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HORA DA ARBITRAGEM TRABALHISTA

André Jobim de Azevedo
Vitória Fernandes Guedes Silveira

 

1 INTRODUÇÃO

Antes de tudo é de registrar a justa e carinhosa homenagem que prestamos ao Professor Doutor José Augusto Rodrigues Pinto, jurista de escol e figura humana ímpar. Estas singelas palavras são incapazes de aquilatar o destinatário, mas que, destinadas com admiração e respeito servem ao propósito. Obrigado Professor JARP por tantas lições!

Na sessão plenária virtual do Supremo Tribunal Federal de 11/03/2021, o Ministro Luís Roberto Barroso profetizava: “o advogado do futuro não vai ser aquele que propõe ação [judicial], mas aquele que resolve o problema sem propor a ação, por meio da negociação e composição”.

A introdução do art. 507-A no texto da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), pela edição da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, intitulada “reforma trabalhista”, pôs fim aos debates acerca da arbitrabilidade objetiva de litígios trabalhistas individuais. A arbitrabilidade de litígios trabalhistas, ou seja, a viabilidade jurídica de adoção do procedimento arbitral envolvendo direitos trabalhistas, não é novidade no ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988, desde a sua promulgação, admitia a utilização do procedimento arbitral para solucionar dissídios coletivos no art. 114, § 1º. A importante alteração promovida pela reforma trabalhista foi no sentido da possibilidade de escolha da via arbitral e  escolha de árbitros para solucionar também os conflitos individuais. Trata-se, pois, de um claro reflexo da tendência de utilização dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC), gênero do qual faz parte a arbitragem, no cenário pátrio e na maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo.

Apesar de a alteração legislativa representar um avanço importante para o desenvolvimento dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos, mormente envolvendo direitos trabalhistas, não significa que a matéria tenha sido exaustivamente tratada ou que não pairem muitas dúvidas acerca da aplicabilidade no Direito do Trabalho.

 

2 MÉTODOS ADEQUADO DE SOLUÇÕES DE CONFLITOS

Não há novidade em afirmar que os conflitos são tão antigos quanto à própria sociedade, e, acredita-se, indeléveis no tempo. Por inevitáveis, as grandes discussões não residem em como extirpar de vez os conflitos da sociedade, mas em como solucioná-los de forma cada vez mais eficaz.

Desde que abandonada a precária solução pela via da vindita, a sociedade delegou, prioritariamente, ao Estado o poder-dever de dizer o direito e fornecer meios para impor a efetividades das suas decisões. É, pois, a jurisdição, a manifestação do poder estatal por intermédio de um magistrado – entendido aqui mais como instituição do que propriamente um indivíduo – se manifesta sobre qual o direito aplicável ao caso levado ao Poder Judiciário.

Ressalva-se, por oportuno, que a jurisdição não foi o único método de solução de conflitos previsto no arcabouço jurídico desde as suas gênesis. De início as ordenaçãoes Portuguesas. Na primeira Constituição Brasileira, a Constituição Imperial, de 1824, a tentativa de autocomposição era tratada como condição de procedibilidade para propositura de demanda judicial. A arbitragem, por sua vez, tem raízes que remontam o Protocolo de Genebra, assinado em 24 de setembro de 1923[1]. O que se demonstra, todavia, é que por ausência de incentivo ou até mesmo por falta de conhecimento dos aplicadores do direito sobre os institutos, outros métodos de solução de conflitos que não a jurisdição, não foram consagrados no cotidiano como possibilidades.

Eis que a cultura da litigiosidade, observada no período da pós-modernidade que nos envolve desde o final século XX, encontrou ambiente fértil para  propagar. A pós-modernidade altera drasticamente as estruturas sociais vividas na era moderna. Valores e conceitos universais antigamente apregoados passam a ser reiteradamente questionados. Perdem-se antigas referências antes vigentes de instituições, profissões e relações. Com um discurso evidentemente heterogêneo e diverso, tal desconstrução drástica propicia um nível de tensão que reflete no modo de se relacionar. A despeito dos efeitos positivos, o discurso da sociedade moderna encoraja relações instáveis que desaguam na manutenção de vínculos. Os reflexos da pós-modernidade são sentidos por empregadores e empregados quanto às expectativas no modo – tempo e forma – de se relacionar:  

Em um ambiente cada vez mais complexo, mutável e imprevisível, observa-se que não há mais garantias (Bauman, 2009; Gorz, 2005), como ocorre nas relações do sujeito com seu próprio trabalho. Segurança, vínculo empregatício de longo prazo, lealdade do funcionário com a organização e carreira interna foram sendo substituídos por novos arranjos no trabalho e por um novo contrato psicológico voltado para a empregabilidade (Bendassolli, 2007; De Vos & Van der Heijden, 2015)[2]

O monopólio da jurisdição na sociedade pós-moderna resulta e um cenário bastante previsível: colapso do Poder Judiciário. Crescimento do número de ações judiciais em números completamente desproporcionais às estruturas físicas, orçamentárias e institucionais do sistema forense resultaram na morosidade, perduração dos litígios e inadequação das repostas judiciais em todas as searas.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulga anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números, que reúne as estatísticas judiciárias oficiais apuradas nos anos antecessores. Na edição do Relatório do ano de 2020, ano-base 2019, foram contabilizados 3.530.197 (três milhões quinhentos e trinta cento e noventa e sete) novos processos na Justiça Trabalhista, considerando apenas aqueles ingressados no 1º grau de jurisdição da seara trabalhista. Segundo o Relatório, foi registrada a média de 662 novos casos por magistrado no 1º grau de jurisdição trabalhista, e 1.607 novos casos por magistrado no 2º grau de jurisdição somente naquele ano. O impressionante volume é registrado mesmo depois da entrada em vigor da reforma trabalhista, cujas alterações promovidas na redistribuição dos honorários sucumbenciais desestimularam o ajuizamento de ações judiciais trabalhistas[3].

Os dados exibidos no Relatório Justiça em Números, de 2020, nos traz as seguintes reflexões : i) Com a carga de trabalho por magistrado registrada pelo CNJ, tem o magistrado condições de sempre dar a melhor resposta jurisdicional? ii) A via pela arbitragem, no qual terceiro(s) especialista(s) vai poder dedicar atenção necessária para que a controvérsia seja respeitada e julgada considerando as minúcias e particularidades do seu caso, não pode ser proveitosa em diversos casos? iii) A construção de uma solução consensual pelas partes, as quais tem a oportunidade de buscar voluntariamente pontos de convergência não pode trazer maior satisfação e manutenção das relações em determinados casos? Tais perguntas têm apenas o intuito de fazer refletir sobre a (in)adequação do Poder Judiciário como resposta para todo e qualquer conflito. Frise-se que o intuito não é fazer crer que o Poder Judiciário não é e não possa ser a via mais adequada em determinados casos, mas que há outros métodos que, dependendo da avaliação concreta do caso, podem trazer mais benefícios para as partes envolvidas.  

Nesse sentido, critica-se veementemente a visão de que os métodos adequados de solução de conflito devam ser compreendidos como instrumentos “alternativos” à jurisdição, com o único propósito de desafogar o judiciário. Há muito, os MASCs vêm sendo erroneamente compreendidos como salvação para a superlotação do Judiciário em âmbito nacional. Possivelmente a visão equivocada esteja relacionada com a expressão Alternative Dispute Resolutions (ADR), utilizada nos países de língua inglesa[4][5]. Fato é que, diferentemente dessa visão limitada, os métodos de resolução de conflitos devem ser compreendidos como adequados ao caso concreto e não alternativos ao Poder Judiciário. Acredita-se que, de fato, os problemas da jurisdição estatal tiveram papel importante para que o sistema pudesse evoluir e se desenvolver em suas raízes; mas, de maneira alguma, sua finalidade pode e deve ser limitada a uma ferramenta a mais para desafogar o Poder Judiciário na compreensão atual. Sobre o desenvolvimento da Arbitragem como resposta aos problemas da jurisdição no Brasil no final dos anos 90, Rafael Bicca relembra o movimento “Operação Arbiter”:

E como se chegou a esta Nova Lei da Arbitragem? Esta foi fruto de um movimento, conhecido como “Operação Arbiter”, que teve início pelas mãos de Petrônio Muniz, advogado e professor pernambucano. Como o próprio declara em um livro específico sobre esta operação, esta teve por objetivo a viabilização de uma “via paralela à justiça comum com objetivos convergentes” (Muniz, 2005, p. 27), orientada pela necessidade de se rejeitar a ideia de que o Estado seja o único capaz de solucionar as controvérsias (…)

A primeira [observação importante], de que o impulso para o movimento se deu justamente diante da constatação de um problema na qualidade da prestação jurisdicional estatal. Em outras palavras, a arbitragem foi vista por Petrônio Muniz como uma possível alternativa à má prestação de serviços do Poder Judiciário”.

Todavia, a arbitragem não deve ser encarada como uma solução messiânica. São oportunas as críticas sobre a dualidade de visões sobre o instituto da arbitragem:

Parece inadequado pensar, hoje, que a arbitragem possa efetivamente constituir em uma espécie de solução para todos os problemas enfrentados pela jurisdição estatal, sendo mais adequado vislumbrá-la como um excelente (e complementar) mecanismo de prestação jurisdicional, especialmente para um importantíssimo conjunto específico de demandas, para os quais as características da arbitragem mostram-se muito vantajosas, em comparação com a jurisdição prestada pelo Estado. [6]

Bem compreendida a natureza e finalidade dos métodos adequados de solução de conflitos, passa-se à análise do instituto da arbitragem, espécie que compõe o gênero dos MASCs.

3 ARBITRAGEM NO DIREITO DO TRABALHO

 

As raízes da positivação da resolução de disputas pela arbitragem são encontradas fora do âmbito nacional. Ainda que não haja consenso na doutrina, grande parte assume como premissa que desde o Protocolo de Genebra, assinado em 24 de setembro de 1923, é possível afirmar a existência do instituto da arbitragem como método de solução de demandas[7].

O expressivo tempo, desde as origens, não significa que o instituto, seus contornos, alcances e benefícios, tenham sido tratados de forma exaustiva e adequada no ordenamento jurídico brasileiro, tampouco na esfera trabalhista. Pelo contrário, há poucas décadas questionava-se até mesmo a constitucionalidade da Lei Brasileira de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996)[8][9], que segue vigente até os dias atuais.  Desde 2001 já assim asseverado pelo STF.

Atualmente, há expressa da possibilidade de solucionar conflitos pela via da arbitragem no artigo 144, §1º e §2º[10], da Constituição Federal de 1988. Todavia, antes de adentrar às questões envolvendo a arbitrabilidade de conflitos trabalhistas, importante relembrar pressupostos sobre o Direito do Trabalho, dissídios trabalhistas individuais e coletivos para melhor compreensão do tema proposto.

Como ramo específico do Direito, o Direito do Trabalho é composto por princípios próprios, que devem ser entendidos como ponto de partida compreensão e aplicação do Direito Laboral. Segundo o autor Américo Plá Rodriguez, seis são os princípios do Direito do Trabalho: i) proteção; ii) irrenunciabilidade de direitos; iii) continuidade da relação de emprego; iv) primazia da realidade; v) razoabilidade; e vi) boa-fé[11]. Atentamos ao princípio da proteção, que ora nos interessa.

O princípio da proteção parte do reconhecimento da inexistência de equivalência na relação de emprego, como uma das formas de compensar a inferioridade econômica e jurídica do empregado em relação ao empregador[12]:

A relação de emprego é uma relação de poder, em que o empregador detém o poder de dar ordens, comandar e dirigir toda a execução do trabalho executado pelo trabalhador. A superioridade jurídica do trabalhador visa compensar sua natural inferioridade na relação[13].

Pelo princípio da proteção é que sempre houve a possibilidade de arbitrar dissídios coletivos, conforme previsão no já referido artigo 144, §1º e §2º, da Constituição Federal. Dissídios coletivos são aqueles conflitos instaurados entre os entes coletivos, ou seja, o respectivo sindicato de empregado e o sindicato patronal ou empresa. Assim, a reunião de empregados, representados pelo ente coletivo Sindicato, encontrar-se-iam em posição de igualdade em relação ao empregador. Nesse sentido, oportunas as lições de Fabiane Verçosa acerca da hipossuficiência do empregado e a possibilidade de arbitragem de dissídios coletivos:

No Direito do Trabalho, prevalece a ideia de que o empregado, diante de um conflito com seu empregador, encontra-se em condição de inferioridade econômica e técnica. A negociação por meio do sindicato visa equiparar o poder de negociação entre os entes coletivos envolvidos (sindicato de empregados v. sindicato patronal ou empresa, conforme o caso). Dessa forma, os empregados – reunidos no seio do sindicato – e o empregador – na figura da empresa ou do sindicato patronal – encontrar-se-iam em pé de igualdade.

Nesse diapasão, admite-se até mesmo, em alguns casos, a diminuição de direitos do trabalhador, se pactuados por meio de negociação coletiva. É o que dispõe o art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da Constituição Federal de 19881. Foi imbuída dessa lógica de flexibilização nas relações de trabalho na seara coletiva que a Carta Magna estabeleceu expressamente a possibilidade de utilização da arbitragem para a solução de dissídios coletivos trabalhistas. É o que dispõem os §§ 1º e 2º de seu art. 114 (…)[14].

Assim, através dos  sindicatos, ambas as partes têm o mesmo poder e estão em pé de equidade para negociar e submeter o conflito à análise do árbitro. Não há dúvidas quanto à arbitrabilidade de direitos trabalhistas envolvendo dissídios coletivos, tendo em vista a configuração de uma relação equânime, e formalmente, com amparo constitucional. Entretanto, o cenário é outro quando envolve direitos trabalhistas individuais.

 

3.1 Arbitragem de direitos trabalhistas individuais antes da Reforma da CLT

 

Antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/17, que reformou parcialmente a CLT, não havia qualquer dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro acerca da possibilidade – ou não – de submeter conflitos trabalhistas individuais à arbitragem. A doutrina era dividida e as discussões acirradas. Três eram os principais pontos de discussão, conforme Fabiane Verçosa[15]:

(i) princípio da proteção;

(ii) indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos trabalhistas;

(iii) previsão constitucional autorizando a utilização da arbitragem em sede de litígios trabalhistas coletivos.

Apesar do tratamento como objetos diferentes, acredita-se que o princípio da proteção e a indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos trabalhistas confundem-se, pois um corolário do outro. Explica-se: o princípio da proteção parte do reconhecimento da inexistência de equivalência na relação de emprego, como visto. A partir desta premissa, o doutrinador Américo Plá Rodriguez elenca subprincípios – ou outras facetas – desse mesmo princípio da proteção, dentre o que interessa por ora, o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. O princípio da irrenunciabilidade de direitos prega que empregados não poderiam dispor dos direitos que o ordenamento jurídico brasileiro lhes assegura, uma vez que, partindo do pressuposto de inexistência de equivalência na relação, poderiam sofrer algum tipo de coação por parte do empregador para renunciar a direitos:

(…) o princípio da proteção possui subprincípios e um deles é o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, que tem por finalidade proteger os direitos e garantias alcançados pelo trabalhador, que poderia sofrer pressão para abrir mão dos direitos que lhe são garantidos. O princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas determina que não pode o empregado dispor dos direitos que o ordenamento jurídico lhe assegura, através da manifestação de vontade. A indisponibilidade dos direitos trabalhistas é projeção do princípio da imperatividade das normas trabalhistas, que determina que as normas trabalhistas não podem ser afastadas pela vontade das partes, sendo, portanto, indisponíveis.[16]

No presente estudo, tratar-se-á a indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos trabalhistas juntamente com o princípio da proteção dos empregados.

A questão da indisponibilidade dos direitos trabalhistas sempre ganhou destaque nas discussões doutrinárias, que se acirram para distinguir quais são os direitos dotados de indisponibilidade absoluta e quais aqueles em que a indisponibilidade é relativa. Sobre o assunto, Mauricio Godinho Delgado é quem melhor distingue:

Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre com o direito à assinatura da CTPS, ao salário-mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. Também será absoluta quando o direito enfocado estiver protegido por norma de interesse abstrato da respectiva categoria. Este último critério indica que a noção de indisponibilidade absoluta atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias (direito individual, pois), parcelas que poderiam, no contexto do Direito Coletivo do Trabalho, ser objeto de transação coletiva, e, portanto, de modificação real. Noutras palavras: a área de indisponibilidade absoluta, no Direito Individual, é, desse modo, mais ampla que a área de indisponibilidade absoluta própria do Direito Coletivo.

Relativa será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que se passa, ilustrativamente, com a modalidade de salário paga ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável, por exemplo): essa modalidade salarial pode se alterar, licitamente, desde que a alteração não produza prejuízo efetivo ao trabalhador.

Da leitura acima compreende-se que há direitos trabalhistas absolutamente indisponíveis -, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público -, e direitos trabalhistas relativamente indisponíveis – direitos que não caracterizem um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico.

Importante destacar que não havia consenso na doutrina e na jurisprudência. Antes da reforma da CLT, havia correntes que defendiam a impossibilidade de a grande maioria dos direitos trabalhistas serem submetidos à arbitragem e a correntes que defendiam ponto de vista contrário, nas quais a grande maioria dos direitos se inseria na categoria de direitos relativamente indisponíveis.

O assunto sobre a natureza dos direitos trabalhistas é especialmente relevante quando se trata de arbitragem, pois o procedimento é limitado a discussões relativas à direitos patrimoniais disponíveis, conforme o art. 1º da Lei de Arbitragem.

Para complementar a discussão sobre a arbitragem de conflitos individuais trabalhistas, ainda havia outro ponto importante: a previsão constitucional autorizando a utilização da arbitragem em sede de litígios trabalhistas coletivos significava a proibição ou autorização de submeter litígios trabalhistas individuais à análise de árbitros?

Bons argumentos eram utilizados por ambos as correntes opostas: de um lado, argumentava-se que a previsão expressa somente sobre dissídios coletivos era uma proibição de arbitrar dissídios individuais. De outro lado, a Constituição Federal é silente em relação a todos os outros conflitos, os quais incluem cíveis e comerciais, dos quais não se há dúvidas de que são arbitráveis. Sobre as discussões doutrinárias, oportuna as considerações in verbis:

Corresponderia tal silêncio a uma proibição? Ou, dito em outras palavras, se a Constituição Federal permite a utilização do juízo arbitral para os litígios coletivos laborais e rigorosamente nada dispõe sobre os individuais, quer isso dizer que os litígios individuais não podem ser solucionados por arbitragem? Por outro lado, há de se refletir: A situação em tela não ensejaria a aplicação do princípio da legalidade privada (art. 5º, inciso II, da CF88)? Ora, o que não está proibido pela lei (aí se incluindo a norma fundamental, obviamente) é permitido. Quanto a esse aspecto, cabe acrescentar que não há, em toda a Constituição Federal, uma só previsão permitindo a utilização de arbitragem nos conflitos de natureza cível ou comercial, por exemplo. Ou seja, a Constituição não é silente apenas em relação à possibilidade de uso da arbitragem para os litígios trabalhistas individuais; ela é silente em relação a todos os outros conflitos que não se inserem na categoria dos coletivos trabalhistas, aí se incluindo os cíveis, comerciais, societários, administrativos, etc. E, como se sabe, não há dúvida de que estes últimos litígios são, via de regra, plenamente arbitráveis no Direito brasileiro, independentemente de previsão constitucional nesse sentido (desde que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis e envolvam pessoas capazes, obviamente)[17].

Assim, as discussões sobre a arbitrabilidade de direitos individuais trabalhistas necessariamente deveriam resolver a questão envolvendo o princípio da proteção do empregado – no qual se insere a (in)disponibilidade dos direitos trabalhistas – e a positivação da previsão de possibilidade de submissão de dissídios coletivos à arbitragem.

Contudo, tal discussão rendia-se à realidade ,quando diariamente se realizam milhares de composições trabalhistas em juízo, sem que haja qualquer disposição legal  que a tanto expressamente autorize.

Eis que, mediante a Lei nº 13.129/15, intitulada “Reforma da Lei de Arbitragem”, se tentou pôr fim às discussões. O art. 4º, §4º, da Lei de Arbitragem, previa o empregado que “ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória”, desde que a iniciativa viesse do empregado ou com expressa concordância deste.

Da leitura, percebe-se que o legislador tinha duas principais condições sine qua non: o cargo ocupado deveria ser de administrador ou diretor e deveria haver vontade expressa. Sem dúvidas, as preocupações tinham o condão de evitar que não fosse respeitado o princípio da proteção.

A exigência de que o empregado ocupasse um cargo hierarquicamente alto, reside na preocupação com a manifestação de vontade do empregado. Um empregado com poderes para tomar decisões relevantes em nome da empresa, presume-se que está em posição de manifestar livremente aspectos de sua vida profissional, havendo, nesse caso, uma mitigação da subordinação entre empregado e empregador[18].

Já a condição de que houvesse iniciativa do empregado ou concordância expressa, é o reflexo de que o empregado tivesse consciência do que estaria assumindo, com informações técnicas sobre o instituto (ou, pelo menos, meios para adquirí-las) e estaria plenamente ciente das consequências de assumir a cláusula compromissória.

Apesar dos esforços dos legisladores, o §4º, do art. 4º, da Lei de Arbitragem foi vetado pelo Poder Executivo. Nas razões de veto, são as considerações do Poder Executivo, que foram acatadas pelo Congresso Nacional:

  • 4º do art. 4º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, alterados pelo art. 1º do projeto de lei

(…)

Razões do Veto

“O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral.”

 Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. (Grifos no original)

Finalmente, com a entrada em vigor da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, acrescentou-se o art. 507-A da CLT, que se passou a permitir expressamente- a arbitragem de dissídios individuais. O texto, porém, apresenta-se diferente daquele moldado pela Lei da Arbitragem. É o texto do referido dispositivo:

Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

O artigo supratranscrito possibilita o uso da arbitragem, mas desde o empregado possua remuneração de duas vezes o teto máximo estabelecido para os benefícios do Regime Feral da Previdência. Isso significa que no ano de 2021, com o reajuste válido desde 1º de janeiro, somente os empregados cuja remuneração seja superior a R$ 12.866,00 poderão ser considerados relativamente autônomos, hipossuficientes e, portanto, aptos a pactuar cláusula compromissória.

É verdade que a reforma trabalhista quis diferenciar os empregados comuns, ou seja, os empregados que ganham até a média salarial do Brasil (dois a três salários-mínimos) e representam a maçante maioria dos empregados, dos altos executivos, o que a doutrina vem chamando de empregados hipersuficientes.

Entretanto, ao que tudo indica, o critério do salário parece razoavelmente raso e inadequado para servir como prova de igualdade entre empregados e empregadores.

Ainda no tocante ao tema, Daniela Muradas afirma que se a vulnerabilidade é a marca de todo e qualquer empregado, independentemente de seu grau de instrução e distinção salarial, “a assimetria contratual exige interditar qualquer espécie de despojamento, conforme enuncia princípio pro aderente do direito comum, fonte subsidiária do Direito do Trabalho, na forma do parágrafo introduzido ao art. 8º da CLT” (MURADAS, 2017, p. 176). Na mesma esteira, há doutrinadores que sustentam ser inconstitucional qualquer lei que prejudique o empregado ante o que dispõe o art. 7º, XXXII, que veda a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os respectivos profissionais (MURADAS, 2017, p. 172-174).

Ademais, a pouca disciplina sobre o assunto também é de ser referida: não há menção sobre a forma expressa, o momento em que deve ser pactuada, a responsabilidade pelos custos e honorários do árbitro.

A abrangência dos direitos que podem ou não ser objetos de submissão ao arbitro: apesar de agora saber que alguns direitos trabalhistas são arbitráveis, não há delimitações sobre quais. Quais os contornos? Parte da doutrina utiliza os arts. 611-A e 611-B, que tratam dos objetos (i)lícitos de convenção ou acordo coletivos. Mas parece que apesar de todos os esforços, acabam sempre voltando para parâmetros de acordos coletivos o que a legislação pouco ajudou.

De toda forma, não se olvida que a novidade legislativa é importante e representa mais um passo para o estímulo da utilização da arbitragem no Brasil.

4 CONCLUSÃO

 

É hora de mudança. A arbitragem trabalhista se apresenta como importante instituto de bem solucionar conflitos.

Não é possível cegar à realidade de que a indisponibilidade dos direitos trabalhistas tem limites evidentes.

O dia a dia forense trabalhista aí está para afastar tais fundamentos. Isto porque judicialmente são resolvidos  por acordo conflitos envolvendo praticamente todos os direitos laborais, sem que aí se oponha qualquer restrição. Por óbvio que de maneira mais segura por conta da “administração”/”supervisão” do julgador, com sua homologação, mas não há regra alguma que relativize a indisponibilidade para a via judicial . Também especialmente menos resistida quando se dá após a vigência do contrato de trabalho ,momento em que , sem qualquer vínculo, não mais sobreviveria diferença de condições.

Também , neste sentido, a Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/17 aponta cenário positivo ao prever, no artigo 484-A a possibilidade de extinção do próprio contrato de trabalho por acordo, nas condições lá especificadas.

Da mesma forma, o Capítulo III- A  da alteração promovida pela referida lei na CLT, efetivamente trata da Jurisdição Voluntária e da homologação de Acordo Extrajudicial (arts. 855-B, C, D e E).

Resta evidente que  está aberto o caminho para uma nova cultura de solução de conflitos, ao lado do Poder Judiciário, mas sem desnecessitar deste, com a real possibilidade de utilização da arbitragem trabalhista.

_____

[1] A evolução histórica da arbitragem não é relevante para o que ora se propõe, motivo pelo qual não será aprofundada. Para maiores informações sobre o tema: GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional. São Paulo: Saraiva, 1993.

[2] Müller, C. V., & Scheffer, A. B. B. (2019). Turismo voluntário: Uma experiência em busca do sentido? Vida e trabalho em questão. Revista de Administração Mackenzie, 20(1). doi: 10.1590/1678-6971/eRAMG190095

[3] Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, o art. 791-A, caput e §4º, da CLT, passou a prever a condenação da parte sucumbente ao pagamento de honorários. Antes da vigência, não havia condenação da parte sucumbente de honorários, à exceção de raras hipóteses. Sobre o assunto:  

[4] MACHADO, Rafael Bicca. Arbitragem como “saída” do Poder Judiciário? In: Arbitragem no Brasil: Aspectos relevantes. P. 360.

[5] Parte da doutrina prefere qualificar como sistema “multiportas”, em menção à expressão Multidoor Courthouse System articulada pelo professor de direito de Harvard, Frank Sander, para identificar métodos de resolução de conflitos que não o Poder Judiciário. Disponível em: https://www.pon.harvard.edu/daily/international-negotiation-daily/a-discussion-with-frank-sander-about-the-multi-door-courthouse/. Acesso em 25 out. 2020.

[6] MACHADO, Rafael Bicca. Arbitragem como “saída” do Poder Judiciário? In: Arbitragem no Brasil: Aspectos relevantes. P. 379.

[7] GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional. São Paulo: Saraiva, 1993.

[8] O Supremo Tribunal Federal discutiu a constitucionalidade da Lei nº 9.307/1996 no Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206, que teve julgamento definitivo em 12 de dezembro de 2001, pela constitucionalidade da referida Lei. Notícia STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=58198. Acesso em: 11 nov. 2020.

[9] FERRANTE, Douglas Telpis. BAGNOLI, Vicente. A Arbitrabilidade do Direito Concorrencial: uma interface entre a defesa da concorrência e os métodos alternativos de resolução de litígios. Revista do IBRAC, São Paulo, n. 1, p. 202-225, 2020.

[10] MURIEL, Marcelo. A Arbitragem frente ao Judiciário Brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, nº 1, jan. a mar. 2004, pp. 27-39.

[11] PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios do direito do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000.

[12] MARTINS, Sérgio Pinto. p. 69.

[13] Tese USP: 2010. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-20062011-120620/publico/LUISA_GOMES_MARTINS.pdf > Acesso em 28 de mar. de 2021.

VERÇOSA, Fabiane. Arbitragem para Resolução de Dissídios Individuais Trabalhistas em Tempos de Reforma da CLT e de Conjecturas sobre a Extinção da Justiça do Trabalho: o Direito Trabalhista na Encruzilhada. Revisa Brasileira de Arbitragem. Nº 61 . jan-mar 2019. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5731654/mod_resource/content/0/Fabiane%20Ver%C3%A7osa%20-%20Arbitragem%20para%20a%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20de%20Diss%C3%ADdios%20Individuais%20Trabalhistas%20RBA%2061.pdf

[15] Op. Cit.

[16] ROXO, Tatiana. BONACCORSI, Amanda. Mediação no Direito do Trabalho: A Necessidade De Adequação à Luz dos Princípios Juslaborais. Rev. de Formas Consensuais de Solução de Conflitos. Minas Gerais. v. 1, Edição nº. 2, Jul- Dez. 2015, p. 223.

[17] VERÇOSA, Fabiane.

[18] VERÇOSA, Fabiane.

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