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A Encíclica Rerum Novarum

A ENCÍCLICA RERUM NOVARUM[1]

André Jobim de Azevedo[2]

– Artigo publicado no livro Rerum Novarum – Estudos em Homenagem aos 120 Anos de Encíclica Papal. Coordenação de Luiz Eduardo Ghunter, Marco Antônio César Villatore; organização de Ronald Silka de Almeida, Willians Franklin Lira dos Santos Curitiba: Juruá Editora, 2011.
 
 

Um dos acontecimentos mais importantes da história recente da humanidade foi, sem qualquer dúvida, a revolução industrial. Este fato histórico que se evidenciou por vários anos teve um significado enorme sobre os mais variados aspectos da vida em sociedade, e mui especialmente a vida urbana. Por sua amplitude, poderíamos situá-la como ocorrente desde meados do século XVIII com as primeiras invenções de mecanização do trabalho, expandindo-se pelo mundo a partir do século XIX. Tratou-se, portanto, de processo amplo e complexo, com ocorrência por tempo bastante elástico.

A revolução industrial, que teve por berço a Inglaterra, irradiou efeitos sobre a economia, a política, a sociologia, e em verdade, sobre as mais diversas áreas da atuação e do pensamento humano.

Foi, contudo, no mundo do trabalho que se sustentou, com os desdobramentos mais variados. Fruto de alteração significativa nas relações produtivas do trabalho, ensejou basicamente trabalho livre e assalariado, então com concentração nos centros urbanos.

O advento das grandes descobertas e das grandes invenções foi capaz de fazer surgir no mundo inúmeras máquinas e com mais distintas aplicações. O chamado “maquinismo” foi absorvido pela necessidade de trabalho urbano e coletivo e capaz de fazer com que as novas criações fossem intensamente utilizadas na produção.

Neste sentido, a primeira delas foi o tear mecânico que faz da produção de tecidos uma atividade multiplicada e intensa na sociedade da época. A então recente necessidade de incremento na produção de bens, pela crescente necessidade dos grupos sociais, a alteração e fracionamento do processo de produção, fê-la indispensável neste processo todo.

Aos auspícios do liberalismo, do liberalismo jurídico, a não intervenção do Estado nas relações privadas era a regra. Não se tinha por legítimo ao Estado qualquer intervenção nas novas relações produtivas e formas de labor. Ao contrário, quando se sustentava a capacidade do homem de decidir seus próprios interesses, a sua liberdade em tratar dos rumos de sua vida, a liberdade contratual se destaca e também se aplica às novas formas de trabalho.

O novel trabalho se realiza ao redor das máquinas e em torno delas os trabalhadores em enormes quantidades capazes de movimentar suas pesadas, precárias e perigosas engrenagens. As máquinas, aos efeitos de facilitar os processos produtivos, começavam a dar configuração ao que breve seriam as linhas de produção e as fábricas, em feitios que desenharam o modelo industrial no século XX.

Hordas de trabalhadores, muitos foragidos da servidão, buscavam os centros urbanos atrás da nova vida que esse mundo prometia e que se propagandeava livre e capaz de realizar os sonhos de todos.

De fato, isto nunca se realizou, de vez que rapidamente passamos a ter muito mais interessados, do que postos de trabalhos capazes de acolherem-nos. Os pretendentes aglomeravam-se ao redor das fábricas, na esperança de que sua oportunidade um dia viesse.

Mesmo aqueles que logravam trabalho, foram surpreendidos por condições muito diferentes e piores do que aquelas que se lhes prometiam.

A vigente liberdade contratual e a enorme população disposta a prestar trabalho fez, no entanto, que as condições dessas ocupações fossem verdadeiramente precárias.

Salários baixos não eram, no entanto, a única imprópria condição, sendo essa gerada pela enorme oferta de mão de obra, como dito.

As excessivamente longas jornadas eram uma realidade, o que mais evidenciava o despropósito da remuneração. A ausência de intervalos adequados e de condições mínimas de higiene compunha o quadro.

As doenças decorrentes de condições insalubres eram comuns e adoentavam grandes quantidades de trabalhadores, que, quando muito, eram conduzidos a hospitais, onde eles existissem.

Com máquinas tão impróprias e rudimentares os acidentes de trabalho eram freqüentes.

Tal qual quando havia ocorrência de doenças, quando havia o infortúnio afastavam-se os trabalhadores e imediatamente cessava e remuneração. Perdia-se outra vez o sustento da família.

A situação era ruim e ficou ainda pior ensejando o que se chamou de “questão social”.

É que com a criação da máquina a vapor, por Thomaz New Comen, em 1712, com importantes alterações introduzidas por James Watt por volta de 1750, e sua rápida utilização na produção, sobrevém mais excedente de mão de obra e desempregados em número ainda maior.

Isto porque o vapor da máquina a vapor foi capaz de substituir a força motriz de movimentação das máquinas. O vapor agora fazia a força física antes empreendida pelo braço forte do homem. Desnecessitando destes, a possibilidade de utilização das chamadas “meias forças” se apresenta, porque obviamente poderiam construir nova força de trabalho, quiçá com “meia remuneração”. Estas eram constituídas pelas mulheres e crianças que ora passaram a integrar o novo mundo do trabalho em enormes quantidades.

Perdendo o sustento pelo trabalho do homem, quando muito a família poderia ora contar com o trabalho da mulher e do filho criança.

Isto porque aqueles que obtiveram essa condição tiveram decréscimo de suas rendas pela nova e reduzida forma de remuneração. A situação desencadeou perceptível desestruturação familiar que agora, na melhor das hipóteses teria alguém da família, a prover o sustento de todos, mas que perdia o pater família como capaz de prover a vida dos seus.

Acresça-se a esse nefasto quadro as extensas e extenuantes jornadas, de muito esforço físico, com parcas e paradas para matar a sede ou alimentar-se.

Este crítico cenário fez com que se reconhecesse a ocorrência como período de maior miséria da classe trabalhadora em toda a história da humanidade.

Se, de início, o descontentamento dos trabalhadores com a “questão social” não provocou qualquer reação do Estado, a situação cada vez mais aguda levou-os à organização e reivindicação. Não ouvidos, mas cada vez mais evidente a insuportável situação, capta adesões de pensadores de todas as correntes. Os progressistas, os humanitaristas, os solidaristas. Cada qual, com sua fala, passa a denunciar e escrever a insustentabilidade da situação, clamando por intervenção e alteração protetiva.

No sentido, também merecem destaque as manifestações de esquerda que propunham a alteração do poder e sua tomada pela classe trabalhadora. Os movimentos socialistas em todas as suas vertentes estabeleciam-se e cresciam na Europa, notadamente no Leste.

Em especial o Manifesto Comunista de Marx e Engels, em 1848, que chegou a dar nome ao coletivo de trabalhadores, chamando-os de proletários. Caracterizavam-se por ser trabalhadores sem qualificação, de atividades exclusivamente braçais, praticantes de extensas jornadas e laborando praticamente em troca de comida, e portanto, sem qualquer perspectiva de vida. Percebe-se, pois, alguma facilidade em aliar esse coletivo em favor de uma opção de poder e vida melhor, igual para todos, o que, no entanto, a história não confirmou. Apesar disto, foi capaz, de eficientemente amealhar forças para dominar o Leste europeu…

O estado passa a se preocupar com a situação que envolvia os trabalhadores, temeroso em perder poder, o que de fato, se confirmou. Pressionado e perdendo territórios em toda Europa, timidamente passa a intervir na relação de trabalho, limitando a liberdade de contratação.

A força dos trabalhadores que fez surgir as primeiras leis trabalhistas, no entanto, teve um incremento importante com a publicação da encíclica Rerum Novarum, em 15.05.1891, e que reforçou o ambiente da intervenção legislativa do Estado, ensejando o incremento na publicação de leis protetivas.

O que objetivava esta carta aberta escrita pelo Papa Leão XIII era debater não  somente entre os clérigos, mas também junto a sociedade a condição da classe trabalhadora, questionar e orientar as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja. Relações estas se encontravam bastante mitigadas pela lacização do Estado liberal.

Apresentou-se nova diretriz nas questões relativas ao trabalho, buscando dignidade humana neste e a nova doutrina social da Igreja visando a justiça social. Criticava tanto o liberalismo, o individualismo, como o socialismo. Pela autoridade de quem a redigiu, influenciou governantes e parlamentares, ou, no mínimo, ratificou os caminhos protetivos que se iniciavam, estimulando o Estado na sua nova postura. A este incumbia a edição das leis cerceadoras da ilimitada liberdade contratual.

De 1891 a normas relativas ao trabalho do menor e da mulher foram editadas e inseridas em instrumentos internacionais e internamente diversos Estados legislaram sobre relevantes aspectos da relação de trabalho como: salário mínimo, jornada, acidentes, repousos etc. Além disso e a partir daí, há o reconhecimento da importância do direito do trabalho para a Sociedade, como instrumento de política social, a ensejar espaço nas cartas constitucionais de diversos países.

A edição da Encíclica Rerum Novarum foi importantíssima para o estabelecimento dessa nova mundial. E de lembrar, também que outra, a encíclica Qui Pluribus, de novembro de 1846 e a encíclica Quanta Cura, de dezembro de 1864, já apreciara inúmeros problemas sociais afastam o comunismo como solução.

A Rerum Novarum proclamou a justiça social, sustentando a necessidade de novas bases nas relações de trabalho para que se preservasse a dignidade humana no labor, sustentando o fundamento moral na necessária intervenção do Estado para a solução da “questão social”.

O significado dessa “intervenção” da Igreja foi impressionante e abrangente, quer quanto aos destinatários, quer quanto ao coletivo de temas que abordou, como: trabalho de menores e mulheres, contraprestação ao trabalho, sindicatos, salário adequado etc.

Com a autoria do respeitável Leão XIII, viera o estímulo que faltava para os Estados imprimirem ação no sentido de edição de leis regulamentadoras do trabalho e capazes de alcançar a devida proteção ao mundo do trabalho.

A encíclica trouxe ao mesmo tempo constatações importantes e advertências de realidade que cercava a sociedade daqueles tempos.

De inicio, nas palavras de Igino Giordani, com que prefaciou a obra, é intitulada sobre a condição dos operários, trazendo a discussão sobre a questão operária e social, ressaltando seu intenso debate ao longo do século. Chega-se a comparar a importância da encíclica para a ação social cristã, como a do manifesto comunista para o socialismo.

Identifica o conflito social, as instituições seculares, a supressão das corporações de ofício, identifica a subversão da ordem social na solução marxista e contra ela assevera o direito do homem à propriedade particular, asseverada o direito do homem à propriedade particular, asseverada pelo direito do homem à propriedade particular, asseverada pelo direito natural, garantida pela lei positivada e pela ética cristã.

Ataca o comunismo que dissolve a família no Estado e a economia particular em economia coletiva. Seus impróprios métodos de acento na luta de classes tem contraponto na colaboração necessária e proveitosa entre operários e patrões.

O Papa avalia a posse e o uso da riqueza, entre noções de posse particular e uso coletivo e universal. Identifica relação entre a pobreza e o trabalho, enaltecendo e buscando sustentar a dignidade do trabalho. Assevera a igualdade dos homens e das classes sociais. Aponta a caridade como solução e que ao estado compete participar na busca dos caminhos, com especial proteção dos pobres e fracos. Aborda a greve como ocorrência a ser evitada pois gera prejuízos para toda a Sociedade. Protege a vida religiosa, em especial o descanso dominical. Ataca a exploração do trabalhador com excessivas jornadas e insuficiente trabalho, não mais servindo o fundamento formal de liberdade de contratação, o que, de fato, inexistia em face da pobreza do trabalhador que nada contratava em verdade. Sustenta que há necessidade de novo reagrupamento de operários católicos capaz de gerar benefícios de todas as ordens apresentar-se com solução proposta.

À guisa de introdução, identifica os aspectos da nova sociedade industrial, os progressos e inovações da indústria. As novas relações entre padrões e operários, a riqueza na mão de poucos ao lado da miséria da maioria. Evidencia a apreensão e ansiedade social intensas e aborda a “condição dos operários”.

O problema nem é fácil de resolver nem isento de perigos. É difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado o capital e o trabalho. Por outro lado o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para excitar as multidões e fomentar de desordens.

Como causas do conflito principia por reconhecer a miséria e infortúnio das classes inferiores, a tanto levadas pela extinção das corporações, antes seu alento, sem qualquer substituto. É trabalho de desenfreada concorrência, nas mãos de homens gananciosos e ambiciosos que dominavam o trabalho e impunham impróprias condições ao proletariado.

Avaliando a solução socialista, ataca a instigação dos pobres, a supressão da propriedade sobre os bens particulares. A teoria “E sumamente injusta, por violar direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender par a subversão completa do edifício social”.

Ao discorrer sobre a propriedade particular efetivamente a tem como resultado conquistado pelo trabalho, constituindo-se em salário transformado, capaz de comprar bens, de fazê-lo possuidor particular, exercendo um direito particular em coletivo não só retira a livre disposição do trabalhador sobre seu salário como também impede a melhora de vida e de condições patrimoniais. “Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o fato de que Deus concebeu a terra a todo gênero humano para gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos”.

Marca o documento a firme posição contra o comunismo, alertado como princípio de empobrecimento por injustiça de seu sistema, consequências nefastas, perturbação da sociedade, a restrição às  capacidades pessoais.

(…) se compreende que a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranqüilidade pública. Fique, pois, assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo, e a inviolabilidade da propriedade particular.

A igreja chama a si a responsabilidade de abordagem do tema, com apontamento de solução, sem, contudo, deixar de reconhecer a necessidade de intervenção do Estado e de toda a Sociedade.

“Ora, como é principalmente a nós que estão confiadas a salvaguarda da religião e a dispensação do que é do domínio da Igreja, calarmo-nos seria, aos olhos de todos a, trair o nosso dever. Certamente uma questão dessa gravidade demanda ainda de outros a sua parte de atividades e esforços: isto é, dos governantes, dos senhores e dos ricos, e dos próprios operários, de cuja sorte se trata”.

Assenta  a necessidade de aceitação de sua condição individual, própria da condição humana, que tão marcadamente distingue os seres humanos. Rejeita a luta de classes de vez que “o melhor partido consiste em ver as coisas tais quais são, e, como dissemos, em procurar um remédio que possa aliviar nossos males. O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente em duelo obstinado”. Realça que se necessitam mutuamente de vez que não pode haver trabalho sem capital, nem capital sem trabalho.

Para tanto há obrigações que se impõem aos operários e aos patrões. Àqueles o dever de prestar fielmente o trabalho contratado, sem lesar o patrão ou seus bens, ensejando reivindicações sem violência, afastando-se de miraculosas promessas. A estes cabe não tratar o trabalhador côo escravo, respeitando sua dignidade, impedindo-se trabalhos impróprios superiores às forças dos operários, em desarmonia com sua idade ou sexo. “O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor de seus braços”. Como dever principal dos patrões, o dever de salário justo. Realça que afronta as leis divinas e humanas a especulação da pobreza e da miséria.

Avaliando a posse e uso da riqueza pode assim resumir sua doutrina:

Quem quer que tenha recebido da divina bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os como fim de fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros.

Todos os bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem em comum e indistintamente a todo o gênero humano e que só os indignos é que são deserdados dos bens celestes.

Como dito, a Igreja chama a si o exemplo e o magistério, indo além da indicação de caminho, mas aplica-o por mão própria, valendo-se de instrução e educação dos homens segundo os princípios cristãos, confiando na ação soberana da Igreja. Realça a caridade da Igreja durante séculos, evidenciada.

Não sem sustentar a necessidade do “concurso do Estado”, como recurso aos meios humanos, buscando cooptar forças para o mesmo resultado, cada um em sua esfera. Releva importância deste, que deve dispensar tratamento igualitário, que também deve prover aos trabalhadores. “É por isso que entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva. (grifo no original) Todos, sem exceção, devem contribuir para o coletivo dos bens comuns. “O governo é para os governados e não vice-versa”.

Ao discorrer sobre as “obrigações e limites da intervenção do Estado” o texto reclama a intervenção do Estado para aplicar em certos limites a força e autoridade da lei, reivindicando, de maneira especial, na proteção dos direitos particulares a tutela pública aos pobres, fracos e indigentes.

Nesta seara protetiva, realça especialmente a necessidade de proteção à propriedade particular, e necessidade de reação do Estado contra as ocorrências de desordem e até de violência que se multiplicavam. Para tanto devem ser prestigiados pela autoridade do Estado protegendo os legítimos patrões e seus bens e reprimidos os que infringem a lei. Critica em especial as greves, que devem ser impedidas por perturbadoras da ordem, ao comércio, aos patrões e aos próprios trabalhadores, além da tranqüilidade pública.

Como não poderia deixar de ser, realça e condena as extenuantes jornadas a que se submetiam operários, mulheres e crianças, bem como, a necessidade de repouso.

Assim o número de trabalhos diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar à compleição e saúde dos operários…Enfim o que um homem válido e na força da idade fazer, não será equitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança. Especialmente a infância – e isto deve ser estritamente observado, – não deve entrar na oficina senão quando sua idade tenha suficientemente desenvolvido forças físicas, intelectuais e morais: do contrário, como uma planta assim tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce… o direito ao descanso de cada dia, assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários.

Outro ponto firme do posicionamento papal é o relativo à quantificação do salário, criticando a postura patronal. O trabalho como fonte de sobrevivência e sustento há de ter no salário a correspondência própria. O quadro social clama por proteção no sentido da intervenção do Estado liberal ante a insustentável condição de contraprestação. A liberdade contratual, absolutamente teórica, impunha a aceitação dos termos contratados.

…acima de sua vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsitência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado não lhe seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz a oferta de trabalho, então é isto, sofrer uma violência contra qual a justiça protesta.

Encaminha solução que deve passar por auxílio dos patrões e operários, realçando a necessidade de fazer economia e aproximando as classes, afastando a indigência, valendo-se das instituições, das associações, dos patronatos, das corporações operárias. O realce à força das associações havidas segundo o direito, sustenta ainda que deve contar como reconhecimento pelo Estado. Além delas, as confrarias as congregações e as ordens religiosas e relativas à Igreja e sua autoridade, como convocação para a solução dos embates.

Finaliza o texto realçando a caridade com solução definitiva: “Portanto a salvação desejada deve ser principalmente o fruto de uma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século”.

Realçadas as principais referências encíclicas, o que releva concluir é o fato de que a contribuição da Igreja pelas palavras de Leão XIII foi importantíssima para a correção dos rumos da Sociedade. Criou bases novas e complementares que encorajavam o Estado à intervenção na Sociedade.

Essa intervenção, de início tímida, e quiçá dispersa, viu-se induzida à proteção do trabalhador o que se deu pelas vias da legislação ordinária que, cada vez mais, se intensificava nos países da Europa.

A relevante atuação foi cada vez mais intensa e levou à compreensão dessa nova postura, que significou o surgimento do direito do trabalho.

Mais do que isso, cada vez mais enraíza-se a noção de que o direito do trabalho é instrumento de política social. Como tal, esse incremento de atos legislativos laborais conduziu a uma qualificação na proteção pretendida, qual seja, buscar espaço para sua inclusão nas Cartas constitucionais. E isto realmente é levado a cabo ao início do século XX, quando, por vez primeira no mundo, o México, por ocasião da revolução constitucional zapatista, verticaliza o direito do trabalho. A partir de então as Constituições da época passam a incluir em seus textos, direitos dos trabalhadores, elevados à condição máxima de proteção dos ordenamentos jurídicos tratados como normas constitucionais com os consectários próprios dessa novel qualificação.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Todas as citações entre aspas e em itálico são do próprio texto da encíclica Rerum Novarum.

[2]  Mestre em Direito pela PUCRS. Professor da Graduação e da Pós-graduação da PUCRS, disciplinas de Direito Processual Civil e Direito do Trabalho, desde 1990. Advogado, sócio de Faraco de Azevedo Advogados. Superintendente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Federasul (Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul); Diretor jurídico da Bienal de Artes Visuais do MERCOSUL, desde 2000; membro Fundador e Coordenador do Conselho de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Mãe de Deus desde 2000; Vice-presidente da FEDERASUL/ACPA. Mérito Judiciário do Trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho, grau: Comendador.