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A OIT NO SÉCULO XXI

André Jobim de Azevedo
Vitória Fernandes Guedes Silveira

 

  1. INTRODUÇÃO

Em 2019 a Organização Internacional do Trabalho completa 100 anos e permanece atual e indispensável em sua atuação efetiva no mundo do trabalho, o que se reflete nas conquistas alcançadas e se renova pela afirmação global dos desafios no novel mundo do trabalho, que se acentuam neste século XXI.  

A OIT nasceu em 1919, após meses de discussões na Conferência da Paz de Paris, no palácio de Versalhes, onde a Inglaterra, a França e o Império Russo assinavam o Tratado de Versalhes, com intuito oficializar o fim da Primeira Guerra Mundial. Em extenso termo de armistício que buscou estabelecer a paz e reorganizar a Europa destruída, na parte XIII, foi necessário um olhar  específico sobre as relações de trabalho e, assim, nasceu a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Lá se estabeleceram grandes princípios norteadores das relações de trabalho para o futuro e sempre.

O Brasil está entre os membros fundadores da OIT, e participa ativamente desde a primeira reunião, realizada em 1919. Relevante lembrar que foi a Constituição Imperial, outorgada em 1824, que pela primeira vez garantiu Direito ao Trabalho, o que, no entanto, ainda não significava a sua constitucionalização.

A criação da OIT fundamentou-se em melhores condições humanas para a classe trabalhadora, calcadas em valores como “conciliação”, “pacificação” e “harmonia” das relações de trabalho[1]. A sua missão é promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade[2].

Nessa esteira, em 1999, a OIT introduziu o conceito de Trabalho Decente. Muito mais do que ter a autonomia de poder trabalhar, o trabalho deve guardar relação efetiva com a dignidade, de modo que proporcione uma vida digna a partir e mediante o trabalho. Segundo a própria Organização, é o trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna[3].

A noção de Trabalho Decente integra as dimensões quantitativa e qualitativa do emprego. Ela propõe não apenas medidas dirigidas à geração de postos de trabalho e ao enfrentamento do desemprego, mas também à superação de formas de trabalho que geram renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza, ou que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes e, por esse motivo, contribuem à reprodução da desigualdade e de situações de exclusão social.[4]

Após mais de uma década de trabalho, formalizada na Agenda de Trabalho Decente, a conceituação dada pela OIT apoia sua execução e tem quatro pilares estratégicos. São eles: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais no trabalho; b) promoção de emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; d) diálogo social.

A finalidade deste ensaio é realizar uma abordagem histórica e ao mesmo tempo reflexiva no que respeita à OIT e o trabalho decente. Trata de uma abordagem crítica que pretende, sem esgotar, analisar a conjuntura social que precedeu a criação da OIT, os motivos que concretizaram sua consolidação, os desafios e a realidade do trabalho decente e os futuros desafios nesse âmbito.

 

  1. OIT E A HISTÓRIA

 

A criação da OIT não escapou de um extenso processo evolutivo.

Apesar do trabalho ser tão original  quanto a própria sociedade, durante a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, é que a etimologia ganhou conotação semelhante ao que hoje se concebe.  A sociedade sofreu grandes mudanças e deu origem a dois polos que foram separados por uma distância quase insuperável: os industriais, donos dos meios de produção, e o proletariado, que vendiam a força de trabalho. A partir do século XVIII, o trabalho passa a ser livre, assalariado e massificado. A máquina no centro da produção e os homens ao seu redor.

Não se olvida que a Revolução Industrial se tratou de um fenômeno importante da história do mundo ocidental. A substancial alteração na forma de produzir e trabalhar com o advento do maquinismo, proporcionou avanços nunca antes sentidos na área da tecnologia, transporte e inovações.

De enorme importância humanística também, a concepção de que dava força e autonomia ao indivíduo no sentido de construção de sua própria vida. Em termos de relações do trabalho, porém, não foi esse o resultado.

É que o pressuposto da aplicação do direito civil e da liberdade contratual é justamente a capacidade das partes em decidir seus desideratos em condições de igualdade, sendo por suas decisões responsáveis. O Estado não deveria intervir na relação entre os particulares. Contudo, a condição de absoluta desigualdade entre os trabalhadores e os donos das máquinas, empregadores, futuros industriais, evidenciou a incapacidade de boa regência da novel situação de trabalho pelo Direito então prevalente. A estratificação social, desproporcionalidade pela contraprestação do serviço e as condições subumanas a que o proletariado era submetido eram insuportáveis. As jornadas de trabalho chegavam a 16 horas diárias, não havia qualquer prevenção à acidentes, que levavam a incapacidade parcial, total ou a óbito.

Com a criação da máquina a vapor em 1712, por Tomas New Comen e, aperfeiçoada em 1850, por James Watt, os homens foram paulatinamente substituídos pelos –insultuosamente- considerados como cidadãos de segunda classe – mulheres e crianças. Também chamados de meias forças, possuíam menor força física e, portanto, recebiam salários e condições ainda mais aviltantes. Ingressantes no trabalho pela  desnecessidade de força física  em face do vapor, que passara a movimentar as máquinas.

Nesse contexto de mudanças socioeconômicas e, com o objetivo de dominar novos territórios para extração de matéria-prima e conquistar cada vez mais novos mercados, a política imperialista das grandes potências fomentou a Primeira Guerra Mundial. Do final da Guerra, o saldo negativo não computava apenas as vítimas fatais e os feridos, mas questões sociais, políticas, sócio geográficas e econômicas, em uma Europa bastante destruída.

A abstenção do Estado no modelo econômico liberal clássico, conjugada com a Primeira Guerra mundial e com as lutas decorrentes das disputas entre industriais e proletariado fizeram o sistema entrar em colapso. Já havia passado da hora de olhar para o trabalho de forma mais humanitária. Os historiadores asseveram ter sido essa a fase de maior miséria da classe trabalhadora na história da humanidade.

Na parte XIII do Tratado de Versalhes, documento que formalizou a paz no final de Grande Guerra, foi necessário uma abordagem específica sobre as relações de trabalho, como dito, e, assim, em abril de 1919, nasceu a Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

À época, a recente Organização teve que lidar com duras críticas dos diretamente envolvidos: os industriais, que viam com maus olhos as garantias aos trabalhadores, com medo que afetassem seu lucro; e os movimentos dos operários mais radicais, que viam desconfiados os novos direitos, receosos que aqueles criadores das regras estivessem fazendo, de forma escusa, em benefício próprio.

Porém, diferentemente do que se poderia imaginar, criou-se a consciência de que o progresso econômico deveria acompanhar o progresso social.[5]

Assim, a instituição de uma organização supranacional séria e comprometida com os interesses dos empregadores, trabalhadores e do Estado era medida impositiva para que tivesse alguma eficácia a necessária e inadiável reconstrução da Europa.  Para Jean Claude Javillier, a organização tripartide, que reúne representantes dos empregadores, dos trabalhadores e dos Estados, é o pilar central da OIT e das normas internacionais do trabalho[6].

Ao longo dos anos, com a efetividade da atuação, a OIT conquistou a simpatia e consagrou-se como um organismo internacional importante na defesa de questões sociais, no fomento das discussões sobre regulamentação, estreando uma nova maneira de relacionamento entre as classes.  

A entidade é responsável pela internacionalização e unificação das normas de trabalho, mediante a formulação e aplicação de Convenções, Protocolos, Recomendações, Resoluções e Declarações, no que se acentuam políticas econômicas, sociais e trabalhistas.

As normas internacionais, por sua natureza, não têm aplicação imediata no ordenamento jurídico pátrio, submetendo-se ao procedimento legal de internalização. As convenções e protocolos são tratados internacionais que definem padrões e pisos mínimos a serem observados e cumpridos por todos os países que os ratificam. A ratificação tem caráter vinculante, uma vez que implica na incorporação ao sistema jurídico do país. Já as recomendações não possuem caráter vinculante, mas servem para preencher lacunas de convenções, no afã de propor princípios de interpretação daquelas. As resoluções representam pautas destinadas a orientar os Estados-Membros e a OIT em matérias específicas. As declarações, por sua vez, contribuem para a elaboração de princípios gerais de direito internacional do trabalho[7]

Desde a primeira Conferência Internacional do Trabalho, realizada no próprio ano de criação da OIT, a nova Instituição demonstrou-se participativa nas realidades sociais. Na oportunidade, adotou seis convenções, dentre as quais se destaca a limitação da jornada de trabalho diária a oito horas diárias e quarenta e oito horas semanais, proteção à maternidade, à criança e ao adolescente e à luta contra o desemprego[8]. Na mesma oportunidade foram definidas uma série de reivindicações no preâmbulo da Constituição da OIT.

Após uma década de atuação, teve que assegurar sua presença em um contexto de desemprego em massa, produto da Grande Depressão, que teve início em 1929. Perdurou também durante a Segunda Guerra Mundial, reafirmando seus princípios até o final da guerra, quando nasceu a Organização das Nações Unidas (ONU), sucedendo a Liga das Nações, que convocara os países do mundo para a assinatura da Paz em Versailles. No preâmbulo da Carta das Nações Unidas, o seu documento mais importante, ficaram definidos os seguintes propósitos e ideais:

(…) resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes de direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla[9].

A OIT, em 1946, se tornou a primeira agência especializada da ONU.

Em 1999, mais uma conquista foi alcançada. Durante a 87ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, a organização aperfeiçoou sua missão institucional, mediante a formulação de um conceito para trabalho decente.  O trabalho decente passa a ser composto, reiterando o dito, de pontos de convergência de quatro objetivos estratégicos: i) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial a princípios e direitos fundamentais no trabalho; ii) a geração de empregos produtivos e de qualidade; iii) a extensão da proteção social; e iv) o fortalecimento o diálogo social.

Desde então, a OIT trabalha arduamente para que tais pilares sejam estruturados, de forma que reflita a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

Dada a relevância, passa-se à análise dos quatro pilares do trabalho decente, sobre os quais são feitas breves anotações e proposta a reflexão crítica sobre atuação do Brasil.

 

  1. OS QUATRO PILARES DO TRABALHO DECENTE

 

O respeito e aplicação das normas laborais, em especial na matéria de princípios e direitos fundamentais é o primeiro pilar do trabalho decente.

Tal sustentáculo guarda relação direta com o artigo 2º da Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, editado em 1998[10]. No texto, determina que todos os estados a ela filiados promovam e tornem realidade os direitos ali enaltecidos, quais sejam: i) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito e negociação coletiva; ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; iii) a abolição efetiva do trabalho infantil; e iv) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Em texto elaborado pela Oficina Regional para América Latina e Caribe, que tem a missão de guiar as operações de trabalho decente nos países da América Latina e no Caribe, Estados-Membros da OIT, são anotadas pertinentes considerações acerca dos direitos fundamentais no trabalho:

Os direitos fundamentais no trabalho conferem uma base sólida para construir sociedades equitativas e justas. (…) A Declaração sobre os princípios e direitos fundamentais do trabalho da OIT, adotada em 1998, que compreende os princípios estabelecidos nas convenções fundamentais, é um guia permanente e universal de ação para a promoção do trabalho decente, que se completa com os progressos normativos e institucionais que se propõe e se aplicam em cada país[11].

Tais princípios são acatados e defendidos pelo Brasil, mediante a ratificação de Convenções e, também, na contribuição à elaboração da legislação.

Já a liberdade sindical pode ser compreendida sob dois prismas: a autonomia privada de filiar-se a um sindicato e na autonomia de uma organização sindical exercer suas funções sem interferências estatais. O Brasil ratificou a Convenção nº. 98 da OIT, de 1949, proibindo a discriminação de empregados em virtude de filiação a um sindicato. Tal vedação encontra congruência com o ordenamento jurídico pátrio que, no artigo 8º, VIII, da CRFB, outorga garantia aos dirigentes sindicais, e no artigo 7º, XXVI, da CRFB, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho.

Quanto à eliminação do trabalho forçado, a OIT elaborou duas importantes Convenções de nº. 29, editada em 1930, e de nº. 105, editada no ano de 1957. Ambas as convenções exigem a eliminação de qualquer trabalho forçado ou compulsório, excetuando o trabalho militar, dos presos, e o trabalho em casos de emergência como em guerras ou desastres. Já a segunda, proíbe a utilização do trabalho compulsório como meio de coerção por qualquer razão política, ideológica, ou que possa importar em discriminação.

Nesta seara, o artigo 149 do Código Penal Brasileiro tipifica a redução da pessoa à condição análoga à de escravo, cuja Constituição, no art. 243, prevê a pena de desapropriação das propriedades em que houver o exercício da exploração de trabalho.

Em que pese tais disposições, a escravidão moderna é motivo de preocupação. Não à toa: a organização Walk Free Foundation publicou em 2018, o Índice Global de Escravidão moderna do ano-base de 2016. O documento acusa que cerca de 40,3 milhões de pessoas são vítimas da escravidão moderna em todo o mundo. No brasil, cerca de 369 mil habitantes podem ser considerados como escravos modernos. Os números são estarrecedores, nesta modalidade de trabalho forçado.

Tal realidade amedrontadora deve ainda muito ser combatida, mediante a fiscalização do Poder Público e promoção de medidas que auxiliem os seres humanos submetidos à condição análoga à de escravo.

No âmbito da abolição efetiva do trabalho infantil, destaca-se a Convenção nº. 138 da OIT que estipula a idade de escolarização obrigatória como mínima para admissão em emprego e, quando em situações que podem acarretar prejuízos à saúde, à segurança e à moral, o trabalho somente poderá ser exercido por maior de dezoito anos. Tal diretriz  apresenta-se bem atendida pelo Estado Brasileiro que, no art. 7º, XXXIII, da CRF, veda “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.

Por fim, o último princípio diz respeito à eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, a celebrada Convenção nº. 100, de 1951, estabelece igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor.

Ambas as Convenções foram orgulhosamente ratificadas pelo Brasil e, inclusive, suas diretrizes compõem o texto constitucional nos incisos XXX e XXXI do art. 7º da CRFB.

Como segundo pilar do conceito de trabalho decente, a Organização Internacional do Trabalho apresenta a promoção do emprego de qualidade. De fato, um emprego de qualidade não se limita a absorção de mão de obra. Pelo contrário, requer a adoção de um modelo de crescimento econômico que priorize também relações de trabalho com forte conteúdo ético e humano.

Já o terceiro pilar que sustenta o conceito de trabalho decente é a extensão da cobertura da proteção social. Conforme o art. 23 da Declaração Universal de Direitos Humanos, decorre do dever do Estado de complementar a remuneração do cidadão quando esta não se mostrar suficiente para lhe assegurar uma vida compatível com a dignidade humana.  

O investimento em proteção social pode ser considerado como um dos mais facilmente retornáveis. Pode ter seus benefícios imediatos e tem reflexos diretos no cumprimento das promessas da Declaração Universal de Direitos Humanos. Em um relatório intitulado “Piso de Proteção Social para uma Globalização Equitativa e Inclusiva”, do Grupo Consultivo Presidido por Michelle Bachelet, constituído pela OIT com a colaboração da OMS, são anotadas contribuições acerca da ampliação da proteção social:

O acesso a sistemas de proteção social adequados aumenta a capacidade dos trabalhadores de adaptar suas competências e superar limitações para participar plenamente de um ambiente econômico e social em transformação, contribuindo para o desenvolvimento humano a curto e longo prazo e para o aumento da capacidade produtiva[12].

Há muito atenta que as medidas de proteção social tem impactos diretos na realização de direitos humanos e justiça social em realidade, a Convenção nº. 102 da OIT, aprovada na Conferência Internacional do Trabalho no ano de 1952, estabelece normas mínimas, principalmente, no âmbito da seguridade social. Com certo progresso, o Brasil ratificou a Convenção em 2009.

O Brasil ostenta programas voltados à promoção do trabalho decente com enfoque à proteção social, dentre as quais se destacam: Direitos e oportunidades de emprego e treinamento de pessoas portadoras de deficiência; Discriminação e diversidade; Sistema único de Saúde; Emprego e formação de jovens; Estratégias e técnicas contra a exclusão social e a pobreza; Formação e certificação profissional; HIV-AIDS no local de trabalho;  Igualdade de gênero, promoção de emprego e erradicação da pobreza; Micro finanças e o Programa de apoio ao desenvolvimento local.[13]

O fato é que, embora oferte tais programas, a proteção social brasileira apresenta baixa cobertura, sendo extra extremamente deficitária. Os grandes desafios residem na saúde pública e no sistema previdenciário.

Por último, o quarto pilar que sustenta o trabalho decente é o diálogo social, que compreende a interlocução democrática que se estabelece entre o Estado, o empregador e o empregado no processo de regulamentação das relações de trabalho. Daí, reitera-se, a importância da composição tripartide.

Sem dúvidas, somente com a aproximação do Estado às carências dos trabalhadores e às necessidades das empresas, que a relação de trabalho, fundamental à economia geral à dignidade da pessoa humana, será devidamente regulada.

Dessa última anotação, exsurgem grandes desafios para o futuro. As relações de trabalho vêm sendo alteradas substancialmente.

 O tempo que nos envolve no século 21 é o da pós-modernidade, movimento social que altera drasticamente as estruturas sociais e de trabalho vividas na era moderna. A era permeia-se pelas incertezas, instabilidade e mutações em todos os âmbitos, e pelo abandono de antigas referências antes vigentes de profissões.

 

  • NOVOS DESAFIOS DO TRABALHO DECENTE DIANTE DA NOVA ORDEM ECONÔMICA-SOCIAL

 

Os quatro pilares que sustentam o trabalho decente recebem os significados e exigem a adoção de novas metas, diante de um admirável mundo novo que nos cerca nesta segunda década do século XXI, notadamente no trabalho.

A evolução dos meios de transporte e de comunicação parecem ter levado a este estado de coisas. Vive-se a era da tecnologia e da velocidade. Para tudo. A comunicação é com inimaginável velocidade e os seres humanos são capazes de atingir a qualquer localidade do globo em questão de horas. Assiste-se a fatos onde quer que eles aconteçam segundos ou minutos após sua efetivação, em vivas reproduções filmadas e sonorizadas, muitas vezes ao vivo. O mundo parece pequeno. As redes sociais estão aí para comprovar.

A vida realmente está diferente e o mundo em constante mutação. Decorrem daí significativas alterações no mundo econômico e nele o mundo do trabalho.

As relações de trabalho que compõe estas observações por certo também são bastante distintas daquelas que historicamente se maneja. Por igual os sujeitos sociais e sujeitos econômicos desse processo produtivo igualmente distinguem-se.

Atribui-se à essa novel condição produtiva e mercadológica alterações patentes na sociedade e necessariamente em seus sujeitos econômicos e não econômicos, onde causa e efeito se confundem.

As relações econômicas até a bem pouco tempo atrás eram restritas, limitadas e envolviam números muitíssimo menores de sujeitos. O mundo cresceu e ao mesmo tempo tornou-se menor. O mundo do trabalho tem direto reflexo da nova realidade.

Marcelino Meleu e Alessandro Massaro consideram que a perspectiva atual da globalização tende a propiciar o aumento das forças políticas das corporações mercantis, que são hábeis a influenciar de forma expressiva e negativa as relações de trabalho. Assim, há uma ingerência da lógica mercantil na internacionalização do direito do trabalho:

Tal ingerência gera, como consequência, a necessidade de adaptação por parte dos trabalhadores, cada vez mais pressionados a aceitar perda de direitos secularmente consagrados em nome da manutenção de seus empregos, bem como a adaptação dos Estados, que deixam de ser protagonistas da ordem regulatória das relações de trabalho, para sujeitarem se a uma regulamentação internacional que o sobrepõe, enquanto balizador de políticas normativas ligadas ao mercado de trabalho.[14]

Marco Antônio Villatore e Anderson Charão compactuam com as mesmas proposições, concordando que o cenário imposto pelas inovações tecnológicas e aumento do fluxo comercial mundial são ser ambiente fértil para precarização nas relações laborais:

Aos olhos da Lei a escravidão está abolida do Brasil há cerca de 130 anos em razão da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, ocorre que ante a crise econômica e o fluxo migratório ilegal emerge uma nova figura que foi conceituada como a escravidão contemporânea.

(…)

Nos dias atuais, a economia baseada no sistema capitalista de cunho tecnológico, busca incessantemente atingir novos mercados, novas demandas com o fito de aumentar a lucratividade da atividade empresarial. Em decorrência das inovações tecnológicas e o incremento no fluxo comercial mundial, tornou-se cada vez mais competitivo o mercado, fato esse que colabora na permanência do uso da exploração de mão de obra do ser humano. [15]

É assim uma realidade desafiadora, que ao lado dessas observações, maneja por igual, assento das normas internacionais do trabalho que não só evidenciam a necessidade de proteção do ser humano em sua condição individual e de dignidade, e entre estes o trabalhador, mas também o adequado exercício da atividade produtiva e econômica com liberdade capaz de manter possível e viável aqueles que concedem o trabalho.

É assim que a OIT, sensível aos desdobramentos e consequências da globalização, têm se revelado como mecanismo importante para avaliar e promover os debates acerca das medidas de controle e de proteção do trabalho e, isso, reflete um grande desafio.

Em 2017, a Organização estabeleceu a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho, organismo global incumbido de investigar sobre o futuro do trabalho. A comissão foi criada no âmbito da Iniciativa do Centenário sobre o Futuro do Trabalho da OIT, lançada em 2013, e contará com a formulação tripartide. O intuito é fornecer uma base analítica para garantir a concretização da justiça social no século XXI. O foco, como a própria Organização assenta, será na relação entre trabalho e sociedade, no afã de criar empregos decentes para todos, na organização do trabalho e da produção e na governança do trabalho[16].

Por certo muitos desafios estão por vir. Encará-los com a consciência de que o futuro do trabalho não pode ser mero produto de forças externas e sim de construção, se impõe.

 

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

No presente artigos está presente uma abordagem panorâmica  geral e sucinta desde a história que precedeu a criação da OIT até uma reflexão sobre as mudanças sociais e econômicas do século XXI e o impacto nas relações de trabalho, pela ótica do trabalho decente.

Assim, concluiu-se que a criação da OIT não escapou à contingência histórica. Decorreu de um processo evolutivo, a duras penas, cuja revolução industrial teve grande influência. O tratado Versalhes, documento que formalizou o final da Primeira Guerra Mundial, foi o berço da OIT, que dispôs sobre sua criação no capítulo XIII.  

Os países participantes da guerra constataram a necessidade de instituir uma organização supranacional, internacional do trabalho séria e comprometida com os interesses dos empregadores, trabalhadores e do Estado.

A medida surgiu como uma afirmação de que o trabalho é intrínseco à dignidade da pessoa humana.

Mais do que ter o direito ao trabalho – o que, como dito, já era previsto desde a Constituição Imperial, outorgada em 1824 – foi construído o conceito de trabalho decente, que se traduz no direito de trabalho que proporcione uma vida digna a partir e mediante o tal.

 Tal conceito referido foi instituído em 1999 e apresenta quatro pilares: i) o respeito às normas internacionais do trabalho, em especial a princípios e direitos fundamentais no trabalho; ii) a geração de empregos produtivos e de qualidade; iii) a extensão da proteção social; e iv) o fortalecimento o diálogo social.

Com a análise articulada entre os pilares do trabalho decente, as Convenções elaboradas pela OIT e a realidade brasileira, pôde se observar que o Brasil tem atuado de forma considerável para consecução da justiça social.

Porém, alguns pontos reclamam urgente atuação do Poder Público para implementação do trabalho decente em âmbito nacional.

Em primeiro, os números de casos de trabalho forçado no Brasil são estarrecedores. O Estado Democrático de Direito não pode coadunar com a redução da pessoa humana a um nível tão degradante. É patente a urgência de implementação de fiscalização e de segurança pública. Nada tratamos ? de nde vem  ?

Em segundo, os programas de proteção social devem ser reestruturados, mormente quando demonstrado que a ampliação da cobertura social é elemento necessário para que a decência possa ser um traço efetivo do trabalho realizado no Brasil. A cobertura oferecida pelo Estado é revestida de mazelas que são palpáveis em muitos – se não todos – os âmbitos dos serviços públicos.

Conjugada com tais problemas, é constatado que a mudança no cenário mundial no século XXI, tem reflexos   ????

Dessa forma, concluiu-se que somente com atuação conjunta e a aproximação do Estado às carências dos trabalhadores e às necessidades das empresas, que a relação de trabalho, fundamental à econômica geral à dignidade da pessoa humana, será devidamente regulada.

Neste cenário, incontroversa a imprescindibilidade da atuação  universal da melhoria de condições de trabalho e de emprego. Por isso, a Organização Internacional do Trabalho vê-se diante novas imposições que exigem posturas e modo de agir com mais responsabilidade ainda, no sentido da seriedade de sua participação.

 

______

 

[1] GHIZINI, Vinicius. Proletários na paz: A parte XIII do Tratado de Versalhes e as leis do trabalho no Brasil (1919-1926). Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/279705/1/Ghizini_Vinicius_M.pdf> Acesso em: set. 2018. 

[2] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conheça a OIT. Texto institucional. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang–pt/index.htm> Acesso em: out. 2018

[3]  ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ibidem.

[4] ABRAMO, Laís. Organização Internacional do Trabalho uma década de promoção do trabalho decente no Brasil: uma estratégia de ação baseada no diálogo social. OIT, Genebra: 2015. p., 17.

[5] AMBRO, Lais. Ob cit., p. 22

[6] JAVILLIER, Jean-Claude. As Normas Internacionais do Trabalho: Desafios, Pertinência e Aplicação do Direito Internacional no Direito Interno. Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais. Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: LTr, 2004, p. 138.

[7] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Normas internacionais de trabalho. Texto institucional. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/lang–pt/index.htm> Acesso em: set. 2018.

[8] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. História da OIT. Texto institucional.  Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang–pt/index.htm> Acesso em: out. 2018

[9] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. A carta das Nações Unidas. Texto institucional. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/carta/> Acesso em: out. 2018

[10] Adotada durante a 86ª Conferência Internacional do Trabalho. Genebra, 18 de junho de 1998.

[11] Organización Internacional del Trabajo. Desarollo productivo, formalización laboral y normas del trabalho: áreas prioritárias de trabajo de la OIT em América Latina e no Caribe. Lima: OIT, 2016. p. 105 e 106

[12] https://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/pub_relatbachelet.pdf

[13] http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/abet/article/view/15486/8849

[14] MELEU, Marcelino; MASSARO, Alessandro Langlois. O papel da O.I.T frente aos desafios do mercado. Revista Direito e Práxis., vol. 08, nº. 30. Rio de Janeiro: 2017. p. 2096 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdp/v8n3/2179-8966-rdp-8-3-2074.pdf> Acesso em: out. 2018

[15] VILLATORE, Marco Antônio César. CHARÃO, Anderson Pereira. Mão de Obra Migrante como Traço da Escravidão Moderna. (CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. VILLATORE, Marco Antônio César. AFONSO, Túlio Augusto Tyana) In: Direito Internacional do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho: Trabalhadores imigrantes, refugiados e fronteiriços. Ed: LTR. São Paulo: 2018. A mão de obra migrante como traço da escravidão moderna P. 26 e 27

[16] Organização Internacional do Trabalho. OIT lança Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_571065/lang–pt/index.htm> Acesso em: out. 2018.

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