Por André Jobim de Azevedo. Advogado, Sócio de Faraco de Azevedo Advogados, Professor Adjunto da PUCRS, Mestre em Direito pela PUCRS.
– Artigo publicado no livro CLT 70 anos de consolidação – Uma reflexão social econômica e jurídica. Coordenação de Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, Marco Antônio César Villatore. – São Paulo: Atlas, 2013.
1. INTRODUÇÃO:
A proposição da realização da presente obra coletiva no ano do 70º aniversário da Consolidação das Leis do Trabalho não pode ser mais oportuna. A proposição dos Professores Doutores Marco Antônio César Villatore e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcanti é própria de quem conhece profundamente as tensões do ordenamento jurídico trabalhista do País e percebe a urgente necessidade de avaliação deste cenário.
Tal se justifica por várias razões. Primeiramente pela centralização normativa produzida com a edição da CLT. Documento fundamental de regência das relações trabalhistas pátrias completa neste ano de 2013,70 anos. E o faz sob a forte observação geral – técnica ou não- de sua condição de adequação na tutela dos direitos atuais dos trabalhadores, à luz de novos tempos. Posta em cheque acerca da real condição devigência, muitas têm sido as críticas que recebe.
Em segundo lugar, porque sua formulação histórica foi importantíssima e capaz de inaugurar um novo período de proteção trabalhista, mas que na atualidade parece em muito superá-la, ensejando a perquirição de modelo de regulação. Sãoinúmeros os regramentos legislativos além de seu texto. São diversos os caminhos que se abriram e foram trilhados no mundo do trabalho e suas disciplinas legais e fundamentos acadêmicos.
Em terceiro, mesmo que em tempos de apostas mundiais no Brasil, por conta de seus resultados estatísticos recentes, notadamente neste período pós crise internacional, se é que ainda não estamos em seu epicentro, o País tem sido visto com outros olhos pelo mundo econômico, o qual se relaciona diretamente com a disciplinadotrabalho por uma inafastáveltransdisciplinariedade e cuja relação presente e futura salta aosolhos.
Os tempos presentes deintensa globalização e intensificação do comércio internacional compõem cenário novo e ainda por ser completamente descortinado. Essa nova visão passa necessariamente por avaliação histórica e presente como forma de bem posicionar a matéria para aos próximos 70 anos.
Não tem sido pouca a invocação da proteção ao trabalho como obstáculo ao desenvolvimento econômico e social do País. Os exemplos internacionais de sucesso, como a China, tem sido frequentemente citados para atribuirà CLT e ao Direito do Trabalho o emperramento da dinâmica produtiva.
Interessa muitíssimo essa avaliação, que tem na CLT o centro da discussão. Será que é possívelcontinuaremas relações trabalhistas nacionais sob a tutela de uma lei já septuagenária?
Será que a CLT ainda permanece como documento central de regência trabalhistaou será que, a par de sua originária importância, deixou de sê-lo?
Todas estas questões são capazes de fomentar ou afastar uma reforma trabalhista no País? Será que nos dias de hoje a manutenção da CLT é impositiva ou deixou de ter a importância de tempos recentes?
2. O Direito do Trabalho, a CLT, o objeto e a reforma
A matéria que se enfoca no presente, no entanto,nãose constitui em nenhuma novidade. É tema insistentemente debatido e tratado, pelo menos na última década. Assim iniciada a avaliação qualquer um que razoavelmente reflita sob esta histórica perspectiva seria levado a crer que se trataria apenas de revisão e referência ao que foi feito ou não feito.
A realidade, contudo é bem outra, de vez queo tema da reforma segue estagnado, sem perspectivas de efetiva evolução. Em mais um ano em que não se a formulou, a questão segue reclamada e mal atendida, assim como malversada servindo de argumento fácil e de grande reverberação.
Ao Direito do Trabalho tem sido atribuída responsabilidade, por conta do alto custo do emprego, como inibidor do desenvolvimento econômico e social do país, impondo-se-lhe responsabilidade que não lhe corresponde. É o regramento da CLTincapaz de servir às relações laborais do século XXI. Paralisa a dinâmica das modernas relações produtivas. Causa o atraso nacional pelo engessamento impróprio da relação de trabalho. É o que tem sido repetido.
A distorção envolvida nessa frequente e reiterada atribuição de culpa, no entanto, não é precisa, mesmo sem destituir-se de alguma correta referência.
A CLTé posta no centro dessa responsabilidade mal atribuída. O documento data de 1943, instituído pelo Decreto-lei nº 5452, sancionada pelo então Presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. No comandodo Ministério do Trabalho, AlexandreMarcondes Filho que juntamentecom o Presidente Vargas convocaram para a empreitada osjuristas José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro, Dorval Lacerda Marcondes e Arnaldo Lopes Sussekind. Tinha-se então o país com um perfil de economia eminentemente agrícola, mas que precisava ingressar em rápida e segura industrialização, para o que, em tese, a nova Consolidação contribuiria.
Inspirada na Carta Del Lavoro do Governo de Benito Mussolini da Itália, e sob o aspecto da reorganização, na Lei Geral do Trabalho de 1935, buscou centralizar a proteção ao trabalho em título legislativo único, podendo inclusive, com alguma liberdade falar-se em codificação do direito do trabalho. Reuniu em suas páginas direito material do trabalho, direito processual do trabalho e direito administrativo do trabalho, sob o duplo enfoque do direito individual do trabalho e do direito coletivo do trabalho. Na área adjetiva é de registrarmanifestação de humildade, quando ao disciplinar o processo do trabalho incluiu o artigo 769, determinando a aplicação subsidiária do direitoprocessualcomum, para as situações de omissão, naquilo que com amatéria laboralnão seja incompatível. É apercepção da importante e centenária história doprocesso civil brasileiro.
Desde sempre, no entanto, esse universo de abrangência não esteve completo. O trabalho ali regrado diz respeito exclusivamente aos empregados comuns urbanos, tendo sido dele excluídos o trabalho das pessoas jurídicas, dos autônomos, dos empregados rurais e domésticos, com regências específicas e particulares de outros diplomas legais, como Código Civil Brasileiro, Código Comercial e leis especiais, como os Estatutos dos Funcionários Públicos,dentre outras tantas leis especiais sobre determinadas atividades profissionais. Centrou-se na proteçãodo trabalho humano pessoal subordinado a partir de experiências internacionais variadas.
A sua edição teve enorme repercussão e significado. Um de seus autores, o brilhante Ministro ArnaldoSüssekind, que recentemente nos deixou,assimavaliou: “A Consolidação das Leis do Trabalho, enfeixando num único texto todas as normas disciplinares das relações individuais e coletivasde trabalho, além das concernentes a procedimentos administrativos e à Justiça do Trabalho proporcionou o conhecimento global dos direitos e obrigações trabalhistas, não só aos intérpretes e aplicadores das leis, mas, sobretudo, aos seus destinatários: os empregadores e empregados. A CLT cumpriu, assim, importante missão educativa, a par de ter gerado o clima propício à industrialização do país, sem conflitos trabalhistas violentos.”[1]
Percebe-se assim que, a par da importância da criação,dapublicação,a ideia de centralização da regência do trato da matéria trabalhista em um único diploma, de fato, nunca se concretizou.
Não há qualquer erro na afirmação de que o mundo, especialmente o mundo do trabalho é hoje muito distinto daquele que recebeu a Consolidação. Em verdade tempos muito distintos. Baixa industrialização, vida rural predominantemente, fronteiras nacionais como limitadoras da atividade econômica em geral,centralização do poder, e dizendo pouco, menos democracia.
É do Professor Amauri MascaroNascimento uma observação sumarizada ao afirmar que“…a CLT embora um marco em nosso ordenamento jurídico, tornou-se obsoleta. Surgiu a necessidade de modernização das leis trabalhistas, especialmente para promover normas sobre direito coletivo, dentre as quais as de organização sindical, negociação coletiva, greve erepresentação dos trabalhadores na empresa, setores que a CLT não valorizou.”[2]
De plano, pode-se afirmar que estas observações nos conduzem à segura conclusão de que é possível um manejo distinto das relações de trabalho. Mais. Que pode e deve ser reavaliada essa regência laboral à luz dos tempos e relações atuais.
3. CLT 1943 X Mundo 2013.
Inicie-se por afastar a afirmação severa e imprópria, utilizada pornão especialistas e mídia em geral de que é inaceitável ter-se as relações de trabalho regidas em pleno século 21 por uma lei de 1943.
Isto porquea CLT não é mais aquela da edição originária da década de 40. Em seu conteúdo foram centenas as alterações havidas, o que resta evidente em qualquer publicaçãoimpressa do Diploma, onde com muita facilidade, mas em letras bem pequenas, essas são indicadas pontualmente. Foram inúmeras inclusões, mudanças por meio de atos legislativos, supressões eque não têma redação original e a regência de então.
A arguta observação de Orlando Gomes e ElsonGottshalk percebe e criticaa formulação Celetista e as alterações:“Dentre as fontes formais de produção estatal a Consolidação das Leis do Trabalho é a que encerra maior contingente de normas imperativas. Seu texto tem sofrido diversas alterações, nem sempre para melhor. Caberia indagar se o Direito do Trabalho não está sendo submetido a uma inflação legislativa altamente inconveniente à sua formação sistemática, como ciência que aspira a uma autêntica autonomia…Críticas várias tem sido dirigidas à Consolidação. Embora não se pretendesse elaborar um código como se salientou nocapítulo anterior, teve o consolidador pátrio bastante liberdade de ação para realizar obra de criação mais completa, visto que lhe foi facultado introduzir modificações à legislação vigente, com procedeu, aliás, repetidas vezes para organizá-las mais sistematicamente.”[3]
Destas ponderações iniciais e registros doutrinários é possível, desde já, perceber e realçar alguns aspectosde importância.
A própria CLT ao momento da sua promulgação não foi capaz de enfeixar no seu conteúdo toda a regência trabalhista.
A CLT de 1943, não é aquela que hoje vige, nema totalidade das regras postas tem a mesma dicção histórica, em face das inúmeras alterações.
O universo legislativo laboral vai para muito além da CLT, podendo-se exemplificar com matériasregradas por leisespeciais como repouso semanal remunerado (Lei nº 605/49), Lei do FGTS 5107/66 e suas sucessivas alterações até a Lei 8036/90, e diplomas relativos ao Tempo de serviço e estabilidade, 13º salário (Lei 4090/62), Lei 4725/65 sobre o processo de dissídio coletivo, Decreto-Lei nº 779/69 sobre o processo do trabalho e o privilégio dos entes públicos, Lei Complementar7/70 do Programa de Integração Social PIS, Lei 5584/70 da assistência judiciária, Lei 5859/72 do empregado doméstico, Le nº 5889 do trabalhado rural, Lei nº 6019/74 do trabalho temporário, Lei nº 6494/77 sobre o estágio profissionalizante, Lei nº 7418 sobre o vale-transporte, sobre o processo do trabalho 7701/88, Lei de Greve 7783/89, seguro-desemprego Lei 7998/90, Lei 8037/90 , substituição processual, Lei nº 8112/90 do regime único do servidor público federal, Lei Complementar nº 75/93 da organização do ministério público do trabalho, Lei nº 8864/94 das obrigações trabalhistas da micro e pequena empresa, Lei nº 8984/95 sobre competência da justiça do trabalho em demandas coletivas, Lei nº 9029/95 proibição da prática discriminatória de exigência de atestado de gravidez e esterilização, Lei nº 9307/96 sobre arbitragem, Lei nº 9601/98 sobre o contrato de trabalho por prazo determinado, Lei nº 9608/98 sobre trabalho voluntário, Lei nº 9957/00 do procedimento sumaríssimo, Lei nº 9958/00 das comissões de conciliação prévia, Lei nº10035/00 dos procedimentos de execução das contribuições devidas a previdência social, Lei nº10097/00 sobre o trabalhador menor, Lei nº 10101/01 sobre a participação nos lucros ou resultados, Lei nº 10218/01 sobre as horas extras, Lei nº 10244/01 relativa a horas extras pelas mulheres, Lei nº 10270/01 sobre anotações na CTPS, Lei nº 10537/02 sobre custas e emolumentos na justiça do trabalho, Lei nº 11180/05 sobre PROUNI e PET, Lei nº 11295/06 relativa a sindicalização, Lei nº 11304/06 quanto à ausência de trabalhadores, Lei nº 11495/07 sobre os embargos no TST, Lei nº 11495/07 deposito prévio na rescisória, Lei nº 116644/08 quanto a exigências ao trabalho, Lei nº 12506/11 sobre aviso prévio proporcional, isto para citar as mais importantes, sem referir as pontuais alterações a artigos originários, como a novel lei nº 12740/12 que altera o artigo 193 da CLT sobre a periculosidade – bem comoa utilização de sistema alfa numérico para encaixe de novas regências, na tentativa de manter a estrutura formal.
Pois essas referências bem dão conta de que, apesar de ainda ser central na ordenação da matéria trabalhista a CLT não guarda o sentido e a dimensão do momento de sua formulação.
Com isto, contudo, não se quer afastar a necessidade de sua atualização,alteração oumudança. É que esta velha senhora, hoje irreconhecível por tantas intervenções(“cirurgiasplásticas” ou não) e mesmobastante alterada e atualizada mantém o enfoque estrutural do passado e que impõereforma. Mas afaste-se de vez a midiática agressão à CLT e também ao direito do trabalho que tem sido posto como incapaz de formulação positiva ensejadora de desenvolvimento econômico e social.
4. A CLT e a Constituição Federal. Anteriores tentativas reformadoras.
Estivesse apenas a CLT no centro da regência trabalhista, essa formulação poderia ser maisaceitável.
Mas isto seria desconsiderar o significativo trato da matéria havido quando da promulgação da vigente Carta Constitucional de 1988 e que trouxe temas trabalhistas – novos ou não– com permissivo de manejo importante e distinto daquele até então praticado, com rela significado de avanço, de reformulação de evolução.
Além da CLT, a Constituição Federal emsede de direito do trabalho, de maneira expressa e detalhista,contém inúmeras regras do ano de 1988 e que se constituem em núcleo normativo trabalhista de regência atual e fundamental.
Já se formularam profundas críticas ao queconstou na Carta Magnasobo aspecto da impropriedade de constar, como constaram essas regras na Carta Maior. Repetidas de outras leis e da própria CLT, regras de inadequada inclusão por se tratarem de direitos corriqueiros e próprios para regramento infraconstitucional, dentre outras. Adisciplina de temas ordinários faria, como de fato fez, a Carta magna sujeitar-se a rápida e intensa desatualização. A prova disso é queainda com apenas 24 anos teve de ser emendada por mais de 70 emendas…de vez que a vida superou regras próprias da Lei Ordinária.
Ainda assim, trouxe alterações importantes, notadamente na área do direito coletivo avançando para uma postura, por assim dizer, deflexibilização sob tutela coletiva ou normativa. Tal se refere ao espaçoalcançado pela Constituição aos Sindicatos para que manejem as regras de maneira diversa da dicção original, o se queexpressou pela repetida inclusão final da referência à “salvo acordo ou convenção coletiva”, de que são exemplos incisos VI, XIII, XIV, e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho do inciso XXVI, todos do artigo 7º.
Insista-se que há ainda necessidade de reformar odireito do trabalho, apesar do devido esclarecimento do panorama legislativo constitucional laboral atual.
Não é possível esqueceruma questão quecontribui com esse desconforto e que se vale dodireito do trabalho, mas que é de outra distinta especialidade, que o utiliza como instrumento de arrecadação. O chamado “Custo Brasil” dá conta do alto custona manutenção do empregado nos moldes vigentes, semalertar que utiliza-se o contrato de trabalho para a arrecadação de impostos. A folha de pagamento é via de recolhimento de obrigações de natureza tributária incidentes sobre o trabalho. Aí está um aspecto fundamental. O custo do empregado não se trata apenas de relação de trabalho, mas senão de inúmeras incidências alheias como INSS, Sistema 5S, imposto de renda, seguro de acidentes do trabalho.
Não se pode esquecer que já houveanteriormente várias tentativas de revisão/alteração da CLT, como registram Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante: “a) no ano de 1961, os juristas Evaristo de Moraes Filhos e Mozart Victor Russomano foram designados para elaboração de anteprojetos do Código do Trabalho e do Código de Processo do Trabalho. Os trabalhos foram apresentados e entregues ao Poder Executivo; b) em 1975, uma comissão foi constituída, sendo presidida por Arnaldo Süssekind. Os trabalhos foram concluídos e entregue em setembro de 1976, aos Ministros da Justiça e do Trabalho, sob a forma de anteprojeto da nova CLT”. [4]
Além disso,é possível referir, dentre outros, trabalho relatado pelo autor deste artigo, no ano de 1992, que reuniu as entidades integrantes do Fórum em Defesa da Justiça do Trabalho, que publicou o resultado do estudo elaborado pela Comissão do Fórum Estadual de Debates da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul, sobre o projeto elaborado pelos Ministros Carlos Alberto Barata e Silva e José Luis Vasconcellos, relativo à Legislação Processual do Trabalho, bem como o próprio anteprojeto avaliado.[5]
Reitere-se que essas anteriores intercorrências não afastam a necessidade e possibilidade de caminhar-se para a reforma trabalhista, mas sinaliza, como, aliás, o próprio tempo em que tem-se discutido a reforma, que inúmeros óbices das mais variadas naturezas embaraçam sua concretização.
Ressalte-se ainda que mesmo com o regramento constitucional criticado, pode ser vista vantagem importantíssima dessa regência. É que passados mais de 24 anos da promulgação, mesmo que com procedentes críticas, as regras constantes do artigo 7º são basicamente as mesmas desde então.
Isto significa que apesar de governos federais com distintas tendências políticas, as regras trabalhistas mantiveram eficiente estabilidade ao longo destes anos, sem que reformadores de plantão pudessem, a cada novo governo,propor afoitareforma trabalhista pela via legal, infraconstitucional.
Em se tratando de regras constantes da Carta Maior, estas somente podem ser alteradas por emenda constitucional, com o consequente processo legislativo próprio, detalhado e de maior dificuldade de alteração, por conta do quórum qualificado e outras particularidades dessa via legislativa.
Deste modo, dotadas do importante atributo da estabilidade, as regras básicas – consideradas boas ou não – mantiveram-se as mesmas. Esta condição tem a capacidade de estimular o investimento na produção, de vez que trazema serenidade da regência constitucional e afastam a instabilidade da alteração legislativa ordinária, incompatível como investimento privado.
Insista-se que apesar das condições postas devem sim ser alteradas as regências laborais.
5. A reforma trabalhista
Muito tem sido discutido sobre reforma trabalhista, sem quehaja qualquer passo mais efetivo no sentido. Fala-se em flexibilizar, atualizar e outros em desregulamentação, pairando sobre os mesmos o receio da redução ou da precarização dos direitos e das conquistas históricas dos trabalhadores.
A dicção adequada da reforma não passa, em nosso sentir, pela perda de direitos, senão pela adequação dos mesmos à condições específicas de cada categoria, às especificidades próprias dos inúmeros e distintos setores da economia e produção, bem como pelo manejo particular – mais flexível- dos direitos hoje existentes.
O que se deve fazer é atenuar a letra dura da lei, apoderando-se cada vez mais os entes coletivos, as partes envolvidas, na busca das suas soluções e regulamentações, e, consequentemente, em alguma medida,limitando a intervenção do Estado nas relações de trabalho, pela via do acordo ou convenção coletiva. Pela clara noção de que o ajuste particular de condições de trabalho próprios de cada atividade será sempre melhor do que a tentativa geral, genérica e ampla da lei em alcançar indistintamente vários destinatários, nem sempre com mesmas condiçõesde incidência, muitas vezes inviabilizando a própria proteção buscada pela norma.
Bem avaliando o este cenário, o Ministro Yves Gandra da Silva Martins Filho valendo-se da terminologia refere a “…necessidade de flexibilização das normas trabalhistas coloca-se tanto nos períodos de crise na economia como em decorrência do progresso tecnológico, que torna supérflua parte da mão-de-obra empregada. Nestes períodos, verifica-se a impossibilidade prática de as empresas arcarem comos ônus trabalhistas, sob pena de perderem competitividade no mercado internacional, numa economia globalizada, sendo que a rigidez do Direito do Trabalho, como elemento protetivo do pólo mais fraco na relação laboral , pode conduzir à desagregação dos fatores produtivos: a falência da empresa acarreta prejuízo não somente ao empresário, mas também ao trabalhador, que perde sua fonte de sustento.”[6]
A necessidade de flexibilização – via reforma -se impõe como garantia de aplicação de toda a proteção do trabalhador a um maior contingente destes, ampliando o mercado formal de trabalho e não o contrário.
Também no sentido o Ministro Yves Gandra Martins da Silva Filhofazponderação que não vem sendo observada, mas que é fundamental, no tocante à observação do enorme contingente de desempregados e fora de qualquer proteção. “Odiscurso do direito adquirido, que torna mais rígido osistema protetivo laboral, tem servido apenas para manter mais ou menos protegido o contingente de trabalhadores com empregos formais. No entanto, mantém na informalidade mais de 50% da força de trabalho no Brasil. E a tendência, em períodos de crise econômica e financeira comoa atravessada pelo Brasil e pelo mundo desde setembro de 2008, com a quebra dos grandes bancos de investimento norte-americanos, é de haver menos proteção real, quanto maisproteção legal se prometer”. [7]
Nesta visão de necessidade de reforma, mesmo sem que tenha sido efetivada, muito tem se discutido sobre o tema.A crítica maior pode ser resumida à referência de que a “lei trabalhista “ é excessivamente rigorosa. A CLT posta como vilã(exagero este antes já afastado) relativamente ao desemprego. É realmente bastante complexa a aplicação do contrato de trabalho, com regras e obrigações capazes de embaraçar a contratação e demissão, na velocidadee custos competitivos da atualidade, notadamente para as micro, pequenas e médias empresas, as quais empregam mais de 90% dos trabalhadores do país. Oordenamento trabalhista é extenso, complexo e demanda firme dedicação dos que a aplicam, com os consequentes custos adicionais. O excesso de regência e seu detalhamento afastam inúmeras formalizações contratuais que são maisfacilmente conduzidas pela negação e pela informalidade.
Há, portanto, sim, a necessidade de avançar e evoluir o Direito do trabalho. Não porque se esteja sob a regência de uma lei de 1943, que a despeito de sua importância, já não é mais aquela original. Não porque o direito do trabalho deixou de avançar, o que o fez por dezenas de alterações normativas (trazendo o risco da fragmentação). Não porque constitucionalmente nada se passou, mas onde consta avanço de regência estável e distinto do que anteriormente se tinha.
Em realidade a imposição decorre do mundo novo que se testemunha, cada vez mais diverso daquele de tempos recentes. As relações de trabalho enfrentam cenárionovo em tempos de profunda globalização onde se produz em qualquer lugar do mundo em busca de produtos com preços e condições mais competitivas. Por óbvio que esta condição tem no trabalho humano um fator decisivo, onde o custo de mão de obra e a dinâmica das relações laborais são fundamentais.
6. A representação coletiva
Parte da tarefa iniciou-se, como dito, com a Constituição Federal, avançando no reforço do poder da representação coletiva e permissivos normativos havidos. Neste particular é importante reconhecer que deve ser manejada concomitantemente uma reforma sindical, a fim de que sejam melhores estabelecidas as organizações coletivas, suas fontes de custeio, associativismo, administrações, de modo a certificar, de fato, verdadeira e segura participação. Não se deixe de considerar as regras específicas e em legislação especialpostas ao longo do tempo.
Apresenta-semais precisa a regência pontual, dirigida a determinado setorou até empresa, fruto de entendimento que perceba as reais condições e capacidades dos destinatários das regras, de modo a que se constituam emobrigações possíveis de cumprimento. Aos efeitos de comparação tome-se o salário mínimo nacionalmente unificado, o qual é de nenhum sentido ou aplicação, por exemplo, em São Paulo, onde ninguém se emprega em troca desta contraprestação. E isso se dá porqueessa Capitaltem condições e custo de vida que não servem ao valor fixado, sequer para a mais singela das profissões.
Diferentemente disto, o salário mínimo nacional constitui quase um privilégio nas regiões mais pobres de nosso continental país, em que a ele muitos aspiram e que sequer consegue ser satisfeito aos trabalhadores, que são postos em condições de informalidade. Isto ocorre porque são regências nacionais que não tem condição econômica de aplicação em situações regionais de maior carência.
Salta aos olhos a incapacidade de norma geral para incidir sobre tantas distintas situações e suportes fáticos. Em um país com tanta diversidade, também fruto de sua enorme geografia, a indistinção da regra legalafasta na prática a sua incidência por real inviabilidade.
O caminho legal também é possível e deve ser ponderado. Porque não se permitir que o 13º salário possa ser satisfeito em moldes não determinados em regra única, mas de acordo com a disponibilidade de cada atividade ou setor? Por que não pode essa obrigação ser alcançada quando de momento particular de maior intensidade do trabalho ou demelhor fluxo de caixa do empregador?
Em tempos demuito trabalho e tecnologia porque não se permitir o fracionamento diverso das férias? Será que os contatos por celular ou computador que são uma realidade e ensejam comunicaçãopermanente em qualquer lugar do mundo não significam nada para as relações de trabalho?
Mesmo ciente do dissenso doutrinário e jurisprudencial, porque não permitir alteração no horário de intervalo para que o trabalhador retorne mais cedo paracasa e para o convívio familiar? Não será seu interesse?
As avaliações e regências específicas são perceptíveis e capazes de serem melhor manejadas pela normatização coletiva (acordo ou convenção coletiva de trabalho), alcançando-se real e factível proteção laboral.
7. Conclusão
As simples, quase singelas, observações ao tema proposto são, no entanto, de real condição de aproveitamento.
Se há, como de fato há, uma necessidade de evolução no regramento do direito do trabalho, consentânea aos tempos presentes, o certo é que a ainda importante CLT não está no papel central. Não porque é a antiga regra de 1943, mas porque a pluralidade desituações de trabalho e complexidade do mundo moderno é um fato.
A esse fato o direito do trabalho vemapresentando parciais – e quem sabe tímidas- mudanças, mas que foram ao longo dos últimos 70 anos compondo com a CLT a regência geral do labor. A Constituição Federal, com seus defeitos e virtudes, também já avanços como demonstrado, mas ainda com menores resultados do que os possíveis, contribui para a perspectiva de evolução.
Isto, no entanto, não tem sido suficiente na moderna sociedade contemporânea tecnológica, que grita por melhores relações de trabalho que sejam capazes de alcançar aos seus exercentes – e os que dele dependem – melhores condições de vida.
Conclui-se, portanto, pela necessidade de alteração dessas regências, inclusive a CLT, obviamente, reformando-sea disciplina para que se afeiçoe à realidade social e econômica, dando fôlego à atividade econômica. Sem condições mais flexíveis e focadas por atividade econômica os empregadores, cada vez mais tornam-se os empregadores incapazes de gerar postos de trabalho e desenvolvimento no país. Resta sensibilizar o poder público, notadamentea classe política, para essa premência, promovendo urgentemente as discussões finais sobre o tema a fim de que se possa dar curso à inadiável reforma trabalhista.
[1]Süssekind, Arnaldo, Maranhão, Délio; Vianna, Segadas; Teixeira, Lima. Instituições de Direito do Trabalho, vol.1, 19ª Ed., p 69.
[2]Nascimento, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho 28ªed. Ver. Atual .São Paulo: LTr, 2002, p49.
[3]Gomes, Orlando e ElsonGottshalk. Curso de Direito do Trabalho. Rio deJaneiro. Forense. 2006. P.43/4/5.
[4]Jorge Neto, Francisco Ferreira. eJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante. Direito do Trabalho tomo I, 5 Ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010.
[5]Anteprojeto de Código de Processo do Trabalho/ André Jobim de Azevedo, relator, Dirson Solano Dornelles, Ricardo Carvalho Fraga. São Paulo: Editora LTr, 1992.
[6]Martins Filho, Yves Gandra da Silva. Manual de Direito e Processo do Trabalho. 18ª Ed. Ver e atual. p.33. São Paulo: Ed.Saraiva, 2009.
[7]Martins Filho, Yves Gandra da Silva. Manual de Direito e Processo do Trabalho. 18ª Ed. Rev. e atual.p.34 São Paulo: Ed.Saraiva, 2009.