ao compromisso de que será tratada como confidencial na medida do necessário”.[31]

Como assinala, com precisão, João de Lima Teixeira Filho, a informação deve guardar pertinência à negociação e às matérias que nesse campo serão debatidas, e “o direito de informação não pode servir de escape para, de alguma maneira, frustrar o entendimento direto.[32]

O Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho da OIT, em 1977 (com a emenda de 2000), adotou a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social. No título que trata da negociação coletiva, item 7, sugere às empresas multinacionais (deveriam!):

proporcionar aos representantes dos trabalhadores as informações necessárias à celebração de negociações eficazes com a entidade em questão e, de conformidade com a legislação e as práticas locais, deveriam também proporcionar informações para que os trabalhadores possam dispor de dados adequados e fidedignos sobre as atividades da unidade em que trabalham ou, quando apropriado, do conjunto da empresa.[33]

Digna de menção, ainda, é a Recomendação n. 129, da OIT, sobre as comunicações entre a direção e os trabalhadores dentro da empresa, de 1967. Merece especial atenção o artigo 15.1, ao estabelecer que as informações sejam fornecidas pela direção deveriam dirigir-se, segundo sua natureza, aos representantes dos trabalhadores e aos membros do pessoal, e compreender, na medida do possível, todas as questões de interesse para os trabalhadores que se refiram à marcha e perspectivas futuras da empresa e à situação presente e futura dos trabalhadores, na medida em que a revelação das informações não cause prejuízo às partes.[34]

Em dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, em março de 2011, Ícaro de Souza Duarte estudou o tema do “reconhecimento do direito de informação na negociação coletiva como decorrência da aplicação do princípio do da boa-fé objetiva.[35] Nesse importante estudo, o autor procurou evidenciar o reconhecimento do direito de informação na negociação coletiva como decorrência da aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Tanto trabalhadores quanto empregadores necessitam, no âmbito da negociação coletiva, informações sobre os fatos e acontecimentos que se relacionam aos interlocutores sociais, para que a negociação seja frutífera. A elaboração de estratégias e o manejo de argumentos racionais e lógicos dependem do domínio e conhecimento adequado dos temas e matérias objeto da negociação, para as quais é vital a informação.[36]

Considera-se, assim, que o princípio da boa-fé objetiva representa fonte originária do dever de informar, atuando nas fases pré-contratual, de execução contratual e pós-contratual, garantindo, dessa forma, o exercício de liberdade negocial entre o sindicato profissional e determinada empresa ou grupo de empresas, ou mesmo o sindicato econômico da categoria. Torna-se desse modo inquestionável afirmar-se que o dever de informação possibilita uma negociação mais justa, consciente, “que protege a saúde, a integridade, a segurança da categoria de trabalhadores envolvida, e direciona para as consequências econômicas que a relação laboral pode acarretar, isto é, melhores condições de trabalho, com a certeza de que se fez a melhor negociação.[37]

Em tempos de pandemia do novo coronavírus fica evidente o quanto é importante aplicar-se o princípio do direito à informação, com seu correspondente dever de informação. No âmbito das negociações coletivas, como se pode assinalar, o direito à informação é essencial para a continuidade empresarial e preservação dos empregos, atentando-se para a função social da propriedade, do contrato e da empresa.

Vamos agora analisar o impacto jurídico que a pandemia do coronavírus gera na proteção dos dados e no direito à informação.

 

6 A proteção de dados e o direito à informação em tempos de coronavírus

 

Ao estudarmos o direito à informação, em nossos dias, surge como um tema essencial a proteção de dados. Essa expressão surge simultaneamente com a evolução da tecnologia, que passa a captar, guardar e difundir informações através da internet, computadores e celulares, por exemplo.

No Brasil, em 2018, editou-se a Lei n. 13.709, denominada “Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD”, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou pessoa jurídica de direito público ou privado, com os objetivos expressos de proteger: a) os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade; b) e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.[38]

Na obra “21 lições para o Século 21”, Yuval Noah Harari afirma, no capítulo que trata do tema da igualdade, que os danos dos dados são os donos do futuro e indaga: quem é o dono dos dados? Assevera que, se quisermos evitar a concentração de toda riqueza e de todo o poder nas mãos de uma pequena elite, a chave é regulamentar a propriedade dos dados. Em sua opinião, no século XXI os dados vão suplantar tanto a terra quanto a maquinaria como o ativo mais importante, e a política será o esforço por controlar o fluxo de dados. Se os dados se concentrarem em poucas mãos, o gênero humano se dividirá em espécies diferentes.[39]

Pode-se inferir desse pensamento que a desigualdade entre as pessoas poderá se acentuar ainda mais, se providências não forem tomadas quanto ao controle de dados.

Como se pode entender aquilo que se denomina “proteção de dados”? Segundo Stefano Rodotá, proteção de dados é uma expressão de liberdade e dignidade pessoais, e como tal, não se deve tolerar que um dado seja usado de modo a transformar um indivíduo em objeto sob vigilância constante.[40]

Como podem classificar-se as técnicas de controle das mensagens? Segundo Pierre Lévy, em seu livro “A inteligência Coletiva”, essas técnicas podem classificar-se em três grupos principais: somáticas, midiáticas e digitais. As técnicas somáticas implicam a presença efetiva, o engajamento, a energia e a sensibilidade do corpo para a produção de signos. As tecnologias midiáticas fixam e reproduzem as mensagens a fim de assegurar-lhes maior alcance, melhor difusão no tempo e espaço. O sistema digital autoriza a fabricação de mensagens, sua modificação e mesmo a interação com elas, átomo de informação por átomo de informação, bit por bit.[41]

A expressão modernidade líquida, cunhada por Zygmunt Bauman, serviu-lhe para falar também sobre a vigilância líquida. Explicita esse ator que, muitas vezes essa vigilância ocorre pela necessidade que as pessoas têm de se fazerem notar. Numa frase famosa, Hegel definiu a liberdade como uma necessidade aprendida e reconhecida. A paixão por se fazer registrar é um exemplo importante, talvez o mais gritante, dessa regra hegeliana em nossos tempos, nos quais a versão atualizada e ajustada do cogito de Descartes seria “sou visto (observado, notado, registrado), logo existo”. Conforme a interpretação desse autor:

A internet veio para substituir o trabalho e erguer-se e sair da invisibilidade e do esquecimento, e assim reivindicar um lugar num mundo reconhecidamente estranho e inóspito, quebrando garrafas ou gargalos.[42]

 

Nesse tema de proteção dos dados, normalmente ingressa o consentimento dos interessados, sua necessidade e limites, e, também, o controle das próprias informações. Stefano Rodotá assinala que o problema dos excessos na coleta de informações e dos abusos na sua utilização pode ser enfrentado com técnicas que não confiem somente no consentimento dos interessados. Na sociedade da informação, de maneira geral, tendem a prevalecer definições funcionais da privacidade que, de diversas formas, fazem referência à possibilidade de um sujeito conhecer, controlar, endereçar e interromper o fluxo das informações a ele relacionadas. Assim a privacidade pode ser defendida, mais precisamente, como o direito de manter o controle sobre as próprias informações.[43]

Na época em que vivemos, intensamente, os reflexos da pandemia do coronavírus, como pode-se dar a proteção dos dados? Segundo Danilo Doneda, o papel das legislações de proteção de dados na garantia de liberdades individuais e coletivas ganha relevância fundamental, diante do risco de que novos usos de dados derivem para interesses não relacionados ao combate à doença. Para esse estudioso do tema:

Em uma crise aguda como a da atual pandemia do covid-19, os dados pessoais são elementos essenciais para modelar e executar políticas públicas de contenção e controle do vírus, bem como para tornar possível que a pesquisa científica proporcione os melhores resultados no menor período de tempo.[44]

Deve-se fazer, contudo, um importante alerta, na esteira do que disse Gabriela Zanfir-Fortuna, especialista em proteção de dados, ao Jornal Folha de São Paulo, em entrevista recente. Segundo ela, o combate à Covid-19 criará sociedade rastreada como nunca. Por isso considera que existem muitos riscos e preocupações. Como, por exemplo, garantir que informações recolhidas por aplicativos nesse momento serão usadas para o fim específico de mitigar a pandemia? Segundo seus estudos, há precedentes de casos em que os dados foram usados para outros fins: os governos podem monitorar imigrações e fluxo de pessoas, por exemplo, o que fugiria do propósito de mitigar a propagação da doença.[45]

Uma situação que vem ocorrendo no Brasil, nesse momento, é o uso de dados dos celulares para verificar quem está em casa ou não. Pergunta-se então: podem os Estados, e os Municípios, rastrear dados de celulares para monitorar aglomerações? O argumento principal usado a favor dessa utilização é que os dados disponibilizados pela empresa são anônimos e que há respeito pela privacidade individual das pessoas. Posicionamentos jurídicos contrários, porém, entendem que seria uma violação à intimidade do cidadão, pois órgãos públicos e empresas privadas não poderiam invadir setor onde está este ou aquele celular. Não há, presentemente, consenso sobre o tema, o que deverá ocorrer em breve, já que há judicialização desse assunto.[46]

Parece inquestionável que o impacto da pandemia do coronavírus também será grande na área da coleta dos dados e da sua proteção. Dada a urgência de necessidade de decisão judicial a esse respeito, para assegurar segurança jurídica, talvez tenhamos em breve posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que já vem julgando pelo sistema virtual.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Revista VEJA. São Paulo: Editora Abril, 2020. Edição n. 2.683, ano 53, n. 17, de 22.04.2020, p. 97.

[2] FREIRE, Vinícius Torres. Relatos da Peste. Jornal Folha de São Paulo, caderno ilustríssima, 22.03.2020, p. 5.

[3] FREIRE, Vinicius Torres. Idem, ibidem.

[4] FREIRE, Vinicius Torres. Idem, ibidem.

[5] OMS declara pandemia e pede ações mais agressivas contra o coronavírus. Jornal Folha de São Paulo, 12.03.2020, p. B1.

[6] SANTOS, Mário Ferreira dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. São Paulo: Editora Matese, 1963. v. 3, p. 794.

[7] BUNGE, Mario. Dicionário da Filosofia. Tradução Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 197-198.

[8] SAWAYA, Márcia Regina. Dicionário de informática e internet. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1999. p. 230.

[9] POPCORN, Faith; HANFT, Adam. O dicionário do futuro: as tendências e expressões que definirão o nosso comportamento. Tradução de Maurette Brandt. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 384.

[10] OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Thomas. Dicionário do pensamento social do século XX. Tradução de Eduardo Francisco Alves e Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Editor, 1996. p. 385.

[11] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da linguagem portuguesa. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1.109.

[12] CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Tradução Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 57-58.

[13] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Lívio Xavier. Da obra coletiva Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 40-41.

[14] MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 348.

[15] FALCÃO, Alcino Pinto. Comentários ao inciso XIV do artigo 5º. da Constituição da República Federativa do Brasil. In CUNHA, Fernando Whitaker da et al. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Barros, 1990. vol. 1. p. 201.

[16] FALCÃO, Alcino Pinto. Idem, ibidem.

[17] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa Anotada. 2. ed. rev. ampl. Coimbra: Coimbra Editora, 1984. v.1, p. 232.

[18] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Ob. cit., p. 236.

[19] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Idem, p. 234.

[20] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Idem, ibidem.

[21] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 1990. p. 217-218.

[22] SILVA, José Afonso da. Ob. Cit., p. 218.

[23] STEINMETZ, Wilson. Comentários ao art. 5., XIV, da Constituição. In: CANOTILHO, J.J. Gomes et al (Coords).  Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 301.

[24] STEINMETZ, Wilson. Idem, ibidem.

[25] SARLET, Ingo Wolfgang; MOLINARO, Carlos Alberto. Direito à informação e direito de acesso à informação como direitos fundamentais na Constituição Brasileira. Revista da AGU, Brasília – DF, ano XII, n. 42, p. 9-38, out/dez. 2014. p. 17.

[26] SARLET, Ingo Wolfgang; MOLINARO, Carlos Alberto. Idem, ibidem.

[27] TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Negociação coletiva de trabalho. In SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. atual. São Paulo: LTr, 2003. (p. 1.166-1.205), p. 1.185.

[28] TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Idem, ibidem.

[29] BERNARDES, Hugo Gueiros. Princípios da negociação coletiva. In TEIXEIRA FILHO, João de Lima (Coord.). Relações coletivas de trabalho: estudos em homenagem ao Ministro Arnaldo Süssekind. São Paulo: LTR, 1989. (p. 357-370). p. 361-362.

[30] TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Ob. cit., p. 1.185-1.186.

[31] SCALÉRCIO, Marcos; MINTO, Túlio Martinez. Normas da OIT Organizadas por temas. São Paulo: LTr, 2016. p. 377-378.

[32] TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Ob. cit. p. 1186

[33] GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o Direito do Trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2013. p. 184-190

[34] SERVAIS, Jean-Michel. Decretho Internacional del Trabajo. Buenos Aires, Heliasta, 2011. p. 124

[35] DUARTE, Ícaro de Souza. O reconhecimento do direito de informação na negociação coletiva como decorrência da aplicação do princípio do da boa-fé objetiva. Disponível em <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/10769>. Acesso em 24.04.2020>.

[36] DUARTE, Ícaro de Souza. Idem, ibidem. p. 208.

[37] DUARTE, Ícaro de Souza. Idem, ibidem. p. 209-210.

[38] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 718.

[39] HARARI, Yuval Noah. 21 lições para século 21. Tradução Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 105-107.

[40] RODOTÁ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação de Maria Celina Brodin de Moraes. Tradução Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 19

[41] LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Folha de São Paulo, 2015. p. 49-51.

[42] BAUMAN, Zygmunt. Vigilância líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 120-121.

[43] RODOTÁ, Stefano. Ob. cit., p. 80-92.

[44] DONEDA, Danilo. A proteção de dados em tempo de coronavírus. Revista Eletrônica JOTA, de 25.03.2020. Disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-protecao-de-dados-em-tempos-de-coronavirus-25032020>. Acesso em <23.03.2020>

[45] PASSOS, Paulo. Entrevista Gabriela Zanfir-Fortuna. Jornal Folha de São Paulo, de 19.04.2020, p. A-14

[46] BARONE, Isabelle; DESIDERI, Leonardo. Estados usam dados de celulares para monitorar aglomerações. Eles podem fazer isso? Gazeta do Povo, 13.04.2020. E também VILAPIANA, Tábata, Dória é questionado na justiça por monitoramento de celulares no Estado. CONJUR– Consultor Jurídico, de 14.04.2020.

TEMA 28 – TRABALHADOR DOMÉSTICO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

André Jobim de Azevedo
Luiz Eduardo Gunther
Marco Antônio César Villatore

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Gostaríamos de agradecer aos Amigos e Confrades, Alexandre Agra Belmonte (Presidente da Academia brasileira de Direito do Trabalho), Titular da Cadeira nº. 02; Luciano Martinez, Titular da Cadeira nº. 52, e Ney Maranhão, Titular da Cadeira nº. 30, o honroso convite para participarmos desta obra coletiva tão importante.

Contrariamente ao que se pense o trabalho doméstico e, por consequência, os deveres e os direitos das partes relacionadas a esta relação, não são de fácil compreensão para quem se propõe a estudá-los de maneira científica e sistemática, ainda mais neste momento de crises sanitária e econômica, causada pela decretação de pandemia pelo coronavírus, denominado COVID-19.

Além da legislação geral, importante lembrar ainda as diferenças existentes entre os empregados domésticos e os com aplicabilidade completa da Consolidação das Leis do Trabalho.

Por fim analisaremos os Projetos de Lei em tramitação urgente no Congresso Nacional para os empregados domésticos em tempo de novo coronavírus.

Não se pode olvidar que o trabalho desenvolvido para o ambiente familiar é, sem sombra de dúvida, alvo de uma fidúcia especial, em que o empregado partilha, muitas vezes, da intimidade do seu empregador, não havendo como se tratar tal contrato da mesma forma que as atividades profissionais desenvolvidas no meio empresarial.

  1. DIFERENÇAS AINDA EXISTENTES

A tutela ao trabalhador doméstico evoluiu rapidamente nos anos de 2013, com a publicação da Emenda Constitucional nº. 72, mas também em 2015, com a Lei Complementar nº. 150, trazendo uma série de Direitos e, no último caso, pelo artigo 19, a aplicação subsidiária da CLT, revogando a antiga exclusão encontrada no seu artigo 7º., letra “a”.

A Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes afirmou o seguinte:

A implementação da igualdade de direitos e tratamento para os trabalhadores domésticos teve como alavanca importante a aprovação da Convenção 189 e da Recomendação 201, da OIT, durante a 100ª. Conferência do organismo em Genebra, da qual tive a honra de participar ao lado de Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, Ministros de Estado, integrantes do Governo Federal e de entidades de classe[1].          

Nancy Mahra de Medeiros Nicolas Oliveira explica

que nos cem anos entre a abolição da escravatura e a Constituição de 1988 o legislador brasileiro pouco se ocupou das relações de trabalho doméstico, e, com isto, postergaram-se no tempo os efeitos sociais, econômicos e jurídicos da gênese escravocrata do trabalho doméstico, que passou incólume ao longo do século XX[2].

Lorena de Mello Rezende Colnago também analisa a influência da Convenção da OIT para nascimento de nova legislação protetiva ao empregado doméstico no Brasil:

O Brasil, aproveitando o cenário político internacional, promulgou a EC 72, de 2 de abril de 2013, equiparando os direitos dos trabalhadores domésticos aos demais empregados. Sob essa perspectiva, procuramos refletir sobre a influência da Convenção 189 da OIT no Brasil, com especial atenção às alterações realizadas pela recente reforma constitucional[3].

Vamos analisar, portanto, problemas encontrados na comparação entre os direitos dos empregados domésticos e dos empregados celetistas.

2.1. PENHORA

Um dos pontos mais graves encontrados na Lei Complementar nº. 150/2015 é o seu artigo 46, que revoga o inciso I do artigo 3o. da Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990 (que dispõe sobre impenhorabilidade de bem de família). Poucas são as garantias que o empregado doméstico consiga executar uma Reclamação Trabalhista e com a revogação da supracitada exceção, dificultou muito tal efetividade.

Nossa interpretação foi a seguinte[4]:

Tal situação se agrava a partir do momento em que houve a revogação do artigo 3º., caput e inciso I da Lei nº. 8.009/1990, que possibilitava a execução de bem de família do empregador doméstico, uma das garantias de penhora de bens que fossem duplicados ou aceitos para esse fim. Sabe-se da dificuldade de execução de empregadores pessoas jurídicas, em razão de terem contas zeradas e nenhum bem em seu nome. Imagine-se a situação de pessoa física ou família (empregador doméstico), com problemas econômicos, deles não se podendo penhorar bens particulares e/ou conta salário.

Imagine-se agora com a crise social gerada com o COVID-19, em que muitas pessoas perdem o poder de renda, muitas vezes o emprego ou têm seu contrato flexibilizado.

2.2. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO (FGTS)

Já comentamos[5] em outro trabalho que “a partir de 2015, tal direito passou a ser obrigatório e, além dos 8% normais, o empregador é obrigado a depositar 3,2% a título de multa por dispensa sem justa causa”. Continuamos a afirmar que “tal percentual obrigatório, mês a mês, é muito interessante, pois é comum que o empregador doméstico dispense o seu empregado em razão de problemas econômicos e, como tal, dificilmente terá condições de pagar 40% sobre o saldo a que este teria direito pelo valor do FGTS. Como exemplo: um empregado recebe R$ 1.500,00 ao mês. Ao fim de um ano de trabalho, terá depositado em seu FGTS o valor acima, e, é claro, com algum acréscimo em razão de aplicação (8% ao mês x 12 meses = um salário). Caso ele trabalhe por 10 anos para o mesmo empregador, e lembrando-se que a cada ano ele receberá um aumento salarial, conforme artigo 7º., inciso IV, da Constituição de 1988 (ou piso salarial para quem não tem piso, nos Estados que pratiquem lei estadual com base na Lei Complementar nº. 103/2000, (…), somente a título de multa pela rescisão injustificada), o empregador teria de desembolsar mais de R$ 6.000,00, ou seja, quase uma impossibilidade de assim o fazer, devido ao problema econômico em que certamente se encontra”.

Imagine a situação atual encontrada com COVID-19, pois muitas famílias inteiras estão impossibilitadas a auferir renda, formal ou informalmente, tendo ou não auxílio de R$ 600,00 ou até duas parcelas deste valor, sendo que o se pagava para doméstico ou cuidador de crianças ou de idosos, com a talvez  futura determinação de isolamento social completo, geraria um problema completo econômico gerado pelo, no nosso entender, bem fundamental mais importante, que é saúde de nossa população.

Citamos[6] anteriormente que o problema maior, que ainda ocorre, é o seguinte:

Com base nos §§ 2o e 3o do artigo 22 da Lei Complementar nº. 150/2015, referendado na cartilha do simples doméstico (http://www.esocial.gov.br/doc/cartilha-simples-domestico.pdf)[7], há um aviso de que, se o empregado se demitir, o empregador doméstico poderá retirar o valor dos 3,2% depositado e reajustado, e sendo por culpa recíproca, retirará metade do valor a esse título, pois parte da culpa da rescisão contratual será sua e parte do empregado. Problema existe no caso de o empregado doméstico se demitir porque o empregador está praticando uma falta grave que impossibilita a continuidade do vínculo empregatício. Neste caso, a orientação que se dá é a de se procurar um advogado trabalhista para acionar o empregador, sendo que nesta reclamatória trabalhista ele alertará para o Juízo proibir a retirada do montante da conta vinculada do empregado até que seja julgado o caso em concreto em sua totalidade. Existe, inclusive, previsão legal de se acionar o empregador e de continuar trabalhando normalmente no parágrafo 2º. do artigo 483 da CLT, nos casos das letras “d” e “g”.

A atual legislação sobre FGTS (Lei nº. 8.036/1990) pode ser aplicada em sua integralidade, inclusive na questão sobre a retirada antecipada de valores, conforme seu artigo 20 e subitens. Aqui convém inclusive alertar a possibilidade de interpretação de saque imediato de parte do saldo do trabalhador na CAIXA, em razão da pandemia do novo coronavírus, tendo por base o próprio supracitado artigo, com atualização pela Lei nº. 10.878/2004:

Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: (…) 

XVI – necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:

  1. a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;                     
  2. b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e              
  3. c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento.     

O prazo estabelecido na letra “b”, de 90 dias, após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública, acabam em 15 de junho de 2020 no caso de Curitiba[8] (cidade em que residem dois autores) e na cidade de Porto Alegre[9] (cidade de residência do gaúcho André Jobim de Azevedo), pois a situação de emergência foi decretada em 17 de março de 2020.

Em relação à alínea “c” supracitada, convém transcrever o artigo 4º. do Decreto nº. 5.113/2004, modificado pelo Decreto nº. 7.664/2012:

Art. 4o  O valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220,00 (seis mil duzentos e vinte reais), por evento caracterizado como desastre natural, desde que o intervalo entre uma movimentação e outra não seja inferior a doze meses.

O empregado doméstico, portanto, teve benefícios e prejuízos no instituto do FGTS.

2.3. SEGURO-DESEMPREGO

Da mesma forma que o supracitado direito, o referido instituto, que nasceu com a Lei nº. 7.998/1990, agora é obrigatório para o empregado doméstico. Na Lei nº. 10.208/2001, caso o empregador doméstico inserisse seu empregado no FGTS junto à Caixa Econômica Federal, que é o Órgão Gestor tanto do FGTS quanto do Seguro-desemprego, ele passaria a ter direito, dependendo do número de meses trabalhados como doméstico, por um período mínimo de 15 meses nos últimos 24 meses contados da dispensa sem justa causa, também como estabelecido na Resolução CODEFAT nº. 754, de 26.08.2015.

Note-se que o primeiro problema de diferenças em desfavor do empregado doméstico já ocorre no período mínimo de meses de trabalho para ter direito ao seguro-desemprego, conforme artigo 3º., inciso I e alínea “a” da Lei nº. 7.998/1990, incluído pela Lei nº. 13.134/2015[10]:

Art. 3º. Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove: I – ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a: a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação; b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;   

Como os Legisladores puderam afirmar que estavam igualando os empregados domésticos aos empregados regidos pela CLT, quando fizeram o prazo inicial de 15 meses de trabalho enquanto o normal era de 6 meses, depois 12 meses.

Pior ainda, o empregado doméstico tem direito a três parcelas fixas de um salário mínimo, copiando-se o que ocorre com o trabalhador retirado do serviço análogo à escravidão, conforme artigo 2º.-C da Lei nº. 7.998/1990. Legisladores afirmaram que estavam tirando o empregado doméstico do trabalho escravo, mas em verdade o colocaram na mesma situação, equiparando-o, até porque além do Projeto de Lei do doméstico (PLS 224/2013) e a expropriação de propriedades rurais e urbanas em que se constate a prática de trabalho escravo (PLS 432/2013), foram muitas vezes votados juntos.[11]

No artigo 28 da Lei Complementar nº. 150/2015, há a informação de que

para se habilitar ao benefício do seguro-desemprego, o trabalhador doméstico deverá apresentar ao órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego: I – Carteira de Trabalho e Previdência Social, na qual deverão constar a anotação do contrato de trabalho doméstico e a data de dispensa, de modo a comprovar o vínculo empregatício, como empregado doméstico, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses; II – termo de rescisão do contrato de trabalho; III – declaração de que não está em gozo de benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; e IV – declaração de que não possui renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. 

O legislador, em junho de 2015, novamente comparou o empregado doméstico ao trabalhador resgatado da situação análoga à escravidão ao estabelecer no seu artigo 29 que “o seguro-desemprego deverá ser requerido de 7 (sete) a 90 (noventa) dias contados da data de dispensa”, de forma diversa à encontrada para o empregado denominado no site da CAIXA[12], como sendo “trabalhador formal” ou também ao “pescador artesanal”, cujo prazo é de 7 a 120 dias. 

2.4. ILEGITIMIDADE DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL DE EMPREGADOR DOMÉSTICO

Um outro tema que continua a diferenciar empregado doméstico de empregado celetista é o da representação sindical de empregadores, pois juridicamente, tal fato é impossível, visto que o serviço doméstico possui finalidade não lucrativa, conforme o caput do artigo 1º., da Lei Complementar nº. 150/2015, o que conflita diretamente com o artigo 511, § 1º. da CLT, na qual trata de uma categoria econômica, ou seja, impossibilitando o Sindicato de Empregadores e, por consequência, o de empregados, mas tão somente como Associação de Classe, não se inserindo ao caso em tela.

Esta conceituação do caput do artigo 1º., da Lei Complementar nº. 150/2015 está praticamente presente nos mesmos termos na Lei nº. 8.212/1991, em seu artigo 12, inciso II, ao indicar como um dos segurados obrigatórios da Previdência Social “aquele que presta serviço de natureza contínua à pessoa ou à família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos”.

A definição de Sindicato, para Octávio Bueno Magano, é: “a associação de pessoas físicas ou jurídicas, que exercem atividade profissional ou econômica, para a defesa dos respectivos interesses”[13].

O conceito de “categoria econômica” encontra-se no art. 511, § 1º. da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo o seguinte teor:

Art. 511 (…) § 1º. – A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.

O § 2º. do mesmo artigo celetário conceitua, por sua vez, a categoria profissional:

art. 511 (…) § 2º. – A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.

Uma das principais características do vínculo empregatício doméstico é a finalidade não lucrativa, que conflita diretamente com a definição de categoria econômica encontrada no artigo 511, § 1o. da Consolidação das Leis do Trabalho.

Sergio Pinto Martins[14] nos explicava antes da Emenda Constitucional no. 72/2013, que inseriu o inciso XXVI ao artigo 7º., que:

no entanto, o empregador doméstico não está submetido a uma categoria econômica, porque, por definição, não exerce atividade econômica. Isso impede, portanto a possibilidade de serem estabelecidos direitos trabalhistas aos domésticos, justamente porque na convenção coletiva se necessita de sindicatos de empregadores domésticos, e estes não exercem atividade econômica, além de o acordo ser celebrado com empresa, e o empregador doméstico não é uma empresa, que considera uma atividade organizada para a produção com o fito de lucros”.

Odonel Urbano Gonçales[15] conclui que

nada obstante a liberdade de se associarem e formarem sindicatos, empregados e empregadores domésticos não têm base legal para solucionar conflitos coletivos de trabalho por meio de instrumentos que tenham como essência normatividade. Não se pode enquadrar os empregadores como categoria “econômica”, porquanto o ponto nodal ou nevrálgico do trabalho doméstico reside precisamente na inexistência de lucro, voltado e dirigido para o âmbito familiar.

Segundo Octacílio P. Silva, “sempre houve defensores da sindicalização dos domésticos, inclusive com a simples ratificação da Convenção nº. 87, da OIT. No que se refere ao direito mexicano, ‘De La Cueva propõe que aos domésticos se estendam os benefícios da sindicalização e da contratação coletiva (O novo direito…, p. 548). Parece que essa ideia choca com o princípio, implícito na regulamentação do sindicalismo, e expresso pelo que se refere à contratação coletiva (art. 386) que exige a existência de uma empresa como elemento essencial’[16]. Como se nota, as opiniões em contrário destacam, sobretudo, a dificuldade de sindicalização pela falta de concentração em determinado núcleo laboral (empresa). No entanto, é tendência moderna a extensão, aos domésticos, não só a sindicalização, mas todos os direitos trabalhistas, individuais e coletivos, inclusive a greve”[17].

Entende-se que, para se formalizar uma Convenção Coletiva do Trabalho, assim como para se instaurar um Dissídio Coletivo, deve haver bipolaridade de partes, ou seja, sindicato de empregado e sindicato de empregador. Com a inexistência de qualquer uma dessas partes fica prejudicada a negociação e a formação destes documentos normativos coletivos, o que é o caso do doméstico.

A questão que traz algumas ponderações importantes é que com a redação da Emenda Constitucional nº. 72/2013, incluiu-se aos empregados domésticos o direito ao reconhecimento de Acordos e Convenções Coletivos de Trabalho (artigo 7o., inciso XXVI, através do parágrafo único do próprio artigo).

Com isso, há quem comente que pelo fato de serem reconhecidos os documentos normativos coletivos se passou a reconhecer as entidades sindicais do contrato doméstico.

Pela Emenda Constitucional nº. 72/2013, a Carta Constitucional de 1988 passou a assegurar aos empregados domésticos o direito a Acordos e Convenções Coletivos, positivado no artigo 7º., XXVI, de acordo com o seu parágrafo único, mas, em verdade, tal situação é parcial, pois só admissível por meio de Acordo, jamais Convenção.

Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rúbia Zanotelli de Alvarenga explicam que

 Sindicalização das Empregadas domésticas

Durante muito tempo se questionou doutrinariamente o direito das domésticas à sindicalização e, sobretudo, à elaboração de acordos e normas coletivas. Os sindicatos de empregados domésticos criados, embora formalmente registrados e instituídos, não eram reconhecidos porque a categoria patronal correspondente não exerce atividade econômica e o modelo de sindicalização brasileiro é instituído a partir da categoria econômica do empregador. Essa conclusão era extraída da literalidade do artigo 511, §§ 1º. e 2º. da CLT que estatuem, respectivamente, que “a solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica” e que “A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”.

Ao se assegurar ao empregado doméstico o direito “ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º., inc. XXVI)”, a Emenda Constitucional n. 72 encerrou qualquer discussão remanescente acerca da possibilidade de sindicalização dos empregados domésticos e de seu direito a negociação coletiva e a regulamentação por norma coletiva. Qualquer interpretação do artigo 511 de forma a restringir esse direito é doravante incompatível com o novo texto constitucional e, portanto, inaceitável[18].

A questão, porém, deve ser analisada de forma mais ampla, pois se assim fosse, o inciso V (piso salarial) do artigo 7º. da Constituição de 1988 deveria ser reconhecido também, além do fato de que foi analisada a obrigatoriedade de se pagar contribuição sindical obrigatória e, depois, retirada do Projeto de Lei. Neste ponto se pode entender que pelo fato de não haver qualquer proibição legal e porque o artigo 19 da Lei Complementar nº. 150/2015 permite a utilização da CLT no que não for conflitante, pelo menos o sindicato de empregados domésticos poderia cobrar o valor de um dia de salário dos empregados, pois a partir de junho de 2015 pode homologar as rescisões contratuais de domésticos que tenham trabalhado por mais de um ano para o mesmo empregador (conforme artigo 477 e parágrafos da CLT), além do fato de que podem elaborar acordos coletivos de trabalho diretamente com o empregador doméstico.

Porque o artigo 8º. e parágrafos da Constituição de 1988 não foi estendido aos sindicatos dos empregados e empregadores domésticos também? Demonstra-se aqui que o legislador realmente não se preocupou com a inserção do Direito Coletivo do Trabalho aos sindicatos de empregado e do hipotético sindicato de empregador doméstico.

Sobre as entidades sindicais existentes no Brasil, convém frisar que em 1936 foi criada, em São Paulo, a primeira associação de trabalhadoras domésticas da qual se tem notícia, liderada por D. Laudelina de Campos Melo. Posteriormente surgiram sindicatos em todo o país, culminando com criação da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), em 1997[19], que é filiada à Central Única dos Trabalhadores-CUT e integrada por trinta e oito sindicatos de base. Sua presidente Creuza Maria Oliveira entende que

não se trata só de igualdade de direitos, mas de inclusão e reparação histórica, diante dos absurdos já vivenciados por essas cerca de 8 milhões de trabalhadoras domésticas do país. A justiça social está sendo feita para uma categoria que tem papel importante na construção deste país[20].

Importante também analisar o entendimento esposado por Georgenor de Sousa Franco Filho:

NEGOCIAÇÃO COLETIVA

O inciso XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho– remete a um dos mais importantes aspectos do Direito do Trabalho: convenções e acordos coletivos é o resultado do direito de negociação coletiva. Foram reconhecidas na relação de emprego doméstico.

Entendemos que, embora digna de encômios a negociação coletiva, quando se cuida de trabalho doméstico, é difícil identificar os empregadores domésticos aos quais vão se aplicar essas normas. Ora, um acordo coletivo de trabalho é negociado entre sindicato de trabalhadores e empresa e, até onde se sabe, não existe empresa doméstica no Brasil. E, admitindo virem a ser negociadas convenções coletivas entre sindicatos patronal e de trabalhadores, a quem se aplicará a norma fruto dessa negociação? Ora, potencialmente, todas as residências deste país podem ter empregados domésticos.

Impende observar que existem espalhados pelo Brasil sindicatos de empregadores e de empregados domésticos. Em São Paulo, o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, fundado a 6.1.1989, identifica-se como o sindicato pioneiro em nível mundial que representa os patrões domésticos[21], e existe também o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo, criado em 1990[22], e uma Federação das Empregadas e Trabalhadores Domésticos do Estado de São Paulo[23].

Temos nessa relação de trabalho duas figuras: o empregador doméstico, pessoa física, que não exerce atividade econômica ou lucrativa, e o empregado doméstico, também pessoa física, que desenvolve seu mister na residência do empregador (art. 1º da Lei n. 5859/72). Ora, não há categoria econômica, nem existe empresa doméstica, nesse tipo de relação de trabalho. Como já assinalamos anteriormente, é a realidade ou então se pode “fazer de conta” que não é[24].

Vale registrar, portanto, que não há impedimento algum para a existência de organismos de representação de trabalhadores domésticos, pois prestam eles importantes funções de conscientização e de orientação de tão importante classe de obreiros, além de poderem elaborar Acordos Coletivos de Trabalho.

Para não restar qualquer dúvida, transcrevemos uma das várias decisões nesse sentido:

“Doméstico – Convenção Coletiva de Trabalho – Os sindicatos dos empregados e empregadores domésticos são juridicamente incapazes para celebrarem convenção coletiva de trabalho, porquanto não representam uma categoria profissional ou econômica. Isto porque um dos requisitos para que se caracterize a figura do empregador, enquanto pertencente a uma categoria econômica, é exatamente o exercício de uma atividade lucrativa (art. 2º, da CLT), situação inexistente para o empregador doméstico. Da mesma forma, para a caracterização do empregado doméstico torna-se fundamental que os serviços prestados não guardem qualquer vinculação com a atividade econômica porventura desenvolvida pelo empregador, o que seria inadmissível para considerá-lo como categoria profissional. Assim, incensurável a r. sentença ao rejeitar os pedidos decorrentes de convenção coletiva de trabalho firmada pelos sindicatos dos empregados e empregadores domésticos.” (TRT – 9ª Reg., RO 11.715/98, Ac. 7.156/99, 5ª T., Relator Juiz Luiz Felipe Haj Mussi, DJPR de 16.04.1999).

Com a não possibilidade de existência de entidade sindical de empregador doméstico juridicamente, há um problema para o reconhecimento de Convenção Coletiva de Trabalho, mas são exemplos no Brasil:

a) a Convenção Coletiva de Trabalho entre o Sindicato dos Empregados Domésticos de Araucária e Região e o Sindicato dos Empregadores de Empregadas e Empregados Domésticos do Paraná, firmada em 2009 (ou seja, não mais em vigor pela regra de tempo máximo de 2 anos de documento normativo coletivo da categoria, conforme artigo 614, parágrafo 3º. da Consolidação das Leis do Trabalho). O piso salarial nesta época era de R$ 610,12[25].

Já, após a Emenda Constitucional nº. 72/2013 outras entidades sindicais firmaram Convenções Coletivas de Trabalho:

b) o Sindicato das Empregadas Domésticas e Trabalhadores Domésticos de Jundiaí e Região e o Sindicato dos Empregadores Domésticos de Campinas e Região pactuaram, para o ano de 2014, o direito ao piso salarial regional: R$ 810,00[26];

c) a realizada em 2015 pelo Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo e o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo – SEDESP. A normativa coletiva fixou o piso salarial em R$ 980,00[27].

A análise desta questão se torna mais fácil ao se demonstrarem as decisões sobre ajuizamento de Dissídio Coletivo do Trabalho:

IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. DISSIDIO DE DOMESTICOS CONTRA SINDICATO PATRONAL. IMPOSSIBILIDADE PORQUE NÃO SE APLICA AOS DOMESTICOS O INSTITUTO DO DISSIDIO COLETIVO. EMPREGADOR DOMÉSTICO NÃO E CATEGORIA ECONOMICA” (TST – ACÓRDÃO Nº. 589 – DECISÃO: 20/10/1992 – RODC Nº. 33588/1991 – 2ª. REGIÃO – RECURSO ORDINARIO EM DISSIDIO COLETIVO – SEÇÃO ESPECIALIZADA EM DISSIDIOS COLETIVOS – DJ 11/12/1992, p. 23782 – RELATOR MINISTRO MARCELO PIMENTEL).

(…)

DISSÍDIO COLETIVO – SINDICATO DE TRABALHADORES DOMÉSTICOS – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – A categoria dos trabalhadores domésticos é, ainda, uma categoria limitada no que tange a direitos coletivos e individuais, não lhe tendo sido assegurado, no que tange àqueles, o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas (art. 7º., parágrafo único, da Carta Magna), que afasta, por incompatibilidade lógica, a possibilidade de negociação coletiva e, finalmente, de chegar-se ao estágio final do ajuizamento da ação coletiva (art. 114, § 2º.). (TST – RO-DC 112.868/94.7 – Ac. SDC 1.271/1994 – Rel. Min. Manoel Mendes de Freitas – DJU 25.11.1994, p. 32.402)[28].

 (…)

EMPREGADO DOMÉSTICO – APLICAÇÃO DE NORMA COLETIVA – IMPOSSIBILIDADE – A Constituição Federal de 1.988 resguardou a unicidade sindical e o regime de sindicalização por categoria profissional e econômica. Sabemos, outrossim, que nem todas as categorias têm acesso à negociação coletiva, e.g., funcionários públicos. Ora, os empregados domésticos também fazem parte daquelas categorias profissionais impossibilitadas de firmarem instrumentos coletivos, eis que, no caso específico, inexiste a “categoria econômica” dos empregadores domésticos. Portanto, falta à pretensão do recorrente a possibilidade jurídica, na medida que o art. 7º, parágrafo único, da Magna Carta, não inclui, dentre os direitos assegurados aos trabalhadores domésticos, o da celebração de acordos e convenções (inciso XXVI) e, por decorrência lógica, o da instauração de dissídios coletivos.  (PROCESSO TRT/15ª REGIÃO, RECURSO ORDINÁRIO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO Nº. 40515/2004-ROPS-7, NUMERAÇÃO ÚNICA: 00197-2004-017-15-00-9)[29].

Sobre o assunto, explica Georgenor de Sousa Franco Filho:

Ademais, haverá dificuldade para ajuizamento de um dissídio coletivo perante a Justiça do Trabalho. O empregador doméstico não é identificável. Potencialmente, como referimos, todos podem ser empregadores domésticos, inclusive os próprios empregados domésticos, que contratam pessoas para cuidar de sua residência enquanto vão trabalhar na casa de terceiros. Ademais, não existe categoria econômica contraposta à categoria profissional, porque o empregador doméstico não é aquele definido no art. 2º da CLT[30], nem a atividade do empregado doméstico se assemelha com a do empregador para ser confrontado com ele.

A existência de sindicatos de empregadores domésticos e de empregados domésticos, entendemos, não lhes garante o direito de ajuizamento de dissídios coletivos, e, a eventual negociação coletiva que venham a realizar não possibilitará, por impossibilidade de identificação concreta de seus destinatários, a aplicação das normas que celebrarem[31].

Nota-se que tais decisões são antigas e a Justiça do Trabalho poderia utilizar, por analogia, entidades sindicais rurais para proprietário rural individual, como explicam Edésio Passos e André Passos[32]:

Ao contrário daqueles que consideravam impossível a organização sindical dos empregadores antes da EC 72, assim como decisões no mesmo sentido do TST e TRTs, agora, faz-se o reconhecimento de acordos e convenções coletivas de trabalho aos empregados domésticos, há possibilidade dos empregadores domésticos organizarem-se em entidade sindical. Ocorre similitude constitucional com a organização em sindicato dos integrantes de entidades rurais – o proprietário rural individual – e de colônias de pescadores – o pescador individualmente considerado – com a observação de que a lei terá que estabelecer regulamentação específica (parágrafo único do art. 8º CF/88).

Luciano Augusto de Toledo Coelho e Jordane Núbia Limberger[33] também entendem a dificuldade, finalizando item de seu livro da seguinte maneira: “em suma, a nosso ver, as possibilidades de um instrumento coletivo entre empregados e empregadores domésticos são menos amplas que aquelas possíveis para as demais categorias”.

Já com relação aos Acordos Coletivos de Trabalho não há qualquer empecilho em se fazer, até porque o artigo 7º., XXVI, da Constituição de 1988 assim já permitiu, não gerando mais qualquer dúvida do reconhecimento do sindicato de empregados domésticos como entidade representativa sindical obreira.

Com isso, entendemos que ainda é impossível se ter uma Convenção Coletiva de Trabalho entre Sindicatos de Empregados e Empregadores Domésticos, o que dificultará o empregador que queira se utilizar das novas legislações em período de crise do novo coronavírus, como banco de horas, mas principalmente no que se refere às reduções de carga horária e de salários, proporcionalmente, quando o empregado receber entre R$ 3.135,00 (três salários mínimos) e R$ 12.202,12 (duas vezes o Teto do INSS), pois somente seria permitido por Acordo Individual quando a diminuição fosse de até 25%. No caso de percentual superior, como 50 ou 70%, haverá a necessidade de Acordo Coletivo de Trabalho, conforme Medida Provisória nº. 936/2020.

Forma de superar esta barreira e totalmente aplicável aos sujeitos da relação doméstica, há o artigo 617 da CLT, que permite negociação indireta, pois ao se apresentar o Acordo Coletivo à entidade sindical de empregados e esta sendo omissa, por mais de 8 dias, abre-se a possibilidade de negociar diretamente com os empregados, através de uma Assembleia para tal fim.

Como os temas das outras legislações que surgiram em razão do COVID-19 serão trabalhadas por outros Amigas e Amigos Acadêmicos, somente convém frisar que se aplicam aos empregados domésticos, conforme supracitado.

Em resumo são as seguintes:

  1. MP – Estado de Calamidade Decreto Legislativo 6, de 20/mar/2020;
  2. MP 927 – Medidas Trabalhistas enfrentamento do estado de calamidade, de 22/mar/2020;
  3. MP 936 – Institui o Programa Emergencial de renda e medidas trabalhistas complementares ao enfrentamento, de 01/abril/2020;
  4. MP 944 – Institui o Programam Emergencial de Suporte a Empregos, de 04/abril/2020;
  5. MP 945 – Medidas temporárias no âmbito do setor portuário e cessão de pátios militares, de 04/abril/2020.
  1. TENTATIVAS LEGISLATIVAS NO BRASIL SOBRE EMPREGADOS DOMÉSTICOS EM TEMPO DO NOVO CORONAVÍRUS – PROTEÇÃO DO TRABALHADOR

Importante analisar alguns reflexos da crise trazida pelo novo coronavírus e as consequências a toda uma sociedade.

Neste período de crise na saúde e, com consequência, na economia, justifica a intervenção estatal, em razão do aumento da desigualdade e dos custos sociais, além do risco de morte.

O desemprego sempre foi um dos problemas mais sérios, sendo uma falácia se afirmar em pleno emprego, que é uma promessa do Estado Social. Mais importante que o lucro irracional, ou a manutenção constante nesse sentido, é se pensar em ter o lucro, é claro, mas se cuidando do trabalhador, para manutenção de um meio ambiente laboral saudável.

Preocupante, também, é o fenômeno do “desalentado”, denominado por aquela pessoa que parou de procurar emprego ou um trabalho, de tanto tempo que buscou uma atividade e não encontrou.

O Estado deve se preocupar com todos estes fenômenos sociais, pois o adoecimento de qualquer cidadão será sentido por toda a sociedade, tendo em vista o sistema de bem estar social (“welfare state”), em que o Instituto Nacional de Seguro Social promove a tríade de Previdência, Assistência Social e Saúde, estas duas, para todos.

Sobre os que laboram, o meio ambiente possui uma natureza abrangente e interdisciplinar, conforme Norma Padilha.[34]

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[35] explica que o ambiente de trabalho é: 

(…) o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade (…).

Nesse sentido, o meio ambiente do trabalho é onde se desenvolvem as atividades do trabalho humano.[36] Assim, considerando que este ambiente faz parte do meio ambiente geral[37], para que a qualidade de vida seja alcançada de modo equilibrado e satisfatório, faz-se necessária a qualidade no trabalho.

O Confrade Sebastião Geraldo de Oliveira entende que “é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade no trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente de trabalho”.[38]

Assim, pode-se compreender que o meio ambiente do trabalho tem por objetivo a qualidade de vida do trabalhador e o alcance de seu bem-estar, de modo que não se restringe apenas aos aspectos das relações trabalhistas.[39]

O Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, primeiro documento internacional a se referir ao direito ao meio ambiente saudável, instituiu, em seu artigo “12.1”, que é “direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental através da melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente”.

O artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos enuncia que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade, bem como a um meio ambiente equilibrado.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT)[40], que no ano passado fez 100 anos de sua criação, com o Tratado de Versalhes (Tratado da Paz finalizando a Primeira Grande Guerra Mundial), editou a Convenção nº. 155, em 1981, estabelecendo que todos os seus membros devem formular, por em prática e reexaminar uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, sendo que o seu objetivo é prevenir os acidentes e os danos à saúde que decorrerem do trabalho, que tenham relação com a atividade de trabalho, ou que se apresentem durante o trabalho, de modo a reduzir ao mínimo as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. 

A OIT[41] determina que a saúde “abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)[42], que, assim como a OIT faz parte da Organização das Nações Unidas, é fundamental para a promoção da saúde mental um ambiente que respeite e proteja os direitos básicos civis, políticos, socioeconômicos e culturais de cada ser humano.

Ademais, a saúde abrange elementos físicos e mentais que a afetem e que podem estar diretamente ligados ao trabalho. As doenças mentais podem se desenvolver não apenas através de problemas relacionados às emoções, interações interpessoais ou comportamentais, mas também por meio de relações culturais, econômicas e, em especial, pelas condições de trabalho.

Igualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)[43]:

Determinants of mental health and mental disorders include not only individual attributes such as the ability to manage one’s thoughts, emotions, behaviours and interactions with others, but also social, cultural, economic, political and environmental factors such as national policies, social protection, living standards, working conditions, and community social supports.

Essencial analisar a forma de organização social do homem para que se compreenda o motivo da incidência de transtornos mentais e comportamentais sobre a sociedade. O homem, a partir da ascensão da sociedade burguesa, conforme Maria Silvia Bolguese[44], tratando-se da submissão do homem aos critérios de organização social. 

Uma expressão grande da onerosidade e da sobrecarga do indivíduo é representada pela depressão, bem como pela síndrome do burnout. Assim, a depressão pode ser definida como uma patologia. Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é colocada como uma das “cinco principais doenças do mundo em custo para a pessoa e a sociedade, ao lado de doenças cardiovasculares, câncer, hipertensão e diabetes”, conforme Breno Serson.[45]

É sabido que com o isolamento social, muitos empregados domésticos estão sendo dispensados e outros tantos estão com receio de logo perderem seus empregos formais.

Pior ainda é a situação dos prestadores de serviços diaristas, pois nestes casos houve uma diminuição enorme dos trabalhos, fazendo com que tenham iniciado uma situação de problemas mentais e até físicos, pela falta de alimentação digna, mesmo porque nem todos terão acesso aos benefícios do Governo brasileiro.

Nos ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes o artigo 6º. da Constituição de 1988 prevê direitos fundamentais sociais, e especifica conteúdo e forma de prestação (artigos 196, 201, 203, 205, 215,217, entre outros)[46], nisto realça a atenção que o enfrentamento ao art. 200, II e V, propostos aqui para análise sob alguns aspectos integradores ao entendimento de proteção à saúde do trabalhador, encontram-se entre estes “outros”.

A saúde do trabalhador está entre os direitos sociais[47] e alguns dentre estes também são determinantes e condicionantes de saúde[48], assim a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer. 

Afirma Gilmar Ferreira Mendes[49]:

“Algumas normas constantes do catálogo de direitos previsto no art. 7º, CF, indicam que o constituinte pretendeu explicitar, em verdade, um dever geral de proteção por parte do legislador (Schutzpflicht)”.

Entre estas normas constitucionais se encontra o art. 7º., XXII com o sentido de um dever geral de proteção.

O caput do artigo 200, além de incisos II, V e VIII, da Constituição de 1988 define competências do Sistema Único de Saúde (SUS), remetendo aos termos da Lei, que é a de nº. 8.080/1990[50] que regula os serviços de saúde incluindo os privados, e nestes incluídos os estabelecidos no art. 162 da CLT.

O § 2º. do artigo 2º. da Lei nº. 8.080/1990 determina que não está excluído o dever das pessoas, da família, das empresas e da sociedade, de modo que o dever de proteção não se restringe ao estado.

Outro fato trazido na Lei nº. 8.080/1990, no seu artigo 2º., parágrafo único[51] são aspectos relativos às ações garantidoras de condições de bem-estar físico, mental e social através de políticas econômicas e sociais, cabe ressaltar que estas têm íntima relação, tanto com ações de prevenção bem como com ações de assistência à saúde, de modo que se adentra à dimensão cogente sobre a temática do processo saúde-doença.

Dentro do sentido de proteção geral extrai-se na dimensão da saúde que o estado, na esfera do SUS, tem o objetivo para identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes de saúde[52], e, para a identificação está vinculado ao instrumento ciência que é metodológico na produção de conhecimento.

Os Projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados, em urgência, trazem possíveis determinações sobre garantia de emprego enquanto perdurar o novo coronavírus, além de outras orientações, inclusive em relação à licença ou dispensa do comparecimento do empregado doméstico ao local de trabalho, mas somente transcreveremos no anexo (Capítulo 6), pois como não foram votados até o presente momento (dia 24 de abril de 2020), dificilmente o serão, tendo em vista que a crise já se encontra em mais de um mês e logo (o que se espera) não terá mais efeito. De qualquer forma convém ler cada um dos quatro Projetos de Lei, abaixo.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Na questão econômica, muitos empregados domésticos serão dispensados, e o mais triste será verificar que em muitas das vezes, tais resilições contratuais ocorrerão por impossibilidade de a família pagar tais direitos que, frisa-se, são o mínimo que a digna atividade, assim como um Professor ou um Presidente, deveriam receber.

Concorde-se ou não com as tais incompatibilidades alegadas pelo Constituinte, fato é que o cenário jurídico que acomodou a realidade dos empregados domésticos até o início do ano de 2020 pode ser classificado ainda como precário, especialmente se comparado com os empregados em geral – os chamados celetistas.

Como consequência das crises, muitas pessoas perdem o vínculo formal de trabalho, e ao mesmo tempo, não conseguem encontrar uma porta de retorno, e ainda, a manutenção de sua subsistência, em virtude dos preços dos produtos básicos, encarece. Deve-se, então, averiguar qual a repercussão do abalo da economia mundial no âmbito social e empresarial, inclusive verificando como o Direito do Trabalho pode auxiliar empregados e empregadores na superação da crise.

Pretende-se ainda demonstrar que há uma íntima relação entre crise econômica e as profundas alterações do mercado de trabalho e, consequentemente, do Direito de Trabalho, cujo debate e discussão são importantes.

Apesar de a crise ter sido reflexo de uma doença contagiante, por óbvio que suas consequências são sentidas no mundo do trabalho, esperamos que não pelo tempo que se alardeia, de 10 anos, porque deslocam, ou melhor, transferem, os empregos das áreas onde há um Direito Laboral mais estruturado para aquelas onde há menos proteção nos menores custos de produção, bem como de menor compromisso com a custo social e a transferência de renda.

Espera-se que a experiência que todos vivemos, limpando as suas próprias residências, em razão do isolamento social, seja importante fator para se igualar os trabalhadores domésticos a todos os demais empregados. Nada melhor que se pensar na importância do trabalho dessa importante categoria e nos desgastes físico e mental que todos sofrem.

  1. REFERÊNCIAS

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BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O ambiente de trabalho, a doença e o acidente do trabalho e os desafios para empregadores e empregados domésticos. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 125-149, p. 146.

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Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 931/2020, pelos Deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Professora Rosa Neide (PT-MT). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870180&filename=Tramitacao-PL+931/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 993/2020, pela Deputada Benedita da Silva (PT-RJ). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870634&filename=Tramitacao-PL+993/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 1.134/2020, pelo Deputado Carlos Veras (PT/PE). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1871063&filename=Tramitacao-PL+1134/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

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SERSON, Breno. Transtornos de ansiedade, estresse e depressões: conhecer e tratar. São Paulo: MG Editores, 2016.

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  1. PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
  1.  

20/03/2020

Mesa Diretora (MESA)

  • Apresentação do Projeto de Lei nº. 798/2020, pelo Deputado Idilvan Alencar (PDT/CE)[53], que “altera Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, para estabelecer proteção aos trabalhadores domésticos”

PROJETO DE LEI Nº. , de 2020

(Do Sr. IDILVAN ALENCAR)

Altera Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, para estabelecer proteção aos trabalhadores domésticos

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. O Art. 3º. da Lei nº. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020 passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º. ……

  • 8º. O empregado doméstico, na forma definida no Art. 1º. da Lei Complementar nº. 150, de 1º. de junho de 2015, poderá se afastar do trabalho enquanto vigorarem medidas previstas neste artigo para algum morador ou frequentador habitual da residência de trabalho.”

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A Organização Mundial da Saúde declarou que estamos em uma pandemia global do COVID-19, um vírus que provoca uma doença que causa febre e problemas respiratórios, podendo levar a óbito. A doença teve origem na China e se espalhou pelo mundo, tendo também chegado ao Brasil.

Inicialmente, as contaminações no Brasil foram de pessoas que viajaram para o exterior e contraíram a doença. Chegando ao país, outras pessoas tiveram contato com a pessoa e com o vírus e contraíram a doença. Interromper a disseminação do vírus ou retardar a velocidade de sua propagação é o objetivo das ações previstas na Lei nº. 13.979/2020, que prevê medidas como isolamento, quarentena e a determinação compulsória de exames, testes, vacina, coleta de amostras e tratamentos específico.

Os trabalhadores domésticos têm uma situação específica, pois trabalha na residência de famílias que podem ter membros cumprindo medida de isolamento ou quarentena na própria casa, oferecendo risco de contágio. No marco jurídico vigente, a empregada doméstica não pode se ausentar do trabalho se um morador ou frequentador eventual da casa estiver sob alguma das medidas previstas no Art. 3º. da Lei nº. 13.979/2020.

Esta alteração legal visa proteger a saúde dos trabalhadores doméstico e a proliferação do vírus entre os familiares, vizinhos e membros da família.

Sala das Sessões, em    de     de 2020.

Deputado IDILVAN ALENCAR

  1.  

24/03/2020

Plenário (PLEN)

  • Apresentação do Projeto de Lei n. 931/2020, pelos Deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Professora Rosa Neide (PT-MT)[54], que: “institui a obrigatoriedade de dispensa das trabalhadoras domésticas e diaristas em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada sem prejuízo da remuneração mensal, bem como de todos os direitos trabalhistas e previdenciários”.

PROJETO DE LEI Nº.

(Do Deputado Valmir Assunção)

Institui a obrigatoriedade de dispensa das trabalhadoras domésticas e diaristas em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada sem prejuízo da remuneração mensal, bem como de todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. Esta lei propõe a dispensa de trabalhadores/as domésticos/as em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada.

Art. 2º. É de responsabilidade do Poder Público a garantia da proteção da saúde, dos direitos trabalhistas, previdenciários e da vida das trabalhadoras e trabalhadores domésticos, conforme art. 3º. e incisos e art. 7º., I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Art. 3º. Inclua-se ao Art. 3º. da lei 13.979/2020, o parágrafo 8º. que passará a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º. …………………………………………………………………………….

  • 8º. Fica dispensada de comparecer ao local de trabalho as/os trabalhadoras/es domésticas/os e diaristas, no período que durar a condição de isolamento social, quarentena ou quaisquer restrições previstas nesta lei, sem prejuízo ao recebimento salarial e os demais direitos trabalhistas.

I – Que se estabeleça a partir da dispensa da trabalhadora doméstica a licença remunerada e ou antecipação de férias, bem como a estabilidade de trabalho enquanto perdurar as medidas de contenção.

II – Que se estabeleça a garantia de renda mínima temporária as diaristas e trabalhadoras domésticas sem carteira assinada e sem inscrição no INSS, durante o cumprimento das determinações legais, sem prejuízo de possíveis benefícios ulteriores e/ou posteriores.”

Art. 4º. O empregador que venha a descumprir o estipulado nesta legislação e na lei 13.979/2020 e seus atos regulamentadores, deverá arcar com adicional de insalubridade e periculosidade, sem prejuízo da aplicação de multa diária.

  • 1º. Caberá aos estados e municípios por meio dos órgãos competentes a efetivação e fiscalização do cumprimento desta lei.

Art. 5º. Esta lei vigorará enquanto perdurar o estado de calamidade e emergência declarada.

Art. 6º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

As trabalhadoras domésticas e diaristas configuram a maior categoria de trabalho feminino, com mais de 6,4 milhões de trabalhadoras/es, sendo que 95% são mulheres e destas majoritariamente negras, pobres e com idade avançada. Mesmo após os 60 anos muitas domésticas continuam trabalhando para garantirem a subsistência mínima de suas famílias.

Das mais de 6 milhões de trabalhadoras, apenas 1,76 milhão laboram com carteira assinada, 4,4 milhões são informais sem nenhuma cobertura previdenciária. Mais de 2 milhões são diaristas, recebem quando prestam serviços e geralmente são orientadas a se cadastrarem como Microempreendedor Individual-MEI e, assim, terem acesso a sonhada aposentadoria (IBGE,2020).

A precariedade a que a categoria está submetida, longos e penosos deslocamentos em transportes públicos lotados em grandes distancias até o local do trabalho, jornadas diárias extenuantes, doenças crônicas como hipertensão, diabetes e problemas cardíacos. Estes são apenas alguns dos inúmeros fatores que as colocam como um grupo vulnerável diante de um quadro de calamidade e emergência como o vivenciado em todo o mundo neste momento.

Do ponto de vista da economia sofrem com redução salarial, milhares de trabalhadoras ganham menos de um salário mínimo, sem assinatura nas carteiras, arrimo de família e usuárias de programas sociais reforçando diariamente o descumprimento aos direitos garantidos pela Convenção 189 da OIT, Constituição Federal de 1988 e a Lei Complementar 150/2015.

Ao instituir a obrigatoriedade de dispensa das trabalhadoras domésticas e diaristas em caso de estado de calamidade pública e emergência declarada sem prejuízo dos direitos trabalhistas e previdenciários esta lei se propõe a minimizar estes descumprimentos em  períodos tão drásticos, ao tempo que visa garantir o cumprimento irrestrito dos direitos fundamentais preconizada na nossa Carta Magna.

Neste diapasão, em decorrência da preocupação da contenção do avanço do novo coronavírus, várias atividades profissionais e econômicas já deixaram de ser desempenhadas devido à determinação das autoridades públicas.

Pelas razões supracitadas, deve-se salientar que as trabalhadoras domésticas e diaristas são colocadas como alvo de maior exposição, devendo o Poder Público se responsabilizar com a proteção dos direitos básicos da categoria que há muito tanto contribui para a sustentação do país.

Diante do exposto, consideramos emergencial a aprovação integral deste texto.

Valmir Assunção

Deputado Federal PT/BA

  1.  

25/03/2020

Plenário (PLEN)

  • Apresentação do Projeto de Lei n. 993/2020, pela Deputada Benedita da Silva (PT-RJ)[55], que: “dispõe sobre regras aplicáveis ao trabalho doméstico em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-CoV-2, e dá outras providências”.

PROJETO DE LEI N. , DE 2020.

(Da Sra. BENEDITA DA SILVA)

Dispõe sobre regras aplicáveis ao trabalho doméstico em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-CoV-2, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Essa Lei dispõe sobre o afastamento do empregado doméstico do serviço, sem prejuízo do emprego e do salário, a garantia de renda mínima para quem exerce atividades de trabalho doméstico sem vínculo empregatício e a dispensa do período de carência para a concessão de benefícios previdenciários em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-COV-2.

Art. 2º. É garantido a estabilidade na categoria profissional de trabalho doméstico, sem prejuízo do salário, enquanto perdurar as medidas para contenção da pandemia do novo coronavírus identificado como SARS-COV-2.

  • 1º. Em caso de descumprimento do disposto no caput, além das verbas rescisórias previstas em lei, o empregador terá de indenizar o empregado doméstico no valor correspondente à soma das remunerações mensais a que teria direito desde a data da dispensa até o término do período das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública do SARS-COV-2.
  • 2º. O empregado doméstico poderá se ausentar do serviço pelo período de duração das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.
  • 3º. Trabalhadores pertencentes a grupos de risco, assim considerados pelos atos oficiais, em especial as pessoas maiores de 60 anos, portadores de doenças crônicas, que tenham sido submetido a intervenções cirúrgicas, gestantes, lactantes ou aqueles que fazem tratamento de saúde que cause diminuição da imunidade, terão prioridade na dispensa do trabalho, sem prejuízo da remuneração.
  • 4º. Se o período de ausência ao trabalho for superior a 30 (trinta) dias consecutivos as partes poderão acordar a antecipação das férias.
  • 5º. O empregador doméstico que cumprir o disposto no caput e no § 2º. poderá descontar em sua declaração de imposto de renda pessoa física do exercício de 2021, ano-calendário de 2020 o valor equivalente à contribuição previdenciária patronal recolhida à Previdência Social incidente sobre o valor da remuneração do empregado por seis meses.

Art. 3º. Fica criado o Auxílio emergencial Pecuniário, no valor de um salário mínimo mensal, pago às pessoas que exercem atividades pertinentes ao trabalho doméstico, pelo prazo de cento e vinte dias, como garantia da renda mínima diante do afastamento de suas atividades, em decorrência do estado de emergência internacional pelo novo coronavírus identificado como SARS-COV-2, desde que não percebam benefícios previdenciários de natureza permanente.

Parágrafo único. Os recursos necessários ao atendimento do previsto no art. 3.-A correrão por conta do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), regulamentado pela Lei 7.998, de 11 de janeiro de 1990 e de recursos oriundos da União direcionados ao enfrentamento da pandemia.

Art. 4º. Em caso de contaminação pelo novo coronavírus identificado como SARS-COV-2 ou da pessoa ter contraído a doença identificada como Covid-19, por atestado médico que determinar o afastamento do trabalho, o segurado fica desobrigado a submeter-se à perícia médica oficial devendo ser concedido o auxílio-doença pelo Regime Geral de Previdência Social a ser pago em até quinze dias da data de apresentação do atestado médico e requerimento do benefício.

Parágrafo único. No caso do afastamento de segurado-empregado ser de até quinze dias, o empregador deverá pagar o salário correspondente ao período de afastamento, devendo a Previdência Social ressarci-lo pelo sistema do sistema (sic) eletrônico de registro das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais denominado Simples Doméstico ou o que lhe substitua.

Art. 5º. O Ministério da Saúde e demais órgãos sob sua coordenação deverão realizar campanhas de informação específicas destinadas a quem atua no trabalho doméstico e que tenham atuação como cuidadores de pessoas com conteúdos sobre cuidados e prevenção e riscos de contaminação pelo coronavírus causador da atual pandemia, bem como deverá informar periodicamente o número de profissionais de trabalho doméstico sob suspeita ou confirmados em contaminação do vírus.

Art. 6º. Na hipótese da permanência dos empregados domésticos, diaristas ou cuidadores nos domicílios, deverá ser garantido o aceso irrestrito às condutas preventivas de higiene pessoal no local de trabalho (lavagem de mãos, disponibilização de álcool gel, máscara, se for o caso) e a limpeza e higienização adequadas no ambiente laboral, sob pena de aplicação de multa de que trata o inciso II do art. 634-A e observado o disposto no art. 634-B, ambos do Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º. de maio de 1943.

Parágrafo único. É vedado efetuar descontos no salário ou diária por fornecimento dos equipamentos ou produtos de que trata este artigo ou correspondente a transporte alternativo em substituição ao uso do transporte coletivo público.

Art. 7º. Independente da carência definida nos artigos 24 e 25 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, fica assegurada a concessão de benefícios previdenciários às seguradas vinculadas ao Regime Geral de Previdência Social, sob qualquer forma de vínculo, no período de vigência dos atos das autoridades pública federal, estadual, distrital ou municipal que impuserem quarentena ou isolamento para a população como medida para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.

Parágrafo único. O segurado contribuinte individual ou microempreendedor individual regulado pela Lei Complementar 123, de 2016, que exerça atividades pertinentes ao trabalho doméstico fica isento do recolhimento previdenciário por quatro meses do ano de 2020, contabilizado o período para todos os efeitos, inclusive o de carência, de que trata a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.

Art. 8º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

JUSTIFICAÇÃO

Temos vivido um período de grande conturbação no mundo e, especialmente, no Brasil em razão da pandemia de coronavírus que nos assola.

Várias medidas estão sendo implementadas para tentar conter o avanço dessa doença. De fato, atos têm sido expedidos pelas autoridades federal, estaduais, distrital e municipais e todos eles têm apresentado um componente comum de se estabelecer uma quarentena das pessoas, restringindo-se, o máximo possível, o contado entre os indivíduos, visando impedir a contaminação em massa pelo vírus.

Com isso, temos visto determinações de fechamento de vários estabelecimentos, sendo os respectivos empregados dispensados de comparecer ao serviço e orientados a permanecerem em suas residências.

É preciso esclarecer que essa realidade também atinge a categoria das trabalhadoras domésticas e das pessoas que prestam serviço como diarista. Contudo, não temos visto orientações ou determinações relacionadas à proteção da saúde dos integrantes dessas categorias, bem como determinações legais que garantam os direitos trabalhistas e remuneração das diaristas durante o período das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus identificado como SARS-COV-2. Com isso, grande contingente de trabalhadoras (sic) domésticos domésticas (sic) e diaristas têm sido dispensado do trabalho ante o receio de seus empregadores de contágio da doença ou até mesmo obrigando-as a continuarem exercendo as suas atividades por não terem outra fonte de renda e garantia de se afastarem do trabalho gozando de remuneração.

As notícias divulgadas pela imprensa nos dão conta de que estão sendo elaboradas medidas para proteger os empregados em geral, cujos estabelecimentos em que trabalham estão tendo que cerrar as portas por imposição das autoridades públicas. Não vemos notícias, todavia, de que medidas análogas estejam sendo pensadas para as trabalhadoras domésticas e diaristas de forma a cumprir com as determinações legais e compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro ao ratificar a Convenção 189 da OIT e promulgar a Emenda Constitucional 72/2013 e a Lei Complementar 150/2015.

É inconcebível que uma das categorias que reúne mais de 7 milhões de trabalhadoras, com maioria de mulheres negras e pobres, e fazendo parte dos primeiros dados estatísticos de casos de contaminação e de óbitos não esteja recebendo a atenção devida do Poder Público para proporcionar-lhes proteção e não se tornarem vetor de contaminação.

Nesse contexto, estamos apresentando uma proposta para permitir o afastamento do empregado doméstico do serviço, sem prejuízo do emprego e do salário, a garantia de renda mínima para quem exerce atividades de trabalho doméstico sem vínculo empregatício e a dispensa do período de carência para a concessão de benefícios previdenciários. Incluímos regras visando a transparência dos dados sobre casos suspeitos ou de contaminação da SARS-COV-2 que envolvam essas trabalhadoras. Além disso, estabelecemos dispositivo para o O (sic) Ministério da Saúde e demais órgãos sob sua coordenação realizem campanhas de informação específicas para as trabalhadoras domésticas, diaristas e cuidadoras de idosos e pessoas com deficiência.

Em relação às diaristas, que já somam mais de dois milhões de mulheres em todo o Brasil, tivemos a preocupação de assegurar uma renda mínima para aquelas não inscritas no sistema de previdência social, bem como dispensar, no caso daquelas que contribuem como autônomas ou com inscrição no MEI, do cumprimento de carência para gozo dos benefícios previdenciários necessários (por exemplo, a concessão do auxílio-doença em um eventual contágio) para sua proteção e o devido cumprimento das restrições e quarentena impostas pelas autoridades estatais.

Estamos certas de que essa medida contribuirá para a diminuição dos efeitos negativos da pandemia de coronavírus. Por esse motivo é que esperamos contar com o apoio de nossos Pares para a aprovação do presente projeto de lei.

Sala das Sessões, em      de março de 2020.

Deputada BENEDITA DA SILVA

PT-RJ

  1.  

30/03/2020

Mesa Diretora (MESA)

  • Apresentação do Projeto de Lei n. 1.134/2020, pelo Deputado Carlos Veras (PT/PE)[56], que “estabelece garantia de emprego ou pagamento de seguro-desemprego às empregadas domésticas, aos empregados de micro e pequenas empresas e aos pescadores artesanais”.

 

PROJETO DE LEI N. , DE 2020.

(Do Sr. Carlos Veras)

Estabelece garantia de emprego ou pagamento de seguro-desemprego às empregadas domésticas, aos empregados de micro e pequenas empresas e aos pescadores artesanais.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. No período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 2020, é garantida a estabilidade provisória dos empregados e empregadas domésticas, período em que o empregador ficará isento da contribuição previdenciária prevista no art. 24, da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.

  • 1º. Em caso de descumprimento do previsto no caput, o empregador doméstico pagará multa de uma remuneração mensal, além do aviso prévio.
  • 2º. Em caso de dispensa, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o empregado e a empregada doméstica farão jus ao seguro-desemprego previstos no art. 26 da Lei Complementar n. 150, de 1º de junho de 2015, ainda que não tenham preenchido o período aquisitivo previsto no inciso I, do art. 28,da mesma lei, ou que tenham usufruído do benefício e não tenham preenchido novo período aquisitivo.

Art. 2º. No período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 2020, é garantida a estabilidade provisória aos empregados de micro e pequenas empresas.

  • 1º. Nos meses de março, abril, maio e junho de 2020 serão pagas prestações de seguro-desemprego com o valor calculado nos termos da Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, ainda que os empregados não tenham preenchido os requisitos do art. 3º. daquela lei, cabendo à empresa a complementação da remuneração, se houver.
  • 2º. Nos 6 (seis) meses subsequentes, a remuneração voltará a ser integralmente paga pelo empregador.
  • 3º. Caso necessário, a empresa terá acesso a crédito do Governo Federal para o pagamento da remuneração do período posterior ao do seguro-desemprego, a ser restituído em 24 (vinte e quatro) meses após o fim do estado de calamidade pública, sem incidência de juros e correção monetária.

Art. 3º. No período de vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 2020, é garantido o pagamento do seguro-defeso aos pescadores artesanais, pelo período de 3 (três meses), além do já usufruído ou em andamento.

JUSTIFICAÇÃO

No Brasil, são mais de 6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas. Certamente, há milhões de pessoas que dependem dessas pessoas. Assim, a manutenção dos empregos, nesse momento, é essencial para que possam enfrentar esse crítico período da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Ainda, deve-se manter as demais garantias já conquistadas na Lei Complementar n. 150/15, estendendo-se o seguro-desemprego e dispensando-se algumas exigências previstas na legislação devido à situação excepcional. Por outro lado, o empregador ficaria dispensado de recolher a contribuição previdenciária patronal nesse período, sem prejuízo do já proposto no Projeto de Lei n. 966, de 2020, para, após o fim da calamidade pública, permitir-se a dedução desse valor na base de cálculo do imposto de renda.

Para os empregados de micro e pequenas empresas, é necessário estabelecer garantias de emprego, dividindo-se a responsabilidade entre Governo e empresa. Assim, a proposição é que se garanta a estabilidade, mas com a contribuição do Estado através do pagamento temporário do seguro-desemprego, mesmo que o empregado não tenha preenchido os requisitos previstos regularmente, uma vez mais por tratar-se de um momento absolutamente diferenciado na realidade brasileira.

No caso de o empregado receber remuneração maior que a parcela do seguro-desemprego a que ele tem direito, a empresa arcaria coma diferença.

Se a empresa continuar com dificuldade para pagar a folha de pagamento, ela poderá buscar crédito junto ao Governo Federal para manter sua atividade econômica, para que se preservemos empregos.

Neste momento de absoluta necessidade de assegurar a saúde do povo brasileiro, manter os empregos e a capacidade das micro e pequenas empresas de continuar suas atividades é medida urgente e necessária e, para isso, o apoio financeiro do governo federal a este setor, que é um dos maiores empregadores do país, é essencial.

Em todos os casos, entende-se pela necessidade de superação das condições previstas nas leis específicas (lei do seguro-desemprego e lei dos domésticos), para ampliar o acesso aos benefícios, considerando a gravidade da situação vivenciada pelos trabalhadores mais vulneráveis.

Os pescadores artesanais terão dificuldades de comercializar o pescado, razão pela qual é necessário estender o período do seguro-defeso ou criar novo período para os que tiveram encerrado o período da proibição da pesca. É uma atividade muito vulnerável porque depende da imediata venda, diferentemente da pesca em escala industrial que tem condições de armazenamento do pescado para posterior comercialização e suporte financeiro a médio prazo.

Sala das Sessões,     de março de 2020.

Dep. Carlos Veras

PT/PE

[1] ARANTES, Delaíde Alves Miranda. Trabalho decente para os trabalhadores domésticos do Brasil e do mundo. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 83-86. p. 84.

[2] OLIVEIRA, Nancy Mahra de Medeiros Nicolas. Trabalho doméstico no contexto econômico e socioambiental brasileiro: desigualdades e paradoxos na regulação normativa. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012. p. 46.

[3] COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. O trabalho doméstico: primeiras impressões da Emenda Constitucional 72/2013. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 195-211. p. 195.

[4] VILLATORE, Marco Antônio César. Inovações no Direito do Trabalho Doméstico. Curitiba: Juruá Editora, 2016. p. 72.

[5] Ibidem. p. 72.

[6] Ibidem. p. 72 e 73.

[7] Cartilha Simples Doméstico. http://www.esocial.gov.br/doc/cartilha-simples-domestico.pdf. Acessado em 22 de abril de 2020.

[8] Curitiba – Notícias. Greca decreta situação de emergência em saúde para combater coronavírus. https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/greca-decreta-situacao-de-emergencia-em-saude-para-combater-coronavirus/55285. Acessado em 22 de abril de 2020.

[9] Jornal Zero Hora. Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal. https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2020/04/porto-alegre-e-a-primeira-cidade-do-pais-a-ter-decreto-de-emergencia-reconhecido-pelo-governo-federal-ck8iqlsc300sj01o5bbwmw1tp.html. Acessado em 22 de abril de 2020.

[10] SEGURO-DESEMPREGO – ATUALIZAÇÃO Conforme Lei 13.134/2015 e Considerações Geral​​. http://www.informanet.com.br/Prodinfo/boletim/2015/trabalhista/seguro_desemprego_atualizacao_27_2015.php Acessado em 22 de abril de 2020.

 

[11] Agência Senado. Comissão tenta retomar exame de emendas a projetos sobre emprego doméstico e trabalho escravo. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/07/03/comissao-tenta-retomar-exame-de-emendas-a-projetos-sobre-emprego-domestico-e-trabalho-escravo. Acessado em 22 de abril de 2020.

[12] Seguro-desemprego. Assistência financeira temporária para o trabalhador desempregado​​. http://www.caixa.gov.br/beneficios-trabalhador/seguro-desemprego/Paginas/default.aspx. Acessado em 22 de abril de 2020.

[13] MAGANO, Octávio Bueno. Direito Coletivo do Trabalho – Manual de Direito do Trabalho. Volume III, 3ª. ed., São Paulo, LTr Editora, 1993. p. 96.

[14] MARTINS, Sergio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. São Paulo, Malheiros Editores, 1996. p. 80.

[15] GONÇALES, Odonel Urbano. Manual do Empregado e do Empregador Doméstico. São Paulo: LTr, 1997. p. 118-119.

[16] DE BUEN L., Nestor. Derecho del trabajo. México: Porrúa, 1976. p. 425.

[17] SILVA, Octacílio P. Empregados Domésticos. In: Curso de Direito do Trabalho – Estudos em Memória de Célio Goyatá, obra sob a coordenação de Alice Monteiro de Barros. Volume I, 2. ed., São Paulo, LTr Editora, 1994. p. 374-375.

[18] BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O ambiente de trabalho, a doença e o acidente do trabalho e os desafios para empregadores e empregados domésticos. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 125-149. p. 146.

[19] http://www.fenatrad.org.br/site/vivamus-consequat-urna-eget-magna-ornare/ Acessado em 22 de abril de 2020.

[20] OLIVEIRA, Creuza Maria. Uma reparação histórica. In: http://www.ceafro.ufba.br/web/index.php/noticias/exibir/203 Acessado em 22 de abril de 2020.

[21] Conforme http://www.sedesp.com.br/. Acessado em 22 de abril de 2020.

[22] Conforme http://stdmsp.com/main.html?src=%2F#1,0. Acessado em 22 de abril de 2020.

[23] Conforme http://www.federacaodomesticas.com.br/site/index.php. Acessado em 22 de abril de 2020.

[24] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 72/2013 E O FUTURO DO TRABALHO DOMÉSTICO. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 93-112. p. 101.

[25] http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9920:pr-governo-assina-convencao-coletiva-do-trabalho-domestico-terca-14 Acessado em 22 de abril de 2020.

[26] http://www.domesticalegal.org.br/CCT_2014_SEDCAR.pdf Acessado em 22 de abril de 2020.

[27] http://sindomestica.com.br/cct2015.pdf Acessado em 22 de abril de 2020.

[28] http://www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/textos/domestico/jurisprudencia.htm Acessado em 22 de abril de 2020.

[29] http://trt-15.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4570660/recurso-ordinario-em-procedimento-sumarissimo-ro-45721-sp-045721-2004/inteiro-teor-101674392 Acessado em 22 de abril de 2020.

[30] Artigo 2º. – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[31] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 72/2013 E O FUTURO DO TRABALHO DOMÉSTICO. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 93-112. p. 101.

[32] PASSOS, Edésio; PASSOS, André. O trabalho doméstico e a Emenda Constitucional 72: Resgate, igualdade, perdão, responsabilidade. In: Trabalho doméstico: Teoria e Prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. GUNTHER, Luiz Eduardo; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto (Coord.); BUSNARDO, Juliana Cristina; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 69-82. p. 77.

[33] COELHO, Luciano Augusto de Toledo; LIMBERGER, Jordane Núbia. Inovações legais no contrato de trabalho doméstico. Curitiba: Instituto Memória, 2017. p. 136.

[34] PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 21

[35] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 22-23.

[36] ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho. Dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997. p. 30.

[37] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 129.

[38] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Ob. cit. p. 129.

[39] ROSSIT, Liliana Allodi. O meio ambiente do trabalho no direito ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2003. p. 67.

[40] ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Convenção n. 155. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236163/lang–pt/index.htm>. Acesso em 22 de abril de 2020.

[41] Ibidem.

[42] NAÇÕES Unidas no Brasil. Saúde mental depende de bem-estar físico e social, diz OMS em dia mundial. Publicado em 10/10/2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/saude-mental-depende-de-bem-estarfisico-e-social-diz-oms-em-dia-mundial/>. Acesso em 22 de abril de 2020.

[43] ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde. Mental health action plan: 2013-2020. Genebra, p. 9. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/89966/9789241506021_eng.pdf;jsessionid=9F0414462EBF826 55E8A2AF2BE07087C?sequence=1>. Acesso em 22 de abril de 2020. Os determinantes da saúde mental e dos transtornos mentais e comportamentais incluem não apenas atributos individuais, como a capacidade de gerenciar pensamentos, emoções, comportamentos e interações com outros, mas também fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais, como políticas nacionais, proteção social, padrões, condições de trabalho e suporte social da comunidade. (tradução literal do autor).

[44] BOLGUESE, Maria Silvia. Depressão & Doença Nervosa Moderna. São Paulo: Via Lettera: Fapesp, 2004. p. 29.

[45] SERSON, Breno. Transtornos de ansiedade, estresse e depressões: conhecer e tratar. São Paulo: MG Editores, 2016. p. 26.

[46] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 685.

[47] CAPÍTULO II

DOS DIREITOS SOCIAIS

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; (…)

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa

[48] Lei nº. 8.080/1990. Art. 3o  Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

[49] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 684.

[50] Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 1º. Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado.

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

  • 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
  • 2º. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

[51] Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

TÍTULO II

DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

  • 1º. Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
  • 2º. A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.

[52] CAPÍTULO I

Dos Objetivos e Atribuições

Art. 5º. São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º. do art. 2º. desta lei;

III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

[53] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 798/2020, pelo Deputado Idilvan Alencar (PDT/CE). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1869745&filename=Tramitacao-PL+798/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

[54] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 931/2020, pelos Deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Professora Rosa Neide (PT-MT). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870180&filename=Tramitacao-PL+931/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

[55] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 993/2020, pela Deputada Benedita da Silva (PT-RJ). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1870634&filename=Tramitacao-PL+993/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

[56] Câmara de Deputados. Projeto de Lei n. 1.134/2020, pelo Deputado Carlos Veras (PT/PE). https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1871063&filename=Tramitacao-PL+1134/2020. Acessado em 22 de abril de 2020.

Julgamento STF e o Passado da Terceirização

André Jobim de Azevedo

 

Foi recentemente julgada pelo Supremo Tribunal – com  Repercussão Geral decretada –   a terceirização, em ação que discutia a legalidade das restrições impostas pelo TST, por  sua Súmula 331, que limitava e criava óbices à pratica.

Olhando para o passado –  pré reforma-  o STF foi categórico ao afirmar a ampla possibilidade de realização e ilegalidade das restrições postas  pela jurisprudência daquela corte superior especializada.

Ainda não foram julgadas algumas ADCs que estão no STF e que tratam da constitucionalidade da Reforma Trabalhista, no que respeita à terceirização amplamente tratada e de maneira ampla permitida pela  Lei 13.467/17.

O que se quer aqui é destacar, brevissimamente, os efeitos sobre aquelas ações anteriores à  Reforma Trabalhista.

Para tanto há de  se invocar o artigo 884, da CLT, que no seu  parágrafo 5º (Embargos à execução e impugnação)

O artigo 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao tratar dos Embargos à Execução e de sua impugnação, afirma em seu parágrafo 5º que evidencia a inexigibilidade de exigência de título judicial, a partir de decisão da Suprema Corte.

 

“Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.”

 

No mesmo sentido o parágrafo 12 do artigo 525 do Código de Processo Civil:

 

“Para efeito do disposto no inciso III do parágrafo 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade  concentrado ou difuso.”

 

Tal situação é passível , inclusive de decretação de ofício na execução judicial. Exato, o juiz poderá de ofício assim sentenciar.

Isto porque o STF, concluiu pela ilegitimidade da limitação imposta pelo TST, afirmando a legalidade de ampla terceirização, sem qualquer distinção entre atividades meio e fim, na medida em que inexiste lei a proibia, em direta agressão ao Princípio da Legalidade , protegido pelo artigo 5º, II da Carta Constitucional,  o do devido processo legal , igualmente protegido ( Artigo 5º LIV, CF), dando  igual guarida à livre iniciativa, asseverada pelos artigos 1º, IV e 170 da mesma Carta .

Isto evidencia, por igual as sansões eventualmente impostas, serem  igualmente ilegais.

Sem maiores digressões ao Instituto e sua aplicação, senão quanto aos efeitos dessa afirmação pretérita de legalidade, o que releva é saber sua aplicação aos processos em curso , em execução e já julgados   relativamente à matéria.

Assim títulos executivos , ainda que trânsitos em julgado, mas cuja fundamentação o foi  levando em conta situação diversa da ora     julgada , não podem ser julgados, executados,  por inexigíveis.

Essa uma consequência lógica do julgamento havido, ao afirmar que tal prática nunca foi proibida e que condenações judiciais que assim  fundamentaram-se, contrariaram inúmeros dispositivos constitucionais. 

Assim , mesmo  que já ultrapassado o prazo de embargos, desde  que dentro do biênio possível de interposição de Ação Rescisória, podem e devem ser rediscutidos

Resta ainda o exame detalhado  dos fundamentos, assim que publicado o acórdão  do julgamento e que ainda poderá ser objeto de embargos declaratórios, pelo menos.

Vale o sumarizado alerta, s.m.j.

HORA DA ARBITRAGEM TRABALHISTA

André Jobim de Azevedo
Vitória Fernandes Guedes Silveira

 

1 INTRODUÇÃO

Antes de tudo é de registrar a justa e carinhosa homenagem que prestamos ao Professor Doutor José Augusto Rodrigues Pinto, jurista de escol e figura humana ímpar. Estas singelas palavras são incapazes de aquilatar o destinatário, mas que, destinadas com admiração e respeito servem ao propósito. Obrigado Professor JARP por tantas lições!

Na sessão plenária virtual do Supremo Tribunal Federal de 11/03/2021, o Ministro Luís Roberto Barroso profetizava: “o advogado do futuro não vai ser aquele que propõe ação [judicial], mas aquele que resolve o problema sem propor a ação, por meio da negociação e composição”.

A introdução do art. 507-A no texto da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), pela edição da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, intitulada “reforma trabalhista”, pôs fim aos debates acerca da arbitrabilidade objetiva de litígios trabalhistas individuais. A arbitrabilidade de litígios trabalhistas, ou seja, a viabilidade jurídica de adoção do procedimento arbitral envolvendo direitos trabalhistas, não é novidade no ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988, desde a sua promulgação, admitia a utilização do procedimento arbitral para solucionar dissídios coletivos no art. 114, § 1º. A importante alteração promovida pela reforma trabalhista foi no sentido da possibilidade de escolha da via arbitral e  escolha de árbitros para solucionar também os conflitos individuais. Trata-se, pois, de um claro reflexo da tendência de utilização dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC), gênero do qual faz parte a arbitragem, no cenário pátrio e na maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo.

Apesar de a alteração legislativa representar um avanço importante para o desenvolvimento dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos, mormente envolvendo direitos trabalhistas, não significa que a matéria tenha sido exaustivamente tratada ou que não pairem muitas dúvidas acerca da aplicabilidade no Direito do Trabalho.

 

2 MÉTODOS ADEQUADO DE SOLUÇÕES DE CONFLITOS

Não há novidade em afirmar que os conflitos são tão antigos quanto à própria sociedade, e, acredita-se, indeléveis no tempo. Por inevitáveis, as grandes discussões não residem em como extirpar de vez os conflitos da sociedade, mas em como solucioná-los de forma cada vez mais eficaz.

Desde que abandonada a precária solução pela via da vindita, a sociedade delegou, prioritariamente, ao Estado o poder-dever de dizer o direito e fornecer meios para impor a efetividades das suas decisões. É, pois, a jurisdição, a manifestação do poder estatal por intermédio de um magistrado – entendido aqui mais como instituição do que propriamente um indivíduo – se manifesta sobre qual o direito aplicável ao caso levado ao Poder Judiciário.

Ressalva-se, por oportuno, que a jurisdição não foi o único método de solução de conflitos previsto no arcabouço jurídico desde as suas gênesis. De início as ordenaçãoes Portuguesas. Na primeira Constituição Brasileira, a Constituição Imperial, de 1824, a tentativa de autocomposição era tratada como condição de procedibilidade para propositura de demanda judicial. A arbitragem, por sua vez, tem raízes que remontam o Protocolo de Genebra, assinado em 24 de setembro de 1923[1]. O que se demonstra, todavia, é que por ausência de incentivo ou até mesmo por falta de conhecimento dos aplicadores do direito sobre os institutos, outros métodos de solução de conflitos que não a jurisdição, não foram consagrados no cotidiano como possibilidades.

Eis que a cultura da litigiosidade, observada no período da pós-modernidade que nos envolve desde o final século XX, encontrou ambiente fértil para  propagar. A pós-modernidade altera drasticamente as estruturas sociais vividas na era moderna. Valores e conceitos universais antigamente apregoados passam a ser reiteradamente questionados. Perdem-se antigas referências antes vigentes de instituições, profissões e relações. Com um discurso evidentemente heterogêneo e diverso, tal desconstrução drástica propicia um nível de tensão que reflete no modo de se relacionar. A despeito dos efeitos positivos, o discurso da sociedade moderna encoraja relações instáveis que desaguam na manutenção de vínculos. Os reflexos da pós-modernidade são sentidos por empregadores e empregados quanto às expectativas no modo – tempo e forma – de se relacionar:  

Em um ambiente cada vez mais complexo, mutável e imprevisível, observa-se que não há mais garantias (Bauman, 2009; Gorz, 2005), como ocorre nas relações do sujeito com seu próprio trabalho. Segurança, vínculo empregatício de longo prazo, lealdade do funcionário com a organização e carreira interna foram sendo substituídos por novos arranjos no trabalho e por um novo contrato psicológico voltado para a empregabilidade (Bendassolli, 2007; De Vos & Van der Heijden, 2015)[2]

O monopólio da jurisdição na sociedade pós-moderna resulta e um cenário bastante previsível: colapso do Poder Judiciário. Crescimento do número de ações judiciais em números completamente desproporcionais às estruturas físicas, orçamentárias e institucionais do sistema forense resultaram na morosidade, perduração dos litígios e inadequação das repostas judiciais em todas as searas.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulga anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números, que reúne as estatísticas judiciárias oficiais apuradas nos anos antecessores. Na edição do Relatório do ano de 2020, ano-base 2019, foram contabilizados 3.530.197 (três milhões quinhentos e trinta cento e noventa e sete) novos processos na Justiça Trabalhista, considerando apenas aqueles ingressados no 1º grau de jurisdição da seara trabalhista. Segundo o Relatório, foi registrada a média de 662 novos casos por magistrado no 1º grau de jurisdição trabalhista, e 1.607 novos casos por magistrado no 2º grau de jurisdição somente naquele ano. O impressionante volume é registrado mesmo depois da entrada em vigor da reforma trabalhista, cujas alterações promovidas na redistribuição dos honorários sucumbenciais desestimularam o ajuizamento de ações judiciais trabalhistas[3].

Os dados exibidos no Relatório Justiça em Números, de 2020, nos traz as seguintes reflexões : i) Com a carga de trabalho por magistrado registrada pelo CNJ, tem o magistrado condições de sempre dar a melhor resposta jurisdicional? ii) A via pela arbitragem, no qual terceiro(s) especialista(s) vai poder dedicar atenção necessária para que a controvérsia seja respeitada e julgada considerando as minúcias e particularidades do seu caso, não pode ser proveitosa em diversos casos? iii) A construção de uma solução consensual pelas partes, as quais tem a oportunidade de buscar voluntariamente pontos de convergência não pode trazer maior satisfação e manutenção das relações em determinados casos? Tais perguntas têm apenas o intuito de fazer refletir sobre a (in)adequação do Poder Judiciário como resposta para todo e qualquer conflito. Frise-se que o intuito não é fazer crer que o Poder Judiciário não é e não possa ser a via mais adequada em determinados casos, mas que há outros métodos que, dependendo da avaliação concreta do caso, podem trazer mais benefícios para as partes envolvidas.  

Nesse sentido, critica-se veementemente a visão de que os métodos adequados de solução de conflito devam ser compreendidos como instrumentos “alternativos” à jurisdição, com o único propósito de desafogar o judiciário. Há muito, os MASCs vêm sendo erroneamente compreendidos como salvação para a superlotação do Judiciário em âmbito nacional. Possivelmente a visão equivocada esteja relacionada com a expressão Alternative Dispute Resolutions (ADR), utilizada nos países de língua inglesa[4][5]. Fato é que, diferentemente dessa visão limitada, os métodos de resolução de conflitos devem ser compreendidos como adequados ao caso concreto e não alternativos ao Poder Judiciário. Acredita-se que, de fato, os problemas da jurisdição estatal tiveram papel importante para que o sistema pudesse evoluir e se desenvolver em suas raízes; mas, de maneira alguma, sua finalidade pode e deve ser limitada a uma ferramenta a mais para desafogar o Poder Judiciário na compreensão atual. Sobre o desenvolvimento da Arbitragem como resposta aos problemas da jurisdição no Brasil no final dos anos 90, Rafael Bicca relembra o movimento “Operação Arbiter”:

E como se chegou a esta Nova Lei da Arbitragem? Esta foi fruto de um movimento, conhecido como “Operação Arbiter”, que teve início pelas mãos de Petrônio Muniz, advogado e professor pernambucano. Como o próprio declara em um livro específico sobre esta operação, esta teve por objetivo a viabilização de uma “via paralela à justiça comum com objetivos convergentes” (Muniz, 2005, p. 27), orientada pela necessidade de se rejeitar a ideia de que o Estado seja o único capaz de solucionar as controvérsias (…)

A primeira [observação importante], de que o impulso para o movimento se deu justamente diante da constatação de um problema na qualidade da prestação jurisdicional estatal. Em outras palavras, a arbitragem foi vista por Petrônio Muniz como uma possível alternativa à má prestação de serviços do Poder Judiciário”.

Todavia, a arbitragem não deve ser encarada como uma solução messiânica. São oportunas as críticas sobre a dualidade de visões sobre o instituto da arbitragem:

Parece inadequado pensar, hoje, que a arbitragem possa efetivamente constituir em uma espécie de solução para todos os problemas enfrentados pela jurisdição estatal, sendo mais adequado vislumbrá-la como um excelente (e complementar) mecanismo de prestação jurisdicional, especialmente para um importantíssimo conjunto específico de demandas, para os quais as características da arbitragem mostram-se muito vantajosas, em comparação com a jurisdição prestada pelo Estado. [6]

Bem compreendida a natureza e finalidade dos métodos adequados de solução de conflitos, passa-se à análise do instituto da arbitragem, espécie que compõe o gênero dos MASCs.

3 ARBITRAGEM NO DIREITO DO TRABALHO

 

As raízes da positivação da resolução de disputas pela arbitragem são encontradas fora do âmbito nacional. Ainda que não haja consenso na doutrina, grande parte assume como premissa que desde o Protocolo de Genebra, assinado em 24 de setembro de 1923, é possível afirmar a existência do instituto da arbitragem como método de solução de demandas[7].

O expressivo tempo, desde as origens, não significa que o instituto, seus contornos, alcances e benefícios, tenham sido tratados de forma exaustiva e adequada no ordenamento jurídico brasileiro, tampouco na esfera trabalhista. Pelo contrário, há poucas décadas questionava-se até mesmo a constitucionalidade da Lei Brasileira de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996)[8][9], que segue vigente até os dias atuais.  Desde 2001 já assim asseverado pelo STF.

Atualmente, há expressa da possibilidade de solucionar conflitos pela via da arbitragem no artigo 144, §1º e §2º[10], da Constituição Federal de 1988. Todavia, antes de adentrar às questões envolvendo a arbitrabilidade de conflitos trabalhistas, importante relembrar pressupostos sobre o Direito do Trabalho, dissídios trabalhistas individuais e coletivos para melhor compreensão do tema proposto.

Como ramo específico do Direito, o Direito do Trabalho é composto por princípios próprios, que devem ser entendidos como ponto de partida compreensão e aplicação do Direito Laboral. Segundo o autor Américo Plá Rodriguez, seis são os princípios do Direito do Trabalho: i) proteção; ii) irrenunciabilidade de direitos; iii) continuidade da relação de emprego; iv) primazia da realidade; v) razoabilidade; e vi) boa-fé[11]. Atentamos ao princípio da proteção, que ora nos interessa.

O princípio da proteção parte do reconhecimento da inexistência de equivalência na relação de emprego, como uma das formas de compensar a inferioridade econômica e jurídica do empregado em relação ao empregador[12]:

A relação de emprego é uma relação de poder, em que o empregador detém o poder de dar ordens, comandar e dirigir toda a execução do trabalho executado pelo trabalhador. A superioridade jurídica do trabalhador visa compensar sua natural inferioridade na relação[13].

Pelo princípio da proteção é que sempre houve a possibilidade de arbitrar dissídios coletivos, conforme previsão no já referido artigo 144, §1º e §2º, da Constituição Federal. Dissídios coletivos são aqueles conflitos instaurados entre os entes coletivos, ou seja, o respectivo sindicato de empregado e o sindicato patronal ou empresa. Assim, a reunião de empregados, representados pelo ente coletivo Sindicato, encontrar-se-iam em posição de igualdade em relação ao empregador. Nesse sentido, oportunas as lições de Fabiane Verçosa acerca da hipossuficiência do empregado e a possibilidade de arbitragem de dissídios coletivos:

No Direito do Trabalho, prevalece a ideia de que o empregado, diante de um conflito com seu empregador, encontra-se em condição de inferioridade econômica e técnica. A negociação por meio do sindicato visa equiparar o poder de negociação entre os entes coletivos envolvidos (sindicato de empregados v. sindicato patronal ou empresa, conforme o caso). Dessa forma, os empregados – reunidos no seio do sindicato – e o empregador – na figura da empresa ou do sindicato patronal – encontrar-se-iam em pé de igualdade.

Nesse diapasão, admite-se até mesmo, em alguns casos, a diminuição de direitos do trabalhador, se pactuados por meio de negociação coletiva. É o que dispõe o art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da Constituição Federal de 19881. Foi imbuída dessa lógica de flexibilização nas relações de trabalho na seara coletiva que a Carta Magna estabeleceu expressamente a possibilidade de utilização da arbitragem para a solução de dissídios coletivos trabalhistas. É o que dispõem os §§ 1º e 2º de seu art. 114 (…)[14].

Assim, através dos  sindicatos, ambas as partes têm o mesmo poder e estão em pé de equidade para negociar e submeter o conflito à análise do árbitro. Não há dúvidas quanto à arbitrabilidade de direitos trabalhistas envolvendo dissídios coletivos, tendo em vista a configuração de uma relação equânime, e formalmente, com amparo constitucional. Entretanto, o cenário é outro quando envolve direitos trabalhistas individuais.

 

3.1 Arbitragem de direitos trabalhistas individuais antes da Reforma da CLT

 

Antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/17, que reformou parcialmente a CLT, não havia qualquer dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro acerca da possibilidade – ou não – de submeter conflitos trabalhistas individuais à arbitragem. A doutrina era dividida e as discussões acirradas. Três eram os principais pontos de discussão, conforme Fabiane Verçosa[15]:

(i) princípio da proteção;

(ii) indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos trabalhistas;

(iii) previsão constitucional autorizando a utilização da arbitragem em sede de litígios trabalhistas coletivos.

Apesar do tratamento como objetos diferentes, acredita-se que o princípio da proteção e a indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos trabalhistas confundem-se, pois um corolário do outro. Explica-se: o princípio da proteção parte do reconhecimento da inexistência de equivalência na relação de emprego, como visto. A partir desta premissa, o doutrinador Américo Plá Rodriguez elenca subprincípios – ou outras facetas – desse mesmo princípio da proteção, dentre o que interessa por ora, o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. O princípio da irrenunciabilidade de direitos prega que empregados não poderiam dispor dos direitos que o ordenamento jurídico brasileiro lhes assegura, uma vez que, partindo do pressuposto de inexistência de equivalência na relação, poderiam sofrer algum tipo de coação por parte do empregador para renunciar a direitos:

(…) o princípio da proteção possui subprincípios e um deles é o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, que tem por finalidade proteger os direitos e garantias alcançados pelo trabalhador, que poderia sofrer pressão para abrir mão dos direitos que lhe são garantidos. O princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas determina que não pode o empregado dispor dos direitos que o ordenamento jurídico lhe assegura, através da manifestação de vontade. A indisponibilidade dos direitos trabalhistas é projeção do princípio da imperatividade das normas trabalhistas, que determina que as normas trabalhistas não podem ser afastadas pela vontade das partes, sendo, portanto, indisponíveis.[16]

No presente estudo, tratar-se-á a indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos trabalhistas juntamente com o princípio da proteção dos empregados.

A questão da indisponibilidade dos direitos trabalhistas sempre ganhou destaque nas discussões doutrinárias, que se acirram para distinguir quais são os direitos dotados de indisponibilidade absoluta e quais aqueles em que a indisponibilidade é relativa. Sobre o assunto, Mauricio Godinho Delgado é quem melhor distingue:

Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre com o direito à assinatura da CTPS, ao salário-mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. Também será absoluta quando o direito enfocado estiver protegido por norma de interesse abstrato da respectiva categoria. Este último critério indica que a noção de indisponibilidade absoluta atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias (direito individual, pois), parcelas que poderiam, no contexto do Direito Coletivo do Trabalho, ser objeto de transação coletiva, e, portanto, de modificação real. Noutras palavras: a área de indisponibilidade absoluta, no Direito Individual, é, desse modo, mais ampla que a área de indisponibilidade absoluta própria do Direito Coletivo.

Relativa será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que se passa, ilustrativamente, com a modalidade de salário paga ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável, por exemplo): essa modalidade salarial pode se alterar, licitamente, desde que a alteração não produza prejuízo efetivo ao trabalhador.

Da leitura acima compreende-se que há direitos trabalhistas absolutamente indisponíveis -, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público -, e direitos trabalhistas relativamente indisponíveis – direitos que não caracterizem um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico.

Importante destacar que não havia consenso na doutrina e na jurisprudência. Antes da reforma da CLT, havia correntes que defendiam a impossibilidade de a grande maioria dos direitos trabalhistas serem submetidos à arbitragem e a correntes que defendiam ponto de vista contrário, nas quais a grande maioria dos direitos se inseria na categoria de direitos relativamente indisponíveis.

O assunto sobre a natureza dos direitos trabalhistas é especialmente relevante quando se trata de arbitragem, pois o procedimento é limitado a discussões relativas à direitos patrimoniais disponíveis, conforme o art. 1º da Lei de Arbitragem.

Para complementar a discussão sobre a arbitragem de conflitos individuais trabalhistas, ainda havia outro ponto importante: a previsão constitucional autorizando a utilização da arbitragem em sede de litígios trabalhistas coletivos significava a proibição ou autorização de submeter litígios trabalhistas individuais à análise de árbitros?

Bons argumentos eram utilizados por ambos as correntes opostas: de um lado, argumentava-se que a previsão expressa somente sobre dissídios coletivos era uma proibição de arbitrar dissídios individuais. De outro lado, a Constituição Federal é silente em relação a todos os outros conflitos, os quais incluem cíveis e comerciais, dos quais não se há dúvidas de que são arbitráveis. Sobre as discussões doutrinárias, oportuna as considerações in verbis:

Corresponderia tal silêncio a uma proibição? Ou, dito em outras palavras, se a Constituição Federal permite a utilização do juízo arbitral para os litígios coletivos laborais e rigorosamente nada dispõe sobre os individuais, quer isso dizer que os litígios individuais não podem ser solucionados por arbitragem? Por outro lado, há de se refletir: A situação em tela não ensejaria a aplicação do princípio da legalidade privada (art. 5º, inciso II, da CF88)? Ora, o que não está proibido pela lei (aí se incluindo a norma fundamental, obviamente) é permitido. Quanto a esse aspecto, cabe acrescentar que não há, em toda a Constituição Federal, uma só previsão permitindo a utilização de arbitragem nos conflitos de natureza cível ou comercial, por exemplo. Ou seja, a Constituição não é silente apenas em relação à possibilidade de uso da arbitragem para os litígios trabalhistas individuais; ela é silente em relação a todos os outros conflitos que não se inserem na categoria dos coletivos trabalhistas, aí se incluindo os cíveis, comerciais, societários, administrativos, etc. E, como se sabe, não há dúvida de que estes últimos litígios são, via de regra, plenamente arbitráveis no Direito brasileiro, independentemente de previsão constitucional nesse sentido (desde que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis e envolvam pessoas capazes, obviamente)[17].

Assim, as discussões sobre a arbitrabilidade de direitos individuais trabalhistas necessariamente deveriam resolver a questão envolvendo o princípio da proteção do empregado – no qual se insere a (in)disponibilidade dos direitos trabalhistas – e a positivação da previsão de possibilidade de submissão de dissídios coletivos à arbitragem.

Contudo, tal discussão rendia-se à realidade ,quando diariamente se realizam milhares de composições trabalhistas em juízo, sem que haja qualquer disposição legal  que a tanto expressamente autorize.

Eis que, mediante a Lei nº 13.129/15, intitulada “Reforma da Lei de Arbitragem”, se tentou pôr fim às discussões. O art. 4º, §4º, da Lei de Arbitragem, previa o empregado que “ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória”, desde que a iniciativa viesse do empregado ou com expressa concordância deste.

Da leitura, percebe-se que o legislador tinha duas principais condições sine qua non: o cargo ocupado deveria ser de administrador ou diretor e deveria haver vontade expressa. Sem dúvidas, as preocupações tinham o condão de evitar que não fosse respeitado o princípio da proteção.

A exigência de que o empregado ocupasse um cargo hierarquicamente alto, reside na preocupação com a manifestação de vontade do empregado. Um empregado com poderes para tomar decisões relevantes em nome da empresa, presume-se que está em posição de manifestar livremente aspectos de sua vida profissional, havendo, nesse caso, uma mitigação da subordinação entre empregado e empregador[18].

Já a condição de que houvesse iniciativa do empregado ou concordância expressa, é o reflexo de que o empregado tivesse consciência do que estaria assumindo, com informações técnicas sobre o instituto (ou, pelo menos, meios para adquirí-las) e estaria plenamente ciente das consequências de assumir a cláusula compromissória.

Apesar dos esforços dos legisladores, o §4º, do art. 4º, da Lei de Arbitragem foi vetado pelo Poder Executivo. Nas razões de veto, são as considerações do Poder Executivo, que foram acatadas pelo Congresso Nacional:

  • 4º do art. 4º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, alterados pelo art. 1º do projeto de lei

(…)

Razões do Veto

“O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral.”

 Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. (Grifos no original)

Finalmente, com a entrada em vigor da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, acrescentou-se o art. 507-A da CLT, que se passou a permitir expressamente- a arbitragem de dissídios individuais. O texto, porém, apresenta-se diferente daquele moldado pela Lei da Arbitragem. É o texto do referido dispositivo:

Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

O artigo supratranscrito possibilita o uso da arbitragem, mas desde o empregado possua remuneração de duas vezes o teto máximo estabelecido para os benefícios do Regime Feral da Previdência. Isso significa que no ano de 2021, com o reajuste válido desde 1º de janeiro, somente os empregados cuja remuneração seja superior a R$ 12.866,00 poderão ser considerados relativamente autônomos, hipossuficientes e, portanto, aptos a pactuar cláusula compromissória.

É verdade que a reforma trabalhista quis diferenciar os empregados comuns, ou seja, os empregados que ganham até a média salarial do Brasil (dois a três salários-mínimos) e representam a maçante maioria dos empregados, dos altos executivos, o que a doutrina vem chamando de empregados hipersuficientes.

Entretanto, ao que tudo indica, o critério do salário parece razoavelmente raso e inadequado para servir como prova de igualdade entre empregados e empregadores.

Ainda no tocante ao tema, Daniela Muradas afirma que se a vulnerabilidade é a marca de todo e qualquer empregado, independentemente de seu grau de instrução e distinção salarial, “a assimetria contratual exige interditar qualquer espécie de despojamento, conforme enuncia princípio pro aderente do direito comum, fonte subsidiária do Direito do Trabalho, na forma do parágrafo introduzido ao art. 8º da CLT” (MURADAS, 2017, p. 176). Na mesma esteira, há doutrinadores que sustentam ser inconstitucional qualquer lei que prejudique o empregado ante o que dispõe o art. 7º, XXXII, que veda a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os respectivos profissionais (MURADAS, 2017, p. 172-174).

Ademais, a pouca disciplina sobre o assunto também é de ser referida: não há menção sobre a forma expressa, o momento em que deve ser pactuada, a responsabilidade pelos custos e honorários do árbitro.

A abrangência dos direitos que podem ou não ser objetos de submissão ao arbitro: apesar de agora saber que alguns direitos trabalhistas são arbitráveis, não há delimitações sobre quais. Quais os contornos? Parte da doutrina utiliza os arts. 611-A e 611-B, que tratam dos objetos (i)lícitos de convenção ou acordo coletivos. Mas parece que apesar de todos os esforços, acabam sempre voltando para parâmetros de acordos coletivos o que a legislação pouco ajudou.

De toda forma, não se olvida que a novidade legislativa é importante e representa mais um passo para o estímulo da utilização da arbitragem no Brasil.

4 CONCLUSÃO

 

É hora de mudança. A arbitragem trabalhista se apresenta como importante instituto de bem solucionar conflitos.

Não é possível cegar à realidade de que a indisponibilidade dos direitos trabalhistas tem limites evidentes.

O dia a dia forense trabalhista aí está para afastar tais fundamentos. Isto porque judicialmente são resolvidos  por acordo conflitos envolvendo praticamente todos os direitos laborais, sem que aí se oponha qualquer restrição. Por óbvio que de maneira mais segura por conta da “administração”/”supervisão” do julgador, com sua homologação, mas não há regra alguma que relativize a indisponibilidade para a via judicial . Também especialmente menos resistida quando se dá após a vigência do contrato de trabalho ,momento em que , sem qualquer vínculo, não mais sobreviveria diferença de condições.

Também , neste sentido, a Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/17 aponta cenário positivo ao prever, no artigo 484-A a possibilidade de extinção do próprio contrato de trabalho por acordo, nas condições lá especificadas.

Da mesma forma, o Capítulo III- A  da alteração promovida pela referida lei na CLT, efetivamente trata da Jurisdição Voluntária e da homologação de Acordo Extrajudicial (arts. 855-B, C, D e E).

Resta evidente que  está aberto o caminho para uma nova cultura de solução de conflitos, ao lado do Poder Judiciário, mas sem desnecessitar deste, com a real possibilidade de utilização da arbitragem trabalhista.

_____

[1] A evolução histórica da arbitragem não é relevante para o que ora se propõe, motivo pelo qual não será aprofundada. Para maiores informações sobre o tema: GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional. São Paulo: Saraiva, 1993.

[2] Müller, C. V., & Scheffer, A. B. B. (2019). Turismo voluntário: Uma experiência em busca do sentido? Vida e trabalho em questão. Revista de Administração Mackenzie, 20(1). doi: 10.1590/1678-6971/eRAMG190095

[3] Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, o art. 791-A, caput e §4º, da CLT, passou a prever a condenação da parte sucumbente ao pagamento de honorários. Antes da vigência, não havia condenação da parte sucumbente de honorários, à exceção de raras hipóteses. Sobre o assunto:  

[4] MACHADO, Rafael Bicca. Arbitragem como “saída” do Poder Judiciário? In: Arbitragem no Brasil: Aspectos relevantes. P. 360.

[5] Parte da doutrina prefere qualificar como sistema “multiportas”, em menção à expressão Multidoor Courthouse System articulada pelo professor de direito de Harvard, Frank Sander, para identificar métodos de resolução de conflitos que não o Poder Judiciário. Disponível em: https://www.pon.harvard.edu/daily/international-negotiation-daily/a-discussion-with-frank-sander-about-the-multi-door-courthouse/. Acesso em 25 out. 2020.

[6] MACHADO, Rafael Bicca. Arbitragem como “saída” do Poder Judiciário? In: Arbitragem no Brasil: Aspectos relevantes. P. 379.

[7] GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional. São Paulo: Saraiva, 1993.

[8] O Supremo Tribunal Federal discutiu a constitucionalidade da Lei nº 9.307/1996 no Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206, que teve julgamento definitivo em 12 de dezembro de 2001, pela constitucionalidade da referida Lei. Notícia STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=58198. Acesso em: 11 nov. 2020.

[9] FERRANTE, Douglas Telpis. BAGNOLI, Vicente. A Arbitrabilidade do Direito Concorrencial: uma interface entre a defesa da concorrência e os métodos alternativos de resolução de litígios. Revista do IBRAC, São Paulo, n. 1, p. 202-225, 2020.

[10] MURIEL, Marcelo. A Arbitragem frente ao Judiciário Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, nº 1, jan. a mar. 2004, pp. 27-39.

[11] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios do direito do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000.

[12] MARTINS, Sérgio Pinto. p. 69.

[13] Tese USP: 2010. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-20062011-120620/publico/LUISA_GOMES_MARTINS.pdf > Acesso em 28 de mar. de 2021.

VERÇOSA, Fabiane. Arbitragem para Resolução de Dissídios Individuais Trabalhistas em Tempos de Reforma da CLT e de Conjecturas sobre a Extinção da Justiça do Trabalho: o Direito Trabalhista na Encruzilhada. Revisa Brasileira de Arbitragem. Nº 61 . jan-mar 2019. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5731654/mod_resource/content/0/Fabiane%20Ver%C3%A7osa%20-%20Arbitragem%20para%20a%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20de%20Diss%C3%ADdios%20Individuais%20Trabalhistas%20RBA%2061.pdf

[15] Op. Cit.

[16] ROXO, Tatiana. BONACCORSI, Amanda. Mediação no Direito do Trabalho: A Necessidade De Adequação à Luz dos Princípios Juslaborais. Rev. de Formas Consensuais de Solução de Conflitos. Minas Gerais. v. 1, Edição nº. 2, Jul- Dez. 2015, p. 223.

[17] VERÇOSA, Fabiane.

[18] VERÇOSA, Fabiane.