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NOTAS AO PROCESSO DE REFORMA TRABALHISTA

André Jobim de Azevedo

 

As  notas  aqui manifestadas, buscam colaborar no debate que há e que se acentuará no ano vindouro acerca da Reforma Trabalhista, uma vez que  nele está projetada a sua ocorrência.

Estamos em período de reformas. São elas a do Poder Judiciário, a Trabalhista, dentro dela a Sindical,  a do Direito Civil ,  a Previdenciária e a Tributária – essas três últimas já praticamente concluídas – a Reforma Política do Estado, a Eleitoral.

O significativo  momento  histórico,  de que somos testemunhas e ao mesmo tempo atores, é inegável, ainda que muitas vezes disso não nos apercebamos  por estarmos nele diretamente envolvidos.

O país  atravessa  situações políticas, econômicas e institucionais delicadas, mais recentemente vistas e tratadas como verdadeira reorganização nacional, que seja capaz de rever a insuportável condição de pobreza em que vive a esmagadora maioria da nossa sociedade, buscando incorporar à sociedade um enorme contingente de marginalizados.

Com essas reformas  se pretende colocar o país, nos trilhos da produção, no sentido da melhoria das condições de vida das classes pobres, do fortalecimento das instituições nacionais e da sua inserção em um ambiente mais condigno e conforme com as expectativas de ordem internacional.

O mundo mudou. Não é mais  o mundo  da época da Revolução Industrial, da  “Questão Social”, que deu azo ao surgimento do Direito do Trabalho. Período este em que o mundo se rendeu à necessidade de uma especialização jurídica própria ao atendimento de questões relativas ao trabalho e que não mais se afeiçoavam ao Direito Civil e Comercial, fundamentalmente, exigindo uma nova visão jurídica capaz de compreender e regular essas relações nascentes. Não era mais possível no tema a visão liberal, consagrada pelos ideais defendidos pela Revolução Francesa,  de liberdade plena para o ser humano, autonomia da vontade e dos contratos, o que para o mundo do trabalho significava um verdadeiro desastre.

Assim surgiu o Direito do Trabalho, buscando a regulamentação do trabalho à luz das necessidades  e dificuldades da época, cujas condições e fatos se alteraram profundamente.

Hoje a vida mudou. Somos a Sociedade que assiste a  guerras e atentados terroristas ao vivo na tela da televisão e dos computadores. As distâncias não mais separam os povos. Os meios de transporte cada vez mais eficientes redimensionam o Ir e o Vir. A informação tornou-se num dos mais preciosos bens e valores de nossa época.O encurtamento da distâncias é evidente. Tudo isso levou ao que se costuma chamar de Internacionalização ou Globalização.

A visão da humanidade se avantaja, passando a ter seus olhos voltados para a Comunidade Internacional.As relações entre os países soberanos, da chamada Comunidade Internacional, são cada vez mais intensas e na área econômica decisivas.

As formas de produzir se alteraram e seguem em mudança. São as autônomas linhas de produção, com volume de maquinário elevado e baixo capital humano, a robótica e a automação em geral a substituir a mão-de-obra humana.O Direito do Trabalho  guarda íntima relação com todas essas atuais e inacabadas ocorrências, aqui apenas exemplificativamente enunciadas.

Procura-se o país onde se possa produzir a menor custo, de modo a fabricar em qualquer localidade do globo um produto para ser vendido em todos os cantos do mundo.Com isto busca-se mercados onde o custo de mão-de-obra, dentre outros aspectos, seja capaz de formar preço competitivo em nível internacional.

No caso pátrio, estamos, sim, inseridos nessa inegável realidade e é nela que precisamos atuar. No Brasil  ainda se faz necessária a intervenção do Estado nas relações de trabalho, de vez que fortemente  marcadas pelo histórico desequilíbrio de forças que fez surgir o Direito do Trabalho, ainda contemplando o hipossuficiente nesta relação que precisa contar com o apoio do Estado .

Nesse sentido, historicamente se desenvolveu a nossa especialização laboral, sendo marcada por forte intervenção Estatal, a ponto de ser considerada presentemente demasiada e insuportável.

A CLT como base representativa dessa indevida e condenada – por sua intensidade-  intervenção no contrato privado de emprego, tem sido  alvo desse descontentamento. Não estamos aqui a discutir a tormentosa questão teórica da taxinomia do Direito do Trabalho, para determinar se é  ramo do Direito  Público, Privado ou outros.Nosso Diploma básico, editado em 1943, vem sendo fortemente torpedeado. Segundo alguns, teve forte influência do Sistema Corporativista Italiano, forte acento facista.

Posta, ainda que brevemente, a  cena atual em nosso Direito, e sociedade, ansiosa por mudanças, está o ponto central de nossa abordagem , que é a  Reforma Trabalhista.

 Para tratar do tema  gostaria de trabalhar por duas linhas básicas de raciocínio,  a saber, a Temporal e Estrutural.Na Temporal, lançar a análise para o passado recente,  para atualidade e prospecção de futuro. Na linha  Estrutural, tendo em vista a situação da Estrutura do Poder Judiciário e do arcabouço legislativo que envolve a questão.

Em primeiro lugar, é de se afastar a corrente afirmação de que a CLT  é  a responsável  pelo mau resultado econômico do país, “instrumento antigo e autoritário, que rege as relações trabalhistas ”, o que evidencia um total  desconhecimento da matéria.

Óbvia a data de nascimento da sexagenária Consolidação e o seu  aspecto  intervencionista exacerbado, que merece, sim , crítica, mas não na forma com vem sendo feita.Isso porque desconhece a existência de enorme volume de regulamentação fora de suas páginas e que se agregam ao ordenamento jurídico trabalhista, composto de leis complementares e ordinárias, decretos, regulamentos, portarias e todo o tipo possível de regramento que adere à mesma Lei e foi formulado ao longo desses últimos 60 anos.   Essa “velha senhora”, como é referida, em verdade está irreconhecível, pelas inúmeras alterações sofridas em seu texto ao longo dos anos, e especialmente nos últimos tempos.

Podemos genericamente, e a título de exemplo, referir as alterações relativas às cooperativas, ao cargo de confiança, à alteração nos dispositivos relativos à jornada de trabalho e intervalos, dentre outras tantas já tratadas  e absorvidas  pelos especialistas  e profissionais atuantes da disciplina.

Assim é que a voz corrente dessas críticas não pode ser tida por acertada.Também ao Direito do Trabalho, alguns, mais desavisados, imputam o engessamento econômico a que estamos submetidos, mas  o fazem incorretamente.Outros dizem que está esclerosada a matéria, tendo parado no tempo. Mas estas observações não são senão fruto de desconhecimento.

Isso porque, sem prejuízo de necessitar alterações, que realmente  devem ser feitas, a  grande flexibilização ou Reforma Trabalhista já ocorreu com o advento da Constituição Federal de1988.

A Constituição vigente sofre crítica, segundo a qual inclui em seu texto normas tipicamente de caráter infraconstitucional, de legislação ordinária, de  detalhismo impróprio ao regramento Constitucional  .

As grandes constituições do Mundo são aquelas capazes de atravessar os anos e até os séculos, mantendo a sua capacidade de nortear a vida de uma Nação, dando as estruturas básicas de organização e regência, a partir das quais se  constitui uma determinada ordem jurídica. São as linhas mestras de organização do Estado, cabendo à legislação infra-constitucional o papel da regência das questões corriqueiras e diuturnas

Tais características não são as de nossa Carta Maior, pois a mesma é rica em  detalhes e mesmo de repetição de normas já existentes e vigentes no sistema. Puro desconhecimento do Legislador constitucional?  Por certo que não.  

A compreensão que temos dessa dúvida e das características da má técnica constitucional que elegemos explica-se politicamente. Tendo sido 1988 a primeira oportunidade de afirmação política depois de anos de Ditadura Militar, é compreensível que se tenha pretendido  elevar uma séria de normas à condição de norma Constitucional. Com essa mudança de patamar, se qualifica a proteção desses mesmos direitos.

Em estando tratados por legislação infraconstitucional, os mesmos são de fácil alteração ou supressão, bastando a simples edição de norma ordinária posterior que regre o tema de forma diversa, para que se altere a regência  do ordenamento. Basta, muitas vezes, até um acordo de lideranças, manejado no Congresso Nacional, para que se criem ou suprimam direitos. Já as normas constitucionais demandam amplo debate, envolvimento parlamentar mais profundo e quorum qualificado. O efeito dessa situação é que as alterações constitucionais são mais difíceis de acontecer e portanto exigem fundamentação,  aprofundamento  e esclarecimento popular.

Assim é que como primeira oportunidade de reorganização do sistema constitucional e  verdadeiramente a reorganização de um país  livre, se entende como coerente a formatação Constitucional com o momento político da promulgação da vigente Lei Maior. Detalhista, por receio do passado e buscando garantir as normas então em discussão.

Se  já fomos mais ácidos na atecnia invocada, hoje devemos reconhecer a sua eficiência e resultado justamente no sentido de dar estabilidade A essas normas. Veja-se que dois moldes políticos tivemos no governo de nosso país, ambos falando em reforma do Direito do Trabalho, e que se tais normas não tivessem sido constitucionalizadas, já teríamos passado por duas reformas de vieses opostos, uma mais à esquerda, outra mais liberal.

Agora quando se fala no tema, o aprofundamento da discussão se impõe, de vez que haverá de se processar por meio de reforma constitucional, e, portanto, com  discussão composição das mais variadas forças políticas do país.

Com isto não estamos a sustentar que  a reforma, que há de vir, deva ser capaz de revelar a verdadeira vontade e necessidade da nação em rever e atualizar questões tão significativas  que dizem respeito à vida dos cidadãos e das empresas que compõe o mundo da atividade econômica  e que podem ser capazes de levar ao desenvolvimento econômico e social o país .

A Constituição vigente, como dissemos, alcançou aos Sindicatos  poder incomensurável, na medida que os colocou em  maior evidência nas relações de trabalho condicionando uma série de direitos à sua intervenção: por exemplo, redução salarial, jornada compensatória, regramento de turnos  ininterruptos de revezamento…Na área coletiva, a liberdade sindical, a unicidade sindical, entre outras tantas.

Dir-se-á que os Sindicatos não são representativos e que se prestam aos interesses patronais. Situação que, se existente não pode retirar dos mesmos sua efetiva função social e capacidade de bem representar os trabalhadores. Cada um tem que assumir seu papel em um país que está sendo passado a limpo e os sindicatos também. Se fomos capazes  de destronar em plena vigência do mandato até um Presidente da República que se portou mal,  não podemos recear comportamento sindical indevido, pois pode sofrer reação de mesmo tipo. Lembremos o óbvio: os dirigentes sindicais são escolhidos pelas bases.

Em nosso sentir, no entanto, esse direcionamento para o reforço da representação  coletiva em maior espaço é mais proveitoso do que efetivamente perigoso. Há grande vantagem na utilização de modelo diverso daquele que tem  na lei a normatização da relação de trabalho. A rigidez da lei, no particular,  desserve, uma vez que em país como o nosso, de dimensões continentais, a multiplicidade de características regionais cria situações de difícil solução. Exemplifica-se com o salário mínimo, que é impagável em dezenas de regiões do agreste nordestino e na cidade de São Paulo não tem significado  maior,  onde  poucos são os que laboram em troca apenas do mínimo. A regência  por norma coletiva permite adequação às capacidades e possibilidades setoriais, bem como à condição econômica de cada grupo de empregadores ou mesmo de um deles.

Bem aplicada a intervenção sindical cremos significar enorme avanço na proteção trabalhista, sem interferência direta do Estado. Então não se diga que o Direito do Trabalho não fez e não faz a sua parte afastando-se afirmações eleitoreiras e que bem  ecoam em platéia leiga .

Mas se isto é uma verdade, outra é a de que não foi ainda suficiente e urge sejam feitas novas reformas.Compreendemos que deva se avançar, mas com pressupostos diversos.O Estado deve, sim, reduzir sua intervenção legislativa no Contrato de Trabalho. Mas a maior intervenção nociva que realiza é de outra natureza. É de caráter tributário (amplamente falando), e que sangra produção em nosso país.

Deve, sim, e é mais urgente, o Estado liberar a produção da carga tributária insustentável, que verdadeiramente pune a atividade laboral e impede a criação de novos postos de trabalho, bem como também dificulta o desenvolvimento da economia.

A outra vertente de raciocínio é a que chamei de  Estrutural e tem  enfoques que merecem ser tratados e que são genericamente  as alterações havidas e em curso na área do Judiciário Trabalhista e que com ela se confunde, relativa às propostas de alteração legislativas em discussão.

Durante esse ano estivemos envolvidos com o Conselho Nacional de Desenvolvimento, Fórum Nacional do Trabalho, Conferência Estadual do Trabalho, já tendo sido entregue ao Poder executivo documento final em que os agentes sociais envolvidos, empregados e empregadores após ampla discussão apresentaram sugestões, e que se espera sejam transformadas em propostas legislativas.

Receamos, contudo que esse trabalho possa ter sido em vão, se mirarmos a questão Tributária. Nesta muito se falou. A sociedade civil apresentou inúmeras propostas de mudança do sistema como um todo, e o que se viu foi uma desconsideração total às mesmas. O Executivo apresentou projeto próprio e diverso daquele sugerido, mas o que é pior, de dimensões desprezíveis e incapaz de propiciar à produção qualquer desoneração…

                                   

Cremos que  a Reforma deve ser vista e tratada como processo permanente, sem soluções mirabolantes . A manutenção de alguns direitos mínimos para os trabalhadores, sem o rigor de forma imposto pelas leis, pode ser um bom começo. Exemplifica-se: manter-se a obrigação de 13º salário facultando-se ao empregador a eleição da melhor forma de cumprí-lo, por exemplo em período do ano em que tem maiores  vendas ou resultados. Ratificar o direito a férias de 30 dias, mas que possam ser fracionadas de forma diferente daquela prevista na CLT. E assim em outros tantos.

Resta-nos pois, a esperança de que as discussões havidas ao longo do ano possam nortear a reforma, já se identificando, no entanto, um primeiro equívoco, que é a separação desta da reforma sindical e sua anterioridade à reforma do Direito Material em geral, quando entendemos devessem se processar conjuntamente ou até primeiro a do Direito do Trabalho “lato sensu”.

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