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EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 – DEZEMBRO DE 2004 observações

André Jobim de Azevedo

 

O presente artigo busca apreciar a Emenda  Constitucional 45, de dezembro de 2004 sob dois enfoques básicos. O primeiro de análise ampla e geral da nova Emenda com exame de finalidade e instrumentos e o segundo, mais pontual, especificamente sobre o trato da matéria trabalhista ante a alteração do artigo 114 da Carta Constitucional.

À guisa de introdução é de se manifestar perplexidade acerca de mais uma nova Emenda Constitucional.

É que em termos técnica e socialmente ideais, a Constituição de um país deve se constituir em um instrumento normativo estrutural  e de organização do Estado e da Sociedade capaz de nortear os cidadãos na  formação e desenvolvimento de suas vidas, o mesmo valendo para as  Instituições do país, através dos tempos.

Deve ter condições de conduzir os destinos de uma nação por um longo futuro, orientando a organização social e empresarial para bem alicerçar suas ações. Deve ensejar regramento amplo, para, a partir dele, adequadamente  balizar o sistema jurídico infraconstitucional .

É próprio dessa missão, o caráter de estabilidade típico da magnitude de sua condição e propósito, para que o desenvolvimento nacional seja com ela conforme. Recomendável assim, formatação enxuta, que seus ditames não sejam daqueles que rapidamente se alterem ou superem, que sejam capazes de estar acima das ocorrentes e dinâmicas alterações diuturnas da vida.  Só dessa maneira é que passam os tempos e a Carta Constitucional segue com sua observância e vigência reconhecida e preservada. Desse modo também pode ser acolhida e compreendida pelos cidadãos.

Pois já aí se pode produzir alguma crítica à chamada Constituinte cidadã de 1988, a qual prima pelo detalhismo e até casuísmo, neste enfoque impróprios para o instrumento em questão, a qual já se encontra, sob muitos aspectos superada e ultrapassada pelo tempo, a despeito de sua recém adolescência. Perde assim na necessária condição de proximidade com seus destinatários, pelos quais não tem o devido conhecimento.

Por óbvio que tal – sem se atribuir simples  incorreção de formatação –  tem pelo menos alguma justificativa de caráter político especial, que foi o momento da sua ocorrência. Primeiro espaço de reorganização institucional  do país depois de anos  de ditadura militar, de regime autoritário e opressivo, vê-se o país com um oportunidade de rever sua organização constitucional e, por conta de anos de autoritarismo estatal e até legal, tratar de buscar proteção na Carta Maior.

Na Carta de 1988 tratou-se  de incluir um sem número de questões tipicamente de caráter infraconstitucional, como forma de tentar assegurar a manutenção dessas regências. Isso porque é sabida a necessária  maior dificuldade de alteração dessas normas constitucionais, que não se dão por simples edição de outra regência em sentido contrário ou diversa, como se dá com a lei ordinária. A alteração constitucional exige  quorum qualificado , envolvimento congressual, partidário e social muito mais sério e, portanto, gerando uma condição de maior perenidade quanto aos temas  inscritos na Constituição Federal.        

Mas essa é a Constituição que temos e sobre a mesma devemos deitar nossos estudos, sem que se deixe de fazer essa necessária crítica, em especial se fizermos rápida digressão comparativa.

Pois em moldes ideais a Constituição deve ser capaz de manter-se firme com o passar dos tempos, mantendo a orientação norteadora e atual, o que não é uma das grandes virtudes da nacional.

Veja-se, a título de exemplo, as saudadas  Grandes Constituições do Mundo, as centenárias Francesa e Norte Americana, bastante concisas e genéricas Esta última, de formulação no longínquo 1789, com mais de 200 anos de vida, sofreu apenas 27 emendas ( isso sem distinção das 10 normas “Bill of Rights”, de mesma data). São normas de conhecimento e validação popular, tradicionais e verdadeiramente pilares sociais.

No caso pátrio, já estamos até na 46ª emenda para uma Constituição Federal de menos de 18 anos de vida. A velocidade e intensidade das alterações à Carta são prova cabal do que acima se sustenta, restando evidente o  indesejado distanciamento da Carta relativamente àqueles que pretende atingir.

Visto isto, é de se iniciar a análise da Emenda Constitucional n° 45, propriamente dita, o que se faz pela manifestação de compreensão da sua origem, da sua motivação.

Formalmente tratada como a emenda que traz a Reforma do Poder Judiciário, buscando a perfectibilização do Poder e a agilização da prestação jurisdicional,  agrega, contudo, um ingrediente velado, mas também importante, que é  a tentativa de instituição de um controle externo ao  próprio Poder Judiciário, de algum comando sobre o mesmo, o que efetivamente se realizou.

Com esses objetivos foram por igual encaminhadas ao Congresso Nacional no mesmo mês de dezembro de 2004 vários outros projetos de lei que buscam alterar o Código de Processo Civil, o Processo do Trabalho e o Processo Penal.

Na emenda sob análise, aos efeitos de maior controle social e político sobre os órgãos de jurisdição, foram criados o Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho Superior da Justiça do Trabalho e o Conselho Nacional de Justiça, teoricamente sem o condão de intervir na aplicação do direito, mas apenas nas questões referentes à administração dos órgãos judiciais.

No que respeita à finalidade maior de agilização da prestação jurisdicional, a expressa inclusão de um 78º inciso (LXXVIII) ao artigo 5° da Constituição,  é clara ao asseverar que “  são assegurados razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. É norma que pretende garantir efetividade ao procedimento da jurisdição.

Tal leitura de efetividade já era feita antes da inclusão desse inciso, quanto aos dispositivos existentes no mesmo artigo 5° que referiam no inciso XXXV o acesso ao Poder Judiciário para a apreciação de lesão ou ameaça do direito. Somente poderia se entender atendida a determinação constitucional se a jurisdição fosse prestada em tempo hábil e capaz de realmente atender ao jurisdicionado com condições de atuação no mundo real dos fatos.

Trata-se de antigo conflito entre efetividade e segurança jurídica, esta asseverada também em nível constitucional no mesmo artigo 5ª e revelada nos incisos LIV e LV que asseguram, respectivamente, o devido processo legal, o contraditório  e a ampla defesa.

Mas qual o real efeito sobre a efetividade do processo com a edição da norma em análise? Praticamente nenhum, senão psicológico. Trata-se de norma que explicita discussão anterior sobre o tema, mas que é programática, não auto-aplicável. Traz conceitos abertos, amplos e subjetivos, incapazes de acelerar em 1 segundo sequer a prestação jurisdicional. Evidente a dependência de desdobramento legislativo ordinário capaz de alcançar-lhe algum sentido prático.

Mas a mesma Emenda 45 traz  outras regências no sentido e que são capazes de efetivamente aprimorar a prestação jurisdicional. Vejamos algumas alterações no sentido, quer da efetividade, como também da qualidade da atuação:

 

ART 93 – II – c) promoção dos juízes por critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição. Ainda, freqüência e aperfeiçoamento em cursos oficiais e reconhecidos de aperfeiçoamento.

e) não promoção dos juízes, se incorrer em  injustificada retenção autos em carga além do prazo legal. Não basta a simples devolução dos autos ao cartório, face à previsão de que o magistrado somente pode devolver os autos  com o devido despacho e decisão.

VI – Aperfeiçoamento por cursos.

XII – Atividade Jurisdicional Ininterrupta. (vedados férias coletivas e dias sem expediente: plantão permanente.)

XIII – número de juízes proporcional à demanda

XV – Distribuição Imediata dos processos em grau de recurso. A título de ilustração e homenagem registre-se que o TRT 4ª Região, bem como da 10ª Região, especificamente Brasília, de há algum tempo atuam nestes moldes. Extremamente ágil de modo geral também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (apenas para registrar o Tribunal local) e inaceitavelmente morosa a distribuição de apelações no  Tribunal de Justiça de São Paulo onde os feitos aguardam em torno de 2 anos para serem  distribuídos ao relator….

ART. 107 Tribunal Regional Federal  – § 2º– instalação de justiça itinerante.§3º funcionamento descentralizado, câmaras regionais;

ART. 115 TribunaL Regional do Trabalho -§ 1º- instalação de justiça itinerante,  § 2º funcionamento descentralizado, câmaras regionais;

ART. 125 Tribunal de Justiça – § 6º funcionamento descentralizado  e §7º instalação de justiça itinerante.       

ART. 126  Criação de Varas especializadas com competência exclusiva para conflitos fundiários ( questões agrárias).

 

Quanto à justiça itinerante, é de  lembrar que há aproximadamente 20 anos, assim se fazia no Rio Grande do Sul, quando para audiências de ações realizadas na cidade interiorana do Alegrete, lá comparecia uma então Junta de Conciliação e Julgamento, em deslocamento, que vinha da cidade da fronteira de Uruguaiana em uma camionete Rural Willys com o Juiz Presidente, os juízes vogais,  o assistente judiciário, máquina de escrever, papéis timbrados próprios, e  assim se instruía o feito, com o que razoável associar à justiça itinerante…

Também possível de aqui se incluir as normas dos artigos 93,  I, e 129 § 3º, que determinam a prática de três anos de atividade jurídica do bacharel em direito, regra essa, entretanto, de contornos não muito claros. Nesse sentido,  a moralizadora imposição do artigo 95, V, de proibir aos juízes o  exercício  da advocacia no juízo ou tribunal do qual  se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração” , que algum limite impõe à essa inaceitável “concorrência desleal”.

É de realçar, no entanto, que quer na seara do controle social e jurisdicional, quer na seara da efetividade, a mais significativa alteração se deu através das Súmulas Vinculante e Impeditiva.

Quanto à esta última, ainda não vigente nos moldes propostos, uma vez que pende de reapreciação na Câmara dos Deputados e da própria aprovação, por força do processo de alteração constitucional por emenda.

Na prática, já existente quando o relator do Agravo de Instrumento Cível, pode negar  seguimento ao mesmo, por decisão monocrática, quando manifestamente inadmissível ou contrário à Súmula (art. 557, parágrafo 1° A do CPC) . Da mesma forma, o artigo Celetista, 896, parágrafo 5° pode o relator do Recurso de Revista negar o seguimento ao mesmo se a decisão agravada estiver em consonância com enunciado da Súmula da Jurisprudência do TST.

No que respeita à Súmula Vinculante, críticas importantes quanto à sua implantação  sofreu, na medida em que verdadeiramente se constitui em instrumento de limitação da atuação jurisdicional, tolhendo o poder criativo do juizado de primeira e  segunda instâncias, que fica impossibilitado de manejar livremente o direito e sua interpretação, ficando vinculado ao entendimento manifesto em Súmula ditada por Tribunal Superior. Há um evidente engessamento da dinâmica jurisprudencial, com escassos caminhos de alteração do instrumento pelo jurisdicionado.

 De outra parte, e para fazer contraponto, é importante que se diga injustificável a repetição mecânica de processos, petições, sentenças, manifestações recursais e julgamentos idênticos, a impor volume inaceitável de questões cujo resultado final desde o início se  conhece e que contribuem decisivamente para a morosidade judicial,  ferindo gravemente a efetividade da jurisdição. Exemplo disso são as milhares de ações que abarrotam a Justiça Federal e que tem o poder público federal como parte, onde se discutem por anos matérias absolutamente idênticas em  insuportável e onerosa repetição formal de teses

Por óbvio essa rápida observação não tem o condão de esgotar matéria tão importante quanto profunda, mas apenas noticiar  ao leitor sua ocorrência, sem se chegar a uma conclusão definitiva acerca do acerto do remédio proposto e ora insculpido na Carta Maior .

Incluída que foi na reforma pela edição do Art. 103A da CF, deve ser examinada. Trata-se de norma de aplicação imediata que autoriza o Supremo Tribunal Federal à edição das mesmas, quando se tratar reiteradas decisões sobre matéria constitucional, por deliberação de 2/3 dos membros da Corte. A referência final do artigo introduzido quanto à necessidade  de estabelecimento em lei posterior, deve ser interpretada como aplicável à revisão ou cancelamento. Há diversa interpretação de que tal se aplique à própria aprovação.

Aspecto interessante é o fato de que a Súmula vincula o Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, pelo que pode significar o estancamento de procedimentos administrativos geradores desse repetitivo volume de proposições judiciais.

Os três parágrafos que seguem à norma detalham algumas questões, sendo de realçar a possibilidade de reclamação ao Supremo Tribunal Federal quando dúvida restar quanto à correta aplicação ou não aplicação da Súmula editada.

Outra alteração, artigo 102, parágrafo terceiro, é a previsão de que o Recurso  Extraordinário possa ser manejado quando se configurar o que refere “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei”. Tal traz à lembrança a antiga questão de relevância, ensejadora do processamento do apelo. Nesse sentido, também, veja-se norma celetista do artigo 896-A que previu, na alteração havida pela MP 2226 de 09/2001, situação comparável, que foi a da “transcendência” do Recurso de Revista, até hoje não regulamentada..   Haverá de contar com passo posterior por parte do legislador ordinário.

Neste ponto, crendo haver apresentado uma superficial visão dos temas acima, resta adentrar especificamente na análise da alteração havida no artigo 114 da Constituição Federal, essa de profunda significância para o Judiciário Trabalhista.

De início, convém registrar que a  exclusão no Caput da norma, da expressão de competência para “conciliar”, não tem o significado por alguns exageradamente interpretado, de que não mais teria essa competência, de vez que  resta pressuposta pela função jurisdicional como função do juiz, na forma prevista pelo artigo 125, inciso IV do CPC e do artigo 652 da CLT.

No inciso I, a alteração da competência centra-se na dicção anterior  de competir o processamento e julgamento de controvérsias entre “trabalhadores e empregadores”, para ora  processar e julgar as controvérsias decorrentes da “relação de trabalho”. Aí é que o exame se nos impõe maior atenção e resta de maior relevância. Antes relação de emprego, “entre trabalhadores e empregadores…e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como..” e ora “ações oriundas da relação de trabalho….

O objeto da proteção do Direito do Trabalho sempre se centrou na proteção do seu exercente, aquele que pessoalmente  dispende energia em favor de outrem. O foco é a pessoa humana.

A competência anterior, no entanto, era restrita à ocorrência dessa situação nos moldes de subordinação e caracterizadora de relação de emprego, e alguma outra excepcional.

A comparação entre relação de emprego e de trabalho sempre foi a relação de espécie e gênero. O gênero  é a relação de trabalho, maior e mais ampla e que inclui a forma especial de prestar trabalho que é a prestada nos moldes  de contrato de trabalho, ao qual corresponde a relação de emprego, sua espécie. Lembre-se também que a própria CLT, no artigo 442, determina essa correspondência.  

Sob este prisma, não resta qualquer dúvida de que a presente alteração constitucional promoveu uma significativa alteração da competência da Justiça do Trabalho, no sentido de sua  ampliação e passar a seu encargo também outras formas de trabalho pessoal, além do contrato de trabalho.

Entende-se assim, que são ora da nova competência  as relações de trabalho como prestação de  serviços, o mandato, o contrato de transporte, a corretagem a representação comercial, o trabalho voluntário (Lei nº 9.608/98), o contrato de estágio, o trabalho do avulso (ora mais amplo do que a relação do artigo 643 e do   inciso V do artigo 652 da CLT) e seus tomadores, os empreiteiros de qualquer porte, o labor em parceria, o trabalho cooperativado.

A figuração nas ações judiciais pode ser como Autor ou  Réu, independentemente  de capacidade econômica.

A questão da redação  dada ao novo caput, saliente-se, é objeto de dúvida revelada por Ação direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE – nº 3995/2005), a qual sustenta a inconstitucionalidade formal da norma, e que tem em seu favor a concessão de liminar.

Sustenta–se que o Senado Federal incluiu acréscimo não apreciado pela Câmara, e que, portanto, como alteração constitucional, dependeria de nova manifestação da Câmara, ora com a alteração incluída.

Essa aprovação havida em turno único no Senado Federal ( aí o suporte da alegação de inconstitucionalidade formal) diz respeito à exceção por ele  instituída, no sentido de que a competência lá determinada é da Justiça do Trabalho, “exceto os servidores ocupantes de  cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos  referidos entes da Federação”.   

A liminar deferida é no sentido de que foi dada interpretação conforme o inciso I, do artigo 114 da CF, na redação da EC 45/2004. “Suspendendo ‘ad referendum’, toda e qualquer interpretação dada … que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação … de causas que sejam instauradas entre o poder Público  e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de  ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”.

Resta pois liminarmente excluída a apreciação de relação de trabalho decorrente de relação estatutária do funcionário público. Esteiou-se ainda a liminar em anterior entendimento do Supremo, no sentido dessa exclusão, a despeito da redação anterior não ser expressa. É referência a  ADI 492, que decretou a inconstitucionalidade  de dispositivo da Lei nº 8.112/90 que lá interpretava a “relação de trabalho”.

 Essa ação autorizou inclusive alguns intérpretes a, mesmo sem a atual ADIN, sustentarem que já estariam excluídos os estatutários, e que continuaria alheia a Justiça do Trabalho a relação estatutária do servidor público. Outros sustentam que em não se tratando de decisão do Tribunal, mas de relator, nem mesmo de decisão de mérito e sim liminar, estaria imprópria para gerar efeitos  vinculantes ou afastar novas ações. Certo, contudo, é que  se trata de uma decisão do Tribunal, que tende a se manter, e portanto tem sim evitado interpretação diversa. 

Outra dúvida que tem sido discutida, diz respeito à incidência do código do consumidor e sua regência nas relações de trabalho. Não nos parece razoável a hesitação, na medida em que mesmo se tratando de relação de consumo, a novel norma constitucional nada   excepciona, pelo que o código correspondente não tem o poder de fazê-lo. É obrigação da norma infraconstitucional, no caso o Código de Defesa do Consumidor, adaptar-se à normativa constitucional, por hierarquia inafastável. Se a Emenda Constitucional não excluiu nem excepcionou, não pode a lei fazê-lo.

Algum receio tem por igual se manifestado quanto às normas que incidirão sobre as matérias ora objeto da apreciação no foro trabalhista, mas que não se justificam. É que a alteração havida é de caráter processual, de competência e não material, restando inalteradas as proteções legais de direito material. Dizendo de outra forma, essas relações que serão julgadas pela Justiça do Trabalho seguem com suas regras de Direito Material próprio (exemplo: representante comercial autônomo, lei  nº 4.886/65) ora sob análise de outro juizado. Outro exemplo importante é relativo às normas prescricionais, que seguem mantidas, consideradas que são de direito material. 

O inciso II, do artigo 114, determina que à Justiça do Trabalho compete a apreciação  das ações que envolvam o exercício do direito de greve. Está a tratar aí, de todas as questões relativas  ao movimento paredista e que antes estavam descoladas da Justiça do Trabalho,  para a apreciação pela Justiça Comum. São situações como a responsabilidade civil da greve, prejuízo causados a terceiros e à coletividade por conta da paralisação, as ações possessórias, as ações movidas por e contra sindicalistas no exercício dessa resistência.

A essa leitura deve agregar os parágrafos que tratam especificamente sobre a greve. Mantido inalterado o parágrafo 1º, resta preservada a possibilidade de arbitragem, como forma de solução do conflito.

Quanto ao parágrafo 2º, trata-se de norma com diversas interpretações. A mais radical delas, no sentido de que esta redação teria acabado com o poder normativo da Justiça do Trabalho, de vez que não se tem a amplitude dada na redação original e que expressamente o autorizava. A redação é evidentemente mais restritiva.

A inclusão no parágrafo da expressão “de comum acordo” ao referir o ajuizamento de dissídio coletivo, é causadora de grande estranheza. Como será possível o ajuizamento de comum acordo? E se a parte, notadamente a empresarial, negar-se ao ajuizamento de comum acordo? Se não é próprio da propositura de uma ação justamente a resistência à pretensão, impondo atuação e iniciativa individual da parte autora contra a ré neste sentido?

Sem constituir o direito coletivo do trabalho em matéria própria destas observações, quer-se crer que a expressão  se interpretada em sua literalidade geraria a inviabilização de qualquer propositura no sentido, pelo que não é razoável. Assim deve ser tida por superada a expressão se houver negativa na propositura, de vez que não se pode inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário, ferindo o direito de ação. Há notícias de que Confederação Nacional de Trabalhadores já haja ajuizado ADIN, quanto à essa restrição do parágrafo 2º, sustentando sua inconstitucionalidade, mas sem deferimento de liminar. Também se tem notícia de que inúmeros dissídios têm sido ajuizados e seguem tramitando mesmo sem o cumprimento da determinação contida, por concordância presumidamente tácita. Tais, contudo, poderão ser tidos por inexistentes se não atendido o “comum acordo”, podendo ser considerado como pressuposto processual desatendido. Resta aguardar.

O inciso II da alteração do artigo 114 da Carta Constitucional, determina a competência da Justiça do Trabalho relativamente às ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores. A regência ampla do inciso permite a inclusão de uma gama de situações de induvidosa competência. Antes restrita a competência quando resultasse de cumprimento de acordo ou convenção coletiva (Lei nº8984/95).

Exemplifica-se: cobrança ou recebimento da contribuição sindical, taxa assistencial ou negocial ou mesmo mensalidade dos sócios; a discussões que quaisquer temas relativos às eleições sindicais, validade de assembléias, capacidade de concorrer etc; a discussão sobre  base de abrangência de determinada entidade sindical, a definição de representatividade, disputa entre sindicatos constituídos e novos, fusões entre sindicatos, novas categorias etc. Parece próprio que essas controvérsias sejam resolvidas pela Justiça do Trabalho, especializada, não se justificando processamento em foro diverso.

Conseqüência imediata é a o afastamento total da Orientação Jurisprudencial nº 04 da Seção de Dissídios Coletivos, do TST, que afastava a competência da Justiça do Trabalho na discussão intersindical sobre a representatividade de certa categoria.

Da mesma forma, a OJ nº 290 da SDI, que decretou a incompetência do foro trabalhista quando discutiam sindicato patronal e a respectiva categoria econômica, acerca de contribuição assistencial.

O inciso IV expressamente determina a competência trabalhista quanto aos mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando  o ato questionado envolver  matéria sujeita à sua jurisdição.

De pronto, questiona-se se houve esquecimento do legislador ao não incluir o mandado de injunção. Certamente não, mas apenas rendeu-se à anterior interpretação do STF e que sepultou a medida, no sentido de que o remédio servia apenas para constatar a mora do poder legislativo, sem a amplitude que outrora se entendeu teria, com o condão de editar normas ante a inércia do Poder.

Todas as matérias da Justiça do Trabalho que ensejarem discussão quanto a direito líquido e certo e restrição de liberdade, são de sua competência. Exemplifica-se: tentativa de prisão de depositário infiel; qualquer declaração de prisão relacionada com atos do juiz, delegado do trabalho, fiscal do trabalho; o desacato e a desobediência à ordem judicial. Não se crê ter passado à competência da Justiça do Trabalho o julgamento de qualquer crime, de vez que não se promoveu qualquer alteração constitucional no sentido, mantendo-se com a Justiça Federal.   

Evidencia-se nova ampliação quanto ao Mandado de Segurança, de vez que antes passível quando questionados apenas atos de administração ou propriamente jurisdição da Justiça do Trabalho. Comum era a sua utilização também quanto às determinações de realização ou negativa de procedimento de garantia do juízo pela chamada “penhora on line”, determinações de reintegração ao emprego ou sua negativa, abordagem sobre Antecipação de Tutela, liminares em processos cautelares, determinações de ações civis públicas, imposições administrativas de órgãos da fiscalização, imposição de depósitos de multas  para interposição de recurso administrativo.

Quanto à competência de processamento, ora  do juiz de 1ª instância, e com a recursal para o Tribunal é perfeitamente de acordo com a norma, sempre adstrito aos seus parâmetros de direito líquido e certo , preventivamente ou  reativamente, contra ato de autoridade pública,  e observado o rito próprio, ainda que processado na Especializada, como se verá adiante.

Prevê o inciso V que os conflitos de competência entre órgãos de jurisdição trabalhista sejam pela Justiça do Trabalho dirimidos, ressalvada a disposição do art. 102, I (competência do STF), o que, de algum modo, também tem tratamento próprio no artigo 808 da CLT.  Lembre-se que o Juiz de Direito eventualmente investido da jurisdição trabalhista, titula jurisdição trabalhista, ainda que eventual, pelo que somente será considerado conflito entre Tribunais, quando no exercício da Jurisdição Civil.

A orientação é própria e busca a necessária unidade e alinhamento de decisões.

Nesse sentido, por igual, importante a regra do artigo constitucional 105, I, “d”, que trata da competência do Superior Tribunal de Justiça. Agregue-se à compreensão do tema a Súmula nº 236 do Superior Tribunal de Justiça que afasta a sua competência para  “dirimir conflitos de competência entre juízes trabalhistas vinculados  a Tribunais do Trabalho diversos”.

Grande ponto de discussão e preocupação diz respeito à norma do artigo 114, inciso VI que determina a competência  para as ações “de indenização por dano moral ou material, decorrentes da relação de trabalho”. Estabelecido estava que, em face da dependência de definição previdenciária acerca de existência ou não de acidente do trabalho e de sua caracterização como tal pela Justiça Comum, à essa era atribuída a competência, a qual estava organizada inclusive internamente em Varas Especializadas de Acidente do Trabalho (VAT).

Tão logo editada a Emenda, a interpretação doutrinária que se revelou a mais corrente talvez tenha sido a de que, no particular, não havia sofrido alteração a competência da Justiça do Trabalho. O fundamento era de que o artigo 109, I da mesma Carta não sofrera qualquer alteração. A hesitação Jurisprudencial também causou bastante preocupação. As turmas, seções do TST e do STJ não eram uniformes em suas manifestações, e orientavam um senso de correção nesse entendimento, um paradigmático julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, no mês de março de 2005, que em sede de liminar, é verdade, mas que mantinha com a Justiça Comum essa competência, acenando com uma posição da Corte Suprema.

Transcorrido algum tempo, muito discutida a questão, amainadas as ansiedades, deu-se nova leitura ao referido artigo 109, no sentido de que ali se excepcionavam apenas ações em que a União, entidade autárquica, ou empresa pública federal fossem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, e não a quaisquer partes em geral.

Recente julgamento do STF, do final do mês de junho de 2005 acerca do Conflito de Competência nº 7.204, no entanto, apresenta interpretação diversa, no sentido de que ante a nova redação da matéria, não há como adequadamente manter os conflitos indenizatórios, quer morais quer patrimoniais, no âmbito da Justiça Comum quando decorrentes de acidente do trabalho. Trata-se de conflito negativo de competência entre Tribunal de Alçada (?) e TRT de Minas Gerais.Ao que se sabe também, ter-se-ia dado efeitos “ex nunc” à decisão, ressalvados os atos praticados.

Resta, pois aguardar a publicação do acórdão para certificação dessas referências, prometida pelo órgão jurisdicional para os primeiros dias de agosto, quando do retorno do recesso do Supremo. Parece que deve se ter a interpretação nestes moldes norteadores, seguindo a decisão do Supremo, entendo-se como transferida a competência para a Justiça do Trabalho.

A hipótese prevista pelo artigo 114, inciso VII refere às “ações relativas às penalidade administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”.

A disposição atrai para a Justiça do Trabalho a competência para o trato de todas as penalidades administrativas decorrentes de atos administrativos, notadamente a fiscalização do trabalho exercida pelas Delegacias Regionais do Trabalho.

Da mesma forma, essa nova competência atinge  a atos dessas autoridades administrativas que deveriam ser tomados, melhor dizendo, ante sua inércia. Explica-se como  exemplo da  inércia do órgão em manifestar-se sobre requerimento de autorização administrativa para a  prorrogação de jornada, ou  para a redução intervalar, cuja exigência alguns entendem ainda persistir.  São ações antes atinentes à Justiça Federal, com  as ações  envolvendo nulidades de tais atos, relativas à multas, ou mesmo simplesmente declaratórias.  Algumas vozes discutem estar ou não incluída na alteração a competência para a execução dos julgados, matéria também polêmica, de vez que retornou à Câmara dos Deputados o tema de execução de multas administrativas por infração à legislação.

O inciso VIII, refere à “execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art.195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;” Tal não se constitui, em verdade, em  novidade, à medida em que a Emenda Constitucional nº 20/1998, já tratara da execução na Justiça do Trabalho das contribuições sociais, constando a regra no anterior parágrafo 3º, do próprio artigo 114, sem qualquer significativa alteração. Elas incidem sobre  a ocorrência de descontos previdenciários e fiscais em geral, sempre vinculados às decisões que proferir, sem a limitação literal constante do texto (sentenças), abrangendo julgamentos em geral (acórdãos).

Finalmente, o inciso IX prevê a competência para “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”. Tem-se a dúvida de que a manutenção desse inciso decorra de anterior opção de utilização no inciso I, da expressão “relação de emprego”, substituída pela ampla “relação de trabalho”, quando então se justificaria. A utilização ao final do gênero e não da espécie, amplia a incidência a ponto de não se enxergar necessidade, senão ociosidade, deste inciso. Mas como não se crê tenha a lei, quanto menos a Constituição Federal, palavras inúteis, em esforço de interpretação pode se buscar espaço para tutelar também questões relativas à previdência privada complementar.

Quanto à estrutura da Justiça do Trabalho, em especial do Tribunal Superior do Trabalho, artigo 111-A, em termos de número de Ministros não tem maior significado, quer porque sua atual atuação tem se dado com mais juízes convocados, quer porque significa recomposição em moldes  anteriores existentes ao tempo dos juízes classistas .

Para concluir, faz-se necessário que se traga algumas observações  relativas a aplicação  da norma no tempo e especificamente sobre o processo.

Deve ser observado que a referida Emenda Constitucional nº 45 não ofereceu qualquer previsão de “vacatio legis” que ensejasse um maior tranqüilidade e interpretação acerca de sua abrangência, contribuindo para a ocorrência de uma certa instabilidade.

Em se tratando de norma definidora de competência material absoluta, não se afirma aqui o princípio da “perpetuatio jurisditionis”, tendo, ao contrário, aplicação imediata também sobre os processos em curso. Execuções pendentes, da mesma forma hão de ser atendidas na Especializada.

Algumas dúvidas significativas tentou-se afastar pelo TST por meio d edição da Instrução Normativa nº 27, autorizada pela Resolução nº 126/2005.

Como consta do parágrafo 1º da IN 27/05, os procedimentos dos feitos que  passam à nova competência da Justiça do Trabalho devem estar conformes com a regra do artigo  763, da CLT, independentemente do objeto em discussão. Tal não causa qualquer surpresa. Veja-se que antes da edição, um pequeno empreiteiro ou artífice discutia seu direito civil, na Justiça do Trabalho por meio de reclamatória trabalhista, quer pelo rito ordinário quer pelo rito sumaríssimo. Está assim posto: “as ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento.”

Ações especiais, as quais detém caminho próprio, o mesmo deve ser mantido como regência processual, afeiçoando-se ao novo foro.

Deixam de existir, por ausente no processo do trabalho, recursos, como do Agravo de Instrumento Retido, estranho ao foro especializado, de vez que irrecorríveis as decisões interlocutórias, não terminativas do feito, artigo 893, parágrafo 1º CLT.

O “jus postulandi” de novo feitio após a edição constitucional original, tem também trato na referida Normativa, que em seu artigo 5º, dispõe que “Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”.  Um registro quanto aos escritórios de advocacia, cujo exercício de mandato se dá por meio do profissional do Direito e não por Sociedade ou Escritório, nos moldes do Estatuto da Advocacia.

Concluindo, é de se realçar a evidência de um risco “político institucional”. É que a Justiça Especializada do Trabalho, em passado recente, foi objeto de discussão acerca de sua competência, com transferência de feitos para a Justiça Federal, o que a tornaria desnecessária. Também teve sustentado por alguns a extinção não apenas do Tribunal Superior do Trabalho, mas da própria Justiça do Trabalho.

Ora, com tão abrangente ampliação não é absurdo o receio de movimento idêntico, mas desta feita, por fundamento diverso. É que sua abrangência teria sido tão ampliada que teria perdido a sua especialização, que justificava organização em moldes específicos. Além disso, sem querer intensificar a preocupação, que esse “volume” de novas competências poderia agravar essa tentativa, na medida em que restaria inviabilizada a Justiça do Trabalho. Isso porque, ainda que eficiente, hoje funciona verdadeiramente muito próximo de sua capacidade estrutural, a qual não sofreu qualquer alteração coma Emenda.

De qualquer sorte, há que se ter tranqüilidade, uma vez que a instabilidade, a dúvida e a ansiedade são sentimentos próprios das situações de mudança, e as definições somente com o tempo virão.

Registre-se ao final, ser sempre temerária a formulação de interpretação de temas polêmicos decorrentes de edições legislativas “lato sensu” que trazem modificações e novidades ao ordenamento jurídico. Trata-se, contudo, de risco necessário ao intérprete do direito que deve compreender como parte de seu papel social, na busca de melhor compreensão da dinâmica do direito, essa exposição de idéias, ensejadora de críticas construtivas ou não quanto às conclusões, mas nunca quanto ao fundamental papel investigativo e prospectivo do Direito.

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